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As consequências de uma metodologia adequada e eficiente

No nosso contexto formativo, podemos generalizar um pouco e afirmar que o aprendizado é deixado ao acaso. O termo “grade curricular”, por exemplo, é muito associado ao ensino escolar, onde se respeita o processo de desenvolvimento do indivíduo de forma integral, ou seja, o programa de formação consiste no desenvolvimento intelectual, pessoal, social e físico. Entretanto, esta estrutura é muito pouco utilizada em nossas categorias de base, acabando por fortalecer avaliações subjetivas e sem critérios e favorecer aqueles jogadores que por algum motivo saltam aos olhos em dado momento.
Pensando então em organizar este processo, faz sentido levar em conta as fases de desenvolvimento do jovem futebolista utilizando uma estrutura hierarquizada que descreva quais são os pontos mais importantes a serem trabalhados nos treinos e que ajude a selecionar de forma racional as atividades a serem realizadas. Além disso, um programa de formação estruturado e organizado inclui abordagens para 1) o ensino, aprendizagem e avaliação, 2) qualificar as relações entre treinadores e treinador-jogador e 3) sustentar os valores incorporados pelo clube.
Mas quais seriam estes estágios e por onde poderíamos começar?
Uma das maneiras mais simples é realizar o agrupamento por faixa etária e então partir para observações mais específicas (desenvolvimento motor, físico, técnico-tático, cognitivo, socioafetivo, etc). Desta forma, o caminho de desenvolvimento que o jogador percorre durante anos apresenta-se claro e sustentado por princípios que respeitam suas características e necessidades, permitindo ainda, que o jovem adquira autonomia nas atividades habituais de maneira progressiva.
Na figura abaixo, podemos ver um pequeno exemplo de como cada estágio promove um foco de desenvolvimento diferente, e como esta estrutura ajuda a saber quando os jogadores deveriam iniciar (-) e quando deveriam mostrar competência (+) em certas habilidades.

Figura retirada do livro Complete Soccer Coaching Curriculum for 3-18 Year Old Players: Volume 1

 
Com isto em mente, a condução do processo deixa de ser somente subjetiva e favorece a uma melhora progressiva dos jovens jogadores. Mas antes de qualquer coisa, é muito importante que os treinadores entendam sobre cada estágio de desenvolvimento e o nível de proficiência do jogador.
Por isso, não podemos trabalhar ao acaso implementando os mesmos conteúdos e métodos de treino nos diferentes escalões. Da iniciação ao alto rendimento, os jovens precisam passar por um processo de formação coerente, com objetivos, estratégias e conteúdos adequados. Neste processo, é essencial que os princípios de jogo estejam presentes.
Estes princípios são basicamente um conjunto de normas que orientam a tomada de decisão dos jogadores, sendo colocados como conteúdos centrais do processo de ensino/aprendizagem e devem ser ensinados de forma explícita. Começando pelos princípios fundamentais (*Progressão, Contenção, Cobertura Ofensiva, Cobertura Defensiva, Mobilidade, Equilíbrio, Espaço e Concentração), podemos possibilitar aos jogadores que participem inúmeras vezes e de forma direta no jogo. Isto importa pois, um grande número de ações ajuda o praticante a melhorar a execução técnica que o jogo exige, proporciona informação suficiente para tomadas de decisão mais rápidas e acertadas, além de transformar a atividade em algo mais dinâmico e motivante.
Mas estes comportamentos são inerentes ao jogo, ou seja, se manifestam independentemente do modelo de jogo adotado. Aqui nos deparamos com situações de jogo que podem variar desde um simples 1×1, até situações de 3×3 com ocorrências mais espontâneas e comportamentos mais imprevisíveis, podendo-se observar situações similares, mas nunca iguais.
Evidentemente, o clube precisa promover o próprio jogo. Assim, o ensino evolui progressivamente em direção aos princípios específicos de organização coletiva. Aqui evidenciamos a necessidade de compreender o jogo, de se ajustar ao que ocorre perto da bola mesmo estando distante dela, de perceber o que fazer em função de ter ou não a bola e atuar de acordo com o modelo de jogo adotado. Trata-se do ensino dos princípios de organização coletiva (Princípios Gerais, Princípios Específicos e Princípios Estruturais), ou seja, a parte previsível do jogo, aqueles comportamentos que tendem a ocorrer de forma predominante e que são treinados diariamente.
Neste sentido, a exercitação do modelo de jogo objetiva o modo como se pretende jogar. Trata-se do ponto de partida essencial e referencial, estabelecendo linhas orientadoras que indicam o caminho para a resolução das situações de jogo com pleno sentido coletivo e uma organização eficiente.
Resumidamente, um programa de formação ajuda a estabelecer padrões para cada estágio de desenvolvimento de forma que:

  • O progresso dos jogadores e treinadores possa ser monitorado.
  • Metas e melhorias possam ser estabelecidas.
  • Os jogadores possam ser desenvolvidos de forma apropriada.

Esta estrutura fornecida pelo clube, facilita a transição dos jogadores entre os escalões promovendo a continuidade daqueles que merecem, a coerência na avaliação final e maior compreensão e cooperação da equipe de treinadores no modelo utilizado pelo clube.
 
