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Jogo fragmentado – jogo argumentado

A TV Globo, em seu Esporte Espetacular do último 24 de julho, veiculou uma matéria interessante com dados sobre o jogo brasileiro jogado em 2016. Deu números da Série “A” em comparação, principalmente, ao Brasileirão de 2015. Antes de qualquer comentário, recomendo-a como matéria importante a ser vista por todos os desportistas do futebol!

A verdade dos números mostrou um fenômeno que nós, treinadores e outros profissionais da área, vimos constatando há algum tempo. Os minutos de bola em jogo no Campeonato Brasileiro 2016 são substancialmente maiores que 2015. Será que o jogo truncado está cedendo lugar ao velho e bom jogo brasileiro do toque de bola? Aquele que inspirou Guardiola e incrementou um perfil de jogo para o mundo?

Na prática, o que nos mostra a reportagem é a melhora do jogo praticado pelas equipes brasileiras. O fenômeno é mundial! Nos últimos dez anos, os efeitos do estilo de “jogo Barcelonês” se espalharam por todos os lados. O mundo da bola está jogando um futebol melhor e os brasileiros, ainda que a duras penas, têm acompanhado a tendência. Estamos saindo do futebol fragmentado, com disputas loucas e exclusivas por espaços, para um jogo argumentado em conceitos táticos que respeitam a lógica dos princípios modernos da sua construção.

Não tenho dúvidas que ainda veremos, no Brasil, treinadores caindo após duas ou três derrotas, mesmo com suas equipes jogando melhor que em tempos passados. O que continuará provocando a queda de treinadores no futebol brasileiro serão os resultados. A leitura da bola que entra ou não é mais fácil para a nossa pobre compreensão desse jogo. Ainda não sabemos avaliar o que é jogar bem e não somos capazes de bancar um projeto de construção de jogo se este não for acompanhado de vitórias nos primeiros jogos. “Eles continuam não sabendo o que fazem”!

Para uma mudança abrangente do panorama futebolístico brasileiro muita coisa há de ser reparada no âmbito da gestão esportiva nos clubes e nas Federações, além da construção e aplicação de Leis profissionais e trabalhistas no nosso mercado.

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Que os treinadores estão se qualificando, não há dúvidas. Os resultados apurados na reportagem da Globo são comprovatórios, mas existem muitas outras evidências a nossa disposição. Quem tem olhos para os cursos de formação de treinadores da CBF, verá um grande esforço profissional em busca da qualificação. As salas de aula estão sempre lotadas e é grande a procura por vagas dos treinadores jovens e experientes de todo o Brasil e até do exterior.

Muitas respostas boas têm saído deste ambiente que outrora não existia no futebol brasileiro. Um projeto de altíssimo nível que, se não atrapalharem, veio para ficar, crescer e refazer a Escola Brasileira de Futebol! Os Cursos da CBF foram implantados há quase dez anos e desde então só faz crescer.

Jogar bem é apenas “um passo” na complexa tarefa da construção do jogo, porém não é pré-requisito para vitórias a curto prazo. Pode até ser o caminho para muitas vitórias futuras! É preciso contextualizar o trabalho de campo à realidade imposta pelo futebol brasileiro, com inúmeras dificuldades no trabalho dos treinadores.

Mesmo com o quadro sombrio no mercado brasileiro da bola, os treinadores têm dado sua contribuição para a melhora do jogo. Não me canso de dizer que o treinador brasileiro é muito mais vítima que réu nesse processo de construção e/ou qualificação do nosso jogo. Haja visto o expressivo número de treinadores estrangeiros que têm vindo ao Brasil nos últimos anos sem conseguir fazer melhor que os nossos! Seria bom que eles durassem mais em seus cargos nos clubes para levarem do futebol brasileiro uma análise mais apurada do nosso mercado.

Concluir que apenas não têm tempo para trabalhar ou que “o calendário de jogos é desumano” é muito pouco para uma conjuntura tão complexa quanto a nossa. Acho esse tema importante e com detalhes tão característicos que merece um post exclusivo futuramente. Podem aguardar!!

Prefiro agora valorizar a evidente melhora do jogo jogado em nossos campos. Ótimos treinadores brasileiros têm se empenhado na qualificação dos treinamentos e outros recursos de campo que contribuem para a modernização do jogo. Talvez já seja o prenúncio do que o alemão Paul Britner vaticinou há dois ou três anos, que “quando os brasileiros descobrirem novamente os caminhos da construção do jogo moderno, retomaria a hegemonia mundial”!

Tomara que o Tite, como treinador da Seleção Nacional, ilumine boa parte destes caminhos. Tem competência e credibilidade para contribuir no desencadear deste processo.

