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Caso Sunderland AFC e a má gestão no futebol

Você acha que a má gestão nos clubes de futebol é um problema exclusivo do futebol brasileiro? Times que acabam por ficar endividados, acumular problemas na justiça, sofrer com o rebaixamento e decepcionar a sua grande legião de fãs, também é uma realidade para grandes e tradicionais clubes do velho continente. Hoje, vou dar um exemplo bastante recente de como a má gestão e administração pode rapidamente arruinar um grande clube, que disputou por muitos anos a liga que é considerada por muitos como a melhor do mundo, a Premier League.

A série ‘’Sunderland Till I Die’’, disponível na plataforma Netflix, relata os bastidores da meteórica decadência deste tradicional clube do norte da Inglaterra. Fundado por professores  em 1879, o  Sunderland AFC é um dos clubes mais tradicionais e históricos do país – com 6 títulos ingleses a equipe dominou as competições nacionais entre o final dos anos 1890 e início dos anos 1900. No entanto, o futebol atual não mostra paciência ou respeito à história de qualquer clube, já não há como dizer que a instituição é “muito grande” e “tradicional demais” para cair no abismo. Arrisco a dizer, que a dramática série vai fazer o amante do futebol criar uma empatia quase que automática com os Black Cats e seus aficionados. Além dos bastidores internos, a série também dá uma voz especial aos torcedores e mostra as suas rotinas para acompanhar o clube que tanto veneram. Fica difícil não se colocar no lugar destes torcedores apaixonados, que seguem o Sunderland há décadas e estão vivenciando possivelmente o pior momento de sua história. O desânimo, a indignação e a esperança andam de mãos dadas com cada fanático alvirrubro.

A derrocada começa quando o milionário americano, Ellis Short, adquire o clube, ainda disputando a Premier League. Os problemas de falta de gestão profissional e má administração do clube logo começam a ficar nítidos, visto que o clube do norte inglês conta com um alto investimento financeiro mas não corresponde dentro de campo. Desta forma, acaba caindo de divisão e ingressa na disputa da segundona inglesa (Championship). O Sunderland é um dos grandes casos comprovados, de que apenas o alto investimento financeiro não resolve todos os problemas de um clube de futebol. Além do mais, se mal administrado, este investimento pode gerar ainda mais problemas, por vezes irreversíveis ao  clube – também atingindo diretamente patrocinadores, investidores, funcionários e os torcedores. A má administração no Sunderland fica ainda mais evidente quando o clube, que possui uma estrutura digna de um grande clube europeu, com um estádio e centro de treinamento de primeira linha, acaba por ser novamente rebaixado para disputar a terceira divisão inglesa (Football League I) – onde permanece até os dias de hoje. Foram 2 rebaixamentos em sequência e um corte profundo na alma de cada torcedor do Sunderland, que certamente irá demorar para cicatrizar.

Podemos elencar diversos fatores que podem ter contribuído para o fracasso recente dos Black Cats. Falta de planejamento estratégico, falta de organização dos núcleos, ausência de processos de trabalho, falta de profissionais devidamente qualificados, falta de filosofia de jogo do clube e de integração dessa filosofia com as categorias de base. Exemplos não faltam… Entre 2010 e 2018, o Sunderland contratou mais de 70 atletas, e conseguiu lucrar futuramente na transferência de apenas 3 deles. Fez investimentos milionários em equipamentos altamente tecnológicos para ter dentro de seu CT, os quais não tem utilidade nem mesmo para os funcionários responsáveis. Sem contar com os milhões de libras investidos em jogadores que acabaram atuando em menos de 10 partidas pelo clube, contratações e transferências claramente equivocadas e sem um planejamento adequado. Uma sucessão de erros graves, que poderiam ter sido evitados caso os gestores do clube tivessem uma visão sistêmica sobre a gestão, execução, liderança e avaliação de processos relacionados a um clube de futebol profissional – enxergando todos as áreas e suas interconexões com um olhar sistêmico. 

