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Por onde passa o futuro do futebol feminino no Brasil

Há décadas discute-se sobre os fatores para o sucesso do futebol feminino no Brasil. Em mês do Dia Internacional das Mulheres, este debate ganha mais adeptos. São várias as perguntas que colocaram em dúvida o crescimento da categoria no país. Agora, parece que se sabe das origens dos seus problemas. É preciso, portanto, fazer acontecer. Este “fazer acontecer” passa pelas praticantes, pelos torcedores, clubes e federação local.
É inegável que o esporte possui um papel social bem forte. Consequentemente, o sistema esportivo (atletas, clubes e federações) também. Felizmente, o tema que se refere à igualdade de gêneros tem ganhado destaque e faz parte da “Agenda 2020”[1] do Comitê Olímpico Internacional. As instituições esportivas possuem grande importância para a sociedade, as pessoas identificam-se a várias delas, outras tantas possuem credibilidade, tradição centenária, são centros de atenção e, muitas vezes, formação de opinião. Não raramente, – com muitos exemplos mundo afora -, delas emanam iniciativas que quebram paradigmas, assim como foi o supracitado gesto do olimpismo.

Equipe do São José EC (Foto: EBC/TV Brasil)

 
Clubes e federações devem trabalhar de maneira incansável com a igualdade de gêneros a fim de reduzir o grande abismo que se vê no Brasil. Não devia ser considerado como, mas é papel social destas entidades fazer a categoria crescer por aqui. E é importante que os clubes façam parte deste processo para aproveitar a ampla base de torcedores que possui. Com isso, com frequência e, à prazo, o futebol feminino no país criará mais referências. A competitividade e o profissionalismo aumentam. Em um segundo momento, mais mulheres estarão envolvidas nas comissões técnicas e na gestão do futebol. Não que apenas com o futebol feminino isso irá acontecer, mas não há dúvidas de que será um grande incentivo. Antes do lucro financeiro e dos títulos (que sem dúvida alguma são importantes), é preciso refletir em como os clubes e o futebol local (federação) querem ser vistos e reconhecidos? Exemplos não faltam.
Portanto, é fundamental que o gesto rumo ao crescimento e desenvolvimento do futebol praticado entre as mulheres no Brasil não tenha apenas como base a confederação nacional. É preciso partir da base, especificamente nos clubes, com o fomento ao esporte de participação e rendimento. Dessa maneira, não mais discutiremos os motivos do ponto-de-situação da categoria no Brasil, mas sim das consequências do bom trabalho realizado a partir do que um dia fora proposto fazer.
Em tempo, uma Feliz Páscoa a todos os leitores!
 
[1] recomendações com o objetivo de repaginar o futuro do esporte nas próximas décadas

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O que é e o que parece ser

As escalações de São Paulo e Corinthians para um clássico disputado no último domingo (25), no Morumbi, chamaram atenção por um motivo específico: a quantidade de “volantes”. Diego Aguirre, ainda um recém-chegado à equipe tricolor, montou um meio-campo com Jucilei, Petros e Liziero; Fabio Carille escalou Ralf no lugar de Clayson, vetado por questões físicas, e também criou um tripé de marcadores com Gabriel e Maycon ao lado do camisa 15. Foi o suficiente para uma série de análises, em diferentes canais de comunicação, sobre como essas opções travaram o confronto válido pela semifinal do Campeonato Paulista. Mas essa relação de causa e efeito é suficiente para explicar o que aconteceu no duelo?
A resposta a essa pergunta diz muito sobre o jeito de enxergar o jogo. Por ser um contexto complexo, composto por ações e reações que se sobrepõem durante 90 minutos, o futebol compreende uma infinidade de possibilidades para combinar jogadores de meio-campo. E isso quase sempre independe da posição “de origem” deles – basta lembrar que o marcador Willians e Márcio Araújo, expoentes do cabeça de área que sabe destruir mais do que construir, já tiveram bons momentos atuando abertos e compondo a linha de armadores.
No último domingo, Aguirre poderia adiantado Petros ou Liziero para a linha de armadores. Também tinha opções como um tripé no meio ou um 4-1-4-1 com os dois jogadores ao lado de Marcos Guilherme e Nenê. A lista de hipóteses é extensa e inclui uma série de sistemas, modelos e desenhos. O mesmo vale para o Corinthians, a despeito de o trio Ralf-Gabriel-Maycon ser menos versátil e cobrir um trecho menor do campo. No entanto, e eu acompanhei isso por duas rádios e um canal de TV de São Paulo, as análises foram focadas em “dois times com três volantes”.
O que se viu no Morumbi foi Liziero mais solto pela esquerda, dando volume e contribuindo para a marcação na saída de bola. Isso deu corpo ao São Paulo no primeiro tempo, ainda que o gol da vitória tricolor tenha acontecido em um contragolpe. Maycon não teve a mesma presença ofensiva, mas conseguiu travar bem o lado direito de ataque do rival.
Na próxima terça-feira (27), a seleção brasileira voltará a enfrentar a Alemanha, algoz do 7 a 1 em 2014. Tite ainda não confirmou a escalação, mas admitiu que estuda a possibilidade de colocar Fernandinho no meio-campo canarinho. Foi o suficiente para começarem a surgir análises sobre um time “mais cauteloso” contra os germânicos.
Tite teve uma longa conversa com Pep Guardiola, técnico do Manchester City, no fim do ano passado. No bate-papo, um dos tópicos foi Fernandinho, jogador da equipe inglesa. O comandante da equipe nacional fez perguntas sobre a capacidade de passe vertical do meio-campista e se o espanhol conseguia enxergá-lo também como um meia. A resposta foi afirmativa.
Fernandinho pode não ser o ritmista desejado por Tite, mas tem capacidade para fazer passes que furem defesas. Tem visão vertical, fundamentos e experiência – atuava em uma linha mais adiantada até os primeiros anos como profissional. Pode não dar tanto volume ofensivo quanto Philippe Coutinho, mas oferece outro tipo de presença em campo e cobre uma faixa maior do meio.
O que o clássico paulista e a seleção nos mostram é que não existe discutir futebol apenas a partir do “volante” ou do “meia”. Existe muito além dos nomes de funções, e negar esse mundo de possibilidades é negligenciar a própria complexidade do jogo.
 

