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O que a Libertadores vende?

Disputada no último domingo (09), em Madri, a decisão da Copa Libertadores de 2018 foi um bom resumo de muitas das características positivas e negativas do principal torneio de clubes do futebol sul-americano. É difícil imaginar que isso aconteça, mas um olhar para todo o contexto do jogo em que o River Plate superou o Boca Juniors seria extremamente relevante para entender o que pode e o que precisa ser feito no continente. O momento seria ideal para uma autoanálise.
A decisão da Libertadores, afinal, foi disputada na Espanha depois de o ônibus que levava jogadores do Boca para a partida final ter sido apedrejado por torcedores do River. Não havia condições de realizar o jogo na Argentina e garantir a segurança dos atletas, o que é uma vergonha. Não houve uma punição condizente com um episódio dessa magnitude, o que é outra vergonha.
O River que chegou à decisão, aliás, disputou sete partidas da edição 2018 da Libertadores com um jogador em condição irregular. A situação foi notificada pela Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol) em seu site, acompanhada de um aviso de que não haveria punição porque não houve denúncia em tempo hábil. Se existia possibilidade de o erro ser percebido por um rival, o texto encerrou. Depois, na mesma Libertadores, o técnico do River, Marcelo Gallardo, ignorou punição da Conmebol e foi ao vestiário orientar jogadores.
A Libertadores de 2018, portanto, coroou um time que usou um jogador irregular, comandado por um técnico que trabalhou a despeito de estar suspenso, cuja torcida atacou jogadores rivais – o regulamento não é claro quanto a isso, mas admitiria sanções como a suspensão da partida final. Se a Conmebol fosse dura, poderia ter dado o título ao Boca Juniors e aplicado uma punição exemplar ao River.
Em vez de punir o River Plate, a Conmebol escolheu lucrar. A ida da decisão a Madri tem a ver com motivos mercadológicos – era fundamental encontrar um local que bancasse a conta, o que alijou praticamente todas as possibilidades de manter a partida na América do Sul. Depois de flertar com Miami (Estados Unidos) e Doha (Qatar), a entidade que comanda o futebol no continente fez a escolha mais irônica. Chamada Libertadores para homenagear os heróis da independência das antigas colônias espanholas na América do Sul, a competição acabou sendo disputada na Espanha.
O jogo despertou interesse local, foi assunto na mídia espanhola e lotou as arquibancadas do estádio Santiago Bernabéu. Além disso, atraiu personalidades como o argentino Lionel Messi, que defende o Barcelona e esteve em um dos camarotes. Tudo isso num ambiente com “cara” de futebol sul-americano, com torcidas inflamadas muita vibração.
Em campo, porém, chamou atenção, sobretudo no primeiro tempo, o alto número de passes errados. Boca e River fizeram uma partida tensa e tentaram tocar a bola, mas mostraram muito mais competitividade do que proficiência no fundamento. Se sobrou emoção no segundo tempo e na prorrogação, faltaram aspectos como compactação, pressão sobre a bola em setores específicos e capacidade de movimentação entre as linhas dos rivais.
A decisão da Libertadores de 2018 expôs os problemas de gestão do campeonato como um todo, a falta de capacidade de gerir um evento e garantir a segurança dos atletas e o nível técnico. Em contrapartida, mostrou emoção em campo e nas arquibancadas num patamar superior à média dos principais jogos da Europa.
Além disso, a decisão da Libertadores disputada fora da América do Sul serviu apenas a interesses econômicos dos dirigentes sul-americanos e dos responsáveis por levar o jogo a Madri. Os responsáveis pela gestão do futebol no continente souberam transformar um momento de vergonha em uma oportunidade de faturar, mas não passaram nem perto de aproveitar essa chance. Não houve patrocinadores específicos para o mercado espanhol ou um trabalho de comunicação voltado a fortalecer as marcas de Boca, River e Libertadores na Europa, por exemplo. Não houve um projeto que soubesse quais atributos poderiam ser comercializados em âmbito global.
O futebol sul-americano não é o futebol europeu, mas tem muito a oferecer ao Velho Continente. Para isso, porém, é fundamental que os organizadores saibam o que vender e como vender. Mesmo que a oportunidade para isso seja uma das maiores vergonhas da história do esporte.
 