A Universidade do Futebol capacita profissionais para atuar no mundo do futebol com o fomento da visão sistêmica, da gestão profissional e organizada dentro dos clubes de futebol, buscando integrar de forma harmônica as dimensões política, administrativa e técnica presentes no ecossistema dos clubes de futebol. 

Você também acredita que se os gestores do Sunderland na época, houvessem se apossado de conhecimentos sobre a visão sistêmica, a qual o nosso curso de Gestão Técnica no Futebol aborda amplamente, os Black Cats estariam em uma situação menos caótica hoje? Fica a reflexão!

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A visão do torcedor no novo cenário de mídia do futebol brasileiro

Onde vai passar o jogo do meu time? Há alguns anos, esta pergunta não era necessária no futebol brasileiro. Os torcedores sabiam que poderiam ver a partida dos seu clube nos canais da Rede Globo, seja televisão aberta, fechada ou pay-per-view, de acordo com o horário e competição. Dependendo da importância do jogo, também era de conhecimento dos fãs que não haveria transmissão e a saída seria recorrer ao rádio.

Para 2021, o cenário está totalmente diferente e aqui mesmo no site da Universidade do Futebol, o Wilson Júnior destacou essa variedade de canais de transmissão, com a mais recente entrada do TikTok no caminho. A rede social de vídeos curtos transmitiu nos últimos meses partidas da Copa do Nordeste e do Campeonato Carioca. Mas como fica o torcedor nisso tudo?

Por parte dos clubes e dos campeonatos, esta grande quantidade de canais pode ser muito positiva. Cada meio de transmissão possui suas características próprias, que devem ser direcionadas para cada um dos diferentes públicos existentes em uma torcida. A Copa do Nordeste, por exemplo, oferecia transmissões focadas no torcedor mais apaixonado, em parceira com influenciadores digitais, direto da Twitch. Para quem preferisse uma opção mais neutra, os canais de televisão cumpriam bem este objetivo.

Para o torcedor, nem tudo são flores. Utilizando o exemplo da Libertadores e Copa Sul-Americana, vemos que quando existe exclusividade por parte dos canais de transmissão, acompanhar o jogo do seu time vira uma missão muito difícil de ser atingida. As competições da Conmebol são transmitidas, desde 2020, via  Conmebol TV, um canal de pay-per-view cujo valor de assinatura mensal é R$ 40,00, para acompanhar alguns jogos que passam única e exclusivamente na Conmebol TV.

O crescimento de plataformas piratas, mostra que este mercado ainda não está em seu nível ideal. O Campeonato Carioca de 2021, que também contou com seu sistema de ppv, passou por diversos problemas com canais ilegais, com diversos sites, perfis de redes sociais e canais no YouTube sendo derrubados por transmitirem as partidas sem autorização. Este fenômeno apenas confirma que os desejos dos torcedores ainda estão longe de serem atingidos quando o assunto são as transmissões das partidas.

A indústria da música passou por um problema semelhante. Foram diversas décadas de programas sendo utilizados para baixar as canções de maior sucesso nacional e internacional. Apenas nos últimos anos que soluções vem sendo encontradas para diminuir este número. A Federação Internacional da Indústria Fonográfica divulgou que em 2019, 27% das pessoas consumiam músicas de forma ilegal. Apesar do número ainda alto, foi a primeira vez que ele esteve abaixo dos 30%.

As plataformas de streaming esportivo ainda tem muito espaço para crescer. Entender a necessidade de consumo dos torcedores e quanto eles estão dispostos a pagar por isso são dois aspectos que precisam ser entendidos por quem trabalha com estas novas mídias. O DAZN, por exemplo, passou por isso em sua chegada ao Brasil, quando precisou diminuir o valor da mensalidade, que caiu de R$ 37,90 para R$ 19,90.