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Entre o jogador, o clube e a CBF

Bem-vindos ao “Entre o Direito e o Esporte” dessa sexta-feira aqui na Universidade do Futebol. Hoje vamos continuar a nossa conversa sobre o que a gente acha entre o Direito e o Trabalho do jogador profissional de futebol. Aqui a gente vai ver como todos aqueles regulamentos do mundo do futebol vão parar no contrato do jogador do seu time.
E para deixar tudo mais fácil, a coluna de hoje vai ter essa cara: primeiro vamos ver o que o contrato do jogador do seu time fala sobre isso, depois vamos dar uma olhada nos principais regulamentos do mundo do futebol que vão parar nesse contrato aqui no Brasil, e então como esses regulamentos mudam a cara da relação entre o atleta profissional de futebol e o seu time – mesmo quando não tem nada escrito no contrato sobre isso.
Fechou?
Vamos começar pelo começo então! A regra geral aqui é “sempre leia o contrato antes de assinar”. Lembra que a gente já falou sobre o “modelão” que contrato do jogador do seu time segue? Aqui é a mesma coisa, e no contrato tem a cláusula que dá o aviso, aviso que o jogador tem que obedecer aos estatutos e aos regulamentos do seu clube e de todas aquelas entidades das quais o clube e o atleta fazem parte, aviso que o seu clube também tem que lembrar e seguir tudo isso.
Agora… Dá vontade de soltar aquele “sério, não me diga”, né? Fala e fala, e não diz quais são esses regulamentos e é isso que importa no fim do dia! Bom, a resposta é “todos”. Vamos lá, imagina que o seu clube é de São Paulo. Ele e os seus atletas vão ter que obedecer aos regulamentos e estatutos da Federação Paulista de Futebol, da Confederação Brasileira de Futebol, da CONMEBOL, e da FIFA. Ou seja, é quase como aquele emaranhado de fio de cabelo no pente, sabe? Difícil dizer onde começa um e termina outro.
Só que alguns são mais próximos desse contrato do que outros – esses que sempre ficam por perto, ficam na cabeça do advogado quando vai ajudar clube, atleta e intermediário. Esses documentos servem como os textos sagrados de qualquer um que trabalhe com futebol profissional pelo mundo.
E são esses aqui: pelo lado da FIFA tem o seu Estatuto (a base de tudo), o seu Regulamento sobre o registro e sobre a transferência de atletas (a base do contrato do jogador), o seu Regulamento sobre intermediários (a base do relação clube-intermediário-jogador), e as suas Regras sobre os procedimentos do Comitê de Registro de Atletas e da Câmara de Resolução de Disputas (os lugares para onde a gente corre quando “dá ruim” em algum contrato).
Aqui no Brasil a gente também tem que lembrar do Estatuto da CBF, o seu Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas de Futebol, e o Regulamento Nacional de Intermediários. A base é o que a FIFA fala. E esses regulamentos dão uma temperada ao trazer uma regra aqui e ali que é importante lembrar – seja você advogado, jogador, cartola ou um curioso do futebol.
E aí, vamos ver o que essas regrinhas colocam a mais no contrato do jogador do seu time?
O que importa aqui é só uma palavra: limite. Essas regras colocam os limites do que pode ser negociado dentro do contrato do jogador do seu time. Trazem tudo para dentro de uma “caixinha” onde é mais fácil separar o que pode do que não pode. E aí são seis os pontos mais interessantes para hoje: o tipo, o registro, e o tempo do contrato. Além do tal do “intermediário”, as multas por descumprimento do contrato, e a cláusula do “ih, deu ruim”.
O tipo de contrato é fácil, né? Ou você é um jogador profissional ou não. Certo? Será? Tão fácil assim? Bom, quem já me acompanha há mais de mês aqui sabe que lá vem história.
Pela FIFA é um jogador profissional aquele que recebe para jogar pelo seu clube mais do que gasta para isso e tem um contrato por escrito com o seu clube. Nessa linha se eu ganho uns R$ 100 por dia e gasto mais que isso no jogo do bicho, eu sou um jogador profissional. Só que se em vez disso eu gastar mais do que isso com meu transporte, roupa para treino, e alimentação… eu não sou um profissional mesmo com um contrato que diz isso?