* Na literatura o 1º princípio ofensivo é definido como “Penetração”, mas por se tratar de um conteúdo formativo acredito que “Progressão” seja mais apropriado.
**Uma leitura bastante interessante a respeito do tema, é o livro Complete Soccer Coaching Curriculum for 3-18 Year Old Players: Volume 1
 

 

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Entre o clube e o jogador

Bem-vindos a nossa terceira semana do “Entre o Direito e o Esporte” nesse mês de março e de suas águas. Hoje nós vamos continuar a nossa conversa sobre o que a gente acha “Entre o esporte e o trabalho”, e no caso de hoje o que o clube tem que fazer para não perder um jogador – coisa que a gente nunca vê na capa de nenhum jornal, ainda mais nessa semana, né torcedor da cidade de São Paulo?
Só para deixar um pouquinho mais fácil, vou deixar aqui o caminho que a gente vai seguir na conversa de hoje: primeiro vamos ver o que todo contrato do clube com o jogador tem e que o clube precisa cumprir (aquelas cláusulas padrão, que nem na semana passada), depois a gente vai trocar umas ideias sobre o que pode ter no contrato e que o clube precisa cumprir (as cláusulas extras que costumam ter nesses contratos), e depois vamos falar um ou outro detalhe que é bom o clube ficar de olho se não quiser problema para o lado dele.
Bora lá?
O que a gente acha em todo contrato de clube e jogador é até um pouco de bom senso. A regra geral aqui é “o básico”. Um clube depois que registrar o jogador tem que pagar um salário fixo ou variável por mês, e pagar as despesas extras quando tem concentração e viagem – a passagem, o hotel, e a comida. Agora, se um clube não consegue nem fazer isso… a situação está feia, né? Jogador profissional não é escravo, não trabalha de graça, e também não paga para trabalhar. De novo, bom senso.
Fora isso, o clube também tem que dar ao jogador assistência médica e odontológica quando tem algum problema (como lesão) por causa de um acidente durante o treino ou um jogo (tipo aquele carrinho criminoso no amigo chato no jogo do final de semana). Além de garantir ao atleta boas condições de higiene (sem baratas no vestiário) e de segurança no trabalho (de preferência o celular do jogador é do jogador, e não pode sair do vestiário andando sozinho por aí).
Fora isso, falta alguma coisa? Sim, imagina que acontece o que ninguém espera que aconteça e o time ou o jogador sofre um acidente. O que o bom senso pede? Seguro de vida e de acidentes pessoais, isso! O clube precisa contratar esse tipo de seguro para o atleta, já que a gente nunca sabe o dia de amanhã.
Isso é o básico do básico e até aí sem problemas, certo? Agora vamos para o que a gente acha na maioria dos contratos de trabalho do jogador de futebol. Aí saí um pouco do básico e passa para o que é bom, pelo menos conversar antes de assinar um contrato. Passa do bom senso para os bons e velhos costumes do mundo da bola.
Imagina que o seu clube vai contratar aquele jogador. Me diz, o que o seu clube vai oferecer a mais para seduzir o cara a vestir a camisa? Bom, um dinheiro extra é sempre bem-vindo e é aí que entram os bônus e os bichos (por gol, por assistência, por partida, por premiação, por campeonato, e a lista vai seguindo).
Agora dinheiro não compra paz de espírito e nem felicidade, então tem bastante jogador que gosta de receber um agrado extra. O que deixaria a sua vida mais fácil? Isso mesmo! Uns penduricalhos aqui e ali como carro, casa, comida e roupa lavada! Além de fundos de pensão e previdência privada, reembolso em caso de mudança de cidade ou país, uns dias de férias a mais, e mesmo material esportivo (ou até roupa para sair na balada mesmo). Tudo isso pode estar no contrato de um jogador de futebol.
Além disso, é bem capaz de achar alguma parte falando sobre imposto – que todo mundo deveria pagar, embora não seja sempre assim. Aliás, aí é uma questão bem importante. Imagina se o seu clube quer trazer aquele artilheiro gringo? E aí, o cara vai pagar imposto aqui e no país dele dependendo do caso… como é que faz? O cara vai sofrer duas vezes no ano? Bom, alguns clubes se dispõem a quebrar o galho e pagar o pato nesses casos, né.
Fora imposto, imagina que o cara é um ídolo do seu clube. O que mais dá para oferecer? Isso mesmo, um planejamento de carreira para além do campo. Ou seja, quando o atleta se aposentar o clube pode pagar uns cursos para quem sabe ele ajudar o seu clube de outra maneira – virar um técnico, um dirigente, um advogado, aí tem louco para tudo!
Lembrando que tudo isso o clube tem que cumprir. E o que acontece se o clube não fizer isso? Bom, o jogador vai colocar o clube no… opa, desculpa. O atleta irá ajuizar uma ação em face do seu empregador, o clube. Agora que falei a frase bonita, posso voltar ao normal… bom, depois que o clube c*** no p** para o jogador, é fácil adivinhar o que acontece. Ao menos os paulistas sabem bem nessa semana, o atleta tenta “se livrar” do clube na Justiça do Trabalho (ou na CNRD, mas aí são outros quinhentos que fica para outro dia) e fica livre (ou quase livre) para assinar com outro clube (mesmo que depois não possa jogar no meio do campeonato logo quando tinha virado titular – ô beleza!). E, nessa brincadeira, se o jogador tem razão mesmo é bem capaz de levar uma bolada a mais para casa no fim do dia – e deixar o advogado dele feliz da vida. Ou… ficar sem jogar.
Além disso, o clube ainda tem mais três obrigações que é sempre bom lembrar. O que acontece quando o jogador do seu time é chamado para um jogo de seleção em uma data oficial da FIFA? Sim, o seu clube tem que liberar o cara. E o que acontece se o atleta é um gringo e não mora no Brasil já? Isso, o seu clube tem que garantir que o cara tenha um visto de trabalho para poder jogar por aqui. E o que acontece se um esperto quer assinar um contrato de trabalho com o jogador e dizer que é dono dele sem ser um clube? Nada, porque o contrato não é válido (ao menos como jogador de futebol) e o seu clube não pode aceitar esse tipo de negócio.
Bom, hoje é isso! Um pouco mais tranquilo e mais leve do que o normal, espero que tenham gostado de mais um “Entre o Direito e o Esporte” aqui na Universidade do Futebol. Quase que um guia de sobrevivência para seu time não perder aquele jogador – e espero que um dia sigam o básico pelo menos, né?
Fico por aqui nessa semana, e na próxima sexta-feira a gente vai conversar um pouco sobre os regulamentos do mundo da bola que dão as caras no contrato do jogador do seu clube. Fechou? Vejo vocês daqui sete dias! Deixo meu convite para falarem comigo por aqui, pelo meu LinkedIn, ou pelo meu Twitter. Valeu? Bom final de semana, e até mais!