O Facebook foi mais uma rede a passar por mudanças. Seu acordo de transmissão da Copa Libertadores era de exclusividade no Brasil para as partidas de quinta-feira. Em 2021 isso teve de ser alterado, com uma parceria entre a rede social e a Fox Sports para transmissão de algumas partidas em ambas as plataformas. Isso já acontece na Liga dos Campeões com transmissões da TNT Sports e do próprio Facebook da mesma partida. Como o público é distinto, a rede social consegue apresentar boa audiência com as finais atingindo números na casa do milhão de espectadores.

Dificultar o torcedor de ver seu clube pode ser péssimo para o futuro, ainda mais com tantos concorrentes na disputa pela atenção. Abrir o YouTube é uma tarefa que as crianças aprendem cada vez mais cedo. Se o jogo de futebol estiver escondido em um canal de mensalidade alta, certamente o jogo vai perder alguns fãs. Sem contar todas as plataformas de streaming e vídeo games disponíveis.

Para finalizar o texto, gostaria de ter uma conclusão bem estruturada para passar aos leitores. No entanto, este mercado vive uma série de transformações que tendem a continuar por algum tempo. Aos gestores do esporte, cabe considerar alguns dos tópicos listados aqui no momento de negociar os direitos de transmissão dos próximos campeonatos. Que não pensem apenas nos valores do contrato, mas lembrem da importância de seu torcedor para o futuro do esporte.

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Multi, inter e transdisciplinaridade – Os caminhos da produção de conhecimentos no futebol

Devemos considerar o futebol como um fenômeno complexo, no mesmo grau de complexidade que nos permite entender e interpretar a própria natureza humana. Se compreender seus processos fosse algo simples, como afirmam alguns, o ser humano não estaria levando milênios para entender a si mesmo.

(João Paulo S. Medina)

Estamos perdendo a noção do todo. A simples soma dos saberes especializados já não nos conduz satisfatoriamente aos resultados almejados. E é bom lembrar que não se trata de negar a especialização, mas sim de entender que é preciso muito mais do que apenas ela. Precisamos promover urgentemente a interação, a integração e a sinergia entre todas as áreas do conhecimento humano se quisermos dar conta dos problemas complexos que nos afligem. Mas como a forma de produzirmos o conhecimento pode contribuir para o desenvolvimento humano e, por extensão, para o desenvolvimento do futebol? É o que vamos tentar responder aqui ou, ao menos, contribuir para uma reflexão crítica a respeito do assunto.

Em princípio, podemos reconhecer quatro tipos básicos de conhecimento: vulgar ou empírico, científico, filosófico e teológico. O conhecimento vulgar ou empírico é aquele que adquirimos através de nossas experiências vividas. O conhecimento científico é aquele sustentado por métodos, investigações, pesquisas e conclusões, e que deve ser comprovado e reconhecido pela própria comunidade científica. Já o conhecimento filosófico é o resultado das reflexões críticas, rigorosas, radicais e de conjunto sobre a realidade em que vivemos, e que se distingue do conhecimento científico por apresentar maior dificuldade em termos de comprovação e objetividade, sem deixar de ser relevante. E, finalmente, temos o conhecimento teológico ou religioso, que se fundamenta na fé, na crença em determinados textos considerados sagrados ou divinos por seus adeptos (Bíblia, Alcorão, Torá, Vedas etc.), contendo explicações para os mistérios da vida, as quais objetivam promover certo conforto espiritual aos seus devotos. De uma maneira ou de outra, e dependendo da nossa visão de mundo, todos estes tipos de conhecimento nos influenciam na forma como interpretamos a realidade e nela intervimos.

Por outro lado, quando analisamos a capacidade que cada área especializada do saber tem para compreender os fenômenos em toda a sua complexidade, podemos identificar igualmente quatro formas de abordagem da realidade. São elas: a disciplinaridade, a multidisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, que representam, na verdade, quatro modos distintos de produção do conhecimento.

