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O Palmeiras pode mais

De 2015 para cá o Palmeiras vive uma era de títulos. São dois Campeonatos Brasileiros, uma Copa do Brasil e o recente Paulistão. O clube se fortaleceu e fincou os pés entre os melhores do país após o quase rebaixamento de 2014. Seria terrível cair três vezes em doze anos. Voltando as conquistas, chama a atenção que todos os troféus vieram com técnicos diferentes. E isso sinaliza muita coisa…

A falta de continuidade, as interrupções de trabalho, impedem o Palmeiras de ganhar ainda mais. E a aleatoriedade na escolha dos treinadores torna impossível identificarmos um ‘jeito Palmeiras’ de jogar, que seria fundamental para uma sequência avassaladora. O clube está forte. Tem uma lucrativa arena, um patrocinador robusto, um departamento de marketing perspicaz, dentre outras coisas. E muito das conquistas recentes vieram por conta dessa estrutura. Entretanto, a condução do futebol se mostra fraca quando vem as derrotas. Aí esse mesmo técnico que venceu é descartado. A cultura do futebol brasileiro no que tem de mais cruel esmaga uma estratégia e uma visão mais macro e a longo prazo.

Quando os dirigentes palmeirenses falam em buscar o DNA do clube, em trazer o que há de mais moderno e contemporâneo, soa como um discurso sem consistência. Até porque falar em DNA é sempre relativo: na gloriosa década de 90, Luxemburgo encantou a todos com um jeito de jogar e Felipão ganhou a Libertadores de outro. Como fica então o DNA? E a questão da modernidade foi rasgada quando o próprio Luxemburgo foi contratado no final do ano passado, já que ele mesmo prega que não há nada de novo no futebol atual. 

O Palmeiras se tornou forte como instituição e tem que arrastar isso pra parte de campo. Constantes trocas e perfis antagônicos de técnicos demonstram ausência de convicção. Pelo que é hoje fora de campo um ajuste como esse se torna crucial no Verdão.

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol

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O impacto das mudanças de comando técnico no futebol brasileiro

Amplamente reconhecido como uma potência na produção de jogadores de alto nível, o futebol brasileiro renova, aprimora e exporta gerações de talentos com consistência à economia global da modalidade. Considerando apenas latino-americanos em 2020, o Brasil posiciona 1535 jogadores profissionais em território estrangeiro, superando o volume absoluto de argentinos (913), colombianos (457) e uruguaios (358). Além disso, ao relativizar quantidade e qualidade, é possível notar que a nacionalidade brasileira se mantém como a líder no quesito minutos em campo na principal competição de clubes do planeta pelo terceiro ano consecutivo (onde também permanece no TOP 3 há 16 temporadas, desde 2004-05 a 2019-20). Seja por uma defesa subjetiva ou levantamento quantitativo, o jogador de futebol produzido pelo sistema brasileiro segue valorizado pelo mercado consumidor ao redor do mundo.

No entanto, um dos agentes prioritários da cadeia de formação e desenvolvimento desses talentos tem sido subestimado dentro do seu próprio território nacional. Diferente do jogador, o treinador de futebol brasileiro aparenta enfrentar dificuldades crônicas para ser reconhecido e projetado em seu país de origem, bloqueando sua ascensão rumo a ligas de maior impacto internacional e afetando, sobretudo, o padrão de qualidade do esporte praticado no país. Nada obstante, se as criaturas formadas pelo sistema são nitidamente exaltadas, não há sentido negligenciar os seus criadores. Por isso, antes de julgamentos que tentem simplificar os profissionais atuantes na função, ou até mesmo questionamentos sobre a ausência de treinadores brasileiros nos principais centros europeus, é imprescindível avaliar a realidade que os cerca dentro do Brasil como ponto de partida para uma reflexão crítica.

Sustentado por literatura acadêmica, aplicação de metodologia científica e avaliação econométrica, o estudo em questão (conduzido na Universidade do Esporte da Alemanha em Köln – Deutsche Sporthochschule Köln) investigou 16 temporadas de Brasileirão no formato de pontos corridos, reunindo todos os 6506 jogos disputados, 264 treinadores empregados e 41 clubes participantes da Série A no período entre 2003 a 2018 (2019 não faz parte da amostra por ser o ano de conclusão da pesquisa).

Com uma base de dados compreensiva, nossa análise estatística avançada utilizou um volume superior a 1 milhão de pontos sob observação, sendo que a coleta de dados foi conduzida de forma precisa através de fontes públicas confiáveis para assegurar resultados assertivos que pudessem gerar interpretações realistas

Respeitando uma metodologia científica adequada para a aplicação econométrica, o estudo atendeu aos parâmetros, testes e regras estatísticas já definidos (além de revisados e aprovados) pela comunidade acadêmica internacional de gestão e economia do esporte. Seguindo este raciocínio, a investigação se destaca por trazer um material inédito ao cenário do esporte brasileiro em termos de abrangência, profundidade e análise de dados, esclarecendo informações com embasamento e evidência científica para melhores decisões adiante na administração do futebol nacional.

Conforme esclarecido por pesquisas já existentes na literatura administrativa e econômica do esporte (reunindo estudos similares em 15 países), o treinador de futebol detém uma posição de liderança dentro de um sistema altamente complexo, dinâmico e competitivo. Por isso, para examinar a sua contribuição, torna-se necessário uma avaliação racional, com métricas objetivas e que estejam de acordo com o ambiente onde o seu trabalho venha a ser julgado. Caso contrário, resoluções superficiais, com base em argumentos simplistas e tomadas de decisão subjetivas tendem a minimizar o contexto real de um esporte (coletivo) de alto rendimento. Sobretudo, quando efeitos sensíveis ao tempo são considerados (como é o caso na mudança de treinadores), é imperativo estender a análise estatística (avançada, não básica) a períodos maiores antes de qualquer comparação de resultados.

No Brasil, o calendário competitivo apresenta uma configuração muito particular, pois favorece o desgaste físico sem sequer oferecer tempo para a preparação no início do ano (uma vez que a pré-temporada dos clubes participantes do Brasileirão tende a durar menos de 30 dias em janeiro, com variações de duas a três semanas) e tampouco para a recuperação ao longo do panorama anual (devido à alta incidência de jogos com agendas apertadas de fevereiro a novembro). Ademais, duas janelas de transferência
inevitavelmente comprometem a composição dos elencos, sendo que a principal fase de negociação de jogadores da economia global ocorre no meio da temporada brasileira. Devido a essas particularidades, testemunhar flutuações no desempenho esportivo pode estar diretamente relacionado a falta de preparação, descanso e reposição de recursos, aliado a exposição dos jogadores a um maior volume de jogos e o risco iminente de lesões, que afetam a produtividade em longo prazo.

