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Jogar bem é jogar bonito

A beleza na vida e no futebol é algo subjetivo. Depende do modelo de mundo de cada um. As experiências prévias, as influências, o contexto e uma serie de outras coisas condicionam a maneira com que enxergamos tudo. O que é belo para mim pode não ser para você. E vice-versa. 

Entendendo essa complexidade, simplifico o ‘jogar bonito’ do futebol para ‘jogar bem’. Não são exatamente sinônimos, mas cabe para o argumento que quero defender. Isso porque jogar bonito – por mais complexo e interpretativo que seja, repito – aproxima da vitória. A proposta pode ser tanto um jogo calcado na ocupação inteligente do espaço como por ter o controle da partida por meio da posse de bola. Mas qualquer ideia sendo bem executada tem sua beleza e tudo que é eficaz tem maior probabilidade de êxito. Um jogo supostamente ofensivo e sempre com maior posse de bola não basta para ser considerado nem bonito e nem eficiente. Faça bem o que se propõe a fazer e se aproximará da vitória. Dá trabalho. É difícil. Por isso nem todos conseguem.

As glórias mais marcantes do futebol brasileiro foram obtidas com o talento individual do jogador, tendo como base sempre o jogo ofensivo. Entretanto isso não anula uma marcação elaborada e uma transição rápida em direção ao gol adversário. Até porque o jogo é uma ‘coisa’ só. Não cabe mais nos dias de jogo compartimentar uma equipe em defesa, meio de campo e ataque.

A bipolarização entre jogar bonito e jogar para vencer trata-se de uma distorção colossal. Ter uma ideia clara e executá-la com excelência tem sua estética. E isso conduz ao resultado. Não é, nunca foi e nunca será excludente.

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O futuro do sócio-torcedor e os impactos financeiros causados aos clubes em tempos de pandemia

O que já se sabe é que estamos vivendo um ano atípico, onde todo o mundo se volta para a sobrevivência, o comprometimento momentâneo, e aos detalhes que por diversas vezes passaram por ali despercebidos, passamos a valorizar ainda mais outro. E, após oito meses, tivemos que nos reinventar e readequar nossos costumes e hábitos.

Assim também acontece no meio do futebol. Os clubes brasileiros, em sua grande maioria, dependem de programas como o sócio-torcedor e da receita das bilheterias dos jogos como pilares sólidos de suas finanças. Em um estudo realizado pela empresa de consultoria Ernst & Young no ano de 2019, concluiu-se que 16% de toda receita que circula no futebol tem como origem uma dessas duas fontes.

Especificamente no ano de 2019, os clubes auferiram cerca de 20% de receita com bilheteria e programas exclusivos de sócio maiores que o ano de 2018, configurando uma crescente considerável ao ano anterior.

E assim, trilhava o cenário positivo e ascendente para o ano de 2020, até que o mundo virou de pernas para o ar. O futebol foi suspenso por um período considerável, e os clubes passaram por perdas financeiras significativas, praticamente desconsiderando as receitas com bilheteria. O cenário de evolução da pandemia promete jogos sem públicos ou com capacidade reduzida pelo menos até o final da temporada, e a consequência direta é a tendência de inadimplência ou cancelamento dos programas de sócios torcedores, afetando também os cofres das agremiações.

Existem, porém, algumas maneiras de se atenuar o impacto e a queda das receitas dos programas de sócio-torcedor com ações que deveriam ser implementadas antes mesmo da crise, mas que ainda estão em tempo de serem retomadas.

Primeira etapa, os clubes precisam entender o impacto que a diminuição das receitas com programas de sócio e bilheteria irá gerar em seus caixas – lembrando que os clubes praticamente não terão receitas com bilheteria pelo menos durante o ano de 2020. A segunda etapa consiste em conhecer os mecanismos e as vantagens que cada plano oferece ao seu torcedor para que ele continue adimplente, visto que a crise também afetou financeiramente os torcedores e, além disso, entender o que o plano poderá oferecer àqueles que ainda não são afiliados e contratem o plano em meio a pandemia.

Em outras palavras, os planos de sócios-torcedores que quiserem ter sucesso e cumprirem suas funções de manter um fluxo de caixa precisam tratar o jogo em si como mais um “detalhe”.

Hoje no Brasil, alguns clubes oferecem planos com vantagens exclusivas e até chance de se candidatar à presidência do clube. Porém, em sua grande maioria, os clubes oferecem apenas o acesso às partidas, o que provavelmente não ocorrerá em um futuro próximo, uma vez que no atual cenário não se sabe ao certo quando os portões estarão inteiramente abertos para o espetáculo.