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O São Paulo está doente

Mais uma vez, o São Paulo demitiu um treinador. Mais um ano começa e o time perdeu alguns jogadores e contratou outros. Mais uma vez a perspectiva de títulos é diminuta. Tudo isso tem relação. Lei da causa e efeito. Ou da semeadura, para os mais religiosos: colhemos o que plantamos.
A troca constante de técnicos faz com que não existam conquistas, porque futebol é sequência, conjunto e entendimento de uma série de comportamentos e princípios e sub-princípios de ataque, defesa e transições. Mas vamos voltar o nosso olhar para algo mais amplo e complexo. Toda essa falta de norte emerge da bagunça política e administrativa que o São Paulo Futebol Clube atravessa há uns bons anos. Desde o terceiro mandato de Juvenal Juvêncio, passando pela renúncia de Carlos Miguel Aidar e culminando agora com Leco.
Tenho a plena convicção que o resultado dentro de campo é reflexo de tudo o que acontece nas relações entre todos os setores do clube. Do porteiro ao presidente, passando pelos jogadores e pelo técnico. Todos têm a sua parcela nas conquistas e nos fracassos.  Uma má administração dificultará muito o processo de formação de uma equipe vencedora.
O São Paulo ganhou um título nos últimos dez anos. Inúmeros treinadores passaram pelo clube nesse tempo e nenhum teve sucesso. Claro que podemos apontar falhas em cada um dos profissionais que estiveram liderando o trabalho de campo. Porém, não é possível afirmar que eles são os problemas e que o clube é que é a vítima. Há algo errado na estrutura, no arcaico jeito de fazer e planejar. O que funcionava há dez anos, hoje já ficou superado.
Com a atual visão de futebol dos seus cardeais, o Tricolor só será o primeiro dentre os grandes na letra de seu hino.

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Discutindo Treino – 3

Olá, caro leitor!
Na coluna desta semana iremos discutir sobre dois exercícios de treino nos quais o foco das abordagens será para as referências operacionais de manutenção da posse da bola, progressão ao alvo adversário e recuperação da posse da bola.
O gol, para a ampla maioria daqueles que jogam e que desfrutam ao assistir uma partida de futebol, é talvez o objetivo máximo do jogo. Digo talvez pois, o jogo desperta várias emoções naqueles que o vivenciam e, não necessariamente para todos, o gol seja o evento do jogo onde haja a maior descarga de serotonina (um dos hormônios responsáveis pela sensação de prazer). Porém, é o número de gols marcados que determina qual será a equipe vitoriosa, sendo assim, são os principais objetivos do jogo, e podem ser alcançados de diversas formas a partir dos comportamentos treinados e manifestados numa partida.
Trago, hoje, dois exercícios que utilizo, no intuito de criar comportamentos na equipe a fim de aproximar (a partir das crenças e experiências com o jogo que o clube, atletas e eu possuímos) a equipe deste objetivo essencial para se vencer os jogos: marcar gols.
 

Jogo Conceitual para Manutenção da Posse de Bola

  • Conteúdos Primários: gerar apoio, criação constante de linhas de passe (próximas e distantes) para o portador da bola, retirada rápida da bola de zonas de pressão adversária, pressão constante ao portador da bola e coberturas.
  • Conteúdos Secundários: mobilidade, desmarques, passe, domínio, rápida transmissão da posse individual da bola e abordagens de marcação.
  • Desenvolvimento: equipes de 4 jogadores, num campo dividido em 4 setores. Ficam 4 jogadores da equipe “A” dentro do campo contra 2 jogadores da equipe “B”, os outros 2 jogadores da equipe “B” ficam fora do campo demarcado, sendo apoio aos seus companheiros. Os jogadores da equipe “A” buscam manter a posse da bola trocando 8 passes entre si para ganhar 2 pontos, estes não podem devolver um passe para o mesmo jogador de quem recebeu, a não ser que este se desloque para um setor diferente do que fez o passe. Os jogadores da equipe “B” buscam recuperar a posse da bola e rapidamente realizar passes para os apoios, pois sempre que a bola sair de um apoio e chegar ao outro, a equipe ganha 1 ponto. Não são permitidos passes de apoio para apoio. É livre a quantidade de toques na bola para todos, porém os apoios tem 3’’ de posse individual da bola.
  • Feedbacks: são realizados com o intuito de que os jogadores busquem gerar constante apoio e linhas de passe ao portador da bola, busquem espaços vazios e desmarcar-se do adversário, rápida transmissão da bola entre eles, pressão constante ao portador da bola e realização de coberturas pelos demais, rápida retirada da bola de zonas de pressão adversária e rápida mudança de comportamento.

 

Jogo Conceitual para Progressão ao Alvo Adversário

  • Conteúdos Primários: gerar apoio, criação constante de linhas de passe (próximas e distantes) para o portador da bola, busca por passes de ruptura, dribles verticais, pressão constante ao portador da bola e coberturas.
  • Conteúdos Secundários: mobilidade, desmarques, penetrações, passe, domínio, rápida transmissão da posse individual da bola, retirada rápida da bola de zonas de pressão adversária e abordagens de marcação.
  • Desenvolvimento: equipes de 4 jogadores, em um campo dividido em 2 setores. Assim, 8 jogadores se enfrentam com o objetivo principal de cruzar a linha de fundo adversária com a bola dominada para ganhar 1 ponto.
  • Feedbacks: são realizados com o intuito de que os jogadores busquem gerar constante apoio e linhas de passe ao portador da bola, busquem espaços vazios (principalmente próximos a linha de fundo adversária) e desmarcar-se para que haja rápida transmissão da bola entre eles, pressão constante ao portador da bola e realização de coberturas pelos demais, rápida retirada da bola de zonas de pressão adversária e rápida mudança de comportamento.

Após a exposição das duas atividades, pode surgir a seguinte dúvida: “Ok, mas, Danilo, você disse que as atividades visavam facilitar a equipe para que conseguisse marcar gols. Porém, não há gols e nem goleiros na atividade! Como então estes trabalhos irão facilitar isso?”