Além disso, desvios de programação são recorrentes no futebol brasileiro. Especificamente no período que integra a nossa pesquisa, somente o ano de 2015 respeitou o calendário de jogos original, conforme fora previamente estabelecido pela organização do campeonato. Todos os outros 15 anos que compõem a nossa amostra testemunharam uma série de jogos antecipados e adiados, envolvendo distintas equipes, datas e rodadas dentro da mesma temporada. Com isso, infelizmente tornou-se inviável estudar o efeito das posições na tabela durante o Brasileirão, pois a informação histórica disponível ao público não recalcula precisamente as disparidades do calendário conforme cada rodada acontecera. Para tornar a nossa análise precisa, assertiva e realista, todos os 6506 jogos das 16 temporadas foram reordenados de acordo com a sequência cronológica exata ao longo do período.

Já antecipando uma das implicações práticas deste estudo, o que percebemos após um profundo diagnóstico sobre o cenário de pontos corridos do Brasileirão desde 2003 a 2018 (lembrando que 2019 não faz parte da amostra por ser o ano de conclusão da pesquisa) é que, por estar desprovido de condições minimamente sustentáveis para exercer o seu trabalho, potencial e carreira, o treinador de futebol brasileiro tem visto o seu crescimento profissional ser barrado ao longo dos últimos anos (ou décadas) por fatores desassociados a uma avaliação racional no país.

Enraizados a um sistema político que privilegia ações impulsivas e benefícios de curto prazo, os dirigentes, diretores e presidentes de clubes de futebol no Brasil aparentam seguir tendenciosos ao engajamento de decisões subjetivas, emotivas e passionais, almejando atingir de forma desesperada os resultados desejados através da especulação no controle da liderança. Sob tais circunstâncias, descartar treinadores ressoa simplesmente como uma resposta arbitrária e sem esforço frente a pressão externa (ou conflito político interno), uma tensão que pode ser precipitada por derrotas, por expectativas superestimadas ou até mesmo pela manipulação da opinião pública em veículos de imprensa esportiva.

De fato, ao compararmos a média de trocas de comando técnico do Brasileirão a outras importantes ligas de futebol do planeta, o Brasil se destaca com números alarmantes e assume a posição isolada como o campeonato que detém a taxa mais alta de mudanças de treinadores (considerando apenas trocas realizadas durante o Brasileirão, desde o primeiro ao último jogo de cada temporada – sem contabilizar mudanças que ocorreram entre uma edição e outra da liga nacional, que naturalmente incluiria os campeonatos estaduais e aumentaria os números).

Para tornar viável o emprego de treinadores efetivos e interinos, o estudo em questão definiu que os técnicos que foram publicamente anunciados como interinos e permaneceram no cargo até no máximo 15 dias (durante a transição entre a saída de um líder efetivo e a entrada do seu substituto) receberam a classificação final como interino. Tal medida respeitou a aplicação de um critério métrico (evitando contradições subjetivas) ao calcular que um treinador interino poderia ficar no cargo até aproximadamente um quarto do tempo médio que um treinador efetivo permaneceu durante a vigência do Brasileirão (apenas 65 dias, em média – que ilustra uma janela de 8 a 10 jogos na liga nacional).

Vale ressaltar que até a liga nacional ser equilibrada (em 2006) com a composição atual de 20 equipes na disputa, os anos de 2003 e 2004 foram conduzidos com 24 clubes participantes, enquanto 2005 reuniu 22 clubes.

Em termos descritivos, entre todas as 594 mudanças de comando técnico identificadas ao longo das 16 temporadas de Brasileirão sob análise (2003 a 2018), 131 trocas referem-se a passagens de treinadores interinos na função, cuja participação total representa somente 1,48% da nossa amostra.

A fim de facilitar o entendimento sobre o formato de pontos corridos na disputa da liga nacional, registramos cada um dos 264 treinadores que atuaram no período respeitando a ordem cronológica de suas aparições na competição. Desta forma, visualizamos que, em média, 34,6% dos treinadores por temporada são novos entrantes na Série A (ou seja, novos treinadores entrando pela primeira vez na competição de pontos corridos do Brasileirão), que ajuda a ilustrar uma abertura do mercado brasileiro a novos profissionais (independente da idade ou experiência do treinador).

Muito embora novas oportunidades teoricamente recebam espaço constante na Série A, torna-se nítida a insegurança da profissão no topo do cenário nacional. Porém, apesar de reclamações, argumentos e discussões públicas iniciadas pelos próprios treinadores acerca da volatilidade na função, a incidência de profissionais que se repetem na mesma temporada chamou muito a nossa atenção, pois aparentemente quase um quarto dos indivíduos (por ano) não colocam em prática a teoria que a sua classe defende

Em média (por ano), 22,7% dos treinadores atuantes no Brasileirão aparecem duas ou mais vezes na mesma temporada. Isto significa que, em média, 10 profissionais por ano aceitam assumir o cargo de treinador em pelo menos duas situações distintas durante a mesma competição (apesar de argumentos públicos contrários às trocas por parte da classe de treinadores no país). Tal repetição pode ocorrer por quatro motivos: (a) treinador exerceu a função como interino pelo menos duas vezes; (b) treinador exerceu a função como interino e também como efetivo; (c) treinador exerceu a função em pelo menos dois clubes distintos; (d) treinador exerceu a função duas vezes no mesmo clube, sendo recontratado após uma rescisão (voluntária ou involuntária).

Considerando a importância da sucessão de líderes (técnicos) por meio de planejamento estratégico na gestão esportiva (além de assustados com números tão expressivos, porém nada invejáveis sob uma perspectiva econômica no esporte), resolvemos aprofundar o tema e examinar minuciosamente as potenciais causas que antecedem as mudanças de comando técnico no futebol brasileiro, bem como as consequências das trocas de treinadores sobre o rendimento esportivo.

Por meio da econometria, respondemos exatamente as duas perguntas abaixo:

  1. Sobre as CAUSAS:
    Quais são os fatores determinantes para as trocas de comando técnico no Brasil?
  2. Sobre as CONSEQUÊNCIAS:
    Como as trocas de comando técnico impactam o desempenho esportivo no Brasil?

Visão geral de todas as mudanças de comando técnico inclusas na amostra (em ordem cronológica, 2003 a 2018)

A PARTE 2 trará as respostas da primeira pergunta do estudo, dissecando a evidência científica sobre as causas que determinam asmudanças de comando técnico no Brasileirão.

Em seguida, a PARTE 3 irá tratar das respostas da segunda pergunta do estudo, explicando o impacto da alta rotatividade de treinadores e as reais consequências sobre o rendimento esportivo.

Por fim, a PARTE 4 concluirá o estudo, revisando as principais implicações práticas em torno dos treinadores, dirigentes e torcedores interessados no avanço do futebol brasileiro.

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Clube-Empresa e Governança Corporativa, a solução para a vida financeira dos clubes?