Para a fidelização do torcedor deve ser oferecido muito mais do que se tem visto em sua grande maioria dos clubes, podemos citar alguns exemplos, como programas exclusivos de vantagens, acumulo de pontos, conteúdo exclusivo para sócios, experiencias e viagens futuras, descontos e anistias, dentre outros.

O programa “Avanti” do Palmeiras concede aos seus torcedores até 20% de desconto em redes de grandes drogarias e em mensalidades de Universidades. Já o programa de sócio do Internacional focou em descontos em serviços bastante conhecidos de streaming de músicas, filmes e séries, mas esses são exemplos de um primeiro passo a ser dado. Um segundo passo, mais ousado, costuma ser bem mais efetivo: permitir ao sócio-torcedor o direito de participar da vida política do clube, concedendo o direito ao voto e até mesmo de ser votado nas eleições para o conselho deliberativo e/ou presidência. Estudos afirmam que os planos que permitem a participação gerencial do clube tendem a ter quedas menos acentuadas.

Este é o exemplo seguido pelo Bahia: no primeiro ano de adesão ao programa de sócio você adquire o direito de voto como associado e no segundo ano poderá se candidatar ao conselho ou até mesmo a presidência do clube. Com essa e outras ações, o clube do nordeste vem se mantendo com uma média de 30 mil sócios adimplentes por mês, a despeito da pandemia.

Por outro lado, os sulistas, que têm um dos planos mais antigos e robustos do mercado, veem inclusive um certo crescimento na sua base, que gira em torno de 120 mil associados, mesmo na pandemia. É evidente que não é apenas o direito de participar da vida do clube que vem garantindo a consistência dos dois programas. Nos dois casos, há inúmeros ações fazendo a sustentação. Mas, certamente, perder a chance de ter “voz” na administração pesa na hora de se abandonar o pagamento do “carnê” no final do mês.

Avaliando os discursos e mecanismos dos clubes, torna-se cada vez mais claro que manter os benefícios do programa limitados apenas a entrada nos jogos dá pouca consistência a algo que se mostra cada vez mais vital na sobrevivência das agremiações.

Mas também é fácil concluir que são os jogos que fazem com que o torcedor decida desembolsar uma quantia que muitas vezes lhe faz falta para se associar. Por mais que vantagens, experiências, voto e voz tenham apelo, se a bola não rolar, não haverá estratégia milagrosa para assegurar a manutenção dos caixas por muito tempo.

O que não quer dizer que a “lição de casa” não precise ser feita, e que as medidas de segurança não devam ser observadas.

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Futebol e cultura – potências nacionais que podem abrir portas para o Brasil

A genial ação de marketing do Burger King, que envolveu uma equipe da 4ª divisão inglesa masculina, o Stevenage FC, videogame – FIFA – e a distribuição promocional de produtos da rede de fast-food, tomou a internet na última semana, quando foi divulgada de maneira oficial nas redes sociais do clube. Oferecendo prêmios aos jogadores virtuais que escolhessem o Stevenage como equipe no jogo, o Burger King, atingiu resultados impressionantes desde o início da campanha como os mais de 25 mil gols do clube inglês feitos pelos jogadores virtuais e compartilhados nas redes sociais, obviamente com o logo da companhia estampado na camiseta da equipe. A equipe inglesa passou a ser a mais escolhida do modo carreira do jogo e pela primeira vez na história do clube o estoque de camisas foi esgotado.

Abaixo você pode conferir o vídeo de divulgação dos resultados da campanha compartilhado nas redes sociais do Stevenage (o material está em inglês).

É possível que você não tenha notado, mas além de Neymar, temos outra presença brasileira no vídeo que é o funk. A trilha sonora do material de divulgação traz referências claras ao ritmo brasileiro, muitas vezes desvalorizado e até perseguido em sua terra natal.

Assim como o futebol, que é, provavelmente, o maior símbolo da identidade brasileira ao redor do mundo, a música, e a cultura de maneira geral, também tem um grande potencial para aproximar o país do público global. Esse poder de atração que a cultura e o futebol podem exercer no âmbito global está relacionado ao conceito conhecido nas relações internacionais como soft power. O soft power, ou poder suave, de um país consiste na capacidade daquela nação de abrir portas e atingir seus objetivos por meio da persuasão, evitando o uso da violência ou ameaça militar e até mesmo econômica. Vale aqui mencionar o livro “Clube empresa: abordagens críticas globais às sociedades anônimas no futebol” que se aprofunda em exemplos atuais de como o futebol vem sendo utilizado como instrumento de soft power por diferentes países.

