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Técnico: herói ou vilão. Isso está certo, mesmo?!

Crédito imagem – Alexandre Vidal/Flamengo

A busca por heróis e vilões permeia a história e a cultura do futebol desde os primórdios. Mas uma figura vem sendo superestimada mais do que nunca por toda a cadeia: o treinador. Observo esse fenômeno no mundo inteiro, mas vou focar no futebol brasileiro. 

Técnicos estão sendo colocados na condição de verdadeiros salvadores da pátria na esteira de resultados positivos, e do outro lado, trocados e descartados quando os resultados não aparecem. Entendo e reconheço a importância do líder do processo, que é o treinador. Porém ele apenas potencializa o que o ambiente tem: tanto para o bem como para o mal. 

O resultado de um clube de futebol é fruto de tudo o que é produzido internamente. Todos tem uma parcela no produto final que aparece em campo. Por exemplo, um departamento médico que não recupera de maneira plena e rápida os jogadores pode comprometer o processo. Um departamento financeiro desalinhado pode gerar atraso de salário para todo o grupo. Ou alguma imprudência jurídica faz a equipe ser prejudicada desportivamente. Enfim, poderia citar inúmeras situações, mas o ponto aqui é ir além até mesmo da óbvia verificação de que o futebol é um jogo coletivo de onze contra onze dentro de campo. Há muitas outras pessoas que trabalham fora de campo e que são também responsáveis pela bola entrar ou não.

Abel Braga deve ganhar uma estátua caso o Inter seja campeão brasileiro ou ele apenas potencializou um bom time que já tinha também chegado a liderança do campeonato com Eduardo Coudet? Rogério Ceni é melhor que Domenec Torrent ou a briga do Flamengo pelo título nacional se deve muito mais a uma tomada de consciência dos jogadores que demoraram para entender que as conquistas do passado não se traduzem como mágica em troféus no presente? Ou, para fechar, que tal falarmos do Santos: vice-campeão brasileiro em 2019 e mesmo com a perda de alguns jogadores foi vice-campeão da Libertadores em 2020; concordo que Jorge Sampaoli e Cuca foram incríveis, mas será que não há um trabalho bem feito no departamento de futebol, independentemente de quem seja o treinador?!

Defendo demais a capacitação dos nossos técnicos e a busca por conhecimento dessa categoria deve sempre ser infinita. Mas sozinhos eles não fazem nada. Ao invés de pagar fortunas a esse profissional e dar a ele a “chave” de tudo, nossos dirigentes deveriam buscar arredondar o clube como um todo. Dá trabalho. E cai um pouco o ‘escudo’ que todo treinador acaba sendo. Entretanto só um clube verdadeiramente forte e estruturado é capaz de colher frutos consistentes.

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Palmeiras e a preguiça na análise

Crédito imagem – Site oficial Palmeiras/Divulgação

Tornar o sucesso um furacão. E fazer do fracasso uma catástrofe. Tendências naturais para nós, seres humanos, e que ganham ainda mais projeção e emoção quando o assunto é futebol. Nesse mesmo espaço, na semana passada, pontuei que o projeto Palmeiras era o melhor do Brasil e que a conquista da Libertadores coroava uma gestão profissional que se aperfeiçoa ano após ano desde 2015. Tudo isso continua sendo verdade. A derrota na semifinal do Mundial para o Tigres do México é um evento dentro de um processo. Que não deve nem ser supervalorizado e nem desprezado. Apenas analisado.

O primeiro ponto para ser o mais fiel possível ao que de fato aconteceu é individualizar e não generalizar. Reconheço a tentação e a facilidade em dizer que o futebol brasileiro não é mais o mesmo e que o futebol mexicano já nos ultrapassou. Porém prefiro ‘unificar’ porque quem perdeu foi o Palmeiras – e não o futebol brasileiro – e quem venceu foi o Tigres – e não o futebol mexicano.  Isso porque quando o Verdão conquista a Libertadores significa que ele foi o melhor time na disputa dessa competição, o que é bem diferente de colocá-lo como o melhor da América do Sul e até mesmo do Brasil. Para o Tigres vale a mesma coisa. Cada jogo tem sua história e suas circunstâncias. Será que o Inter, o Flamengo, o Atlético-MG ou até mesmo o Santos perderia também essa semifinal do Mundial? Impossível saber. Como também é impossível cravar que o futebol no Brasil vive um pior momento do que o mexicano por conta de um jogo envolvendo apenas dois clubes, que não necessariamente são os melhores.