Caro leitor, peço que retorne ao primeiro parágrafo do texto. Nestas atividades, não está evidenciada a Referência Operacional do Ataque Alvo (não na forma de balizas defendidas por goleiros), porém todos os outros conteúdos que irão facilitar a equipe a marcar gols estão evidenciados. Basicamente, faz gols a equipe que está com a bola e quanto mais perto da baliza adversária, maior será a chance de se conseguir fazer um gol.

Nestas atividades faço a inserção dos goleiros realizando ações com os pés, e/ou com as mãos. Podendo ser um apoio ofensivo ou um coringa que pode recuperar a bola com as mãos em qualquer parte do campo e a repor para a equipe contrária, ficando a critério da comissão inserir os goleiros da melhor forma como entender para o momento.

Não há empecilhos para que nestas atividades, sejam adicionadas balizas, desde que o treinador saiba como manipular as regras do treino a fim de serem coerentes com os seus objetivos para a sessão.

Muitas variações podem decorrer destas atividades, assim como inúmeros outros exercícios podem ser realizados para se trabalhar estes conteúdos. Convido o leitor para que expresse sua opinião sobre estes exemplos e que traga novos também, afinal, vamos agregar, vamos evoluir, vamos discutir treino!

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VAR que veio pra ficar

“Por mais justiça nos jogos”. Esta foi a frase do suíço Gianni Infantino, presidente da Federação Internacional de Futebol (FIFA) sobre a utilização do vídeo-árbitro, que será feita em quatro momentos: situação de gol, identificação de atletas, penalidades máximas e cartões vermelhos. O uso desta tecnologia é marco para a modalidade e é caminho sem volta.
Outros esportes mostram o quanto é possível o recurso existir sem prejuízo do jogo. Historicamente percebe-se o quanto atletas, equipes e torcedores sofreram com decisões incorretas. Para não falar dos inúmeros interesses comerciais (e até políticos[1]) que tiveram outros rumos (não os mais favoráveis) após contestáveis decisões dos árbitros. Ademais, se um dos pilares da entidade máxima do futebol é a transparência, a decisão sobre a institucionalização do VAR vai em encontro aos pressupostos da organização.
Obviamente este assunto gerou polêmica e incontáveis comentários, sobretudo sobre sua implementação no Brasil, os custos gerados e a conta a ser paga por quem. Claro que existem inúmeros protocolos a serem seguidos – cada modalidade possui o seu -, e outros esportes conseguem fazer isso de maneira mais barata. Por outro lado, como bem disse o presidente da FIFA, haverá mais justiça nos jogos. Foi o que se concluiu depois de mais de 20 torneios analisados e, com isso, o jogo ficará mais interessante. Ora, como se sabe disso? Clareza e transparência na arbitragem do futebol. Os dois objetivos máximos de uma federação esportiva (quer seja local, regional, nacional e internacional) são: preservar e difundir o jogo.
Com o VAR, preserva-se o esporte porque a utilização do recurso sugere a justiça, a clareza e a transparência. Com isso o jogo é mais aceito, contribuindo para a sua difusão.
Com tudo isso, a sua implementação no Brasil é questão de tempo. O futebol pede por isso e a grande maioria dos torcedores, também. A mudança está em curso pelo mundo todo. Saber lidar com este recurso (Árbitros, vídeo-árbitros, atletas, torcedores e imprensa) é posicionar o Brasil em posição de vanguarda no universo do futebol. E isso não se dá apenas dentro de campo, mas fora dele também e que diz respeito à gestão e desenvolvimento da modalidade.
 
[1] Em 21 de Junho de 1982, o Príncipe do Kuwait, Al-Sababe, desceu das tribunas em direção ao campo de jogo para reclamar com o Árbitro, o soviético Miroslav Stupar, de um gol francês de Michel Platini marcado supostamente de maneira irregular. O Príncipe conseguiu a anulação do gol mas não impediu a vitória da França sobre o Kuwait por 4 a 1 pela Copa do Mundo da Espanha daquele ano.

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Quando o silêncio é criminoso