É sabido que o futebol brasileiro carece de uma gestão profissionalizada, com executivos profissionais, devidamente remunerados para tal, com dedicação quase, se não, exclusiva ao cargo de gestão que ocupam nos clubes de futebol.

Certamente, o modelo jurídico adotado pelo futebol brasileiro, qual seja, o modelo associativo, de certo modo, não estimula uma gestão organizada e profissional dos clubes de futebol, ao passo que, na grande maioria das vezes, a indicação do conselho gestor dos clubes ficam nas mãos dos conselheiros, que em sua maioria, são apaixonados pelo time mas não gozam de conhecimento técnico suficiente para indicação e, até mesmo, gestão de associações desportivas.

Neste cenário, o momento da pandemia veio reforçar ainda mais o quão enriquecedor pode ser o processo de transformação dos clubes de futebol em clubes empresas, mas por quê?

Primeiramente, sem adentrar ao mérito das questões tributárias que ainda estimulam os clubes a se manterem como associações desportivas sem fins lucrativos e que poderão ser objeto de outra coluna, há que se reparar que o momento de pandemia demonstrou, mais ainda, a fragilidade financeira dos clubes de futebol brasileiros bem como a dependência de determinadas receitas para a manutenção da estrutura financeira.

É notório que os clubes de futebol têm em seu orçamento, de forma relevante, a contabilização das receitas advindas de direito de transmissão, bilheteria, dentre outras receitas vinculadas às partidas de futebol, o que com a pandemia, foi duramente afetado.

Logo, ficou evidente que instituições que possuem bons parceiros financeiros, conseguiram manter o nível de contratações em patamar diferenciado, além de conseguir manter a totalidade, ou quase a totalidade, das despesas recorrentes em dia. Mas surge o questionamento: Como esses valores ingressam nos clubes? A que título isso é realizado?

De uma forma simples, muito destes valores ingressam nos clubes por meio de contratos de mútuo, que é um mecanismo legal para empréstimo de quantias financeiras (não só isso, mas iremos nos limitar no presente caso).

Observa-se, então, que no modelo associativo, os clubes de futebol sempre ficam na dependência de aportes de terceiros, muitas vezes, com contrapartidas que, na primeira vista, podem não “doer” aos cofres dos mencionados times, mas no médio prazo, certamente aumentará de forma significativa o endividamento da instituição, o que pode acarretar problemas irreparáveis, por se tornar “bola de neve”.

Mas o modelo clube empresa mudaria isso? Certamente, tudo que é novo causa uma certa estranheza e desconfiança, e cravar que seria a solução é algo arriscado, pois o modelo, por si só, não anda sozinho, mas orienta a ações de pessoas.

Todavia, o clube ao se organizar no modelo empresarial, surgem algumas obrigações legais que trazem conforto para possíveis investidores, para os seus sócios/acionistas, que podem vir a ser, inclusive, torcedores.

É sabido que modelos jurídicos como as Sociedades Anônimas, por exemplo, demandam regras mínimas de governança corporativa, que podem ser aprimoradas e aprofundadas por cada instituição, que garantem aos seus acionistas e pessoas interessadas, segurança suficiente para obter retornos transparentes sobre a gestão e dia a dia do clube.

Outro ponto relevante, diz respeito a possibilidade de criar um plano de negócios que possa efetivamente ser cumprido, com executivos profissionais, devidamente escolhidos por acionistas e/ou investidores, e que terão papeis bem definidos e responderão pelos seus atos, nos termos da lei.

Ou seja, a gestão do clube, ao se tornar mais transparente e profissional, faz com que aquele clube se torne mais atrativo para captação de recursos, e ainda, que não necessariamente entrariam como dívidas para a instituição, mas sim, mediante aporte de capital, por exemplo.

Ainda, ao tornar a instituição desportiva em uma sociedade com fins lucrativos, com regras de gestão bem definidas, cargos diretivos sendo executado por executivos profissionais e remunerados por isso, divulgando suas demonstrações financeiras de forma coerente e transparente, e retirando das mãos de pessoas não totalmente capacitadas, mesmo que bem intencionadas, a gestão do clube, minimamente, torna mais seguro e justificável para investidores aportarem capital nas mencionadas instituições.

Ou seja, a implementação de boas estruturas de governança corporativa, que muitas delas já são abordadas nas próprias legislações específicas (Código Civil e Lei de S.A), passam a dar uma cara mais profissional à gestão do futebol, o que, certamente, atrairá grandes players para esse mercado.

Seria a solução? Não podemos cravar que sim, mas, certamente, a implementação de medidas de controle e estruturas mais organizadas, como em todos os mercados, atrai investidores, e por qual motivo não atrairia em um mercado tão sedutor como o da bola?

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol

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O ensino do futebol nas aulas de educação física

Um dos mais importantes filósofos gregos, Sócrates, acreditava que o reconhecimento da própria ignorância como ponto de partida é parte da abertura para o ato de conhecer, com sua famosa frase; “Só sei que nada sei”! O seu pensar remete para outras reflexões sobre as aulas de Educação Física na escola, como por exemplo, o conteúdo do esporte “futebol”, fenômeno na sociedade brasileira, carregado de características sociais e culturais. Conforme o pensamento do filósofo e estudioso da motricidade humana Prof. Manuel Sérgio: “Se o futebol é uma atividade humana e não só uma atividade física, tudo o que é humano lhe diz respeito. E não só o que é especificamente do futebol. No esporte, quem só sabe de esporte nada sabe de esporte”.

O encontro com essas reflexões abre portas para a compreensão das aulas de Educação Física e amplia a perspectiva das propostas de aulas nessa disciplina. Uma delas é a presença do futebol como conteúdo educacional, que embora seja um tema discutido há anos, ainda é visto com preconceito e restrição por muitos professores. É um tema debatido e as opiniões freqüentemente se polarizaram entre aqueles que são contra e os que são a favor desse conteúdo nas práticas escolares para todos alunos. Contudo, se por um lado a polarização pode fortalecer o preconceito, por outro, felizmente, é possível desfazê-lo por meio de discussões e leituras que possibilitem considerar o “jogar futebol” como um meio de ensino capaz de favorecer aprendizagem integral.  

Quando falamos a respeito das possibilidades do conteúdo do futebol favorecer aprendizagens significativas aos alunos, é porque,  ao mesmo que podem aprender a “jogar futebol”, logo, chutar a bola, a ter controle sobre seus movimentos, a fim de alcançar um determinado objetivo, também podem aprender a se relacionar com as seguintes qualidades: conhecimento sobre a identidade cultural brasileira, a copa do mundo, times europeus, a mídia, valorização do outro, participação, respeito à diversidade, regras, valores, atitudes.

Sendo assim, não se trata de excluir o esporte futebol das aulas de educação física, mas sim de sair do entendimento superficial e considerá-lo como um meio capaz de auxiliar no processo de formação integral do aluno. Contudo, o enfoque da técnica acabou por considerá-lo como um fim para essas aulas, selecionando os “mais habilidosos” como destaque.  Dessa forma, retomando a frase de Sócrates e o Prof. Prof. Manuel Sérgio, quando diz que “no esporte, quem só sabe de esporte nada sabe de esporte”, cabe perguntar: O que é saber jogar?