O técnico do Palmeiras, Abel Ferreira, pouco tempo teve para treinar a equipe desde que chegou. O portugues teve uma inteligência circunstancial para rapidamente achar uma formação que potencializou o melhor de vários jogadores. Isso foi suficiente para ganhar a Libertadores. Não para chegar à final do Mundial.

A visão deve ser sempre sistêmica. Nosso futebol está na segunda, caindo para a terceira divisão do mundo não porque o Palmeiras perdeu do Tigres. E sim porque ainda temos clubes políticos e gestões amadoras. Porque a maioria dos times joga apenas três meses um campeonato estadual e depois disso não tem mais calendário. Porque nunca valorizamos a educação e o estudo e por isso nossos profissionais não ingressam no mais alto nível. Enfim, são inúmeros fatores de dentro e fora de campo que explicam nossa decadência. Mas simbolizar o Palmeiras nisso tudo não é justo e nem coerente.

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol  

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Palmeiras, o melhor projeto!

Crédito imagem – Site oficial Palmeiras/Divulgação

O Palmeiras não é o melhor da América por acaso. O caminho até o gol de cabeça do atacante Breno Lopes contra o Santos foi arquitetado, planejado, colocado em ação, mensurado, reajustado para, enfim, ser coroado! O técnico Cuca e os jogadores santistas foram guerreiros, brilhantes e geniais. Mas a instituição Palmeiras merecia muito mais do que a gloriosa instituição santista. O futebol é apaixonante porque é imprevisível. Mas o bagunçado e endividado Alvinegro Praiano não merecia mais do que o organizado e bem gerido Palmeiras. 

Muito já se falou do processo de reconstrução do Verdão com o ex-presidente Paulo Nobre. Mais do que dinheiro, ele injetou modernidade, processos e profissionalismo no departamento de futebol palmeirense. O gerente Cícero Souza é peça fundamental em tudo isso. É ele quem emprega com uma maestria ímpar a transdisciplinaridade no clube. São inúmeros departamentos, como ciência do esporte, categoria de base, análise de desempenho, dentre outros, que tem que ‘se conversar’ para aumentar a performance da equipe dentro de campo. Não é trivial fazer o todo ser maior do que a soma das partes, ainda mais no instável futebol brasileiro.

O diretor Alexandre Mattos também foi muito importante nessa reconstrução, que tem como marco o não rebaixamento em 2014. Seria o terceiro em doze anos, o que representaria um duro golpe, em algo visto como fundamental, que era transparecer uma imagem de clube vencedor, que estava um tanto quanto esquecida. 

Com Mattos vieram títulos importantes como a Copa do Brasil e os dois Brasileiros, mas é com Anderson Barros e uma nova política que chega o título mais desejado de todo esse processo. A Libertadores 2020 consolida inúmeros profissionais das categorias de base do clube que lutaram arduamente durante anos contra uma cultura de não revelar. Jogadores reservas com salários altos foram desligados para que houvesse espaço para uma energizada e qualificada safra de jovens. O grande volume de contratações, justificados muitas vezes por ‘oportunidades de mercado’ foram trocados por reforços pontuais. E a cereja do bolo foi a chegada do técnico português Abel Ferreira que parece ser o elo final que toda essa estrutura precisava para finalmente transcender o trabalho diário em um legado muito maior do que ‘apenas’ troféus e sim, de fato, institucionalizar uma cultura.

Não pretendo aqui dizer que o Palmeiras é o clube mais bem gerido do planeta e que os seus profissionais estão ensinando o mundo como se faz futebol. Mas é muito importante valorizarmos o processo por trás de uma grande conquista. O sucesso é previsível e tem mais probabilidade de acontecer quando existe planejamento, foco e competência profissional no dia a dia.

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol  

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A complexidade que envolve o problema do São Paulo

Crédito da imagem – Rubens Chiri/São Paulo FC

No futebol e na vida nunca é só um fator que explica tanto o sucesso como o fracasso. Soluções milagrosas do tipo “passe a fazer isso e sua vida mudará incrivelmente pra melhor” tendem a não funcionar. Assim como a ‘caça as bruxas’, que leva um único indivíduo ou uma única situação a explicar todo um fracasso também não corresponde a verdade. Prefiro uma visão mais global, sistêmica, integrada e transdisciplinar para me aproximar de respostas mais conclusivas.