O Dia Internacional da Mulher, em 8 de março, serviu como mote para demonstração de alinhamento com o tempo. Corinthians e São Paulo estão entre os exemplos positivos, com destaque para a equipe do Morumbi. Com dados, embasamento e um tom tão assertivo quanto acertado, a diretoria tricolor aproveitou a data não para comemorar, mas para criar um marco e aderir a uma luta constante por direitos, igualdade de gênero e avanço social. Não foi apenas um reconhecimento do que realmente é o significado da data, mas uma comunicação que demonstrou entendimento ao mundo de hoje. Cada vez faz menos sentido tratar o feminino a partir de estereótipos que pulularam a comunicação durante década – o que é extremamente positivo –, ainda que a efeméride deste ano tenha alicerçado campanhas como a rede de restaurante que deu folga ou remanejou homens para ter uma loja apenas com mulheres ou a prefeitura que colocou cílios gigantes nos semáforos.
Entre tantos escorregões e absurdos disfarçados de boas intenções também há os que se calam. Não apenas numa data simbólica, mas a conivência que permeia o dia a dia. A conivência com “piadas”, comentários ou gracejos, aprendemos nos últimos anos, é tão nociva quanto a disseminação desse tipo de conteúdo. Quem fecha os olhos diante de injustiças está inevitavelmente se colocando de um lado da história.
É por essa lógica do silêncio nocivo que não se pode aceitar manifestações como o programa constrangedor da “TV Bandeirantes” com musas do Goiás e do Vila Nova em Goiás; é por causa disso que não se pode aceitar a “justificativa” da emissora local, que tentou tratar a atração como uma provocação ou exposição de como o machismo é cruel; é por causa disso que tampouco se pode calar diante da complacência da Fundação Getúlio Vargas, que puniu com três meses de suspensão um aluno que compartilhou imagem de um estudante negro com a legenda “esqueceram esse escravo no fumódromo”. Ora, se a instituição entende que o estudante é culpado, e portanto cometeu um crime ao propagar tamanho absurdo, o mínimo a se fazer é a expulsão. Sobre isso, recomendo o pertinente documentário “The Hunting Ground”, disponível na plataforma Netflix. O silêncio não é exclusividade da FGV e não devasta apenas as minorias do Brasil.
Casos de temas pungentes, como machismo e racismo, tornam mais simples a compreensão do quanto o silêncio pode ser destrutivo. O futebol brasileiro ofereceu outro exemplo na última semana, ainda que menos grave, mas igualmente didático: a articulação para conduzir Rogério Caboclo à presidência da CBF (Confederação Brasileira de Futebol).
Caboclo é braço-direito de Marco Polo Del Nero, último presidente eleito da entidade, alvo de investigação sobre corrupção em contratos internacionais do futebol. Ciente de que a Fifa e o FBI impedirão seu retorno ao cargo, o ex-mandatário promoveu articulação com federações estaduais para promover seu sucessor e garantir uma continuidade de diretrizes na instituição nacional. Como diz o ditado, é como mudar as moscas para manter o bolo.
Del Nero recebeu em um apartamento da Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, os presidentes de federações estaduais. Conseguiu assinaturas de 20 deles para viabilizar a candidatura de Caboclo e afastar qualquer movimento opositor.
O colégio eleitoral da CBF é constituído por 27 federações, e cada uma tem peso três em seus votos. Também participam os clubes da Série A (20 equipes e peso dois) e da Série B (20 equipes com peso 1). Nessa composição, obra de outra manobra de Del Nero, as entidades diretivas valem 81; os times somam 60.
A articulação da última semana incluiu farta distribuição de cargos. Os vices da CBF, que antes eram cinco, serão oito a partir do próximo mandato. Além disso, a entidade nacional literalmente sustenta a maior fatia de seu colégio eleitoral – há uma “mesada” para federações, e nos casos dos estados menos ricos esse dinheiro representa parte indispensável no orçamento.
E os clubes, que já haviam sido passados para trás na composição do colégio eleitoral, mais uma vez silenciam. Ainda que a articulação de Del Nero tenha sido reprovada por muitos, não houve qualquer manifestação pública ou ação política em direção contrária. Sabe-se lá por qual motivo, mas as direções de equipes acompanham bovinamente a mais essa movimentação para mudar sem sair do lugar.
Paralelamente, o Santos ignorou acordo para negociação em bloco, rompeu o que havia combinado com diretorias de times como Atlético-PR e Bahia e fechou com a Globo a cessão dos direitos de transmissão de seus jogos para a rede aberta. O grupo é formado por times que haviam alinhavado com o Esporte Interativo a exibição em TV fechada, e a presença do clube da Vila Belmiro dava mais peso nas conversas com a emissora carioca.
Assim como tem acontecido escancaradamente desde o fim do Clube dos 13, o movimento do Santos é uma luta individualista e pensa apenas no bem do clube. É lícito e compreensível que a diretoria adote esse comportamento, mas isso também diz muito sobre o atual momento do futebol brasileiro.
Qual é o espaço que os clubes têm para discussões sobre o futuro do jogo? Em que momento eles pensam sobre detalhes, plano estratégico ou ações de comunicação para melhorar o futebol nacional como produto? Quando eles conseguem estabelecer parâmetros para formação de atletas, pensar num projeto de longo prazo e entender a concorrência com outras ligas e/ou outras formas de entretenimento?
O futebol brasileiro trilha um caminho de perda de relevância, e isso tem relação direta com o individualismo dos clubes. Tem relação direta com a ausência de uma articulação que realmente represente os torcedores e que pense no que o público quer para o jogo.
Essa discussão demanda vontade política. É preciso comprar brigas e adotar posicionamentos. É preciso reagir. O silêncio, no caso do futebol brasileiro, é a pior resposta e apenas fomenta a imagem de morosidade ou de que é impossível fugir de um sistema completamente viciado.
Mas quem vai ser a voz a gritar?