Apenas pela definição do que é o soft power talvez não fique tão claro como ele funciona na prática, um exemplo que pode ajudar a ilustrar essa dinâmica é o da Coreia do Sul e o grande investimento feito pelo país em seu setor cultural. No final da década de 90, o governo coreano, que buscava alternativas para ajudar o país a sair da crise econômica que atingia a região, decidiu investir em sua indústria criativa. Foi a partir desse movimento que o K-Pop, estilo que conquistou o mundo nos últimos anos, ganhou espaço e investimento, ganhando até um departamento próprio dentro do Ministério da Cultura do país. No longo prazo, o investimento e a valorização da música e dos artistas locais trouxe como fruto o reconhecimento internacional, e os milhões de fãs do gênero e de seus grupos musicais que vem ajudando a aquecer a economia local. O interesse pela música e suas bandas tem feito aumentar o interesse e até a simpatia pelo país, 1 a cada 13 turistas citou o BTS, o principal grupo musical do estilo como motivo de escolher visitar a Coreia do Sul, de acordo com o Instituto Hyundai. O turismo total no país triplicou em um período de 15 anos.

A admiração que ultrapassou as fronteiras do território nacional também ajuda a quebrar barreiras tidas normalmente como intransponíveis como na relação das Coreias do Sul e do Norte. Em 2018, um acordo entre os dois países permitiu que shows do gênero fossem realizadas na Coreia do Norte. Também em 2018, o BTS foi convidado para discursar na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU – durante o lançamento de um projeto que visa aumentar o investimento na melhoria de vida de crianças e jovens em todo o mundo.

O impacto econômico do fenômeno do K-Pop também é relevante para o país. Em 2018, a indústria musical local cresceu 17,9%, apenas o gênero rende mais de US$ 4,7 bilhões ao ano. Para efeito de comparação, todo o futebol brasileiro movimentou R$ 52,9 bilhões – ou US$ 13,56 bilhões considerando a cotação da época no fim de 2018, que era de cerca de R$ 3,90.

As portas que a Coreia do Sul vem abrindo por meio do investimento na cultura, com o K-Pop e também com outras manifestações como o cinema, cabe lembrar o filme “Parasita” que venceu o Oscar de melhor filme em 2019, costumam ser abertas pelo Brasil e pelos brasileiros com uma tal camisa amarela acompanhada de 5 estrelas bordadas e um número 10 nas costas. Não faltam relatos de viajantes brasileiros sobre como, quando a coisa aperta, mencionar o país de origem e o futebol pode salvar de enrascadas. Mas será que não poderíamos fazer mais? Quantas pessoas visitam o Brasil por conta da nossa música? E para conhecer algum clube? O Museu do Futebol ou da Seleção Brasileira? O Maracanã?

Grandes jogadores e jogadoras brasileiros costumam, além de desfilar um talento único pelos gramados do mundo, fazer boas tabelas com a música e cultura nacional. O último movimento de destaque foi o de Neymar e sua “JBL” nas finais da Champions League, já em 2011, a comemoração de Marcelo e Cristiano Ronaldo ajudaram a fazer bombar o hit “Ai se eu te pego” que rodou o mundo na época. Voltando para os videogames a cantora Anitta, que já há algum tempo se movimenta para conquistar o mercado internacional, ganhou espaço de destaque na mais nova versão do FIFA, sendo uma das estrelas do show de lançamento do jogo. Além disso, Anitta terá música e uniforme especial dedicado à ela dentro do jogo.

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Neymar e sua JBL nas finais da Champions League, “o pai tava on” e o Brasil e mundo foram de carona. Crédito: redes sociais/UEFA

O carisma e irreverência brasileiros conquistam o mundo sem muita força. Com ações estratégicas e a valorização do futebol e da música, assim como como K-Pop e o cinema na Coreia, esse carisma natural tem tudo para alçar voos ainda mais altos e duradoros.

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Aprendizados da “Rua Pernambuco”

Este texto se propõe contar algumas histórias vividas na rua Pernambuco, em uma cidade do litoral do Rio Grande do Sul, na década de 1990. Eu era a primeira filha de um casal recém-chegado ao local, assim como outras pessoas que foram até essa cidade em razão da urbanização e ocupação do território, durante os anos 1980. A rua era de paralelepípedos e havia alguns terrenos baldios ao redor das casas onde eu e meus vizinhos morávamos, meu irmão dois anos mais novo participava das brincadeiras, mas não gostava dos jogos de futebol. Assim, eu cresci rodeada de meninos, com a liberdade de brincar durante as tardes com eles, na rua Pernambuco e arredores.