Parabéns à Rede Globo e até a próxima! Tomara que com um futebol cada vez melhor praticado em nosso país…

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A primeira vista (sobre o real valor da vitória)

Talvez em virtude de nossa educação e de como fomos acostumados com as conquistas, nós (in)felizmente preferimos o sensacional e o extremamente visível, o que afeta a maneira pelo qual julgamos as pessoas, suas ações e a forma como chegamos às conquistas. Existe pouco espaço na nossa memória para pessoas que não apresentam resultados visíveis ou para aqueles que se concentram no processo ao invés do resultado.

Todavia, aqueles que alegam que preferem o processo aos resultados, não estão dizendo toda a verdade, pois ainda advém da espécie humana. Ouvimos com frequência a meia mentira de que treinadores e jogadores não trabalham pela glória. Outra absoluta verdade, está no fato do futebol ser um esporte que gera um fluxo constante de auto-satisfação: o gol, a assistência, o drible, a bola roubada, o passe, ver o que foi treinado acontecer, passar o adversário, superar o obstáculo, vencer, ou seja, qualquer forma de competição em si. Mas isso, também, não significa que treinadores e atletas não desejam alguma forma de atenção, nem que não estariam melhor se fossem um pouco divulgados. E como diria um amigo: “quem vence conta a história”.

Porém, o que está atrás da nossa mania (hábito/cultura) de dar suprema importância ao resultado é o que os pesquisadores (psicologia) chamam de felicidade hedônica (prazer imediato que dura pouco). Exemplo: Ganhar tudo (4/5 títulos) em uma temporada e nada nas próximas 5, não proporciona o mesmo prazer que ter um título a cada ano durante 5 temporadas.

As conquistas de hoje não sustentam, por si, as conquistas do futuro. O problema de recompensas irregulares não está na derrota, mas, sim em como avaliamos nossa vitória. Saber exatamente o motivo pelo qual ganhamos, saber esse que envolve conceitos técnicos sobre os acontecimentos (comportamentos coletivos e individuais) e não sobre fatores “místicos”, internos ou externos, ao processo que controlamos (de uma forma ou de outra controlamos as nossas ações, treinadores e jogadores). A interpretação do jogo requer conceitos técnicos fundamentais sobre o jogo, interpretar sem conceitos não é interpretar, é qualquer coisa, menos interpretar! Se pretendemos um determinado “futebol”, devemos saber construí-lo. Não podemos ter algo que não sabemos como alcançar. Como, também, não podemos tomar para si a “paternidade” de algo que foi gerado espontaneamente.

Saber o(s) “motivo(s)” e como foi o processo ao longo dos 90 minutos, te oferece subsídios “táticos” (técnico+fisico+estratégico+comportamental) para estruturar o “processo” de desenvolvimento (periodizar metodologicamente treinos e a semana) da equipe para a próxima partida/temporada, assim o placar apenas se transforma em algo visível e duradouro no tempo, um produto para a memória.

Em minha percepção, a felicidade (sucesso) no futebol depende muito mais do número de instâncias de sentimentos positivos ao longo do jogo/temporada/processo do que a intensidade deles quando eles acontecem. O que cria, a partir disto, uma “influência positiva”, coletiva e individual na forma como iremos gerir os problemas e as virtudes ao longo do processo (jogo/período/temporada), aumentando a probabilidade de êxito no(s) próximo(s) obstáculo(s). Ter um jogo/temporada constante taticamente (técnico+fisico+estratégico+comportamental) te traz subsídio mais concreto para acreditar na vitória futura (curto/médio/longo prazo) do que lampejos de “algo positivo”. Em outras palavras, vitória, antes de tudo, é vitória. Estar ciente de como foi é mais importante do que ela por si só. Assim, para se ter uma vida agradável, deveríamos espalhar essas “pequenas” “influências positivas” ao longo do tempo (jogo/temporada) da maneira mais homogênea possível. Muitas notícias modernamente boas são preferíveis a uma única notícia muito boa.

O problema, obviamente, é que não vivemos em um ambiente em que os resultados são obtidos de forma regular. As vitórias surpreendentes dominam boa parte da história do futebol brasileiro. É uma lástima saber que a estratégia adequada para o ambiente atual possa não oferecer, a priori, recompensas internas e reações positivas a curto prazo. Como se diz: “Viver com esperança, é sofrer”.

Neste contexto, faço referência a Unai Emery, atual treinador do PSG. Que comandou o Sevilla nas últimas 3 temporadas, em 3 conquistas consecutivas da Europa League, obtendo um aproveitamento de 51% (2015/2016), 70% (2014/2015) e 58% (2013/2014) ao longo destas temporadas. Trago um vídeo que editei da Construção Ofensiva sobre Pressing, do PSG ante Real Madrid, em um amistoso nesta temporada. Um padrão de comportamento coletivo que podemos esperar do PSG ao longo dos jogos nesta temporada de 2016/17.