Por tudo isso não dá pra reduzir o problema atual de desempenho do São Paulo a um único elemento. Fernando Diniz, Daniel Alves, Luciano, Raí, Júlio Casares, enfim, todos que compõem o clube tem sua parcela de culpa no revés.  Olhar o todo e não as partes isoladas costuma ser mais eficaz para entender o problema em sua raíz e encontrar soluções. Sobretudo no futebol profissional.

Nesse mesmo espaço, no mês passado, coloquei que a força mental do time estava em patamares elevadíssimos E que era essa força a responsável por potencializar a maioria dos jogadores para que em campo houvesse a impressão de que ao invés de onze, o São Paulo tinha quatorze, quinze atletas em campo, tamanho era o encaixe tático e técnico da equipe.

Eventos são emblemáticos em qualquer jornada. E a queda na Copa do Brasil para o Grêmio trouxe fantasmas passados, mas não é só isso. A mudança de diretoria tirou algumas peças e colocou outras no dia a dia do grupo. A deficiência do elenco ficou escancarada com a lesão de Luciano. Os anos sem conquistas e o passado recente de fracasso desse grupo vem à tona mais rapidamente do que elencos mais acostumados com conquistas. E nunca dá para tirar da análise que a partir do momento que se atinge um status de líder todos os adversários vão estuda-lo com mais afinco e buscar neutralizar suas forças e explorar as fraquezas.

O são-paulino não consegue ver luz no fim do túnel porque há poucos elementos para acreditar em uma reviravolta. Se nas eliminações das outras competições havia o alto número de rodadas restantes do Brasileirão para ganhar fôlego, agora o fim da temporada se aproxima. Que o São Paulo aprenda com os erros. Que não troque tudo, como foi em anos anteriores, que também tiveram a marca da derrota impregnada. Um fracasso nunca é inútil se dele as lições são aprendidas e usadas como alicerce para a construção de projetos de sucesso. Cada vez mais, o torcedor tricolor vai se acostumando com a derrota…. 

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Uma introdução ao pensamento complexo e sistêmico no futebol

Crédito imagem – Pedro H. Tesch/AGIF/CBF

“A nossa visão de mundo condiciona os limites do nosso trabalho”João Paulo S. Medina

Apesar de estarmos já na terceira década do século XXI, não é raro ouvir por parte de alguns torcedores, jornalistas esportivos e até mesmo profissionais especialistas da modalidade, frases como “o futebol é coisa simples, nós é que complicamos as coisas”. Outro jargão muito comum de se ouvir – após a apresentação de argumentos um pouco mais aprofundados sobre a dinâmica do jogo – é que “o futebol é prática e não teoria”; ou então que “o futebol é bola na rede, o resto é conversa fiada”. Diante destas afirmações cabe indagar: será que o futebol é isso mesmo? Tão simples, tão claro, tão objetivo e fácil de desvendar seus mistérios?

Com essas indagações preliminares, gostaria de propor algumas reflexões, fazendo alguns contrapontos às afirmações simplificadoras e simplistas que se ouve ainda com muita frequência, no futebol e fora dele.

Primeiramente, temos que entender que este tipo de pensamento não surgiu do nada. Podemos afirmar que ele foi construído historicamente e teve sua origem e disseminação – dentro da cultura ocidental, pelo menos – na Europa por volta dos séculos XVII e XVIII, com o advento do Iluminismo. Dá-se início, assim, a um movimento que procura combater o Absolutismo e o pensamento religioso que, por séculos, definiram as relações de poder entre as pessoas em seu convívio em sociedade, condicionando nossa compreensão sobre a realidade e, consequentemente, condicionando nossos hábitos, costumes e cultura.

O Iluminismo foi alavancado através das contribuições de grandes pensadores e cientistas (à época reconhecidos como filósofos naturais) como Galileu Galilei (1564-1642), René Descartes (1596-1650) e Isaac Newton (1643-1727), que juntamente com muitos outros nomes de expressão, ajudaram nas mudanças de paradigma que condicionavam a visão de mundo medieval.