A pergunta é um bom convite para  entendermos que não existirá o conteúdo do futebol  nas aulas de educação física sem vivenciar o movimento de chutar a bola, porém, o objetivo desse conteúdo não termina na ação motora, afinal, antes de pensar na prática, é fundamental saber o que se pode aprender por meio dela.

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Clube-empresa – SA pode trazer governança e investimentos

A inesperada pandemia trouxe junto com a paralisação dos jogos, o aprofundamento de um debate que até então se enquadrava pouco na programação esportiva e nas pautas que tanto tratam de resultados de jogos e de contratações.

No Brasil há ao menos sete emissoras de canais de TV fechados produzindo todos os dias, exclusivamente, conteúdo relacionado a esportes, além dos programas esportivos em canais diversos, rádios AM, FM, Web, canais de vídeos na internet, e também páginas e mais páginas em redes sociais voltadas para o esporte. Quando fomos pegos pela impensável paralisação ocasionada pelo COVID 19, do que falar? O que fazer quando não se pode mais discorrer horas sobre as rodadas dos mais diversos campeonatos, sobre até quando este ou aquele treinador agüenta a pressão das derrotas, qual seria a melhor tática e a melhor escalação para ter vencido o jogo, ou os motivos que levaram à vitória? O que dizer quando os campos estão em silêncio?

A ausência de jogos e conseqüentemente do imediatismo “resultadista” da maioria dos profissionais da imprensa pode ter nos levado a um aprofundamento na complexidade do futebol como um todo, não somente do jogo.

A pandemia, de um lado escancarou os rombos financeiros daquelas instituições administradas de forma temerária e de outro evidenciou a organização das melhores gestões.

Nesse sentido, uma das discussões que ganhou destaque foi a transformação de clubes associativos em clubes empresa e em um dos formatos possíveis dentro do modelo empresa que são as sociedades anônimas. Possivelmente, uma das razões para que este fosse um tema de destaque é o fato de que, entre outras coisas, o futebol brasileiro pode estar chegando perto do seu teto de receitas. Por maior que seja a criatividade do departamento de marketing de um clube – como na ação do Esporte Clube Bahia com o programa Sócio Digital – não é possível elevar exponencialmente a arrecadação.

Isso pode ser percebido por meio de números divulgados nos balanços financeiros publicados pelos clubes. De acordo com estudo da Ernst&Young, as receitas comerciais dos 20 principais clubes do ranking da CBF não têm crescimento desde 2017. As únicas fontes de receitas com elevação relevante nos últimos três anos foram provenientes de premiações e transferências de atletas.

Os idealizadores do PL nº 5.516/19 que cria a Sociedade Anônima do Futebol – S.A.F (“PL SAF”), um dos dois projetos que tramitam no Senado para a transformação do modelo atual de organização dos clubes, defendem que a captação de receita mais eficaz e segura para essas instituições se dá através da venda de ações na bolsa de valores. E, diferente do que ocorre com as receitas comerciais dos clubes, a B3 – Bolsa de Valores do Brasil -registrou em maio deste ano, em meio a uma crise econômica mundial, uma alta de 41,8% com relação ao número de pessoas físicas que investiram no mesmo período do ano anterior, tal ascensão não é um fato isolado, mas uma constante. De março de 2017 a maio de 2020 o crescimento monetário do aporte de pessoas físicas foi de R$57 bilhões.

É importante salientar que até aqui, estamos tratando de relações comerciais, ou seja, pessoas físicas que investem em empresas que entendem ser lucrativas e vislumbram a possibilidade de retorno financeiro. No futebol temos a adição de um componente que provavelmente nenhuma empresa conseguirá equiparar, a paixão dos torcedores!

Com a inserção de clubes de futebol nesse mercado, a tendência seria um salto numérico ainda mais expressivo. Contudo, realizar essa transformação não é uma tarefa tão simples.

Um dos empecilhos para essa transformação é o aumento abissal na carga tributária decorrente da mudança de natureza dos clubes que no caso dos associativos são entidades sem fins lucrativos e arcam apenas com a tributação trabalhista. Em contrapartida, seriam concedidos benefícios fiscais, parcelamento de débitos com grande redução de multa, juros e completa isenção de encargos legais, possibilidade de recuperação judicial e um regime especial de administração e pagamento de débitos trabalhistas. Mesmo com os benefícios propostos e as concessões, o compromisso tributário, gera receio.

Há também uma imensa dificuldade na maior parte dos clubes em quebrar o paradigma da cultura política que vem se enraizando e fortalecendo ao longo de mais de 120 anos de existência das associações civis desportivas. As relações políticas estão arraigadas de tal forma nos clubes brasileiros que aparentemente faz mais sentido para os gestores que as comandam transferir como forma de receita, vários de nossos atletas mais talentosos para clubes como Manchester City, Arsenal, Bayern de Munique, por exemplo, agigantá-los com maior qualidade nos “espetáculos” e inclusive perder torcedores brasileiros para eles, do que abrir mão do poder que até então lhes cabe e que é disputado em cada novo processo eleitoral.

Para que essa transformação seja promissora é necessária uma legislação específica para o desporto, pois os modelos implementados por alguns poucos clubes até então sem essas adequações, se mostraram tão ou mais ineficazes que as associações existentes.

De qualquer forma, fica claro que os processos, sejam eleitorais, de gestão, ou outros tantos que estão obsoletos, clamam por transformações em prol do bom futebol, seja em clubes no modelo empresa ou não.

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Sobre os problemas do jogo ideal – e do treino perfeito

Vocês sabem que há um vídeo relativamente famoso do José Mourinho, que salvo engano meu data de 2010, no qual ele faz uma observação muito interessante sobre o planejamento de um treino, talvez até uma previsão, que transcrevo literalmente abaixo. Ali, ele defende que qualquer pessoa que quiser montar um treino de qualidade pode fazê-lo, com dois ou três cliques num computador. Ele diz o seguinte:

O conhecimento está ao alcance de todos. (…) Você é jornalista, mas se amanhã disserem que tem que dar um treino à uma equipe, você só não estrutura um bom treino (…) só não organiza, se não quiser. (…) Uma coisa é o conhecimento que está ao alcance de todos, outra é a capacidade de produzir o próprio conhecimento. O fato do conhecimento estar ao alcance de todos é uma contribuição enorme para a preguiça mental. 

Lembro de ter assistido a esse video em algumas aulas do Prof. Alcides Scaglia, há cerca de cinco anos, mas hoje, com outros olhos, também vejo a questão de uma outra forma. Mourinho, diretamente ou não, ataca um problema fundamental, especialmente no processo de organização dos nossos treinos, seja no microciclo semanal, ou mesmo no médio/longo prazo. Vamos chamá-lo de problema do jogo ideal.

