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Ruptura

O futebol brasileiro vai conhecer no próximo fim de semana a maior parte dos campeões estaduais de 2018. E a partir disso, também estabelecerá uma série de parâmetros para análise do restante da temporada das principais equipes do país. Ouvimos e lemos há anos que os torneios regionais são “mentirosos” e que servem apenas para “criar crise”, mas será que eles são tão dissociados assim da realidade e do restante do ano?
A verdade é que os Estaduais dizem bem mais sobre os principais times do país do que a superfície oferece. Essa análise profunda, contudo, depende de uma abordagem menos focada em resultados. O Fluminense não chegou à decisão no Rio de Janeiro, por exemplo, mas mostrou muitos pontos positivos e apresentou evolução considerável em seu repertório. Em São Paulo, a despeito de terem sido eliminados nas semifinais, Santos e São Paulo também deixaram claro que não é tão grande assim a distância para os rivais Corinthians e Palmeiras – o que também diz muito sobre o nível dos finalistas.
Os Estaduais, como toda competição de tiro curto, são apenas um retrato específico de um período. Não dizem quais são os melhores times de cada Estado, mas quais se adaptaram melhor às regras e aos momentos dos certames. Há muitas variáveis no cenário – calendário, tamanho do elenco e lesões, por exemplo.
O que fica dessa longa pré-temporada do futebol brasileiro, portanto, é uma análise sobre os caminhos escolhidos pelas equipes. Nesse sentido, Atlético-MG, Botafogo, Flamengo e São Paulo são exemplos de times que não esperaram a temporada avançar e já promoveram mudanças em seus comandos. Aí sempre entra a máxima de que os Estaduais são fábricas de crise, ainda que esse clichê não se encaixe em todos os casos.
Tomemos como objeto o Flamengo. Após três meses claudicantes, o time carioca resolveu abrir mão de um trabalho que estava estruturado havia três temporadas. Não demitiu apenas o técnico, mas desfez praticamente todo o departamento de futebol. Mudou rumos diretivos e repensou toda a concepção do elenco.
A revisão rubro-negra tem a ver com o acúmulo de resultados ruins, mas é, sobretudo, um reflexo de um clube que não sabia exatamente o que estava perseguindo. Nas últimas temporadas, o investimento do Flamengo foi mais direcionado a nomes do que a perfis específicos e à composição entre essas peças. Mais vale ter um Diego Ribas do que olhar para quais são as carências do elenco ou os jovens com potencial de ocupar esse espaço.
Essa lógica não é nociva apenas porque limita o espaço para consolidação de talentos menos maturados, mas porque cria um mercado em que o talento é supervalorizado. O investimento em nomes mais rodados sempre vai dar margem a um grupo menor de alvos, e esse grupo menor, por lei de oferta e demanda, vai acabar recebendo exponencialmente mais.
Os Estaduais não são um termômetro apenas do time que tem bom nível e do que não tem. Antes disso, servem para mostrar o nível de convicção que as diretorias possuem em seu trabalho e o grau de eficiência do fluxo de comunicação que elas estabeleceram para levar isso a seus torcedores.
A criação de uma cultura que reduza o impacto de resultados passa por definição dos anseios do público, análise sobre a própria identidade e criação de um modelo que possa suprir as duas pontas sem que a resposta seja apenas “títulos”. Não é por acaso que o Barcelona se apoiou há tantos anos no slogan “mais que um clube”.
A questão é que os Estaduais escancaram que no Brasil há poucos clubes incomodados em não serem mais do que um clube. A maioria aqui trabalha pensando apenas no fim de suas organizações, que é a competição, sem pensar numa ampliação dessa base de objetivos e sem considerar a criação de uma base orgulhosa como norte administrativo.
E aí, quando você joga por vitórias e não por algo mais, qualquer tropeço pode criar crise. No Estadual ou não.