Antes, porém, de entrarmos nos conceitos desses termos, gostaria de fazer algumas considerações preliminares. Até pouco tempo, vínhamos nos contentando, sem maiores questionamentos, com as abordagens detalhadas que os diferentes especialistas nos davam sobre os distintos fenômenos naturais ou humanos, através das diferentes áreas do saber. Aliás, este ainda é um princípio que adotamos em muitas situações mais pragmáticas. Se tivermos, por exemplo, uma grave lesão no joelho, nossa tendência não é a de procurar um clínico médico (generalista), mas sim o melhor especialista existente ou disponível. E para muitos de nós, não basta um especialista qualquer que cuide indistintamente de todo tipo de lesão. Tendo condições, gostaríamos de ser assistidos pelo melhor especialista para aquele tipo específico de lesão (ligamento, menisco, patela etc.). Este simples exemplo mostra-nos que, em certos aspectos, ainda adotamos na prática o paradigma da especialização.

Aos poucos, entretanto, esse modelo vai se mostrando inadequado para as novas exigências e novas realidades que a dinâmica da vida, através de sua história, nos impõe. Essa tendência obriga-nos a pensar em novas formas de produzir conhecimentos, permitindo intervenções práticas mais compatíveis com nossas necessidades.

Neste sentido é que queremos introduzir os conceitos de multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, procurando entender seus impactos na produção de conhecimentos que nos auxiliem nas soluções dos problemas que se apresentam em nossas profissões e em nossas vidas. Embora não exista total uniformidade na conceituação desses termos, vamos adotar aqui as noções mais prevalentes nos trabalhos realizados por aqueles que estudam estas questões relativas à produção do conhecimento e suas aplicações, tais como Basarab Nicolescu, Guy Berger, Georges Gusdorf, Jean Piaget, Edgar Morin, Ilya Prigogine entre outros.

Mas antes de falarmos sobre multi, inter e transdisciplinaridade, vamos considerar o que entendemos por “disciplinaridade”.

DISCIPLINARIDADE

O termo “disciplina” pode representar tanto uma determinada matéria em uma instituição de ensino como também uma área específica do conhecimento humano de uma especialização profissional qualquer. Desta forma, chamamos de “disciplinaridade” a abordagem que agrega o conhecimento especializado de uma disciplina ou ramo da ciência. A disciplinaridade refere-se, portanto, a um conjunto específico de conhecimentos, com seus objetos, características e métodos próprios, sem relações aparentes com outras áreas do saber. Cada uma dessas áreas busca a compreensão dos fenômenos ou fatos através de sua leitura de mundo, própria, exclusiva e particular.

É sempre bom frisar que foi dentro deste modelo paradigmático que o conhecimento evoluiu na grande maioria das áreas do saber, em especial durante o século 20. As conquistas e a evolução científica e tecnológica devem muito a este modelo. Através dele, as diferentes especializações desenvolveram-se amplamente, de forma rigorosa e tendendo à sua autossuficiência. Entretanto, esse modelo paradigmático de produção do conhecimento que, como já destacamos, tanto progresso trouxe à humanidade, começou a apresentar sinais de esgotamento, exigindo-se novas abordagens para a compreensão da realidade. A visão especialista, por si só, já não é suficiente para entendermos a complexidade dos problemas que nos afligem.

Neste contexto é que surge a necessidade de buscarmos outros modos de produção do conhecimento, e a partir daí surgem os conceitos e as abordagens multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar.     

MULTIDISCIPLINARIDADE (ou PLURIDISCIPLINARIDADE)

É a abordagem que faz a justaposição de duas ou mais disciplinas na busca de uma melhor compreensão dos fatos ou fenômenos. Entretanto, esta aproximação entre as diferentes áreas mantém, em essência, a natureza própria da especificidade de cada uma delas. Isto significa que um assunto pode ser trabalhado em várias disciplinas, mas cada uma delas continua seguindo seus próprios objetos, características e métodos. Não há uma tentativa de síntese entre as diferentes áreas do conhecimento. Por isso que é muito comum, nas “reuniões multidisciplinares”, no esporte ou fora dele, a utilização de adágios tais como “se cada um fizer bem a sua parte, tudo funcionará perfeitamente” ou ainda “para um bom entendimento entre nós – especialistas em áreas específicas do saber – é preciso que cada um respeite a área do outro”. A multidisciplinaridade é uma primeira manifestação ou reação às limitações do conhecimento disciplinar superespecializado (disciplinaridade), mas, como podemos deduzir, esta é também uma abordagem que apresenta limitações no sentido de uma compreensão mais ampliada da realidade.