 

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São Paulo sem perspectiva de vitória. E não por acaso

O Campeonato Brasileiro terminou com um gosto amargo para o torcedor do São Paulo. Todo resultado deve ser contextualizado. Um olhar simplista e distante pode considerar de bom tamanho um quinto lugar. Porém, se verificarmos com mais profundidade o que acontece no Morumbi é possível constatar que o Tricolor ainda não está pronto para voltar a vencer.
Um clube é campeão não por acaso. Vários fatores implicam na bola bater na trave e/ou sair ou entrar. Seria fácil apontar, por exemplo, que o São Paulo troca muito de técnico. Oras, o Palmeiras também troca e tem vencido campeonatos. O detalhe, entretanto, é a maneira atabalhoada e sem critério com que os treinadores saem e chegam ao São Paulo e o fato de nenhum profissional conseguir vencer pelo clube. Se no rival palmeirense, Marcelo Oliveira, Cuca e agora Felipão conseguiram ser campeões o último que triunfou no Morumbi foi Muricy Ramalho há mais de dez anos. Será que o problema é treinador ou o que se passa dentro da instituição?
O São Paulo se mostra um clube perdido pela falta de perfil em tudo: treinador, jogador e até de dirigente. Quantos executivos de diferentes personalidades e currículos passaram recentemente pelo Morumbi e quais conseguiram de fato construir algo importante? Desde Raí com sua história de ex-atleta, passando pelo empresário Vinícius Pinotti e pelo estatuário Ataíde Gil Guerreiro, nenhum dominou o ambiente e conduziu o time a conquistas.
Da demissão de Diego Aguirre a efetivação de André Jardine tudo se mostrou muito amador. Jogador de futebol tem sempre um apurado entendimento do contexto que ele está inserido. Não há como esconder de ninguém quando um clube está desorganizado. Está nítido que Jardine não terá respaldo algum. Como nenhum treinador teve nos últimos anos. Sem metodologia, sem avaliação criteriosa, continuará imperando a cultura resultadista: ganhou é bom, perdeu não serve. Não prevejo um 2019 diferente do que foram os últimos anos do São Paulo.
 

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Sobre as tensões da intensidade no futebol

Mladen Krstajic, técnico da Sérvia: seleção que mais correu (em média) durante a Copa do Mundo. Mais intensa? (Divulgação: Yahoo)

 
Leio despretensiosamente o livro Romancista como vocação, de Haruki Murakami, e nele encontro a citação por onde começamos hoje. Aqui, Murakami faz um belo apontamento sobre, veja só, os malefícios da inteligência elevada para um romancista. Muitas vezes, os raciocínios mais amplos e acurados podem ser antagônicos à lógica do romance:

“Porém, penso que as pessoas muito perspicazes ou dotadas de um conhecimento vasto e extraordinário
não são as mais adequadas para escrever romances. Essa atividade – de narrar uma história –
deve ser executada a uma velocidade baixa. A sensação que tenho é de que a velocidade da escrita
é um pouco maior do que a de uma caminhada, mas menor do que a de um passeio de bicicleta.
O funcionamento básico do raciocínio de algumas pessoas é adequado
para essa velocidade, mas o de outras, não.”

Este trecho, confesso, me causou uma impressão bastante particular. Não apenas porque me parece um argumento bastante bom, mas porque me trouxe à lembrança uma ideia que tento desenvolver há tempos, sem sucesso. Basicamente, me incomoda a doutrina, adquirida pelo futebol contemporâneo, da velocidade desenfreada, da rapidez como sinônimo de eficiência, das tomadas de decisão quase que instantâneas – tudo aquilo a que nos habituamos, em geral, a chamar de intensidade.
Posso estar equivocado, mas imagino que o termo intensidade tenha suas raízes fincadas no treinamento. Vejo a intensidade como a irmã gêmea do volume. Para além da quantidade de treino (volume), é preciso atentar para a qualidade (intensidade) dos estímulos, de modo que um treinamento qualquer seja adequado para os objetivos do praticante ou da equipe.
Evidente que, por absoluta incompetência, não pretendo me alongar sob o ponto de vista fisiológico. O que acho particularmente interessante é o empréstimo do termo, porque quando falamos de intensidade associada ao jogo jogado, parece haver uma outra relação, não exatamente próxima da qualidade, mas sim do tempo. Quanto mais rápida são as ações, mais intensas. Relação inversamente proporcional, portanto.
Tudo isso me soa ainda mais curioso quando fazemos, conscientemente ou não, interpretações deste conceito de intensidade a partir dos campeonatos estrangeiros, especialmente da Premier League– que talvez tenha se tornado o grande baluarte da intensidade no futebol contemporâneo. Não raro, há quem diga que assistir a um jogo do Campeonato Brasileiro e outro da PL significa, em linhas gerais, assistir a duas modalidades diferentes, tamanha a diferença. O jogo brasileiro seria lento, monótono, enquanto o jogo inglês (longe de ser apenas inglês, diga-se) seria rápido, quase alucinante. Isto, por si só, não seria um problema, se não trouxesse no pacote uma ideia que soa bastante perniciosa: quanto mais intenso, melhor.
Não, é claro que não. E a consequência prática disso, repare bem, é que aquele empréstimo do termo intensidade parece perder o próprio sentido, porque não mais se aplica nem na sua origem. Se, no treinamento, intensidade remete à qualidade, parece agora que falamos de quantidade, no sentido temporal – quanto menor (o tempo), melhor! Mas, na ânsia de controlarmos o tempo e a suposta intensidade, me parece que perdemos gradativamente a capacidade de mensurar a qualidade do jogo, de senti-lo na sua inteireza, de saboreá-lo, nas acelerações mas também nas pausas, no passe para trás, na paciente circulação da bola. A intensidade não seria, portanto, uma conjunção de quantidade e qualidade, na justa medida?
Ao mesmo tempo, repare como os treinadores e treinadoras que parecem realmente diferentes percebem, com alguma facilidade, que o jogo se traduz em uma série de aparentes contradições. Ataco bem para defender melhor, ataco de um lado para finalizar do outro, goleiros são os primeiros atacantes, centroavantes os primeiros zagueiros, e etc. Neste sentido, também não haveria intensidade na (suposta) lentidão? Por isso, soa bastante salutar a fala de Juanma Lillo, citada no ótimo Pep Guardiola – A Evolução, da Editora Grande Área:

“Se não se usa o tempo para jogar, é difícil que a equipe avance idoneamente para dominar o adversário.
É preciso passar a bola na hora certa, no lugar certo e no momento certo.
Do contrário, quanto antes a bola vai, antes ela volta, mas com um acréscimo:
ao ir, a bola vai sozinha; porém, quando volta, tem o costume de retornar com eles, os rivais…”

É deste tempo que falamos! Não do tempo curto, mais fast que food, mas de um tempo outro, entre o caminhar e a bicicleta, um tempo ótimo: passar a bola na hora, no lugar e, especialmente, no momento certo. Não se trata de uma velocidade desenfreada que parece, em alguma medida, reproduzir uma certa ansiedade epidêmica, que também se expressa no futebol, mas se trata de saborear a posse, as acelerações e pausas, desde que elas exprimam uma ideia, uma intenção coletiva. Intensidade, afinal, vem do verbo intendere, tornar reto, tornar firme, esticar. Mas na medida exata.
De modo que estar tenso não é exatamente difícil.
In-tenso, por sua vez, parece um desafio mais elaborado.
 

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Tempo DE Campeão: Palmeiras

Palmas para a Sociedade Esportiva Palmeiras, 10 vezes campeã brasileira de futebol. Título incontestável. Bom trabalho sendo conduzido dentro e fora de campo. Pelo que se sabe e o que parece, está blindado de polêmicas, especulações e declarações duvidosas, características corriqueiras de outros tempos em que o clube era um vulcão prestes a entrar em erupção. Em outras palavras, há um trabalho bastante entrosado entre atletas, comissão técnica, gestores e demais colaboradores do clube.

Característica fundamental para um bom ambiente de trabalho. Bom ambiente de trabalho naturalmente leva a uma maior produtividade das pessoas. O bom ambiente, somado à produtividade, naturalmente conduzem aos bons resultados. A manutenção deles é grande desafio e depende de fatores que, muitas vezes, não estão no controle.

Pois bem, o clube tornou-se o maior campeão do Brasil e está em paz com a torcida. Há quem diga que o patrocinador é o principal responsável por tudo isso. Ledo engano. O Palmeiras possui uma taxa de ocupação bem alta em seu estádio. Ora, os ingressos para o Allianz Parque estão longe de serem baratos. O palmeirense é, entre os torcedores, um dos que mais consomem produtos oficiais do clube. Há sim uma garantia financeira pelo principal anunciante da camisa, mas ao mesmo tempo um trabalho bastante profissional para garantir rendimentos ainda maiores.

Sociedade Esportiva Palmeiras: decacampeã brasileira. (Foto: Itaperuna Gospel FM)

 

Este panorama nos leva a acreditar em um próspero cenário para a gestão do esporte no Brasil, e, em específico, o futebol. Que bom que esta impressão tem acontecido pelo exemplo. Claro que nem tudo são mil maravilhas. As instituições devem ter dezenas, centenas, inúmeros problemas. Palmeiras, Flamengo, Internacional (para citar apenas alguns, os que terminaram esta temporada no topo da tabela) têm sido referências. Bahia, idem.