No transcorrer deste movimento sociocultural e econômico, grandes transformações ocorreram. A Terra deixa de ser o centro do universo (geocentrismo); a aproximação da verdade segue mais os princípios científicos do que os princípios puramente religiosos. Desta forma, o conhecimento começa a se estratificar e se especializar, uma vez que esta nova ciência emergente propõe uma leitura mais acurada da realidade, não mais baseada nas tradições, mas sim buscando desvendar essa realidade através de métodos científicos, apartando-se, portanto, do sobrenatural e coletando dados de forma mais direta e objetiva no mundo natural, através de experiências que pudessem ser testadas, reproduzidas, replicadas, comprovando-se hipóteses e teses.    

Este modelo causou uma verdadeira revolução (científica) no pensamento e proporcionou um desenvolvimento sem precedentes para a humanidade ao longo dos séculos seguintes. Porém, com o passar do tempo, dentro desta nova visão de mundo, o que era solução começa a ser problema. As especializações chegaram a um ponto tal que já não permitem uma conexão mais direta com o todo em toda a sua complexidade; pelo contrário, se distancia dele. Começa-se a perceber que o estudo das partes, por mais meticuloso e rigoroso que seja, quando dissociado do todo, já não traz as soluções que procuramos em muitos casos, principalmente quando os problemas não estão restritos tão somente às questões mecânicas ou inorgânicas. Neste sentido, a revolução industrial, que teve início em meados do século XVIII, e que consolidou o processo de formação do capitalismo, acelerou a visão reducionista e estimulou a comparação dos seres humanos enquanto máquinas.

Porém, mesmo com as contestações crescentes que começaram já a partir da primeira metade do século XX, principalmente com o advento da teoria da relatividade e da física quântica, evidenciando as limitações deste modelo paradigmático – cartesiano, newtoniano, linear, mecanicista, este pensamento ainda hoje é determinante, hegemônico e condiciona o dia a dia de nossas ações.

É, portanto, nesta perspectiva que ainda costumamos adotar uma visão de mundo que tem como pilar o modelo tradicional da ciência, baseado na simplicidade, na objetividade, na estabilidade e na previsibilidade. E, infelizmente, é essa a visão de mundo que ainda prevalece no futebol.

Porém, se analisado sob outra perspectiva, o futebol, quer enquanto fenômeno socioeconômico e cultural, quer enquanto manifestação esportiva e lúdica –característica do jogo em si, na verdade, não tem nada de simples, objetivo, estável ou previsível. Se quisermos arriscar a desvendar seus mistérios temos que começar a entendê-lo de forma cada vez mais ampla, sistêmica e complexa.

Considerando que a nossa visão de mundo condiciona os limites do nosso trabalho, é essencial que enxerguemos o futebol com outras lentes, ou seja, de forma mais abrangente e ampla possível, sem deixar de lado as suas especificidades. Afinal, o futebol não é nada simples, como muitos ainda pensam. Ele é complexo e quanto mais procurarmos entender a sua complexidade, mais aptos estaremos para fundamentar as nossas tomadas de decisão; e não só no futebol.

Em um próximo texto falaremos mais sobre o pensamento complexo e sistêmico e seus prováveis impactos na visão que temos sobre o futebol e sobre a realidade na qual estamos inseridos.

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A eterna comparação entre os salários de Neymar e Marta

Crédito imagem – Orlando City/Site oficial

Desde a crítica da Presidência da República à questão do ENEM que destacou a discrepância entre os vencimentos de Marta e Neymar, a discussão sobre as diferenças entre os vencimentos dos dois principais jogadores brasileiros de futebol nos últimos anos voltou à tona nas mesas redondas e redes sociais.

Um dos pontos levantados com maior frequência nessa discussão é a evidente injustiça existente no fato de que dois seres humanos que entregam desempenhos similares – a discussão sobre o desempenho é bastante subjetiva, e não vamos nos aprofundar nela aqui – serem recompensados de maneira tão desproporcional. Outro aspecto relevante é o contraponto argumentativo que defende que o futebol masculino atrai um público muito maior, movimentando muito mais recursos, o que seria o suficiente para considerarmos normal, ou aceitável, tamanha discrepância. Para os mais desavisados, a diferença nos valores dos vencimentos de Neymar e Marta era de 269 vezes, de acordo com levantamento realizado pela revista France Football em abril de 2019. Escala de grandeza semelhante ao abismo entre os salários de outros grandes nomes do esporte, como Ada Hegerberg e Messi, por exemplo.