É preciso destacar que, apesar de suas limitações, esta perspectiva é ainda muito utilizada no futebol. Embora haja um esforço para a realização de um trabalho mais integrado entre as diferentes atividades profissionais (das comissões técnicas, por exemplo), o que se observa, na prática, é certo distanciamento entre as diferentes áreas do conhecimento, impedindo ou restringindo uma maior evolução na realização de um autêntico trabalho em equipe.

INTERDISCIPLINARIDADE

É a abordagem que busca a interação e a cooperação entre duas ou mais disciplinas. Diferentemente da multidisciplinaridade, existe aqui um fator de coesão entre saberes distintos. No ambiente interdisciplinar, não há, por parte de cada um dos profissionais das diferentes áreas do conhecimento, uma atitude com o objetivo – explícito ou velado – de “proteger” a sua própria área de conhecimento. É bem verdade que, na prática, às vezes se torna difícil saber se estamos adotando uma postura multidisciplinar ou interdisciplinar. Essas diferenças, em alguns casos, são tênues ou sutis. A interação e cooperação entre duas ou mais disciplinas dependem fundamentalmente de atitudes subjetivas dos próprios atores que participam do processo de construção do conhecimento, em que os espaços de conhecimentos comuns e específicos são abertos e todos podem opinar e influenciar, sem muitas restrições ou melindres. Segundo Guy Berger, “essas diferenças podem variar desde a simples comunicação das ideias até a integração mútua dos conceitos diretores da epistemologia, da terminologia, da metodologia, dos procedimentos, dos dados e da organização de um conjunto de conhecimentos, da investigação ou do ensino correspondente”.

Ainda no terreno prático, o que se observa é que, muitas vezes, um grupo interdisciplinar é composto por pessoas que receberam sua formação em diferentes domínios do conhecimento (disciplinas) com seus métodos, conceitos, dados e termos próprios, e portanto exige-se um esforço de todos para que possam exercer uma autêntica interdisciplinaridade.

Conforme nos ensina Georges Gusdorf, “os especialistas das diversas disciplinas devem estar animados de uma vontade comum e de uma boa vontade. Cada qual deve aceitar esforçar-se fora do seu domínio próprio e da sua própria linguagem técnica especialista para aventurar-se num domínio de que não é proprietário exclusivo”. A interdisciplinaridade pressupõe abertura de pensamento, curiosidade que se busca além de si mesmo.

No futebol só recentemente começamos a pensar mais amplamente em ações que assumam esta característica interdisciplinar. Embora o termo seja cada vez mais frequente na fala dos agentes que produzem conhecimento no futebol, representados por diferentes profissionais especialistas, ainda é raro observar-se, na prática, a adoção desta abordagem de forma mais consciente e coletiva.

TRANSDISCIPLINARIDADE

Representa, segundo Edgar Morin, um dos principais estudiosos deste tema, o estágio mais avançado entre os modos de produção do conhecimento. De forma semelhante à interdisciplinaridade, busca compreender o conhecimento como algo além do que é produzido pelas disciplinas, estas que, como sabemos, têm seus objetos, características, linguagens e métodos próprios. Mas ultrapassa o conceito de interdisciplinaridade na medida em que, além de exigir uma postura e uma atitude de total abertura e respeito à diversidade e a complexidade de todos os fenômenos, reconhece que não há referenciais – culturais, étnicos, científicos, religiosos – privilegiados para julgar como mais corretos ou verdadeiros determinado conjunto de conhecimentos, crenças ou valores.