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Entre o jogador e o clube

Bem-vindos ao nosso mês de março aqui no “Entre o Direito e o Esporte”. Hoje vamos continuar a nossa conversa sobre o contrato de trabalho do jogador profissional de futebol no Brasil. Um contrato que como qualquer outro tem o que quem está lá pode e não pode fazer. E é assim que a gente chega no foco dessa semana: os mandamentos no contrato do jogador de futebol.
O atleta é um empregado. E como um empregado tem que seguir algumas regras. Essas regras têm um “que” de “pode” ou “não pode” para deixar tudo mais claro – pelo menos quando o contrato é bem pensado e escrito. Deixando tudo mais claro para o seu clube e para o atleta, fica muito mais fácil cuidar desse namoro (que em alguns casos vira até casamento, como com alguns goleiros da nossa história recente). Já para deixar tudo mais claro para a gente aqui, deixo escrito o que vamos ver hoje: o que todo contrato tem, o que a maioria dos contratos têm, e o que alguns contratos têm.
Bora lá?
Semana passada a gente conversou por cima sobre a ideia do “modelão” e que tem muita coisa que é igual para todo jogador profissional de futebol, né? Bom, essa regra geral continua no que a gente acha em todo contrato desse tipo. Parte dessas cláusulas padrão traz o básico que um jogador deve fazer para continuar como empregado de um clube. É como ano novo por aqui… muda de cidade para cidade e de família para família, só que a gente sabe que uma hora vamos ver fogos de artifício ou pelo menos um rojão lá em cima!
No caso do contrato especial de trabalho desportivo (CETD) são três conjuntos padrão: o “serviço” do jogador, o “comportamento” dele, e “senão”. Lá você vai achar que o atleta só pode jogar por um time por vez e que tem que jogar (amistoso ou não) onde o time tiver a partida e na posição que pedirem quando for escalado. Nessas partidas, o jogador tem que ter disciplina e obedecer a equipe técnica de sua equipe (viu?). E também não pode reclamar com o juiz ou com a torcida, além de respeitar os seus companheiros de equipe e os adversários (mesmo que seja difícil de aguentar). E o atleta tem que participar dos exercícios físicos além dos treinamentos técnicos e táticos exigidos pelo seu clube (mesmo num domingo chuvoso as oito horas da manhã).
No seu dia a dia o atleta também tem que ter uma disposição tremenda no seu comportamento fora do jogo. Já que tem que se esforçar nos treinamentos e estar sempre em forma (em tese). Fora isso, o jogador tem que se comportar na sua vida pessoal de um jeito que não deixe ele cansado, e que não prejudique seu rendimento nos treinos e em campo (vida fácil, né?). É claro que aí depende de cada caso. Todo jogador tem vida fora das quadras, e tem que lembrar das consequências das suas escolhas pessoais depois. Aliás, até remédio e suplemento alimentar é bom checar com a equipe médica do seu time antes de tomar – senão pode dar ruim, ainda mais se for sem autorização do clube.
E ai do atleta se não se cuidar ou não seguir essas regras básicas. Os “senão” variam, e certeza que cada um aqui lembra ao menos uma multa que o seu clube aplicou em alguém do time. Não é? A vida de um jogador é tudo menos fácil, e tudo menos simples. Ainda mais quando essas regrinhas afetam até o que o jogador pode usar durante jogos e treinos – sim, tem isso no contrato!
Deixando de lado essa base, a gente vai achar no CETD algumas cláusulas que tem na maioria dos contratos. Essas são as “cláusulas extras”, e lá a gente vai achar algumas curiosidades que certeza que vão te lembrar alguma história do seu time. Como exemplo, o atleta tem que nas suas horas vagas participar de eventos do clube. Isso além de cuidar de tudo que é do clube como se fosse dele, inclusive da imagem do clube (ou seja, sem falar m**** nas entrevistas. Feito?). Senão, multa.
Geralmente também vai ter uma cláusula que fala alguma coisa sobre “praticar atividades físicas que não relacionadas ao futebol” que é um pouco mais específica do que a “padrão” de todos os contratos. Isso está lá para evitar que o atleta vá no fim de ano e jogue aquela pelada com os amigos sem avisar o clube – e se machuque em uma dessas. Ou pior, que vá viajar no inverno gringo e numa “esquibundada” acabe se quebrando inteiro. Numa dessas, o seguro não vai cobrir o acidente e vai ser um “problemão” para o atleta. A dica aqui é: cuidado! Cuidado, aliás, que também vale para os exames médicos que o clube pede ao atleta – tem que fazer, e ponto (afinal, a gente só tem uma vida. Né?).
Outra regra que é até de bom senso, é que o atleta não pode apostar em futebol ou em outros esportes que o seu clube pratique. Aliás, imagina se pudesse! Não ia ser incrível comer aquele sanduíche no banco de reservas do seu time e ganhar um extra com isso? Ou que tal morder o amigo adversário no meio da partida? E marcar um gol contra do meio de campo? As opções são infinitas e as tentações também. Agora, se isso está no contrato… aí do jogador se fizer uma besteira dessas.
Nisso de ter aqui e ali, outra cláusula importante fala sobre a imagem do atleta – e não estamos conversando sobre o contrato de imagem que aí é outro assunto, beleza? Aí tem umas regras bem interessantes que falam desde videogame até as chuteiras. Gente, futebol passa na televisão (e em vários outros lugares). Futebol é entretenimento. Futebol é um produto. E o futebol que é um produto de entretenimento e passa na televisão gera dinheiro. Esse dinheiro vem de algum lugar, e esse algum lugar se preocupa e muito com isso. Um jogador que aparece com um boné na entrevista que não é do patrocinador do clube pega mal, e pior… paga mal – até para o próprio atleta!
Agora outra cláusula interessante e menos comum é a que fala das consequências para o atleta quando ele faz uma bela besteira fora de campo. É o botão de desligar do contrato. Aí a carreira do atleta quase que acaba quando o jogador age como uma pessoa pouco civilizada e bate em alguém no meio da rua, quando o jogador vende o resultado da partida para ganhar um dinheirinho extra, ou quando o jogador resolve tomar o que não deve antes de um jogo. Essa cláusula é importante. E mais do que importante é uma das que tem mais efeito na vida do atleta dentro e fora de campo. De novo, ser atleta parece legal só que não é nem um pouco fácil – e não só dentro de campo.
Fico por aqui essa semana, gente! E na próxima sexta-feira vamos conversar sobre o que o clube “pode” ou “não pode” fazer com o atleta pelo seu contrato. Espero que tenham gostado de hoje, e vejo vocês daqui sete dias! Deixo meu convite para falarem comigo por aqui, pelo meu LinkedIn, ou pelo meu Twitter. Valeu? Bom final de semana, e até daqui a pouco!

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Formação completa e integral no futebol