Aqui, entenda jogo ideal da seguinte forma: um determinado jogo – ou exercício, aplicado dentro de um treinamento, a partir do qual o treinador espera um resultado ótimo – sendo que a expectativa pelo resultado está estritamente ligada ao jogo aplicado. Se você preferir, é uma expectativa estritamente ligada ao método  Por exemplo, um treinador viu um jogo de manutenção da posse do Jurgen Klopp, com 6×6+1 num espaço de 30x25m, ficou encantado com o resultado (eventualmente desconsiderando o nível dos jogadores que um clube do tamanho do Liverpool têm à disposição) e replicou exatamente a mesma coisa no seu próprio treino, numa equipe sub-15 do interior do Brasil. Só que, por algum motivo, o jogo não deu muito certo. Ou seja, no mundo das ideias era um jogo maravilhoso, mas na realidade não foi. A conta não fecha.

Basicamente, é um dilema pelo qual todos nós, envolvidos com o processo de treino, já passamos por diversas vezes. De fato, Mourinho tem razão quando denuncia um certo comodismo, que nos atinge às vezes, que faz com que pensemos que um certo jogo ou um certo exercício tem propriedades quase que mágicas, sendo essas propriedades coisas do próprio jogo, como se fosse um jogo universal, de modo que aquele mesmo jogo, se aplicado em qualquer outro lugar, com quaisquer outros atletas, teria rigorosamente os mesmos resultados. Só que aqui, talvez nos escapem pelo menos duas coisas importantes: vamos chamar a primeira de movimento, e vamos chamar a segunda de sentido

Quando me refiro ao movimento, penso da seguinte forma: as coisas, como as vemos, não são – elas estão. Portanto, não existe apenas um caráter de transitoriedade nas coisas – que faz com que elas possam estar de um jeito, depois de outro, como também existe um certo caráter de não-essência, o que significa que se um determinado jogo deu muito certo em um determinado treinamento, não é que a causa tenha sido o jogo em si, mas seja, talvez, a qualidade das relações que se criam dentro do próprio jogo. É disso, afinal, que falamos quando falamos de complexidade: as qualidades daquilo que é tecido junto. Se jogarmos dois jogos de 6×6+1 em 30x25m, com os mesmíssimos jogadores, a mesmíssima comissão técnica, em dois dias seguidos, vocês sabem tanto quanto eu que serão dois jogos completamente diferentes. Um jogo nunca será igual ao outro – e para isso basta lembrarmos da básica premissa da imprevisibilidade, que está no coração do jogo. 

Por isso é tão importante a segunda variável que apresento, que é a variável do sentido. Um jogo será tanto melhor – o que não significa que seja mais legal, são coisas muito diferentes – quanto mais refinadas forem as nossas capacidades de atribuir sentido ao que nos acontece. Ou seja, é preciso que tanto nós, treinadores e profissionais do futebol em geral, quanto os próprios atletas envolvidos no processo – que se alimentam da nossa capacidade pedagógica, que todos tenhamos sempre a mente a importância de refinar a nossa capacidade de dar sentido às coisas – justamente porque, como dissemos acima, as coisas não são, elas estão. O que faz com que uma jogo deixe de ser uma coisa e  passe a ser outra não é o jogo em si, mas exatamente o sentido que damos a ele. Se meu modelo de jogo está baseado na retração do meu bloco defensivo  em busca de contra-ataques, será que um jogo manutenção da posse de 6v6+1 em 30x25m, como vimos numa sessão qualquer do Klopp, pode, de fato, fazer sentido no meu processo? Veja bem, talvez até possa, mas isso está diretamente relacionado com a nossa capacidade de dar sentido – e de fazer, sutilmente ou não, com que nossos atletas deem sentido – ao processo de treino.

Assim, gostaria de propor a vocês que saíssemos um pouco, nos nossos processos de treino, dessa ideia de jogos ideais, ou mesmo dos treinos perfeitos, de modo que nós não nos demos muito ao direito de apenas reproduzir um determinado jogo ou exercício que chegou até nós, como se o segredo estivesse no jogo em si. Qual é o seu modelo de jogo? Quais são as suas filosofias enquanto treinador? Quais são os princípios e/ou os conteúdos que você gostaria de trabalhar naquela semana e naquela sessão? Para muito além do seu método, quais são as suas didáticas? Qual é, honestamente, a nossa capacidade atual de dar sentido aquilo que nos acontece? 

Pois este é um ponto realmente decisivo, sem o qual ficamos muito limitados – assim como podem ficar nossos treinamentos.

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Tite evoluindo

É sempre relativo analisar a importância da seleção brasileira no cenário doméstico e internacional. Há quem defenda que o encanto de outrora já não existe mais. Os argumentos são os mais variados: os nossos craques não jogam aqui e só ‘pensam em dinheiro’, a qualidade do jogo não é mais a mesma, faz tempo que não ganhamos uma Copa do Mundo, estamos atrasados com relação ao que se faz na Europa e etc. Porém, sempre que a seleção joga eu me esforço para acompanhar. Penso ser importante procurar entender quais as ideias do treinador e como cada jogador convocado se comporta, já que para mim faz sentido o específico clichê que diz: jogar em clube é uma coisa e na seleção é outra.

Me apego aqui mais ao treinador, porque é o que tem me chamado a atenção. Já falei inúmeras vezes que Tite é o melhor técnico brasileiro. Com o conservadorismo da CBF é impensável  termos um profissional estrangeiro, portanto a permanência de Tite se mostra mais do que coerente. E é a evolução do ex-treinador do Corinthians que mais salta aos olhos. 

Tite é hoje o ponto intermediário entre os mais competentes treinadores do mundo e a mesmice de ideias que, de maneira geral, impera no Brasil. E a cada pequeno ‘ciclo’ de jogos é possível ver melhora na seleção brasileira. E falo aqui de conceitos, de ideias. Por exemplo, se na Copa do Mundo, há dois anos, a seleção insistia em uma saída de bola com a linha defensiva de quatro ‘sustentada’, hoje vemos uma saída de três, ou até mesmo com dois jogadores dependendo da marcação do adversário. Se o Brasil antes sofria ao perder a bola, já que sem uma compactação bem feita é impossível realizar um ‘perde-pressiona’ eficaz, hoje atacando com mais gente as linhas invariavelmente estão mais próximas e uma transição defensiva acontece de maneira natural.

Brasil x Bolívia pela primeira rodada das Eliminatórias da Copa do Mundo de 2020
Tite em ação na estreia da seleção nas eliminatórias. Foto: Lucas Figueiredo/CBF

Não jogar contra as melhores seleções do mundo por conta do calendário é um problema gigante, mas de poucas, ou quase nenhuma, solução. O que está ao alcance de Tite ele está fazendo: aprimoramento tático, busca de conhecimentos do que se faz no mais alto nível e evolução profissional. E o que é mais difícil: com pouquíssimo tempo para treinar. Ao invés de criticar as circunstâncias que envolvem a seleção prefiro olhar para dentro de campo. E o que tenho visto tem me agradado cada vez mais. É garantia de vitória? Claro que não. Mas aumenta as probabilidades.