É por isso que a regra da CBF fala que o atleta profissional é aquele que exerce a atividade desportiva (joga, treina, etc.) com um contrato de trabalho escrito. Esse contrato tem que ser registrado, e cria o tal do “direito federativo” (falando de uma maneira bem simples). Assim, eu posso gastar quanto eu quiser no que eu uso para jogar que eu continuo sendo um jogador profissional se eu tenho esse registro e tenho um contrato profissional assinado.
E o tempo de contrato, é igual em todo lugar? Naquelas. Para a FIFA se eu sou menor de 18 anos, eu posso assinar um contrato de no máximo três anos. Já pelo Brasil se eu sou maior de 16 anos, posso assinar esse contrato por até cinco anos.
Me fala agora, o que acontece se eu tenho essa idade e assinei um contrato profissional com o meu clube por cinco anos e no quarto ano de contrato um time de fora me quer? Bom, para a FIFA só valem os três primeiros anos e eu posso passar no vestiário para dar um “vlw, flw” para os meus amiguinhos de clube e partir – coisa que a gente nunca viu, né?
Além disso, precisa ter no contrato quem é o intermediário (antes agente ou empresário), ainda mais se é caso de negociação de contrato de trabalho ou de transferência. Fora isso, aqui no Brasil o contrato tem que ter uma multa para quando o jogador do seu time não respeita o contrato (cláusula indenizatória). E outra para quando o seu clube também não respeita o contrato (cláusula compensatória).
Além disso, tem também um aviso para quando “dá pau” em qualquer um desses pontos. Quem vai decidir o certo do errado é o “Poder Judiciário do futebol”! E isso pode ser na CBF (na CNRD), na FIFA (no PSC ou no DRC), ou no tal do CAS que fica na Suíça dependendo do caso – só que aí já é outra história, senão você vai querer me matar de tanto ler hoje!
Nessas horas que a gente vê que um “contratinho” tem muito mais do que aparece – mesmo depois de ler esse contrato umas boas vezes. É por isso que ser jogador não é fácil, ser intermediário não é fácil, e ser um cartola não é fácil. E fica ainda mais difícil se a gente não tem ninguém para ajudar com esses detalhes, né?
Espero que tenham gostado de mais um “Entre o Direito e o Esporte” e na próxima sexta-feira a gente vai conversar como a legislação brasileira aparece no contrato do jogador do seu time. Feito? Vejo vocês no feriado! Deixo meu convite para falarem comigo por aqui, pelo meu LinkedIn ou pelo meu Twitter. Bom final de semana para vocês, e até mais!

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Cadê o verdadeiro São Paulo?

Quem acompanhou o jogo São Caetano x São Paulo pelas quartas de final do Paulistão viu que o problema do time é muito maior do que o treinador. Saiu Dorival Júnior e entrou Diego Aguirre, mas a postura geral de resposta aos problemas do jogo continua a mesma. O novo técnico teve apenas um treino antes desse confronto e obviamente pouco conseguiu interferir no processo. Então o que se viu foi a continuidade de um jeito de jogar que transcende o comandante.
Não gosto de segmentar o jogo em partes técnicas, táticas, físicas e emocionais. Uma partida de futebol tem todas essas vertentes juntas ao mesmo tempo. Um drible, por exemplo: tem o próprio gesto técnico da finta, tem a noção tática de se esse drible deve ser feito ou para o lado ou para frente, a parte física de conseguir ter velocidade para cumprir a ação e a coragem de tentar passar por um adversário. Tudo junto em uma única ação.
Por isso não me parece muito assertivo dizer que, por exemplo, falta “pegada” a uma equipe. Se os jogadores estiverem mal distribuídos em campo de nada adiantará a tal raça. Será o popularmente conhecido como correr errado.
O que há no São Paulo é um elenco mal formado, com jogadores em péssima fase técnica ( Petros e Jucilei formam a dupla de volantes em pior fase no Brasil), uma desorganização tática nos quatro momentos do jogo – ataque, defesa, transição defensiva e transição ofensiva -, falta de confiança para jogar e consequentemente, por todos esses fatores, um desgaste físico maior do que o normal.
O Tricolor até pode evoluir no curto prazo. porém Diego Aguirre terá que realizar um trabalho acima da média do que se vê aqui no Brasil para fazer dessa atual equipe uma equipe vencedora.

