Sinédoque é uma figura de linguagem usada quando se toma a parte pelo todo. Essa é uma das bases do filme “Sinédoque: Nova York”, de Charlie Kaufman, lançado em 2008. Focada em um diretor de teatro que prepara uma nova peça, a obra aprofunda a simbologia utilizada anteriormente pelo cineasta para discutir a relação entre homem e meio e o quanto um influencia o outro.
A reta final do Campeonato Brasileiro de 2016 também é uma questão de sinédoque. Para o bem ou para o mal, as principais disputas do certame nacional serão influenciadas por uma ordem sistêmica e terão relação com fatores que nem sempre aparecem dentro das quatro linhas.
O Palmeiras, por exemplo: líder do Campeonato Brasileiro, dono de um elenco equilibrado e de uma campanha sem altos e baixos, o time paulista chegou ao trecho final da tabela como o time a ser batido. Não apenas pela pontuação acumulada, mas pelo ambiente que se criou. O grande desafio agora é a manutenção disso, a despeito da expectativa por um título que a equipe não conquista desde 1994.
Também pesam sobre o Palmeiras alguns fantasmas – o título perdido em 2009 ou a insegurança do técnico Cuca, por exemplo. O time até pode funcionar em campo, mas precisa lidar com toda essa bagagem para que o ambiente vencedor não seja debelado na reta final do Brasileiro.
Um bom exemplo nesse sentido é o Corinthians de 2015. O time alvinegro conviveu com salários atrasados e intensa crise política durante a maior parte do Campeonato Brasileiro. No fim do primeiro semestre, perdeu também algumas de suas referências técnicas e emocionais (Emerson, Fabio Santos e Paolo Guerrero, principalmente). No entanto, o técnico Tite conseguiu blindar o grupo e impedir que essas pequenas crises comprometessem o todo.
Tite também tem feito esse papel na atual seleção brasileira. A equipe nacional vivia uma crise de credibilidade causada por sucessivos escândalos na CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e convivia com críticas ferrenhas ao estilo do técnico Dunga, que comandou o grupo até meados deste ano.
Quando trocou a comissão técnica, a cúpula da CBF imaginou substituir Dunga por alguém que tivesse maior aprovação (ou menor rejeição) em âmbito nacional. Tite fez mais do que isso: construiu em torno do time uma redoma e moldou em poucos jogos um bom ambiente que havia sido descartado. Ainda que seja uma parte de uma engrenagem que nem sempre roda de forma correta, o treinador soube livrar seu trabalho da influência externa.
São muitos os exemplos similares no esporte. Times foram campeões a despeito de problemas de relacionamento entre seus atletas ou apesar de crises institucionais em suas diretorias. Em todos os casos, uma chave para que isso aconteça é um bom plano de comunicação.
O Campeonato Brasileiro disputado em sistema de pontos corridos aumenta a margem para esse tipo de interferência externa. São muitos meses de competição, com elementos como janela de transferências, crises financeiras, instabilidade política e similares.
O Flamengo poderia ter sentido mais a ausência do técnico Muricy Ramalho, que iniciou a campanha com o time e se afastou por problemas de saúde. O Atlético-MG poderia ser mais influenciado pelo mau momento do técnico Marcelo Oliveira, em baixa com a torcida. O Santos poderia sofrer mais com desfalques como a negociação de Gabigol ou a lesão de Gustavo Henrique. No fim, ainda que todos tenham sofrido percalços, esses times souberam manejar problemas internos e tiveram tempo para lidar com isso sem cair na tabela.
A questão é que esse enorme volume de fatores externos acaba prejudicando a competição como um todo. Palmeiras, Flamengo, Atlético-MG, Santos e outros candidatos ao título durante o ano tiveram de superar suas próprias limitações. No fim, é um título de quem sofre por menos tempo.
Se tivesse um interesse no todo, a CBF trabalharia para diminuir a incidência de fatores externos em sua principal competição. Se houvesse um interesse coletivo, os clubes brigariam por isso.
Contudo, o que existe é apenas uma leva de times em busca de projetos. Clubes que procuram alguém com uma varinha mágica ou com um escudo intransponível. Equipes que tentam achar um técnico, um ídolo ou até um dirigente para fazer essa interface com as cobranças.
O futebol brasileiro não sabe lidar com a relação entre parte e todo. Faltam projetos institucionais e faltam visões de comunicação para isso. Com esse cenário, o principal título nacional será uma prova de resiliência. Faltam cinco rodadas para isso.