Também diferentemente da interdisciplinaridade, que procura integrar as distintas linguagens características de cada área do saber, a transdisciplinaridade busca a construção de um único domínio linguístico, capaz de refletir a multidimensionalidade da realidade. Igualmente ao modo de produção do conhecimento interdisciplinar, a transdisciplinaridade exige a cooperação, a coordenação e a sinergia entre as disciplinas, mas fundamentalmente com a intenção ou objetivo de transcendê-las.

É por isso que dizemos que a transdisciplinaridade aponta para um conhecimento que está ao mesmo tempo entre, através e, sobretudo, além de todas as disciplinas. Ela significa o reconhecimento da interdependência de todos os aspectos da realidade, buscando a unidade do conhecimento. Seu objetivo é a tentativa de compreensão da realidade como um todo e não de fragmentos dela, como se propõe cada disciplina ou área do conhecimento. Questiona, inclusive, a supremacia absoluta do conhecimento científico, quando adota pressupostos imutáveis de objetividade, previsibilidade e certezas.

A transdisciplinaridade é considerada, por alguns estudiosos, como um movimento de reintegração da ciência, da arte e das tradições espirituais em busca de uma compreensão mais ampla da realidade ou do mundo em que vivemos. Para isso, é preciso levar em conta todos os aspectos que envolvem a nossa existência, dentro de toda a sua complexidade. Não é possível entendê-la considerando somente os aspectos estritamente objetivos da realidade, uma vez que dela fazem parte também muitos aspectos subjetivos e intersubjetivos, permeados por nossa cultura que, por sua vez, é carregada de crenças, costumes, tradições, valores, sentimentos, emoções, intuições etc.

Esta abordagem transdisciplinar muda radicalmente a tradicional postura científica que não admite subjetividades em seu espectro de análise da realidade. É, portanto, uma maneira de encararmos o mundo, a vida e mesmo as nossas profissões, dentro de um novo modelo paradigmático. É, por conseguinte, uma proposta que, no nosso modo de ver, pode contribuir para mudanças radicais na forma pela qual o futebol é visto, gestado, concebido, administrado e praticado.

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A Gestão Técnica no futebol

Nas últimas décadas o mundo tem passado por transformações, econômicas, políticas, sociais e tecnológicas, radicais, cada uma indissociável da outra e que não poderiam deixar de incluir o futebol. Basta assistir a um jogo do começo do século, na Europa ou na América do Sul para constatarmos, é outro esporte. Dentro e fora de campo muita coisa mudou, os valores são outros, os clubes não são mais milionários, mas bilionários, as transmissões são verdadeiros show de imagens e não estão mais só na televisão ou no rádio, mas em todas as telas possíveis, dos cinemas à palma de nossas mãos e a análise de dados invadiu as comissões técnicas e o gestão dos clubes. O mundo mudou, e o futebol ainda mais!

Por isso, mais do que nunca uma gestão profissional e alinhada com o que há de mais moderno se torna uma questão de sobrevivência, para os clubes e para os profissionais que pretendem entrar ou se manter nesse mercado de tantas transformações. Não é de hoje que a Universidade do Futebol trabalha para trazer modernidade ao futebol brasileiro, o conceito da Gestão Técnica, para você ter uma ideia, a primeira turma do curso foi lançada em 2013, agora já bastante disseminado entre os executivos e demais profissionais do futebol, por muito tempo foi encarado com resistência no meio.

Atualmente, a necessidade de discutir os modelos jurídicos dos clubes e do desenvolvimento de uma formulação estratégica que permita a essas instituições ter uma visão de longo prazo, vem dando cada vez mais espaço para a Gestão Técnica dentro do futebol, mas afinal o que é a Gestão Técnica? Quais profissionais dentro de um clube precisam dominar a Gestão Técnica? Será que o curso Gestão Técnica no futebol é para você?

O curso Gestão Técnica no futebol aborda temas relacionados a questões técnicas e, principalmente, suas conexões com as áreas administrativas e políticas de um clube, estimulando a reflexão crítica do estudante sobre esses tópicos, algo pioneiro e inédito no Brasil.