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Reflexões que nunca acabam sobre o futebol de base

Discutir o futebol formativo virou algo corriqueiro e habitual por aqui. É uma tarefa instigante e reflexiva e não podemos negar que evoluiu alguns debates. Agora, quem sabe, a forma como esse processo é discutido e por quem é debatido, é que precisa ser ajustada e melhorada.
Estamos ainda longe para que o futebol de base compreenda sua verdadeira face, singularidade e significado transcendente de formar jogadores e equipes. O caminho ainda está confuso e sem placas sinalizadoras.
Desgosta saber que indicadores internos e indicadores externos diagnosticados com frequência são negligenciados por vários fatores e interesses particulares. Eles ajudariam na construção de um cenário evolutivo e de um jogar com qualidade, e poderiam fazer parte corriqueiramente dos entornos diários particulares dos detalhes.

 
 

 
O que foi citado acima, que é um pouco do que acontece no Brasil, é um despojado reflexo e exemplo de um futebol de base hostil e superficial.
Então, como defender perante um grupo de jogadores uma aprendizagem intencional, significativa, que desenvolva aspectos relevantes e o verdadeiro jogar do futebol, visto que o sistema futebol culturalmente poluído está desorientado, não sabe o que quer, para aonde vai e qual a razão de ir? Sejamos otimistas, pensando melhor, esse reflexo de problemas culturais que gerou mentalidades e modelos ditos como únicos e verdadeiros, ainda pode ser suplantado, correto?
O que nos resta agora é tentar compreender todos esses elementos acima levantados, que são rotineiros, e clarear possíveis reparos com as reflexões vistas.
Quando se trata de formação, temos que lembrar que acima de tudo, está sendo formado um ser humano, que deve obter princípios de vida que o torne sólido para enfrentar as dificuldades do dia a dia e do jogo em qualquer instante. Devemos transmitir aspectos ou critérios, com uma ideia operacional clara e significativa, para que o jogador perceba o elo intenso que liga o seu jogo no jogo coletivo, sua vida correta e com caráter na vida coletiva. Fundamentalmente é entender que a unidade humana-futebolística deve ser um fio que forma outros fios todo o tempo.
 

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Caros clubes, não haverá mais rebaixamento

Exatamente. “Os seus problemas acabaram”! Não haverá mais, no maior escalão do futebol mexicano, o sistema do rebaixamento. Em outras palavras, ninguém cai. Aquele clube que ficar pelas últimas colocações, recebe uma multa. Atualmente com 18 equipes, é plano ter 20 times dentro do formato de competição em vigor. É possível conseguir o acesso à primeira divisão, desde que a instituição não tenha dívidas (interessante), ter estádio de padrões internacionais de conforto e segurança (bastante interessante também) e não pertencer a grupo empresarial que já controle uma equipe da série A. Ou seja, no futebol do México os clubes são bastante voltados para o mercado. Isso funcionaria no Brasil?
Em curto prazo, não! A longo, então? Também não. Em uma primeira análise é possível enxergar este cenário a muito longo prazo. Em primeiro lugar, os clubes precisam formar uma liga. Os seus associados precisam possuir uma cultura empresarial, que vise o lucro e a otimização dos custos em busca de rendimento esportivo e financeiro. É preciso um bom tempo para que isso aconteça. Ademais, a cultura do acesso e rebaixamento é muito presente no futebol do Brasil e do esporte brasileiro como um todo. Há polêmica, há drama, há terror, há estatísticas, probabilidades, Z4, Z20, G4, G55, piadas, memes, glória…sobram assuntos para serem abordados, discutidos e, com isso, audiência garantida. Quem não se lembra da “Batalha dos Aflitos”? Ou da máxima: “Time grande não cai”. Tudo isso construído dentro deste cenário.

Lance de América x Pumas UNAM em jogo da “Liga MX” (Photo by Hector Vivas/Getty Images).