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol

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Por que os clubes de futebol brasileiros devem vestir a camisa da sustentabilidade?

Futebol e Meio Ambiente, o que um tem a ver com o outro? Pode parecer que não há nada que os relacionem, mas é bem verdade que estes dois temas estão mais próximos do que podemos imaginar, afinal, nada está desconectado da sustentabilidade e a necessidade em preservar o meio ambiente e os recursos naturais.

Ademais, é importante ressaltar que o futebol não pode ser visto mais apenas na ótica da bola, do campo e dos jogadores durante a partida carecendo de uma visão abrangente – e empresarial – que compreende também as questões socioambientais.

Dessa forma, preservação do Meio Ambiente, sustentabilidade e desenvolvimento sustentável, que são expressões originalmente relacionadas ao desenvolvimento socioeconômico, político e cultural, vem sendo incorporadas ao futebol quando atreladas à responsabilidade ambiental, a qual tem ganhado maior atenção dos clubes e das empresas parceiras destes, sempre na busca de manter uma imagem positiva com a torcida e o público em geral.

A preocupação com as questões ambientais no meio futebolístico é recente, tendo ganhado maior espaço com a copa do mundo de 2014 em que foram criadas diretrizes do Ministério do Esporte para construção e reforma de estádios e centros de treinamento, incluindo questões de sustentabilidade, eficiência energética, possibilidade de uso racional da água dentre outros.

Em relação a Copa do Mundo de 2014 no Brasil, a sustentabilidade teve relação, inicialmente, com as próprias obras de construção e/ou reforma dos Estádios, mas o legado é visto atualmente, em alguns casos, de maneira positiva e com boas práticas ambientais, a exemplo do Estádio Mineirão em Belo Horizonte, o qual adota práticas de reaproveitamento da água da chuva, geração de energia limpa e renovável, por meio da usina solar fotovoltaica instalada na cobertura do estádio e o reaproveitamento de resíduos.

Antes disso, a Federação Paulista de Futebol criou o projeto “Eco Torcedor” em parceria com os clubes de futebol da primeira divisão do estado de São Paulo. As principais ações realizadas no âmbito da preservação ambiental do programa foram: plantio de bosques urbanos e coleta de resíduos sólidos recicláveis que teve um significativo resultado com a coleta de mais de uma tonelada de resíduos recicláveis nos eco pontos instalados nos estádios. Além disso, foram plantadas 16.260 mudas para a formação de bosques urbanos.

Muitos times brasileiros têm investido ou já investiram em ações que buscam a promoção da sustentabilidade e projetos voltados para o meio ambiente. São exemplos o Internacional e Grêmio com seus estádios sustentáveis com sistemas de aproveitamento da água da chuva para irrigação do gramado e jardins e limpeza de áreas internas e externas.

Em São Paulo, Corinthians e Palmeiras firmaram parceria com empresa do setor privado no extinto projeto de carboneutralização – captura de gases do efeito estufa por meio do plantio de árvores, chamado “Jogando pelo Meio Ambiente” – iniciado no ano de 2010 e responsável pela criação de uma reserva ambiental de árvores nativas da Mata Atlântica onde foram plantados um total aproximado de 50 mil árvores.

Outro exemplo é o clube Atlético-MG, o qual inaugurou em 2020 a “Usina do Galo”, responsável pela produção de energia fotovoltaica para abastecer a sede administrativa, o centro de treinamento e os dois clubes sociais, o que poderá gerar economia financeira e benefícios ao meio ambiente imensuráveis.

É evidente o crescente incentivo por práticas ambientais mais conscientes, aliando o desenvolvimento sustentável – e proteção ao meio ambiente – ao futebol, e possibilitando diversos benefícios relacionados a conquista de um relacionamento ético e dinâmico com os órgãos públicos e entidades de proteção ambiental e a garantia de segurança e credibilidade aos torcedores e patrocinadores quanto a execução de boas práticas ambientais, dentre outros.

Percebam que todos estes programas e ações realizadas buscam ou buscaram trazer benefícios para a sociedade e propiciar a promoção de benefícios para o meio ambiente, agregando valor à marca do próprio clube de futebol e aos patrocinadores que veem sua marca atrelada a uma entidade esportiva que valoriza princípios de Responsabilidade Social e Sustentabilidade Ambiental, ou seja, ações em consonância com os desafios a serem superados no século XXI.

Iniciativas que busquem melhorias na qualidade ambiental e utilização consciente dos recursos naturais, seja em centros de treinamento ou em estádios de futebol, têm sido valorizadas pelos torcedores e patrocinadores devido ao recente movimento de conscientização da população que de modo geral busca apoiar a sustentabilidade, fazendo-se necessário aos clubes de futebol também buscarem promover iniciativas de proteção ao meio ambiente ainda mais consistentes.

A nossa concepção é que os clubes de futebol reconhecidos por promovem melhorias ambientais e implantação de processos eficientes de controle e reaproveitamento de água e resíduos, ou seja, clubes que adotam boa gestão ambiental terão resultados financeiros mais satisfatórios quando comparados aos clubes que não fazem uma gestão ambiental preventiva em razão da valorização de suas marcas, reconhecimento da torcida e empresas parceiras.

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Desenvolvimento motor e o espaço da liberdade – é um risco não deixar as crianças se arriscarem

O desenvolvimento motor deve ser entendido como uma mudança contínua no comportamento motor ao longo da vida e que é provocado pela interação entre as exigências da tarefa motora, a biologia do indivíduo e as condições ambientais[1]. Esse conceito reforça a tese de que o movimento nada mais é do que vida.

Modelos clássicos discorrem sobre a existência de fases e estágios do desenvolvimento motor, que vão desde o movimento reflexo, passando pelos movimentos rudimentares, fundamentais, chegando à fase denominada especializada; em cada estágio descrito, há características próprias associadas aos movimentos esperados em determinadas faixas etárias.

Essas sequências não consideram aspectos culturais e sociais no desenvolvimento do indivíduo, salvaguardando marcadores padronizados de movimento. Em sua obra Educação de corpo inteiro: teoria e prática da Educação Física[2], o Professor João Batista Freire entende que, ao considerar padrões do movimento, o mundo deveria ser padronizado da mesma forma. Assim como não podemos controlar a imprevisibilidade ou os perigos presentes no mundo, em vez de padrões, deveríamos considerar a manifestação de esquemas motores, onde os movimentos são construídos pelos sujeitos, em cada situação e que levam em conta a subjetividade biológica e psicológica de cada um, além das condições ambientais.  