Portanto, pouco a pouco percebe-se esta tendência. Muito pouco a pouco, mesmo. Ainda há muito para melhorar. O profissionalismo do trabalho das instituições tem mostrado resultado e tem dado o exemplo. Com uma cultura voltada para o mercado, a fim de satisfazer resultados financeiros e esportivos, a tendência agora é de querer melhorar a cada temporada. Oxalá continuem assim.

 

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Como vencer no futebol

O sucesso no futebol, assim como em qualquer outra esfera de atividade humana, deixa pistas, deixa rastros. Existem padrões, comportamentos, atitudes e ações que comprovadamente já deram certo e que se replicadas podem levar a vitória. Não se trata de cópia. Até porque cada indivíduo é diferente do outro. Se falarmos em time, então, as especificidades e conjunto de relações tornam ainda mais única cada situação. Me refiro aqui a ver o que funciona. O que dá certo. E buscar meios para replicar isso.
Começo falando de ambiente e espírito de grupo. Sempre vai haver exceção, mas times campeões apresentam relações saudáveis entre seus membros. Não estou defendendo que todos dentro de um sistema de quarenta pessoas entre jogadores, comissão técnica e staff, sejam melhores amigos. Porém, complementaridade de perfis e personalidades, comprometimento, metas comuns claras e bem definidas e um contexto de cooperação entre todos faz a vitória estar mais próxima. Técnico, executivo de futebol e presidente de clube têm que ‘falar a mesma língua’. Algo divergente entre eles e a chance de exito cai. Claramente foi o que aconteceu com o Santos neste reta final de Brasileirão.
Dentro de campo também há padrões de comportamentos individuais e coletivos que fazem um time estar mais próximo de cumprir a lógica do jogo, que é fazer mais gols que o seu adversário. Com o estudo tão avançado de hoje em dia, não é muito difícil reconhecer que a equipe que finaliza corretamente mais vezes tem mais chances de marcar. Ações ofensivas rápidas sem que haja muita disputa de bola, onde a defesa costuma se sobressair, também é vantajoso para marcar. E para defender quanto mais pressão for colocada no adversário em seu terço final menor a chance de ele marcar.
É claro que cada contexto, cada ambiente e principalmente cada característica de jogador potencializa um jeito de jogar e de treinar específico. Não existe certo no futebol. Não existe fórmula pronta. Até o conceito estético é bem relativo e depende do ponto de vista de cada um. Porém, é dever de todos nós observar e tentar compreender quais são os elementos que levam uma equipe a vencer a outra.
 

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Sobre os sabores do futebol

Juanma Lillo, ao lado de Jorge Sampaoli: valem mais os saberes ou os sabores do futebol? (Divulgação: These Football Times)

 
Leio na página 63 do admirável Variações Sobre o Prazer, do Rubem Alves, uma citação de Friedrich Nietzsche, que gostaria de trazer para esta conversa. Aqui, Nietzsche escreve sobre Tales de Mileto. Tales, como sabemos, viveu por volta do século VII a.C e é tido, genericamente, como o ‘fundador’ daquilo que hoje chamamos de Filosofia. Segue o trecho:

“A palavra grega que designa o ‘sábio’ se prende, etimologicamente, a sapio, eu saboreio, sapiens, o degustador, sisyphos, o homem de gosto mais apurado; um apurado degustar e distinguir, um significativo discernimento, constitui, pois, […] a arte peculiar do filósofo […]. A ciência, sem essa seleção, sem esse refinamento de gosto, precipita-se sobre tudo o que é possível saber, na cega avidez de querer conhecer a qualquer preço; enquanto o pensar filosófico está sempre no rastro das coisas dignas de serem sabidas…”