O curso Gestão Técnica no futebol é um curso generalista, que tem como público alvo os variados profissionais que compõem o quadro de funcionários de um clube de futebol, mas sendo mais indicado para aqueles que estão ligados, ou buscam ocupar posições relacionadas às atividades-fim de um clube, ou seja, aquelas ligadas mais diretamente ao desempenho da equipe, como treinadores, preparadores, analistas de desempenho e mercado, gestores, executivos e similares.

Quero trabalhar com Marketing no futebol, o Gestão Técnica é para mim?

O Gestão Técnica no futebol é o curso base na Universidade do Futebol, que apresenta um jeito de ver o mundo e o futebol que é o pensamento, ou visão, sistêmico. O nosso objetivo é que todos aqueles que finalizam o Gestão Técnica tenham a capacidade de compreender o jogo, mas também a gestão de um clube de maneira sistêmica, ou seja percebendo que tudo está interconectado e que um trabalho excelente no Marketing, por exemplo, irá ter um grande impacto no campo de jogo, não apenas por ajudar a trazer mais recursos para o clube, mas por poder inspirar os jogadores ou jogadoras a defender com mais paixão as cores da referida instituição.

Temos cursos mais específicos para todos os profissionais do futebol, mas se você quer ter uma visão do todo, que irá te ajudar a ter uma base sólida e uma visão diferenciada sobre o futebol, o Gestão Técnica é sim para você!

Saiba mais sobre a décima sétima turma do Gestão Técnica no Futebol

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Intensidade no futebol é isso mesmo?

Crédito imagem – Site oficial UEFA

O termo intensidade tem sido muito usado nas análises de jogos e equipes do futebol brasileiro. Se cobra um time para ser intenso ou se elogia um treinador por fazer seus jogadores serem intensos dentro das quatro linhas. Reconheço que reduzir assuntos complexos e traduzi-los em termos simples e de fácil entendimento é mais do que uma virtude e sim uma obrigação em qualquer processo de comunicação. Porém isso não pode ser suplantado pelo correto entendimento e a consequente assertiva exposição do tema. E a intensidade tem sido definida de maneira muito equivocada nas discussões por aqui.

Ainda se fala que uma equipe é intensa quando ela corre muito em campo. Jogadores que correm (!) são taxados como intensos.

Há uma herança, aqui, dos brilhantes preparados físicos da nossa história que foram os primeiros a estudar e documentar o que acontecia dentro das quatro linhas. Porém, esses estudos sempre vieram com um viés físico. Nada mais natural já que eram os preparadores quem colhiam os dados e conseguiam as conclusões. 

Mas ao falar de futebol dentro de um sistema complexo precisamos entender que a parte física é uma das vertentes do jogo. Temos ainda a técnica, a tática, a emocional, a cognitiva e poderíamos expandir para o social, filosófico, antropológico e etc. O jogo é tudo isso junto e ao mesmo tempo. Então como podemos classificar uma equipe e um jogador como intensos apenas ao olhar o desempenho físico?

Acredito que uma equipe intensa seja aquela que resolva os problemas do jogo da forma mais eficaz e com o menor gasto de energia possível. Quando um time está bem treinado e os setores estão bem ajustados o desgaste é menor para atingir a eficácia. É necessário correr mais quando não se sabe nem o que, nem onde e nem como fazer dentro de campo. Não à toa, José Mourinho disse que um dos jogadores mais intensos com quem ele trabalhou foi Deco. E venhamos e convenhamos, Deco nunca foi um jogador fisicamente acima da média. Mas a capacidade de pensar e executar acertadamente as ações do jogo em um curto espaço e em pouco tempo faziam dele um jogador intenso.

Por tudo isso, ao ver um jogador correndo muito e se desgastando mais do que o necessário não vamos mais chamá-lo de intenso. Há nessa situação tudo, menos essa intensidade complexa que me refiro…