Quanto aos perigos do mundo, que é o tema deste artigo, dá para proteger as crianças de todos eles? Elas devem ou não correr riscos? Para responder tais questões, é interessante pontuar a diferença entre perigo e risco: enquanto o primeiro está relacionado ao agente causador, o segundo se refere à possibilidade de ocorrência do fato e depende do nível de exposição ao perigo, por exemplo: uma piscina oferece perigo para quem não sabe nadar e o risco é o afogamento. Levando em conta que tais conceitos caminham juntos e que fazem parte de todo e qualquer ambiente, não é razoável tentar eliminá-los totalmente do desenvolvimento da criança[3]

Na contramão dessa ideia, e a partir da concepção de que o risco é um fator adverso, pesquisadores da área têm estudado sobre uma cultura de aversão ao risco, ou seja, cada vez mais o ambiente que a criança brinca é controlado e, consequentemente, previsível; no ímpeto de eliminar qualquer tipo de proximidade aos perigos e riscos do mundo, estabelecendo diversas restrições, o desenvolvimento da criança acaba sendo limitado. As tentativas de controlar totalmente os aspectos ambientais – sendo uma missão (praticamente) impossível -, resultam em um repertorio motor pobre; isso porque é a interação entre os fatores ambientais, individuais e da tarefa, que balizam e influenciam diretamente o desenvolvimento humano.  

Falas como: “cuidado para não se sujar” ou “atenção para não se machucar”, ou até mesmo orientações que limitam a exploração do ambiente por parte da criança, como por exemplo, repreendê-las ao tentar subir o escorregador – sendo que essencialmente a função do brinquedo é descer -, podem parecer insignificantes, mas elas exprimem essa tentativa de moderar as ações das crianças e a de limitar o brincar. Há também a influência dos aspectos sociais, que tornou raro o jogo de rua, que foi substituído por uma “cultura de telas”, resultando num tempo livre considerado passivo e que arrebatou experiências ricas – em todos os sentidos – que a brincadeira de rua proporciona ao indivíduo. Restrições excessivas, ambientes e brinquedos previsíveis, que oferecem poucas oportunidades de interações sociais, são pouco desafiantes e não lidam com o risco, e refletem um desenvolvimento motor aquém do esperado. 

Convido-os a refletir sobre um ponto: se a essência do movimento é a vida, brincar com o risco e se desafiar é necessário, e é isso que vai trazer vitalidade no decorrer do nosso desenvolvimento. É inegável que, biologicamente, temos uma predisposição à proteção e, talvez, isso explique os comportamentos dos adultos que tentam de todas as maneiras controlar os ambientes e proteger as crianças. Mas devemos atentar para os excessos. Nossas experiências não são todas iguais e, por isso, temos que olhar para o nosso ambiente e perceber a potência que ele carrega e a influência que ele exerce sob o nosso desenvolvimento e aprendizagem. Afinal, aprendemos e nos desenvolvemos a partir da liberdade e não do controle do risco.


[1] GALLAHUE, D.L.; OZMUN, J.C.; GOODWAY, J.D. Compreendendo o desenvolvimento motor: bebês, crianças, adolescentes e adultos. Tradução: Denise Regina de Sales; revisão técnica: Ricardo D. S. Petersen. – 7. ed. – Porto Alegre: AMGH, 2013.

[2] FREIRE, JB. Educação de corpo inteiro: teoria e prática da educação física. São Paulo: Scipione, 2009.

[3] Seminário apresentado pela Professora Doutora Rita Cordovil, no III Encontro Mineiro de Comportamento Motor, disponível no link: < https://www.youtube.com/watch?v=kl3iCmMxi5M> Acesso em: 11 de setembro de 2020.

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Em defesa do bobinho: um breve ensaio

Vocês sabem que o debate sobre futebol, como o debate sobre qualquer outra coisa, é uma questão de narrativas. Quem controla a narrativa, controla o debate. Como disse certa vez o Don Draper, personagem principal dessa brilhante série que foi Mad Men: if you don’t like what’s being said, then change the conversation – se você não gosta do que está sendo dito, mude o assunto – em tradução livre.

Digo isso porque, como já escrevi aqui e aqui, muito do que se vende hoje em dia como futebol ‘moderno’ talvez não o seja de fato, ou talvez seja, na verdade, apenas reflexo de uma ou de algumas novas narrativas, a partir de outras palavras que vão se colocando no debate. Vejam o caso do rondo, por exemplo: especialmente depois dos históricos resultados esportivos obtidos pela Espanha – e repare aqui como geralmente o debate não está bem na esteira dos processos em si, mas dos resultados subjacentes a eles, nós começamos, aos poucos, a não mais falar que fazemos bobinho, ou que jogamos bobinho, como se não tivéssemos jogado bobinho a vida inteira, mas sim que fazemos rondos, que em todos os nossos treinos há rondos, e aí falamos da importância pedagógica dos rondos e etc.  

Neste texto, gostaria de defender rapidamente duas coisas: uma que, na minha modesta opinião, bobinho e rondo são coisas diferentes, o que significa que não são termos automaticamente substituíveis e que não podem ser confundidos um com o outro. Ao mesmo tempo, gostaria de falar não apenas do uso, mas de uma própria defesa do bobinho enquanto palavra, e da importância do bobinho na articulação das nossas próprias narrativas sobre futebol. 


Por várias vezes, inclusive dentro de campo como treinador, percebi um certo incômodo, ora de atletas, ora de outros atores envolvidos no processo, quando usei o termo bobinho – ao invés do termo rondo, por exemplo. Hoje, olhando com um certo distanciamento, sinto que esse incômodo tem uma origem dupla:

1) como está no diminutivo, parece que falar ‘bobinho’ significa falar de algo menor, inferior, desimportante, secundário, dispensável. Isso não deixa de ser interessante, porque como nossos processos de treino são fruto das narrativas que os alimentam, é claro que nos damos cada vez menos o direito de usar palavras supostamente menores, desimportantes, dispensáveis, porque nos nossos processos de treino, nós nos sentimos cada vez mais pressionados a aparentar – ainda que seja apenas e tão somente uma aparência – que estamos comprometidos com isso que se vende como ‘moderno’, ou mesmo com o que está associado à suposta ‘modernidade’ de determinados países europeus, e aí não surpreende que nós adotemos os nomes compostos, ou que falemos de pressing, de box-to-box, de pivotes e etc, ainda que o nosso idioma tenha palavras capazes de substituí-las. A partir da negação dos diminutivos, por exemplo, não surpreende que nos percebamos cada vez mais sisudos, com processos de treino tão sisudos que soam quase como laboratórios científicos – ainda que nem sempre fruto de ciência boa, e não por acaso também jogamos, vez por outra, um futebol sisudo, muito sério, muito ‘organizado’ – a partir de um entendimento bastante curto do que pode ser a ‘ordem’ no futebol, e que não raro se mostra contraído, pressionado, estéril, às vezes vazio. 