Quando vou falar de formação, categoria de base, no futebol brasileiro procuro sempre contextualizar o ambiente sócio-cultural de hoje.
A pedagogia da rua que nos consagrou por anos e por Copas do Mundo a fio quase não existe mais. As dez mil horas, sempre aperfeiçoadas por novos estímulos que o ambiente lúdico proporcionava aos nossos garotos, ficaram restritas a alguns poucos campinhos. Se antes jogávamos dois contra três, mais novo e mais velho juntos, gol a gol, três dentro três fora, hoje jogamos vídeo game, vamos ao cinema, ficamos no celular ou simplesmente fazemos outra coisa em casa porque é mais seguro. Com isso, o funil ficou mais estreito. Não produzimos mais craques como antigamente.
O papel do formador, do técnico das categorias inferiores, ganhou então uma nova conotação. Sai o profissional que apenas deixava os talentos aflorarem e fazia poucas lapidações para entrar aquele que vai ensinar, doutrinar os jovens que demonstram boas aptidões técnicas, táticas, físicas e emocionais. Hoje há um processo muito mais longo para formar integralmente um jogador de futebol. Insisto que saíram as dez mil horas de prática da rua para a entrada de um “aprender a jogar” novo.
Quando falo em processo me refiro fundamentalmente a entregar ao profissional um atleta que tenha o maior número de conceitos possível. E esqueça qualquer tipo de engessamento. Pelo contrário. Me refiro a variedade de formas de jogar e funções desempenhadas na base para que no profissional esse atleta tenha uma maior capacidade para por si só tomar as melhores decisões que resolvam os problemas de jogo.
Por tudo isso, me incomoda ver um jogador de 17 anos subir ao profissional. Não me refiro a jogadores do calibre de um Neymar, de um Gabriel Jesus, etc. Esses têm uma capacidade superior que faz com que tomem as melhores decisões em qualquer ambiente. Mas a maioria não é assim.
Hoje um atleta que se destaque com 18 anos nem passa pela categoria sub-20. A ânsia estrutural dos nossos clubes faz com que ele seja içado ao profissional direto. Lá, na maioria das vezes, ele vai treinar ou no segundo ou no terceiro time, jogar alguns poucos minutos por semana e parar de receber novos conteúdos de treino já que ‘não dá tempo’. Se a condição emocional desse atleta não for boa ele já vai se sentir um jogador profissional e a ‘fome’ pode escassear. Se tiver então que ‘descer’ para a base, mais difícil ainda. O desânimo tomará conta. Em ambos os casos, perdemos o processo!
Precisamos entender o momento e termos um melhor processo de transição para nossos jovens. Muitos se perdem pelo caminho não por falta de qualidade. Mas sim para um ambiente que pressiona, suga e cospe fora em algumas poucas partidas.

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Conhecimento no futebol

Depois de um período ausente, retorno para escrever as colunas com uma periodicidade de 15 em 15 dias. Entendo que poderei abranger temáticas pontuais e que realmente adentrem o cotidiano e o contexto dos leitores. Bem, vamos ao que interessa.
O mundo em si é uma diversidade, o futebol mais ainda. Pontos de vistas são levantados a todo instante, palavras e expressões são pronunciadas com seus únicos, poucos ou muitos significados. Dentro deste ambiente, um mundo definitivamente “circular” surge. E o futebol, apesar de ter seus desenhos gerais marcantes, é um pouco isso: um fenômeno antropológico em que cada contexto abarca alguns traços culturais exclusivos, hábitos e costumes.
E no Brasil, evidente, temos isso e uma maneira de assistir o jogo, organizar um clube, um processo de treinar, de jogar, de formar jogadores e encarar a derrota ou a vitória. É algo que vem de gerações, de anos, não é certo ou errado, apenas singular. Isso acentua uma “determinada construção de conhecimento”. Ademais, julgar se é correta ou não comparativamente a outras culturas não é o predicado da questão.
Mas apesar desse mapa, atualmente vivemos numa rede e numa proliferação informacional que temos que reconhecer que há uma cultura “macro global”, ou o entendimento que o mundo não acaba no final da minha rua. Isso proporciona uma permuta e uma correlação de ideias que se bem concebidas criam cenários que não desvirtuam a cultura local e sua identidade. Essa sintomática do velho com o novo e da cultural local com a cultura não local, ainda é um paradoxo. Entender que atualmente temos que estar com “os demais” para nos sustentar como ser humano em transformação, abre horizontes variados.
Até por que a humanidade, a espécie humana, além desses aspectos regionalizados mais particulares, também está evidenciada pelos códigos ambientais globais que carregamos desde quando nascemos, ou seja, fomos criados e estruturados por uma simbologia reducionista, pelo parcelamento e pela diminuição em qualquer parte do mundo. Desde as primeiras instruções de nossos pais, a escola e nossos primeiros conhecimentos de treino e de jogo, fomos orientados pela e para unilateralidade e redução sem nos darmos conta de nada.
Bom, essa tendência da cultura que cega e dos códigos ambientais que paralisam, são evidências que dificultam o entendimento da realidade, instante e unidade. Então, essa combinação entre cultura e códigos ambientais arrasta repercussões no conhecimento de todas as áreas, mas especialmente para as principais do futebol: jogador-jogador, jogador-treinador e treinador-jogador.
Assim, o conhecimento de jogo e sua expressão dentro das quatros linhas é baseado pelo que expressamos e o que conhecemos, e não é uma interpretação apenas dos diferentes meios e diferentes formas de jogar, mas sim uma interpretação da raiz etnológica, axiológica e praxiológica dessa construção do conhecimento e sua transferência com realidade, instante e unidade. Dessa identificação, alguns perfis de “conhecimento” que temos no futebol podem ser vistos na sequência.
Conhecimento por chavões (sempre a mesma coisa)
No futebol temos verdades absolutas que ficarão eternizadas até a extinção do esporte. Independente do que está acontecendo e das particularidades contextuais, aquelas mesmas expressões ou definições pronunciadas a vida toda, sempre estarão à tona. Basicamente são aspectos repetidos que viraram verdades e servem de protocolos para qualquer área, sem reflexão ou evolução, podendo ser oriundos de experiências passadas, de pessoas que treinaram daquela forma ou venceram daquela forma no passado algumas vezes.
Conhecimento por que ouvi alguém falar (escuto e faço sem contexto)
Habitualmente quando ouvimos alguém falar algo, especialmente pessoas que tem um currículo vencedor, pessoas em cargos superiores, pessoas que têm um peso em escolhas, pessoas do momento, amigos ou até mesmo pessoas que formam opinião com veículos informativos, começamos a balançar algumas ideias que temos e submergimos um pouco naquilo. Se alguém falar que é certo, é bom, vai resolver e colocar aquilo como fundamental sem conhecer a realidade, o dia a dia pode perder suas circunstâncias naturais. Essa excitabilidade de ouvir algo e querer aplicar negligenciando a realidade, é um problema sintomático que enfrentamos atualmente muito pela falta de coragem e convicção.
Conhecimento por modinhas (copio da internet)
Nossa geração está obcecada pela busca. Isso é fantástico. A globalização no futebol vem gerando cada vez mais materiais e possibilidades. Mas ao mesmo tempo em que lemos e assistimos com muito mais frequências, copiamos também mais. Esse é o problema: como o copiar afeta na transferência de conhecimento? Essa utilização da cópia pela cópia não reproduz fidedignamente o conhecimento e transfere muito pouco pra a prática. A internet, dependendo como usada, ao mesmo tempo em que é importante para as novas concepções, é também um cancro para a alienação da tarefa principal de um processo que é a criatividade.
Conhecimento por conceitos mecanizados (desnaturalizo o jogador)
Nos últimos anos começamos a abordar com frequência a palavra conceito. Mas o que é realmente um conceito? Acredito que estamos num processo de persuasão conceitual que aparentemente demonstra supostas vantagens momentâneas para o ambiente envolvido ou para a formação de jogadores. Apenas ensinar uma somatória de conceitos, intervindo nisso sem levar em consideração que os jogadores em si carregam conceitos e o quanto isso tira sua autonomia, parece algo conflitante. Por mais que pareça transcendental, dependendo da forma como o conceito é abordado e planificado, pode ser danoso. Os melhores conceitos estão na realidade, nas relações gerais e no jogo, ou seja, nas relações dos jogadores e na simplicidade da interação com o tempo-espaço-bola-companheiro-adversário.
Conhecimento por interpretação real do que realmente está acontecendo em cada treino e cada jogo (enxergo realidade, instante e unidade)
Uma das questões difíceis do futebol é olhar para o aqui e agora e viver nele. Identificar a atividade atual, as novas adaptações no curso das interações, levando em consideração a subjetividade do jogador que constrói seu contexto local com novas experiências, é um grande dilema. O dia a dia é o maior referente evolutivo-vivo como fonte de compartilhamento de informações e interpretações. Não podemos ficar o tempo todo atrelado em papéis, em ideias passadas e certezas conceituais mastigadoras. A co-construção entre jogadores e treinadores, gera uma interpretação que todas as mudanças que ocorrem dentro do ambiente, terão uma consciência interpretativa que é mutável todo o tempo, elevando o nível de conhecimento sobre o jogo em todos os pormenores e em todas as coordenações pretendidas. Merleau-Ponty fala que “a percepção não é apenas consagrada no mundo que a rodeia ou simplesmente restrita por ela; ela contribui para a interpretação deste mundo circundante. O corpo dá forma ao seu ambiente ao mesmo tempo em que é harmonizado por ele”.
Não há verdades absolutas em cima do conhecimento, mas o grande desafio atual é ter uma sensibilidade mais aguçada do que realmente está acontecendo com a realidade, o instante e a unidade e perceber se sua escassez, inércia ou transformação (aí depende da transformação do conhecimento), representa realmente um contexto natural que se comunica harmonicamente.
O conhecimento não é único ou pré-existente em um só lugar, ele está expresso em cada situação peculiar. O conhecimento é uma arte, a aquisição do conhecimento é uma busca sem fim. Podemos ter diversos estímulos, mas todo o conhecimento do mundo nunca será suficiente se não interpretarmos o que realmente está acontecendo. Como treinadores, interpretar o jogo ou o treinamento é uma revelação criativa que pode melhorar se suprimirmos duas questões: abolir nosso ego inflado dominador de certezas inegociáveis e reconhecer que as interações potenciais dos jogadores em cada dia e em cada jogo nunca serão as mesmas, ou seja, o verdadeiro conhecimento, o conhecimento transformador, vem da inteligência contextual e situacional de um caminho que não existe de antemão, que vai emergindo enquanto os passos são dados.