 
Pois bem, o México mudou tudo isso. Nas discussões sobre gestão e marketing do esporte, os mexicanos ocupam uma posição de laboratório dentro de uma cultura clubística do futebol (típica da América Latina) com uma lógica do esporte voltada ao mercado (bem típica dos seus vizinhos do norte, os Estados Unidos). O povo de lá acompanha as ligas profissionais estadunidenses das mais diversas modalidades (o futebol americano coloca mais de 100 mil pessoas no estádio Azteca). Palavras como “franquia” (para se referir a um clube) não é estranha. Assim como nos EUA (e muito influenciados pelos americanos), as equipes possuem donos e, em outros casos, acionistas. Neste sentido, não há filantropia. Se alguém (pessoa física ou jurídica) investe em um time, o objetivo é o lucro.
Há sim um meio termo. É bastante interessante o sistema de rebaixamento e acesso justamente pela expectativa que é gerada. E isso alimenta o futebol. Não que o outro modelo não tenha isso, mas não tanto quanto. É possível o futebol do Brasil possuir uma lógica financeira mais sólida, voltada para o mercado, dando lugar ao profissionalismo, desempenho e meritocracia. Que a instituição não tenha dívidas para poder jogar um campeonato (dificílimo isso acontecer por aqui) e que apresente uma infraestrutura à altura de proporcionar um bom espetáculo de futebol que será vendido aos torcedores e também à televisão. A prazo, o mundo também poderá te conhecer.
Portanto, vai ser preciso muito, muito tempo para que – caso queiram – o que aconteceu no México aconteça no Brasil. No entanto, há muito nisso que a organização do futebol mexicano pode ensinar aos brasileiros.

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O discurso de ódio e o futebol

Morreu Marielle Franco, a quinta vereadora mais votada do Rio de Janeiro, e essa morte diz muito sobre o nosso tempo. Foi um daqueles episódios extremamente significativos, marcantes, que sinalizam uma série de coisas – e se você acha que “o cadáver não é diferente de um cadáver comum”, por favor, acho melhor parar por aqui. O assassinato não tem nada de ordinário, sobretudo pelas circunstâncias que o envolvem, e entre as muitas discussões possíveis está justamente o discurso de ódio como ferramenta de comunicação.
A morte de Marielle está diretamente ligada ao extremismo, à solução que ignora limites éticos ou morais, ao uso da violência como resposta quando a comunicação não funciona, à necessidade de ter um tom superior ao do receptor; é a mensagem imposta, virulenta, cujo fim ignora totalmente os meios; é a versão mais extrema do “bateu, levou” e dos direitos cerceados.
Agora transponha isso para o futebol. Em quantos episódios você já viu um jogador, treinador, dirigente ou torcedor responder de forma violenta a um erro ou mesmo a uma ação proposital de um rival? Em quantas dessas situações a reação apenas aumentou o tom da celeuma e criou um confronto ainda maior / mais denso? Em quais episódios isso realmente funcionou e encerrou o assunto?
Poucos, para ser bem complacente. Em geral, vale a regra tácita dos conflitos entre torcedores organizados: nós reagimos e armamos algo contra vocês porque vocês fizeram algo a alguém que é importante para nós. Nós pensamos e agimos com sangue frio porque nos consideramos vítimas de um primeiro ataque. Essa espiral de violência cria uma onda de vitimismo e de atos cada vez mais drásticos. Se alguém morre, respondemos com mais mortes; se há vingança, respondemos com mais vingança.
Por isso, eventos como o que aconteceu na semana passada são fundamentais como marcos. São oportunidades para que clubes e federações se posicionem de forma assertiva e mostrem o que pensam ou os valores que perpassam a construção de suas marcas. Pior do que uma instituição que adota posicionamentos anacrônicos, é uma entidade que não se posiciona.
Também é essa a explicação de ter sido tão significativa a ação de policiais militares de Belo Horizonte e Porto Alegre. Segundo relatos de torcedores, em jogos de Estaduais nas duas cidades os oficiais retiraram faixas que falavam sobre Marielle. Em ambos, a explicação foi algo como coibir manifestações políticas. Quem faz isso ignora o contexto ou simplesmente não entende o quanto o que aconteceu é maior do que disputas partidárias / eleitorais.
A necessidade de um posicionamento em episódios assim também atinge os atletas enquanto formadores de opinião. O assassinato poderia ser estopim para revoltas, críticas, protestos e eventos organizados para realmente afetar a estrutura do esporte nacional. Isso deveria ser sentido em outros âmbitos, discutido por outros públicos.
Neymar – quem diria? – foi um exemplo positivo no caso. Ao contrário da infeliz homenagem ao físico Stephen Hawking, o atacante acertou em tom e conteúdo ao falar sobre Marielle. Foi conciso, mas agiu como em raros momentos.
O triste evento do Rio de Janeiro mostrou a enorme necessidade que a população brasileira tem de se posicionar e de lutar por direitos que vão muito além da simples justiça – ainda mais a justiça no sentido de “olho por olho, dente por dente”. O futebol tem chance de fazer parte desse processo, até pelo grau de influência que a modalidade tem na sociedade local.
Ou então é possível que todos fiquem parados, anestesiados, vendo a caravana passar como fazem nas discussões sobre o futuro da CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Num período em que a sociedade clama por mudanças, que tipo de postura você espera do seu clube ou do seu ídolo?