Retirar então essa carga individual para começarmos a discussão é fundamental: a questão aqui não é diminuir a importância ou os feitos de Neymar, tampouco exaltar Marta – o que é feito por muita gente oportunista apenas para atingir o jogador do Paris Saint Germain. O que é preciso entender em primeiro lugar, para começarmos discussões mais relevantes, são as razões que levam a essa diferença de quase 300 vezes na remuneração de homens e mulheres no futebol, e se acreditamos que tal realidade é admissível.

É um fato que o futebol masculino atrai um público maior e, por consequência, movimenta mais recursos. A competição pelos melhores talentos pressiona os salários cada vez mais para o alto. Não é só isso, mas essas linhas gerais já nos ajudam a compreender o que precisamos nesse momento. O futebol feminino, ao contrário, tem um público ainda mais restrito, movimentando menos recursos e, em muitos países, ainda buscando apenas sua viabilidade. Temos aqui um fato, que traz um aparente teor de normalidade para a discrepância de salários entre homens e mulheres na elite do futebol mundial, mas será que tal fato é realmente natural? Quais razões fazem o futebol masculino ter um público maior do que o feminino?

A chamada sociedade ocidental tem milênios de machismo para corrigir e, se estamos fazendo um caminho de volta em direção à igualdade de direitos entre homens e mulheres, a caminhada começou faz muito pouco tempo. A maratona ainda está nos seus primeiros passos. O esporte, e sobretudo o futebol, foi entendido como uma atividade exclusivamente masculina por muitos anos, praticamente durante todo o século XX. O exemplo que temos em nosso próprio quintal é a proibição da prática por mulheres ao longo de quatro décadas.

Já na Inglaterra, o futebol feminino deu passos muito promissores no período da Primeira Guerra Mundial, quando elas tomaram os campos e começaram a atrair cada vez mais público. Em 1920, mais de 53 mil pessoas acompanharam uma partida entre duas equipes formadas por mulheres, provando que o suposto menor interesse do público tem pouco de natural e muito mais de social, cultural e histórico. Foi uma escolha da federação inglesa ir minando o futebol feminino no país nos anos seguintes.

Marta, Hegerberg e outras estrelas precisam ganhar mais. Mas não por elas, e sim por serem símbolos e gerarem a repercussão que geram. É por essa razão que precisam, cada vez mais, serem tão bem remuneradas quantos seus pares masculinos.

Para além dos vencimentos das grandes estrelas, o que é realmente fundamental e urgente é que as chances de meninos e meninas se tornarem jogadores, jogadoras, ou qualquer coisa que queiram, sejam as mesmas, ou ao menos tão justas quanto possível no momento.

Quem defende a pureza teoricamente natural do mercado para regular essas desigualdades esquece os milhares de anos de um machismo nada natural que trazemos como herança e que oferecem como legado todas as discrepâncias entre homens e mulheres observadas no futebol e fora dele. Natural – ou humano – nesse caso, talvez seja buscar utilizar todos os mecanismos possíveis para diminuir essas injustiças tão rapidamente quanto possível.

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Campeonato de pontos corridos no Brasil é justo mesmo?

Crédito imagem: Anderson Stevens/Sport Club do Recife

Desde que o Campeonato Brasileiro passou a ser disputado por pontos corridos em 2003 nenhum time fora da região sudeste foi campeão. Apenas Cruzeiro, Santos, Corinthians, São Paulo, Flamengo,Fluminense e Palmeiras ergueram o caneco neste formato de todos jogando contra todos, em casa e fora. Os quatro grandes de São Paulo, dois do Rio de Janeiro e um de Minas Gerais…a última vez que um time de fora da região sudeste venceu o Brasileirão foi em 2001, com o Athlético-PR, mas em outro formato de disputa. 

O primeiro aspecto que vem à mente de todos diante dessa constatação é o financeiro. Claro que por inúmeras razões os clubes dessa região faturam mais. Porém indo só um pouco além temos a obrigação de falar sobre gestão profissional e competente. Isso porque times que já foram campeões como Corinthians e Palmeiras também já foram rebaixados nesse mesmo formato de disputa. Sem falar de Vasco da Gama e Botafogo que também já caíram e são da região Sudeste. Ou seja, mesmo tendo acesso às melhores receitas, o sucesso não veio. Então, não é só pelo dinheiro.