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O Marketing do Futebol do Interior

Futebol de rendimento requer muito investimento. As cifras são infinitas. Há pouco mais de duas décadas o cenário não era tanto assim. Havia mais competitividade entre o futebol de clubes de grandes centros com os do interior. Em textos anteriores desta coluna foi mencionado que os clubes com mais torcida têm mais oportunidades de receita em função do número de torcedores que possui. Ou seja, esta relação entre número de torcedores é diretamente proporcional ao rendimento financeiro da instituição.
Ao longo da história, alguns fatores foram determinantes para concepção de um clube com torcida numerosa: estar estabelecido em uma grande cidade, que possui inúmeras comunidades étnicas, religiosas e sociais que favorecem o surgimento de associações esportivas, além da criação de rivalidades e o poder econômico e político que a urbe possui, para fins de obtenção de patrocínios e viabilização de sedes sociais e estádios. Com mais recursos, maiores as possibilidades de investimento na formação de futebolistas, plantel e infraestrutura. E os clubes que não possuem uma massa associativa capaz de gerar receitas para se manterem na elite do futebol? Podem viver em uma – nada saudável – “gangorra”, num vai-e-vem prejudicial à estabilidade financeira e institucional do clube: vulneráveis a investimentos de terceiros e interesses alheios aos da organização. À prazo isso pode ter uma terrível consequência.
Entretanto, existem sim soluções. Sabe-se que o modelo norte-americano do esporte profissional é baseado em um sistema de não-rebaixamento e promoção de clubes, bem como da igualdade de condições de competitividade entre os seus participantes. Em outras palavras, as piores equipes da temporada têm benefícios a fim de estabelecer uma equipe competitiva para a disputa da próxima. Há também o teto salarial que contribui para a saúde financeira da liga, seus integrantes e os atletas, que têm seus contratos cumpridos por toda a temporada. Um modelo como o norte-americano, adaptado ao futebol do interior do Brasil (conforme suas condições, contexto e realidade) é sim possível: a formação de ligas. Para que isso seja viável é preciso antes de tudo que os interesses dos clubes sejam convergentes com esta ideia.
Portanto, com uma regularidade dos jogos e adversários, a atratividade do torneio a partir das rivalidades que existem dentro do futebol do interior, estabeleceriam um produto interessante para torcedores e potenciais patrocinadores. Com uma estabilidade de recursos e austeridade nas finanças, maiores as chances de investimento em categorias de base, infraestrutura (estádio) e plantel. O clube respira e sobrevive. Evita-se a gangorra e o vai-e-vem de divisão (muitos vão dizer que isso é que dá a graça). Entretanto, preserva-se a instituição, o torcedor e, sobretudo, o atleta.