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As consequências de uma metodologia adequada e eficiente

No nosso contexto formativo, podemos generalizar um pouco e afirmar que o aprendizado é deixado ao acaso. O termo “grade curricular”, por exemplo, é muito associado ao ensino escolar, onde se respeita o processo de desenvolvimento do indivíduo de forma integral, ou seja, o programa de formação consiste no desenvolvimento intelectual, pessoal, social e físico. Entretanto, esta estrutura é muito pouco utilizada em nossas categorias de base, acabando por fortalecer avaliações subjetivas e sem critérios e favorecer aqueles jogadores que por algum motivo saltam aos olhos em dado momento.
Pensando então em organizar este processo, faz sentido levar em conta as fases de desenvolvimento do jovem futebolista utilizando uma estrutura hierarquizada que descreva quais são os pontos mais importantes a serem trabalhados nos treinos e que ajude a selecionar de forma racional as atividades a serem realizadas. Além disso, um programa de formação estruturado e organizado inclui abordagens para 1) o ensino, aprendizagem e avaliação, 2) qualificar as relações entre treinadores e treinador-jogador e 3) sustentar os valores incorporados pelo clube.
Mas quais seriam estes estágios e por onde poderíamos começar?
Uma das maneiras mais simples é realizar o agrupamento por faixa etária e então partir para observações mais específicas (desenvolvimento motor, físico, técnico-tático, cognitivo, socioafetivo, etc). Desta forma, o caminho de desenvolvimento que o jogador percorre durante anos apresenta-se claro e sustentado por princípios que respeitam suas características e necessidades, permitindo ainda, que o jovem adquira autonomia nas atividades habituais de maneira progressiva.
Na figura abaixo, podemos ver um pequeno exemplo de como cada estágio promove um foco de desenvolvimento diferente, e como esta estrutura ajuda a saber quando os jogadores deveriam iniciar (-) e quando deveriam mostrar competência (+) em certas habilidades.

Figura retirada do livro Complete Soccer Coaching Curriculum for 3-18 Year Old Players: Volume 1

 
Com isto em mente, a condução do processo deixa de ser somente subjetiva e favorece a uma melhora progressiva dos jovens jogadores. Mas antes de qualquer coisa, é muito importante que os treinadores entendam sobre cada estágio de desenvolvimento e o nível de proficiência do jogador.
Por isso, não podemos trabalhar ao acaso implementando os mesmos conteúdos e métodos de treino nos diferentes escalões. Da iniciação ao alto rendimento, os jovens precisam passar por um processo de formação coerente, com objetivos, estratégias e conteúdos adequados. Neste processo, é essencial que os princípios de jogo estejam presentes.
Estes princípios são basicamente um conjunto de normas que orientam a tomada de decisão dos jogadores, sendo colocados como conteúdos centrais do processo de ensino/aprendizagem e devem ser ensinados de forma explícita. Começando pelos princípios fundamentais (*Progressão, Contenção, Cobertura Ofensiva, Cobertura Defensiva, Mobilidade, Equilíbrio, Espaço e Concentração), podemos possibilitar aos jogadores que participem inúmeras vezes e de forma direta no jogo. Isto importa pois, um grande número de ações ajuda o praticante a melhorar a execução técnica que o jogo exige, proporciona informação suficiente para tomadas de decisão mais rápidas e acertadas, além de transformar a atividade em algo mais dinâmico e motivante.
Mas estes comportamentos são inerentes ao jogo, ou seja, se manifestam independentemente do modelo de jogo adotado. Aqui nos deparamos com situações de jogo que podem variar desde um simples 1×1, até situações de 3×3 com ocorrências mais espontâneas e comportamentos mais imprevisíveis, podendo-se observar situações similares, mas nunca iguais.
Evidentemente, o clube precisa promover o próprio jogo. Assim, o ensino evolui progressivamente em direção aos princípios específicos de organização coletiva. Aqui evidenciamos a necessidade de compreender o jogo, de se ajustar ao que ocorre perto da bola mesmo estando distante dela, de perceber o que fazer em função de ter ou não a bola e atuar de acordo com o modelo de jogo adotado. Trata-se do ensino dos princípios de organização coletiva (Princípios Gerais, Princípios Específicos e Princípios Estruturais), ou seja, a parte previsível do jogo, aqueles comportamentos que tendem a ocorrer de forma predominante e que são treinados diariamente.
Neste sentido, a exercitação do modelo de jogo objetiva o modo como se pretende jogar. Trata-se do ponto de partida essencial e referencial, estabelecendo linhas orientadoras que indicam o caminho para a resolução das situações de jogo com pleno sentido coletivo e uma organização eficiente.
Resumidamente, um programa de formação ajuda a estabelecer padrões para cada estágio de desenvolvimento de forma que:

  • O progresso dos jogadores e treinadores possa ser monitorado.
  • Metas e melhorias possam ser estabelecidas.
  • Os jogadores possam ser desenvolvidos de forma apropriada.