Há cerca de um ou dois meses, tomei conhecimento da divulgação do relatório técnico da Copa do Mundo, pela FIFA. Mesmo antes de lê-lo, decidi que poderia ser de grande utilidade para esta coluna. Há duas semanas, ainda durante o UFMG Soccer Science Congress – que tangenciou o mesmo tema que abordo neste texto -, decidi folhear com menos desatenção o relatório, e me surpreendi com a quantidade intimidadora de informações: área média de ocupação espacial com e sem a posse da bola para cada equipe (em m²), distância média percorrida acima de 20km/h e 25km/h por equipe, média de entradas no último terço, número médio de cruzamentos e etc. Para minha segunda surpresa, em várias dessas estatísticas a França, campeã, tinha um desempenho simplesmente mediano. Por exemplo, das 32 seleções, a França foi apenas a vigésima no quesito posse de bola: 48% em média.
É evidente que números, quando frios, não nos dizem muito, mas não é este meu ponto. Meu ponto é que, com alguma pressa, poderíamos considerar todos os números que lá estão como uma expressão simplesmente maravilhosa, um exemplo do que nos acostumamos a chamar de progresso no futebol, ainda que a real utilidade de vários daqueles números seja bastante questionável. Ok, nós sabemos que a Suécia, quando ataca, ocupa um espaço médio de 712m². Mas até que ponto essa informação é realmente útil não para entender a Suécia – não é disso que se trata– mas, a partir do entendimento da Suécia, resolver os eventuais problemas oferecidos pelo jogo? Ou, por outro lado, se a Suécia é uma equipe que me agrada, seria então inteligente treinar minha equipe para jogar o mais próximo possível de 712m²?
Minha desconfiança é que, ao contrário do que Nietzsche nos sugere, nós estamos nos tornando cada vez mais devoradores, vorazes consumidores de informações quaisquer, sem sequer se preocupar com a digestão, sem selecionar, com o devido esmero, o que merece e o que não merece ser consumido. A ânsia pelos dados, a objetividade desvairada – que se estende em direção à imprensa especializada – se espalham pelo futebol e, na minha modesta opinião, contribuem para equívocos importantes, uma vez que o que se vê, no jogo, é muito pouco. O jogo está para muito além do visível.
Portanto, talvez o caminho não seja mais o do saber, talvez seja o do sabor. É preciso afiar nosso paladar, deixá-lo mais aguçado para que, de fato, possamos sentir os devidos sabores do jogo. Separar o essencial do acidental também é uma arte. Quantas das informações a que temos acesso não são absolutamente secundárias e servem apenas para aparentar um suposto progresso?
Por fim, repare que afinar o paladar é tarefa particularmente interessante porque é contraditória: é preciso sair do jogo para entendê-lo.
Mas, sobre isso, falamos posteriormente.
 

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Seleção (que não é) Brasileira

Londres é a cidade que mais recebeu jogos da seleção brasileira masculina adulta durante este século. Desde 2006, por exemplo, a capital inglesa sediou 12 partidas. Mais que qualquer cidade brasileira no mesmo período. Já foram apontados diversos motivos para isso, como país de origem dos futebolistas convocados, o que facilita a logística; o câmbio da Libra Esterlina em relação a outras moedas; o poder aquisitivo da população local e a paridade do poder de compra: os custos relativos a organizar um evento como este por lá que muito mais em conta do que no Brasil. 

Há um outro motivo que pode ser considerado. Talvez não tão valorizado quanto aos mencionados no parágrafo anterior, mas o futebol do Brasil é produto e a seleção brasileira, cinco vezes campeã do mundo e com muitos considerados os melhores do mundo na história, seus principais expoentes. Claro que a grande maioria do público daquele jogo era de sul-americanos, muito mais brasileiros do que uruguaios. Mas, sim, algo bacana para ser consumido independentemente do país de origem do torcedor.

Um jogo como este, com equipes que somam sete conquistas de Copas do Mundo, se fosse realizado na América do Sul como mero amistoso, não atrairia tanto público assim. Com a estrutura que precisam estas seleções, para treinamento e despesas com colaboradores, uma partida em Montevidéu ou no Rio de Janeiro, São Paulo, não garantiriam uma renda satisfatória. Salvo se realizadas em circunstâncias como Copa América ou apuramento para um mundial.

O futebol brasileiro é, há muito, “produto de exportação”. Um jogo do Brasil em Londres, depois nos Estados Unidos, outrora na Austrália, é uma “Disneylândia” itinerante Tupiniquim. Vamos nos acostumar a isso! Jogos na América do Sul, apenas aqueles organizados pela CONMEBOL. E olha lá, não se sabe até quando eles ainda serão realizados por estas bandas do planeta, que são as mais isoladas do globo.

Anúncio da digressão global da seleção brasileira masculina, auspiciada por marca parceira. (Foto: onefootball.com)

 

Portanto, é este o caminho natural. Não é de hoje que o futebol possui um alcance global. Aquele que vem do Brasil tem um grande potencial de consumo por um público espalhado por todo o mundo. A CBF percebeu isso e faz o seu trabalho com a seleção. Não há nada de errado nisso. É preciso agora que o futebol do nosso país, sobretudo o dos clubes, percebam isso a adquiram cada vez mais uma postura estratégica e mercadológica. No Brasil e no mundo.

