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Estamos preparados para o retorno do público às partidas?

Recentemente, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) apresentou ao Ministério da Saúde o plano para o retorno gradual do público aos estádios de futebol, em razão da redução do contágio do novo coronavírus, bem como da queda da média móvel do número de óbitos. O plano enviado pela CBF propõe a liberação dos estádios até 30% da capacidade de público, assim como a presença exclusiva da torcida do time do público do mandante. O Ministério da Saúde, em 22/09/2020, aprovou o referido plano, sendo que o retorno presencial da torcida nos jogos do Campeonato Brasileiro Série A ocorrerá em outubro/2020.

Não obstante as inúmeras discussões que surgem quando o assunto é a retomada gradual do público às partidas de futebol, principalmente relacionadas aos riscos de contágio da COVID-19, medidas de segurança e outros tópicos, proponho aqui o debate de um tema tão tormentoso quanto o coronavírus que é o assédio às mulheres que participam do cenário futebolístico, sejam como torcedoras ou profissionais. Tal tema nos faz refletir: estamos realmente preparados para o retorno do público às partidas de futebol?

Há muito, o futebol já se consolidou como a paixão de muitas mulheres, que participam ativamente do dia-a-dia dos seus clubes, praticam o esporte em seus momentos de lazer ou mesmo atuam de forma profissional no meio do esporte. Mesmo assim observamos com frequência nos estádios de futebol, a violação de nossos direitos fundamentais, somos alvos de comentários sexistas, machistas, misóginos e, até mesmo, assédio e violência.

São inúmeros os relatos de mulheres que tiveram seus direitos e garantias
fundamentais violados, especialmente a dignidade da pessoa humana, o que é repugnante e coloca em xeque toda nossa sociedade. Como exemplos, cito o caso da repórter que foi assediada sexualmente por dois
torcedores que tentaram beijá-la à força. Na mesma partida, uma torcedora foi agredida verbal e fisicamente nas arquibancadas do estádio. Tais casos foram amplamente divulgados na mídia, sendo certo que inúmeros outros sequer chegam a ser noticiados às autoridades competentes. Estas condutas, além de serem tipificadas como crimes, perpetuam o machismo estrutural e a retrógada ideologia de que futebol não é coisa para mulher, o que, lamentavelmente, está no consciente de muitas pessoas.

Ante a trágica situação, algumas mulheres estão se unindo, formando grupos que visam, basicamente, a busca pela igualdade na arquibancada, bem como apoio ao futebol feminino. As integrantes do grupo se reúnem antes das partidas e vão juntas para o estádio de futebol, ficando unidas e defendendo umas às outras. Assim, as mulheres podem exercer o direito básico de torcerem para os seus times, se sentindo mais seguras e acolhidas.

O papel desses grupos é fundamental para romper a cultura machista instalada no futebol, vez que reforçam que o lugar da mulher é onde ela quiser e sua escolha deve ser respeitada. Tais grupos aumentam a representatividade das mulheres no futebol e legitimam o direito de torcer sem sofrer assédio ou serem incomodadas com questionamentos sobre sua presença no estádio de futebol e até sobre o seu conhecimento sobre o tema. Porém, tais grupos são insipientes, sendo que a luta das mulheres por respeito à dignidade da pessoa humana e igualdade, direitos básicos, ainda é árdua e encontram inúmeros entraves.

Não bastasse a violência em campo sobre a qual temos uma oportunidade única para repensar refletir e transformar, a pandemia evidenciou os inúmeros casos de violência doméstica sofridas por mulheres, seja de forma física, psicológica e – ou – financeira.

Assim, reforço o questionamento, em um futuro próximo, estamos realmente preparados para o retorno do público aos estádios de futebol?

É evidente que, como sociedade, temos muito a evoluir, para que direitos fundamentais, garantidos a todos os seres humanos, notadamente as mulheres, sejam efetivados e respeitados. Nos estádios de futebol, não é diferente. É imperiosa a necessidade de mudança da realidade vivenciada pelas mulheres no cenário do futebol, devendo ser criados mecanismos efetivos de proteção à mulher.

Certamente, para que seja possível o retorno do público aos estádios de futebol, estes deverão ser adequados, a fim de que se respeite os procedimentos de segurança, a fim de conter a disseminação da COVID-19. Aproveitando as mudanças estruturais que deverão ser realizadas, em razão do novo coronavírus, os estádios podem providenciar a instalação de postos de combate à violência à mulher, contando com pessoal especializado para adotar as medidas cabíveis, inclusive posteriores ao crime cometido.

Ademais, os próprios clubes devem criar mecanismos de punição do torcedor agressor, como forma de coibir a prática de crimes. Tais medidas podem variar desde a suspensão de participação dos jogos, até a proibição. Lado outro, devem ser criadas campanhas de conscientização, a fim de evidenciar a violência às mulheres e as formas de combate.

Assim, como resposta ao questionamento feito acima, tenho certeza de que precisamos implementar mudanças substanciais, para que o retorno aos estádios seja seguro para todos, principalmente para as mulheres.