E é muito importante citarmos algo pouco falado: logística e transporte. Para um atleta de alto rendimento os períodos pré e pós jogo são fundamentais para uma performance de qualidade. E é unânime entre especialistas em ciência do esporte que longas horas em aviões e aeroportos desaceleram a recuperação. Como comparar então, por exemplo, nesse Brasileirão 20/21 situações de um time de São Paulo com a do Sport Recife? O estado de São Paulo tem cinco representantes na competição: três na capital, um no litoral e outro no interior. Qual o deslocamento dessa equipe para os jogos fora de casa, sabendo também que terá quatro viagens curtíssimas para o Rio de Janeiro? E o Sport que terá viagens longas e desgastantes de Recife para São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte e Porto Alegre?! Ele está nas mesmas condições? Observe: esse parágrafo é sobre logística e não dinheiro.

O Brasil é um país continental e respeitar a cultura é ponderar sobre tudo isso. Vale termos um olhar mais profundo para não apenas repetirmos aos quatro cantos que o formato de pontos corridos é o mais justo em que o melhor vence. Não é só o melhor time. E nem o que tem mais dinheiro. Mas também aquele que tem mais facilidade em se deslocar e recuperar seus atletas.

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol

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Teoria sistêmica e o Flamengo

Crédito imagem – Alexandre Vidal/Flamengo

O futebol é o esporte mais popular do mundo porque é simples. Essa frase é verdadeira pelo entendimento de que para jogar futebol não é necessário muita coisa, muito investimento…na rua, descalço, colocando chinelos como trave e uma bolinha de pano conseguimos, sim, jogar futebol.

Porém quando partimos para o alto rendimento tudo muda. A complexidade, que já existe nesse futebol de rua descompromissado que citei, ganha contornos mais sérios e científicos, que devem ser estudados não só para o aumento das probabilidades de sucesso, mas também para que as análises se aproximem o máximo possível da realidade. 

E qualquer diagnóstico sobre o momento do Flamengo deve prioritariamente passar por uma análise sistêmica e com viés de complexidade. Não é só um fator que explica a queda de rendimento da equipe. Nossa cultura de ‘caça as bruxas’, de buscar a todo custo um único culpado, não contribui para a evolução do jogo. A performance individual de muitos jogadores caiu. E vale falarmos de padrões de comportamento manifestados durante o jogo. Nível de comprometimento, agressividade com e sem a bola, disciplina para respeitar e potencializar padrões coletivos já não são os mesmos. E troca de treinador implica troca de ideia de jogo, metodologia de treinamento e filosofia de liderança. Estamos falando de seres humanos e nem irmãos gêmeos são iguais ao exercer um trabalho. Nos últimos sete meses, o Flamengo teve três treinadores de nacionalidades diferentes. 

Um clube de futebol é um sistema. Está sempre em evolução. Ou deveria estar, já que ficar no mesmo lugar é sinônimo de morte. Crescer como equipe significa ter novos e melhores comportamentos. E incutir isso em jogadores que ganharam bastante é muito difícil. Por isso que temos apenas um Messi e um Cristiano Ronaldo. São pouquíssimos que pagam o real preço que o incômodo com o atual momento traz, por melhor que seja esse momento. O entendimento de que o que foi feito até aqui nos trouxe até aqui é para poucos. Para outros e novos objetivos é necessário um novo comportamento. O Flamengo parou em 2019. Achou que já estava bom, que era só manter…a conta por pensar e agir assim está chegando em 2021…

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Primeira coluna do ano – Luxemburgo é o tema!

Crédito imagem – Rafael Ribeiro/Vasco da Gama

Há pouco mais de um ano critiquei duramente nesse espaço a diretoria do Palmeiras pela contratação do técnico Vanderlei Luxemburgo. Hoje venho parabenizar a diretoria do Vasco da Gama pela contratação do mesmo Luxemburgo. Qual a diferença? O que mudou?

Vamos lá. A questão tem a ver com gestão, ambição e comunicação.

O Palmeiras briga hoje por títulos. Dos últimos quatro campeonatos Brasileiro o Verdão faturou dois. E nos outros dois, garantiu vaga na Libertadores, onde tem feito sempre boas campanhas. Esses bons resultados esportivos são fruto de uma gestão profissional, comprometida com o aumento da receita, controle das despesas e um autodesenvolvimento constante nas áreas científicas, estruturais e de recursos humanos. Tudo visando o aumento da performance dentro de campo. E quando um clube nesse patamar coloca como cereja do bolo uma comunicação agressiva, vinda do seu próprio presidente em uma entrevista coletiva, dizendo que a busca pelo treinador, que é o grande comandante do processo, se daria por critérios modernos e arrojados de pensar o jogo, o nome condizente não pode ser o de Vanderlei Luxemburgo.