 

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Entre o mercado e o digital

Bem-vindos ao nosso Entre o Direito e o Esporte” dessa semana nesse novembro que a gente dá uma olhada “Entre o Futebol e o Digital”. Nesse mês dos eSports aqui na nossa coluna a gente já viu o que a gente encontra “Entre o Jogo e o Campeonato”, conversando um pouco sobre como é a organização do eFutebol. Nesse mês do eFutebol aqui na nossa coluna a gente já foi atrás do que tem “Entre o Digital e a Competição”, trocando uma ideia sobre as regras de jogo, competição e campeonato nos eSports.
E, continuando esse mês aqui, a gente vai ver quando jogo, competição e campeonato vão da regra para o dia a dia. Nessa quarta coluna de novembro a gente vai ver quando o esporte sai da tela. A gente vai ver o que a gente acha entre o mercado e o digital. Para deixar tudo mais tranquilo, esse é o nosso guia de hoje: primeiro vamos dar uma olhada no registro, depois vamos conversar sobre o atleta, e daí a gente chega no mercado de transferência do nosso eFutebol.
Bora lá?

(Divulgação: Fonte: Twitter, FIFA eWorld Cup)

 
Janela de registro. Afinal, só dá para saber quem vai jogar se a gente tiver tudo organizado, né? É bem por isso que tem essa ideia de registro no futebol e no eFutebol. Agora é que nem no nosso brasileirão de futebol (masculino e feminino) ou tem seu jeitão um pouco diferente? É isso que a gente vai conversar agora e – é, “lá vem o imagina” – imagina aquele supermercado de final de semana.
“Oi, supermercado?”, isso mesmo! Sabe quando a gente tem que fazer aquela comprinha básica (sabonete, detergente, e o treco que a gente usa para lavar roupa), então… a gente tem duas escolhas: aventura ou express. Na aventura a gente vai sem lista, no express a gente vai com lista. Se a gente vai sem lista, a gente corre o risco de se perder no porquê a gente foi lá (sabonete, detergente, e aquele treco que a gente usa para lavar roupa vai super bem com bolacha de chocolate. Né não?). Se a gente vai com a lista, é quase um “entrou e saiu”.
No esporte (e no eSport) o registro é a mesma coisa! Um jogo pode ser uma aventura, agora uma competição e um campeonato… hm, aí é mais difícil (bom, no caso dos eSports ainda rola se o jogo for uma aventura – ahá!). É por isso que no nosso eFutebol existe, também, um tal de registro – mesmo que não seja que nem o sistema do BID da CBF.
Agora que você me fala, “ah, beleza… registro do que, filho?”. Isso mesmo! Registro do que é aquela boa pergunta quando a gente pensa em esporte no geral. No futebol é fácil: masculino e feminino, profissional e base, tem sempre aquele contrato. Esse contrato é registrado e vira (sério?) o registro (na boa?) do jogador e aí a pessoa pode jogar em uma partida oficial.
Daí você me pergunta, “tá, mas eu era federado com meus 8 anos de idade e não tinha contrato nenhum!”. Opa, errei não foi pergunta, mas “tá valendo”! Realmente, não tinha contrato porque não tinha contrato para ter e, mesmo assim, você teve seu registro para poder jogar. Logo, aqui a regra geral é: não precisa de um contrato em si para jogar, só ter um registro.
Só que toda regra geral tem suas exceções, né? Então se a regra do campeonato diz que precisa de um contrato, precisa de um contrato. E, sim, sem analogia até aqui. Voltando para as últimas semanas: quem organiza um campeonato de eSports molda as regras do campeonato, logo é aí que a gente olha quando quer saber como é o registro de cada competição – tipo a eNations Cup desse ano da FIFA com a EA Sports.
“Tá Roberto… e o mercado e o digital? Esse é o tema de hoje e eu quero conversar sobre isso ainda nessa sexta-feira, menino!”. Ah, me empolguei aqui em todo esse caminho, agora juro que a gente entra aí. Só pode jogar com registro, certo? Se só pode jogar com registro, só pode jogar pelo time pelo qual você foi registrado (ou do jeito que você se registrou). Né? Então o que acontece quando, por algum motivo (dinheiro, exposição, bolacha de chocolate), alguém resolve investir num jogo, competição e campeonato “tirando” você de um lugar e te chamando para jogar por outro recebendo alguma coisa? Mesmo que esse alguma coisa seja uma cadeira.
É aí que entra a dinâmica do mercado de transferências: o registro em um campeonato que vale alguma coisa. Tipo o nosso jogo de sábado… quando vira campeonato, mesmo que entre amigos e valendo um churrasco, o “bicho pega” e tem sempre aquela história do “ei, quer jogar no meu time dessa vez? Eu te dou carona”. Nos eSports, e no nosso eFutebol, é a mesma coisa! Sabia que já teve até transferência de USD 1.2 milhões na China?
Exceção da regra, ou não, esse mercado de transferência existe e cada vez aproxima mais as famílias do futebol – digital ou não. E é bem aí que um pode influenciar o outro, ainda mais quando a gente dá uma olhada na ideia de free agents– sabe aquele amigo que nunca foi jogar, era do nosso time da escola, e a gente chama para completar o nosso time? Então, é bem isso!
No eFutebol, por exemplo, os campeonatos abertos e as Weekend Leagues são como os “catados”, campeonatos que não precisam de registro, e campeonatos que são “o fim do arco íris” para os olheiros. E aí aparece uma ou outra estrela (ou bom jogador, ou só jogador mesmo) que está livre para ser registrado em um campeonato.
Resumindo o dia: eFutebol é futebol, inclusive no mercado de transferências.
É isso, gente! Obrigado pela companhia e um bom final de semana para cada um de vocês e nos vemos semana que vem por aqui na Universidade do Futebol. Fica o convite para o nosso próximo “Entre o Direito e o Esporte” desse novembro, para fechar o nosso mês do “eFutebol” – doping? A gente vê por aqui também. Feito? Qualquer coisa é só me chamar por aqui, pelo meu LinkedIn ou pelo meu Twitter. Obrigado e até mais!
 