Esta estrutura fornecida pelo clube, facilita a transição dos jogadores entre os escalões promovendo a continuidade daqueles que merecem, a coerência na avaliação final e maior compreensão e cooperação da equipe de treinadores no modelo utilizado pelo clube.
 
* Na literatura o 1º princípio ofensivo é definido como “Penetração”, mas por se tratar de um conteúdo formativo acredito que “Progressão” seja mais apropriado.
**Uma leitura bastante interessante a respeito do tema, é o livro Complete Soccer Coaching Curriculum for 3-18 Year Old Players: Volume 1
 

 

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Entre o clube e o jogador

Bem-vindos a nossa terceira semana do “Entre o Direito e o Esporte” nesse mês de março e de suas águas. Hoje nós vamos continuar a nossa conversa sobre o que a gente acha “Entre o esporte e o trabalho”, e no caso de hoje o que o clube tem que fazer para não perder um jogador – coisa que a gente nunca vê na capa de nenhum jornal, ainda mais nessa semana, né torcedor da cidade de São Paulo?
Só para deixar um pouquinho mais fácil, vou deixar aqui o caminho que a gente vai seguir na conversa de hoje: primeiro vamos ver o que todo contrato do clube com o jogador tem e que o clube precisa cumprir (aquelas cláusulas padrão, que nem na semana passada), depois a gente vai trocar umas ideias sobre o que pode ter no contrato e que o clube precisa cumprir (as cláusulas extras que costumam ter nesses contratos), e depois vamos falar um ou outro detalhe que é bom o clube ficar de olho se não quiser problema para o lado dele.
Bora lá?
O que a gente acha em todo contrato de clube e jogador é até um pouco de bom senso. A regra geral aqui é “o básico”. Um clube depois que registrar o jogador tem que pagar um salário fixo ou variável por mês, e pagar as despesas extras quando tem concentração e viagem – a passagem, o hotel, e a comida. Agora, se um clube não consegue nem fazer isso… a situação está feia, né? Jogador profissional não é escravo, não trabalha de graça, e também não paga para trabalhar. De novo, bom senso.
Fora isso, o clube também tem que dar ao jogador assistência médica e odontológica quando tem algum problema (como lesão) por causa de um acidente durante o treino ou um jogo (tipo aquele carrinho criminoso no amigo chato no jogo do final de semana). Além de garantir ao atleta boas condições de higiene (sem baratas no vestiário) e de segurança no trabalho (de preferência o celular do jogador é do jogador, e não pode sair do vestiário andando sozinho por aí).
Fora isso, falta alguma coisa? Sim, imagina que acontece o que ninguém espera que aconteça e o time ou o jogador sofre um acidente. O que o bom senso pede? Seguro de vida e de acidentes pessoais, isso! O clube precisa contratar esse tipo de seguro para o atleta, já que a gente nunca sabe o dia de amanhã.
Isso é o básico do básico e até aí sem problemas, certo? Agora vamos para o que a gente acha na maioria dos contratos de trabalho do jogador de futebol. Aí saí um pouco do básico e passa para o que é bom, pelo menos conversar antes de assinar um contrato. Passa do bom senso para os bons e velhos costumes do mundo da bola.
Imagina que o seu clube vai contratar aquele jogador. Me diz, o que o seu clube vai oferecer a mais para seduzir o cara a vestir a camisa? Bom, um dinheiro extra é sempre bem-vindo e é aí que entram os bônus e os bichos (por gol, por assistência, por partida, por premiação, por campeonato, e a lista vai seguindo).
Agora dinheiro não compra paz de espírito e nem felicidade, então tem bastante jogador que gosta de receber um agrado extra. O que deixaria a sua vida mais fácil? Isso mesmo! Uns penduricalhos aqui e ali como carro, casa, comida e roupa lavada! Além de fundos de pensão e previdência privada, reembolso em caso de mudança de cidade ou país, uns dias de férias a mais, e mesmo material esportivo (ou até roupa para sair na balada mesmo). Tudo isso pode estar no contrato de um jogador de futebol.
Além disso, é bem capaz de achar alguma parte falando sobre imposto – que todo mundo deveria pagar, embora não seja sempre assim. Aliás, aí é uma questão bem importante. Imagina se o seu clube quer trazer aquele artilheiro gringo? E aí, o cara vai pagar imposto aqui e no país dele dependendo do caso… como é que faz? O cara vai sofrer duas vezes no ano? Bom, alguns clubes se dispõem a quebrar o galho e pagar o pato nesses casos, né.
Fora imposto, imagina que o cara é um ídolo do seu clube. O que mais dá para oferecer? Isso mesmo, um planejamento de carreira para além do campo. Ou seja, quando o atleta se aposentar o clube pode pagar uns cursos para quem sabe ele ajudar o seu clube de outra maneira – virar um técnico, um dirigente, um advogado, aí tem louco para tudo!
Lembrando que tudo isso o clube tem que cumprir. E o que acontece se o clube não fizer isso? Bom, o jogador vai colocar o clube no… opa, desculpa. O atleta irá ajuizar uma ação em face do seu empregador, o clube. Agora que falei a frase bonita, posso voltar ao normal… bom, depois que o clube c*** no p** para o jogador, é fácil adivinhar o que acontece. Ao menos os paulistas sabem bem nessa semana, o atleta tenta “se livrar” do clube na Justiça do Trabalho (ou na CNRD, mas aí são outros quinhentos que fica para outro dia) e fica livre (ou quase livre) para assinar com outro clube (mesmo que depois não possa jogar no meio do campeonato logo quando tinha virado titular – ô beleza!). E, nessa brincadeira, se o jogador tem razão mesmo é bem capaz de levar uma bolada a mais para casa no fim do dia – e deixar o advogado dele feliz da vida. Ou… ficar sem jogar.
Além disso, o clube ainda tem mais três obrigações que é sempre bom lembrar. O que acontece quando o jogador do seu time é chamado para um jogo de seleção em uma data oficial da FIFA? Sim, o seu clube tem que liberar o cara. E o que acontece se o atleta é um gringo e não mora no Brasil já? Isso, o seu clube tem que garantir que o cara tenha um visto de trabalho para poder jogar por aqui. E o que acontece se um esperto quer assinar um contrato de trabalho com o jogador e dizer que é dono dele sem ser um clube? Nada, porque o contrato não é válido (ao menos como jogador de futebol) e o seu clube não pode aceitar esse tipo de negócio.
Bom, hoje é isso! Um pouco mais tranquilo e mais leve do que o normal, espero que tenham gostado de mais um “Entre o Direito e o Esporte” aqui na Universidade do Futebol. Quase que um guia de sobrevivência para seu time não perder aquele jogador – e espero que um dia sigam o básico pelo menos, né?
Fico por aqui nessa semana, e na próxima sexta-feira a gente vai conversar um pouco sobre os regulamentos do mundo da bola que dão as caras no contrato do jogador do seu clube. Fechou? Vejo vocês daqui sete dias! Deixo meu convite para falarem comigo por aqui, pelo meu LinkedIn, ou pelo meu Twitter. Valeu? Bom final de semana, e até mais!