2) no caso do bobinho, além de um termo genuinamente nacional e no diminutivo, ele ainda faz, obviamente, referência ao bobo, ou mais especificamente a um certo sujeito que é bobo – ou, no caso do jogo, que está como bobo. Mas como estamos preocupados em nos mostrar sisudos demais, um pouco aborrecidos e às vezes mais preocupados com a letra do que com o pé, me parece que o simples fato de citarmos a palavra ‘bobo’ ou ‘bobinho’ gera um certo constrangimento, não apenas como se fosse algo menor e etc, mas também como se fosse um termo ligeiramente ofensivo, como se não pudéssemos sequer insinuar que um atleta esteja como bobo, ou possa vir a ser um bobo, o que imediatamente faz com que alguém nos advirta, explicitamente ou nas entrelinhas, que falemos dele não como bobo, mas como marcador, oponente, qualquer coisa do tipo. Repare que aqui há uma relação muito grande com o que escrevi outro dia, neste mesmo espaço, quando argumentei que o treino não existe para ser legal, e que quando nos preocupamos em fazer coisas sempre muito legais ou agradáveis demais – a partir, por exemplo, das palavras que usamos, talvez estejamos fazendo qualquer outra coisa que não educação.

O fato é que me parece claro que estamos devagarzinho negando o bobinho, que fez e faz parte de um pedacinho das nossas vidas, uma parte bonitinha de quando éramos pequenininhos – para usarmos palavras mais sofisticadas, com tons de estrangeirismo, como é o caso do rondo. O rondo é, basicamente, o jogo clássico de manutenção da posse dos espanhois, que passou a ser mais citado e cultuado, como eu mesmo já disse anteriormente, a partir dos resultados esportivos da primeira década deste século – curioso que, após tantos e tantos resultados esportivos do Brasil ao longo do tempo, não me lembro de nenhum país que tenha importado, nas suas narrativas, o bobinho – mas também a partir das práticas e dos discursos de um exímio treinador como Pep Guardiola, ou de uma geração de jogadores que dominaram a posse com maestria, como foram Xavi, Andres Iniesta, Xabi Alonso, Sergio Busquets, Cesc Fabregas, David Silva, o próprio Thiago Alcântara e etc. Mas há um ponto muito importante: na minha modesta opinião, bobinho e rondo são coisas diferentes

Em primeiro lugar, o simples fato de chamarmos o bobinho de bobinho já deixa claro que se trata de um jogo genuinamente brasileiro. Como vocês sabem, aliás, são poucos os lugares no mundo que usam termos e mesmo nomes no diminutivo, sendo o Brasil um deles. Salvo engano meu, no catedrático Raízes do Brasil, o próprio Sergio Buarque de Hollanda apresenta uma argumentação bastante particular para o fato de usarmos palavras e nomes no diminutivo, sendo uma expressão de um outro tipo de afeto que construímos por aqui. De qualquer forma, quando falamos alguma coisa no diminutivo (e falamos muitas coisas no diminutivo), basicamente falamos de um traço da nossa coletividade enquanto brasileiros. Negar o diminutivo, portanto, não deixa de ser uma negação da nossa própria cultura.

Ao mesmo tempo, o bobinho tem uma vinculação cultural muito forte para todos nós. Você, que lê este texto agora, provavelmente jogou futebol na rua, formou-se de alguma forma na rua – lembrando da rua, como já nos disse o professor João Batista Freire, como tudo aquilo que não é fruto de educação formal ou sistemática – de modo que é muito provável que todos nós tenhamos jogado bobinho. E uma das características centrais do bobinho, que sinceramente me chama muito a atenção, é que nós jogávamos o bobinho por jogar, de maneira descompromissada, nós nos sentíamos bem jogando bobinho, nós queríamos que o bobo continuasse como bobo e que nós não fôssemos o bobo, ao mesmo tempo em que nós também gostaríamos que o bobo, que às vezes estava como bobo há muito tempo, deixasse de ser o bobo e fosse para o outro lado da roda. Nós jogávamos bobinho pelo simples prazer de jogar, mesmo sabendo que o jogo tem sim um compromisso, às vezes implícito, às vezes não, com a vitória, mas nós só queríamos jogar, não queremos ser os estraga-prazeres, queríamos adversários de bom nível, queríamos jogos melhores e eventualmente mais difíceis. O ponto é que, a meu ver, jogávamos bobinho pelo prazer de jogá-lo.

O rondo, por sua vez, me parece ter uma outra natureza. O rondo me parece uma ideia muito mais utilitária do que o bobinho. Ou seja, quem joga o rondo, joga pensando em uma utilidade específica, em um certo fim, que de alguma forma se sobrepõe ao prazer do jogar. Não por acaso são tão grandes e repetidas as associações que fazemos dos rondos com a performance esportiva, justamente porque é a partir dela – e de nenhum outro lugar – que conhecemos o rondo, é ela que nos ilustra o significado do rondo, é a partir de livros de treinadores vitoriosos que lemos coisas e mais coisas sobre o rondo, por que fazê-lo, para onde eles vão, o que fazem e etc. E vejam bem, isso não é um problema: isso é fruto de uma dada cultura, em um dado tempo, com dadas intenções, e essa cultura, e esse tempo e e essas intenções não precisam – e nem querem ser – as nossas. Nós temos a nossa cultura, o nosso tempo, as nossas intenções. Não é preciso negá-las para reconhecer a cultura dos outros.

Se me permitem, reparem numa outra questão fundamental, ainda que um pouquinho mais sociológica: pelo menos para mim, é muito difícil não olhar para o rondo, tendo em conta o lugar de onde vem, sem lembrar das touradas tão características da cultura espanhola. Para muito além da questão ética das touradas, me chama a atenção que a dinâmica do rondo seja muito parecida com a dinâmica toureiro-touro, sendo este último o enganado, ludibriado, distraído, enquanto o toureiro, cuja mente não pode ser estéril e nem demasiadamente sisuda, cria armadilhas para, no último instante, enganá-lo definitivamente. Não tenho nenhum estudo mais aprofundado neste sentido, talvez nem queira ter, mas não deixo de pensar que existe alguma coisa na psicologia do sujeito espanhol que lhe faça admirar esse tipo de coisa, esse tipo de engano, essa forma mais utilitária de ludibriar que, portanto, tem um outro fim além dela própria, e talvez por isso seja, por um detalhe, bastante diferente daquilo que nos acontece por aqui. Sobre este assunto, escrevi pela primeira vez em 2018, num largo ensaio que produzi sobre a Espanha, à época treinada por Julen Lopetegui – que me parecia fazer várias touradas dentro do jogo jogado.   


Por hoje, acho que estamos conversados. Este é um assunto que me interessa muito – não por acaso me estendi um bocadinho, logo voltarei a ele. 

Seguimos nos comentários.