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O ambiente de jogo em Itaquera salva o Corinthians

Nenhuma visão atual do futebol pode desprezar elementos subjetivos, de “fora” do jogo em si para fazer qualquer tipo de análise. Por mais contraditório que possa parecer com o atual cenário, onde se estuda muito metodologia de treinamento, modelo de jogo, princípios e sub-princípios defensivos e ofensivos e outros aspectos táticos, é necessário um olhar mais apurado e até humilde – já que no passado isso fez a diferença e era muito mais valorizado – para entender que o conceito ambiente de jogo pode determinar um resultado.
Falo ambiente, mas se dissermos atmosfera, contexto, sinergia, etc, estamos falando da mesma coisa.
Essas relações no futebol envolvem diversos fatores: torcida, história e cultura do clube, entrosamento dos jogadores, bom relacionamento entre titulares e reservas e inúmeros outros elementos que interagem entre si o tempo todo e que podem ser decisivos para, exemplificando, a cobrança de um pênalti de um time entrar ou sair, ou até mesmo para a conquista de um título.
Como exemplo também cito o atual caso do Corinthians. Só não será rebaixado por conta da química que há em seu estádio entre o seu torcedor e qualquer jogador que vista a camisa do clube. A atmosfera que há ali intimida qualquer adversário. E faz crescer quem joga no Corinthians. Evidente que o melhor time terá sempre mais chances de vencer. Mas em condições parecidas, o Corinthians em sua casa sempre será favorito por conta disso.
Falando de individualidades e não de coletivos: o conceito é o mesmo. Por que Muricy Ramalho quando dirigiu o Palmeiras não teve o mesmo sucesso que teve no São Paulo? Ou o meia Ricardinho, logo após a Copa de 2002, por que não conseguiu jogar tão bem no São Paulo como jogou no Corinthians? Tudo é questão de analisar o ambiente e não puramente a qualidade. Romário sem Bebeto seria o mesmo? E vice-versa? Não havia nessa dupla um conjunto de características técnicas e comportamentais que potencializava ambos?
E dentro desse emaranhado de redes que corta o futebol não posso deixar de citar dois outros componentes: o mental e o ambiente de treino. Deixo algumas questões para refletirmos: o nível de confiança de um jogador interfere na maneira com que ele se apresenta para o jogo, abrindo linhas de passe? Não é mais fácil para um time recuperar a posse de bola se há união e solidariedade entre os atletas? E se no treino não há por parte da comissão técnica um estímulo a competição, ao desafio, a superação, enfim, a busca pelo estado de jogo pleno, apenas a presença do torcedor no estádio fará a equipe se comportar de maneira aguerrida em uma partida valendo três pontos?
São itens para olharmos o jogo por um outro viés. Porque aqui podem estar muitas respostas que buscamos na leitura de um jogo.
 

