Em eleição realizada no último sábado (03), Andrés Navarro Sanchez, 54, voltou à presidência do Corinthians. Vai ocupar no próximo triênio o cargo em que já havia estado entre 2007 e 2011, período que sedimentou uma das fases mais prolíficas do clube em campo, mas também aumentou vertiginosamente o endividamento e inseriu a agremiação no noticiário policial (ou nas denúncias que levaram políticos ao banco dos réus). Não foi o retorno do estilo dele, contudo, a grande notícia do dia no Parque São Jorge. O processo que determinou o rumo administrativo da equipe alvinegra num futuro próximo foi marcado por protestos, violência, cenas constrangedoras e sobretudo pela falta de representatividade. Num universo de mais de 30 milhões de torcedores, pouco mais de 3 mil participaram do pleito (o vencedor contabilizou 1.235 sufrágios).
Durante o dia de eleição, uma equipe de reportagem do canal fechado “ESPN Brasil” foi vítima de agressões (um chute e uma mordida, pelo menos). Outros profissionais foram ameaçados de diferentes formas, e até o próprio Sanchez teve de lidar com o clima hostil. Após ter sido eleito, o presidente foi atacado com um copo de cerveja e teve de passar pelo menos 20 minutos escondido em um banheiro feminino.
Há uma série de análises a serem feitas sobre o que motivou protestos e o que fomentou o ambiente conturbado no Parque São Jorge. A motivação, porém, não interfere no sentimento decorrente da eleição: existe um descolamento entre os torcedores alvinegros e a política alvinegra. Não é um caso isolado – basta lembrar o que aconteceu recentemente com o Vasco –, mas emblemático.
Num processo de comunicação, poucas coisas são mais complicadas do que exilar o consumidor. O que acontece em clubes brasileiros é um retrato de erros empilhados e tem como consequência o estabelecimento de um hiato. Essa distância entre entidade e público impede que as organizações conheçam efetivamente as pessoas que gostam de sua marca e o quanto é possível lucrar com esse vínculo.
O cenário constituído no futebol brasileiro faz com que seja uma falácia a ideia de que os grandes clubes têm milhões de torcedores. De que adianta contar com um contingente tão grande se a marca não conversa com esse público e não sabe aproveitar o potencial que ele tem?
Um contraexemplo no início de 2018 tem sido dado pelo Cruzeiro. Entre os times da primeira divisão do Campeonato Brasileiro, o time mineiro detém até aqui um dos desempenhos mais expressivos da temporada. No entanto, não é por isso que tem sido um dos líderes de público. No domingo (04), a torcida azul levou quase 50 mil pessoas ao Mineirão em vitória por 1 a 0 sobre o América-MG. Não pesou contra os adeptos o fato de ser início de ano ou de ser um clássico válido pelo Estadual (no atual contexto, um certame com menos relevância).
O Cruzeiro é um exemplo porque a atração real tem de ser o clube, e não a competição ou o contexto. O torcedor tem de ser impelido a ir ao estádio apenas para ver sua equipe em ação, mas esse é um processo que depende de o time conhecer seu público e saber como se comunicar com ele.
Nesta segunda-feira (05), a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) fará reunião com os clubes para discutir o regulamento do Campeonato Brasileiro. Haverá debates sobre a venda de mando de campo e o uso de gramado sintético, por exemplo.
O caso da venda de mando é uma distorção que reflete bem o conceito deste texto. No ano passado, o Madureira sofreu para conseguir classificação para a Copa do Brasil e celebrou a possibilidade de disputar um dos principais torneios do país. O time carioca enfrentou o São Paulo na primeira fase, mas não permitiu que seus torcedores conferissem isso de perto. Mais: após passar meses contando como era importante a classificação para a Copa do Brasil, impediu que seus adeptos desfrutassem ou pudessem ter certeza de tudo que foi comunicado. Em vez disso, a diretoria vendeu o jogo para Londrina, enfrentou os paulistas em campo neutro e viu seu time ser eliminado.
O dinheiro advindo da venda de mando foi relevante para a própria manutenção do Madureira. Se não tivesse feito isso, talvez a diretoria tivesse jogado em um estádio vazio e sofresse para fechar as contas da temporada. É um dilema causado pela má gestão de diferentes elementos (o calendário, os Estaduais e a própria marca dos clubes).
O fato é que os clubes brasileiros podem ter evoluído em muitos aspectos, mas ainda não se esforça para saber mais sobre quem consome o esporte e os motivos de quem deixa de consumir a despeito de ter vontade.
O potencial do futebol brasileiro não está subdimensionado; está alijado do processo, longe do conhecimento do público. Os clubes poderiam estar muito preocupados com esse desperdício de informações – sobretudo numa época em que esse conhecimento sobre o público, com comunicação e anúncios direcionados, é tão comum. O que acontece, contudo, é uma preocupação com o jogo político (interno ou externo).
Abel Braga, técnico do Fluminense, fez uma pergunta retórica no último domingo que diz tudo sobre o atual momento do futebol brasileiro. Consternado por ter de jogar longe do Rio de Janeiro e por ter sido eliminado da Taça Guanabara, equivalente ao primeiro turno do Estadual do Rio de Janeiro, o comandante questionou: “Qual é a nossa identidade?”.
A verdade, Abel, é que os clubes brasileiros ainda se preocupam pouco com isso.
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