Olhando para trás percebo o quanto aquela experiência foi importante para minha formação, como pessoa e como jogadora de futebol (não cheguei ao estágio profissional, mas pratiquei e pratico até hoje). Jogar com os meninos sempre foi desafiador, tínhamos quase a mesma idade, mas algumas questões físicas e de experiência mesmo acabavam pesando. Mas sempre nos acertávamos nas regras e nas trocas de aprendizados: por que eu sempre caía quando eles me acertavam com o famoso “carrinho”, e quando eu tentava a artimanha, eles facilmente escapavam? O jogo corria no pátio dos fundos de casa, era uma tarde cinza de inverno, até que eu perguntei qual era o segredo, a resposta veio entre risos: tu precisa levantar um pouco a perna, para o adversário não conseguir pular ou desviar. Pronto! Agora já sei, todos sabíamos.

O primeiro “campinho” foi no terreno bem em frente à minha casa, não lembro com precisão, mas algum adulto nos ajudou a construir a goleira, tinha rede e marcação da área. A parede atrás da goleira era de uma casa de pessoas conhecidas, “veranistas” que raramente apareciam no inverno, mas sabíamos que poderíamos ter problemas com as “boladas” na parede. Quantos jogos de 3 dentro, 3 fora disputamos lá! Era cada “bomba” na parede! Ela segue em pé até hoje.

Não lembro a razão, mas nosso “campinho” precisou ser transferido, acho que os “veranistas” não estavam gostando da bola pegando na parede deles, nem quando subíamos no telhado para recuperá-la. Onde seria o nosso novo espaço sagrado? Jogamos pelos pátios por um tempo (naquela época as casas não contavam com grades nem muros altos, bons tempos!) e, em seguida, encontramos o lugar ideal. Ficava mais adiante da minha casa, um espaço um tanto mais baixo que a rua, uns 30 ou 40 metros de largura, fazendo divisa com casas atrás das duas goleiras. Minha lembrança não ajuda muito, o que ficou nítido é que, quando tínhamos tempos de chuva, o jogo na lama era pura diversão, depois a gente via como limpar as roupas, a alegria e a parceria eram garantidas. Algumas pessoas mais velhas, tios, primos, amigos(as) apareciam para jogar e algumas vezes tivemos boas disputas no nosso campinho.

Eu estudava pela manhã, então às tardes podia brincar com os meninos, jogar bola, óbvio. As vezes jogávamos com a minha bola, outras vezes, com a bola do vizinho da frente. Alguém batia palmas lá na frente de casa e íamos convidando uns aos outros no caminho até o campo. Jogávamos gol a gol, driblezinho, bobinho, goleirinha de chinelo. Tudo era motivo de aprendizado, para todos um momento importante e aguardado do dia. Quando tinha alguém de castigo era uma tristeza, por que o fulano não ia brincar?

As lembranças são de um tempo divertido, de aventuras, de descobertas. Certo dia um deles comentou que começaria a jogar em uma escolinha, que máximo! O que seria isso? pensei. Ele era muito bom de bola mesmo, ia ser profissional. O pai dele e meu tio jogavam no campo da associação do bairro, meu pai e eu sempre íamos assistir. Ficava na grade observando os lances, comentando com meu pai, perguntando, ouvindo o que falavam. Como o mundo era legal!

Teve um tempo em que formamos um time de verdade. E nos sábados éramos desafiados ou desafiávamos times de outros bairros. Os jogos aconteciam nas praças que tinham campos bem grandes, com goleiras, as marcações eram definidas minutos antes do jogo: a calçada é o limite da lateral, vamos cravar essa estaca para marcar o escanteio e a linha de fundo. E assim seguia o jogo. Algumas famílias sempre acompanhavam, meu pai sempre estava junto, entusiasta do esporte (mesmo não jogando).

Não saberia dizer qual e quando foi nossa despedida dos campos da rua Pernambuco, aos poucos os temas da escola ficaram mais intensos, as demandas para ajudar em casa começaram a aparecer, os tempos de festinhas e as mudanças de interesses. O jogo acompanhou e acompanha minha vida, comecei na rua de casa, depois na escola, na “escolinha”, depois no time da empresa, e, por último, no grupo de amigas. Naquela época parece que nenhum de nós sabia dos preconceitos, e não saber que esse esporte era “proibido” às meninas me ajudou a ultrapassar as barreiras que hoje enxergo, assim como o apoio da família.