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O São Paulo está doente

Mais uma vez, o São Paulo demitiu um treinador. Mais um ano começa e o time perdeu alguns jogadores e contratou outros. Mais uma vez a perspectiva de títulos é diminuta. Tudo isso tem relação. Lei da causa e efeito. Ou da semeadura, para os mais religiosos: colhemos o que plantamos.
A troca constante de técnicos faz com que não existam conquistas, porque futebol é sequência, conjunto e entendimento de uma série de comportamentos e princípios e sub-princípios de ataque, defesa e transições. Mas vamos voltar o nosso olhar para algo mais amplo e complexo. Toda essa falta de norte emerge da bagunça política e administrativa que o São Paulo Futebol Clube atravessa há uns bons anos. Desde o terceiro mandato de Juvenal Juvêncio, passando pela renúncia de Carlos Miguel Aidar e culminando agora com Leco.
Tenho a plena convicção que o resultado dentro de campo é reflexo de tudo o que acontece nas relações entre todos os setores do clube. Do porteiro ao presidente, passando pelos jogadores e pelo técnico. Todos têm a sua parcela nas conquistas e nos fracassos.  Uma má administração dificultará muito o processo de formação de uma equipe vencedora.
O São Paulo ganhou um título nos últimos dez anos. Inúmeros treinadores passaram pelo clube nesse tempo e nenhum teve sucesso. Claro que podemos apontar falhas em cada um dos profissionais que estiveram liderando o trabalho de campo. Porém, não é possível afirmar que eles são os problemas e que o clube é que é a vítima. Há algo errado na estrutura, no arcaico jeito de fazer e planejar. O que funcionava há dez anos, hoje já ficou superado.
Com a atual visão de futebol dos seus cardeais, o Tricolor só será o primeiro dentre os grandes na letra de seu hino.