Que fique bem claro, neste momento não estou fazendo juízo de valor. Isso porque, por mais que seja claro para mim que a postura auto-protetiva de Luxa, negando o que se faz de mais contemporâneo no futebol mundial seja nociva não só a ele, mas para o futebol brasileiro como um todo, esse mesmo comportamento pode ser eficaz para o Vasco.

Cobrindo treinos no dia a dia, pude comprovar como Luxemburgo sabe fazer o ambiente trabalhar a favor dele, pelo menos em um curto espaço de tempo. A experiência adquirida em décadas como jogador e treinador deram a ele a expertise em mobilizar atletas, dirigentes, funcionários do clube e o torcedor para que fique bem evidente o “choque de gestão” que ele quer. E isso pode ser o que o Vasco precisa para não ser rebaixado.

Em um trabalho de médio, longo prazo, quando apenas a gestão do contexto não é mais suficiente e que no campo tenha que aparecer algo diferente, Luxemburgo não consegue êxito. Por isso que para o Palmeiras ganhar os títulos mais importantes do ano não poderia ser Luxemburgo o técnico a beira do campo. E é também por isso que para o Vasco não amargar mais um rebaixamento, Luxemburgo é o nome ideal para estar à beira do campo.

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O todo é maior do que a soma das partes no futebol

Por muito tempo o viés físico tomou conta de toda análise mais aprofundada sobre futebol. Principalmente aqui no Brasil. Somos um dos melhores nesse quesito no mundo. Não há dúvida disso. Muito por conta da enorme preparação, estudo e dedicação dos profissionais dessa área nascidos por aqui. 
Membro fixo e obrigatório há muito tempo de qualquer comissão técnica minimamente estruturada, sempre era o preparador quem ditava a maior parte de uma sessão de treino. O técnico dava o conhecido ‘coletivo’. Onze contra onze. Sem campo e/ou regra adaptada para forçar um maior número de situações-problemas de jogo que precisasse ser melhor trabalhada. Havia a ideia de que com os jogadores bem condicionados fisicamente o melhor a se fazer era deixá-los jogar.
Apesar da evolução das metodologias e de um aprimoramento no olhar para entender o que se passa dentro das quatro linhas ainda está na nossa cultura um resquício dessa herança física de entender futebol. É comum ainda ouvirmos que determinada equipe não está rendendo porque está mal fisicamente. Ou que tal jogador ‘morre’ no segundo tempo. 
Tais observações, porém, desprezam o caráter complexo e sistêmico que caracteriza o jogo de futebol. Nem no aspecto individual, muito menos no coletivo, apenas uma valência é determinante para explicar determinado resultado. A parte física é uma variável do jogo, mas está longe de ser a única. O que mais chama a atenção é, junto com o físico, os aspectos táticos, técnicos e emocionais. Um drible por exemplo: precisa de um preparo do corpo para ser executado, mas também do gesto técnico, da orientação tática (ou para o lado ou para frente ou para trás) e do emocional, com a coragem. Contudo podemos aprofundar a análise e trazer que essa simples ação também carrega componentes cognitivos, espirituais, antropológicos, sociais e etc. 
Uma equipe bem treinada, com comportamentos coletivos claros, bem definidos e executados com excelência se desgasta pouco fisicamente para cumprir o objetivo do jogo, que é fazer mais gols que o adversário. Correr demais na maioria das vezes escancara a falta de mecanismos bem coordenados. ‘Raça’ não é correr muito. Tem mais essa ‘raça’ que o torcedor tanto adora aquele jogador que sabe exatamente as funções que tem que executar e um repertório vasto para resolver com eficácia os problemas inesperados que todo jogo carrega. 
Romper paradigmas é necessário para construirmos o novo. O futebol brasileiro está evoluindo, sem dúvidas. É raro vermos os jogadores correndo em volta do campo para jogar melhor o jogo. A especificidade já impera na maioria dos clubes. Para melhor jogar futebol mais se deve treinar futebol, com foco em melhorias deliberadas e planejadas. E não melhorar a velocidade, aumentar carga no supino e no leg press com fim nessas próprias atividades. Um futebol de excelência requer treinos de excelência. E também análises mais conectadas com o caos sistêmico que o jogo carrega em sua própria natureza. 
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