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A TV como força motriz

A temporada 2019 pode ser um marco para o futebol brasileiro. Existem diferentes conversas em curso com potencial para impactar significativamente a estrutura e a divisão de receitas no cenário nacional, o que teria consequências diretas no desempenho esportivo. E tudo isso, dada a inércia de clubes, federações, entidades de classe e profissionais, só tem acontecido na velocidade atual por interesse do principal parceiro comercial do esporte em âmbito local. No Brasil, qualquer mudança no status quo do futebol depende umbilicalmente da TV.
O poder da mídia como ator na negociação tem relação direta com o peso que a comercialização de direitos possui no faturamento dos clubes brasileiros. A fatia correspondente a contratos com a TV é mais significativa do que em outros países – o percentual chegou perto dos 50% em 2018, ainda que tenha sido um ano atípico.
Além do peso, existe uma questão de fluxo de caixa relacionada aos acordos de mídia no Brasil. É praxe no mercado local a antecipação de receitas dos contratos de cessão de direitos. Para as equipes, trata-se de uma fonte com juros abaixo do mercado. Para as emissoras, é um jeito de manter uma relação próxima com os dirigentes e obter vantagens em negociações seguintes.
Em 2019, contudo, o futebol brasileiro passará por mudanças significativas nesse aspecto. A primeira delas é a maneira de distribuir os recursos oriundos do contrato de mídia: ao contrário do modelo atual, alinhavado individualmente e distribuído em prateleiras de acordo com o tamanho das torcidas, o dinheiro da TV aberta será fatiado entre divisão igualitária (40%), número de partidas transmitidas (30%) e desempenho esportivo (30%).
A mudança de modelo tem duas consequências diretas: vai ser mais difícil prever o total amealhado em cada contrato de TV (já que ao menos 30% estão condicionados ao desempenho esportivo) e existe uma questão de prazo. Ao contrário do cenário atual, em que as equipes recebem todo o montante no início do ano, pelo menos 60% serão pagos do meio para o fim do ano. A dificuldade, portanto, é encontrar fluxo de caixa para bancar a operação do futebol nos primeiros meses do ano.
Outra mudança fomentada pela ação da TV é o modelo dos estaduais. O presidente do Atlético-PR, Mario Celso Petraglia, chegou a sugerir o fim das competições regionais a partir de 2020, hipótese bastante improvável, mas o fato é que o atual formato está com os dias contados. A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) criou um grupo de estudos para pensar em como reduzir o número de datas, equacionar os calendários e criar competições que sejam mais atraentes para a TV sem comprometer o calendário dos times pequenos ou o impacto político dos estaduais – o comando das federações é eleito por maioria simples, vale lembrar, e o voto de um clube grande vale o mesmo de um advindo de uma equipe de menor orçamento.
O grupo de trabalho para repensar os estaduais tem a ver com o desgaste do atual modelo. A Globo identifica queda de audiência e de interesse – isso sem falar na qualidade dos jogos, em baixa por fatores como a falta de tempo de preparação.
Os estaduais de 2018 tiveram 18 datas, o que é apenas uma forma de as federações negociarem com seus filiados em busca de estabilidade política. Para efeitos de calendário, não faz sentido o Brasil ainda trabalhar com monstrengos dessa envergadura no início da temporada, condensando a principal competição nacional em pouco mais de seis meses.
Há anos o futebol brasileiro discute o que fazer com os estaduais, competições que têm relevância histórica e que são fundamentais no atual sistema para garantir calendário às equipes pequenas. Esse debate, porém, nunca passou de algo inócuo. Ainda que iniciativas extremamente positivas tenham sido estruturadas, sempre houve barreiras intransponíveis.
O que tem acontecido agora é uma demonstração do poder que a TV exerce no futebol brasileiro. Por iniciativa e vontade dos detentores de direito, é possível que os principais times do país vivam em 2019 um ano focado em discussões sobre fluxo de caixa e futuro do calendário.
No entanto, a questão nesse caso é que a mudança que parte da TV submete-se ao interesse da TV. Ao demonstrar seu poder e agir diretamente para chacoalhar o cenário nacional, a Globo também assume uma posição de quem terá voz ativa e poderá conduzir o jogo.
Mais uma vez, os clubes, as federações e os profissionais do futebol brasileiro perdem uma chance de serem protagonistas. Atuam como vozes reativas numa discussão que terá enorme impacto em toda a estrutura do esporte nacional. Mais uma vez, forças políticas travaram e atrasaram mais do que possível as discussões que todos sabiam que eram necessárias.
Culturalmente e em termos de talento, o futebol brasileiro poderia ter em âmbito global um patamar bem superior ao atual. Enquanto todos os atores do país aceitarem papéis de coadjuvantes e trabalharem apenas para retardar mudanças, entretanto, seguiremos sempre pensando apenas na impossibilidade de competir com outros mercados.