O estudo no futebol vai pouco a pouco ganhando espaço no Brasil e eu sou um entusiasta disso. Me fascina ler, procurar e pesquisar o que há de mais moderno no mundo da bola. Conhecimentos sobre tática e metodologias de treinamento – dois pilares da alta performance esportiva – sempre existiram, é verdade. Mas nunca tivemos algo tão bem elaborado como o que há atualmente.
E é nesse contexto em que a nova geração de profissionais do futebol busca se aprofundar em princípios, sub-princípios operacionais de ataque, defesa, transições e entender tudo sobre periodização de treino, que um treinador como Luiz Felipe Scolari, que carrega a antítese de todo esse movimento, triunfa e ainda consegue muito sucesso.
Mais do que cair no erro e na preguiça mental, que tanto os estudiosos condenam, de criticar Felipão e falar que os métodos deles estão ultrapassados e só funcionam porque conta com um elenco milionário, prefiro buscar o que ele faz muito bem para conduzir seus times a conquistas.
Felipão com suas conquistas e com sua idade não está preocupado com o futuro do futebol. O que importa para ele é a vitória. E para isso, Scolari tem de sobra o que falta em muitos técnicos que ficam dando murro em ponta de faca por aí: simplicidade no jogo e tato com os atletas.
Falar da família Scolari já é chover no molhado. Todos sabem e conhecem o jeito que ele lida com o grupo, dando pancada quando as mancadas acontecem, mas dando carinho quando o momento pede. E a simplicidade no jeito de jogar também está escancarada para todos verem. Podemos questionar se há beleza no jogo do Palmeiras, mas nunca podemos falar que não há eficiência. Os times de Felipão gastam a energia necessária para fazer mais gols que o seu adversário. Os padrões de atacar com muito lançamento e deixar a bola em disputa o mais próximo possível do gol rival e de defender com muitos jogadores com encaixes individuais estão aí para todos verem.
Usar a bagagem de conhecimento que os jogadores já tem, buscar cumprir a lógica do jogo e priorizar a objetividade e a conexão emocional com os atletas pode ser o pulo da gato para quem estuda muito. Unir o que há de novo com o que Felipão tem mostrado que funciona poder responder várias perguntas para quem se aprofunda muito no modelo, mas tem pouco resultado prático. Não devemos nos esquecer que o sucesso deixa pistas e não é obra do acaso. Aprender com o que funciona é um gesto nobre e inteligente.
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Sobre a grandeza do jogo real

Alguns dias atrás, viralizou entre os colegas este vídeo, por onde gostaria de começar nossa conversa de hoje. Jurgen Klopp, treinador do Liverpool, foi questionado sobre um suposto conservadorismo em recente clássico contra o Everton, pela Premier League. Já nos minutos finais, trocou Sadio Mané por Adam Lallana, o que não foi muito bem uma vez que Lallana, grosso modo, não é atacante.
A resposta de Klopp – que consegue ser espirituoso mesmo quando fala sério – foi bastante interessante: futebol não é Playstation. De fato, futebol não é Playstation. Mas não sei se dizer isso, mesmo que em uma base regular, seja suficiente para cultivarmos um debate mais rigoroso e mais realista. Especialmente quando falamos de treinadores e treinadoras, brasileiros ou não.
Vamos pensar um pouquinho melhor.
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No ano passado, tangenciei esta mesma questão quando escrevi sobre a diferença entre o jogo ideal e o jogo real. Em linhas gerais, me preocupava (e ainda me preocupa) o fato de estabelecermos réguas demasiado idealistas para um jogo que se organiza a partir de uma lógica própria. A complexidade do real é um choque quando comparada à perfeição das ideias.
A metáfora do videogame é especialmente interessante, não apenas porque dialoga com toda uma geração (em uma ou duas décadas, praticamente todos os treinadores serão herdeiros dos jogos virtuais), mas porque evidencia algumas das fragilidades no nosso debate. Por exemplo: uma das características de jogos como FIFA, Pro Evolution Soccer e similares, é que neles está normalizada a possibilidade de ser alguma coisa entre o treinador e o jogador. Digo alguma coisa porque, ao contrário do treinador na realidade, nos jogos virtuais é possível decidir a ação a ser tomada pelo jogador (o que, não se esqueça, não é possível no jogo real) e, além disso, nos jogos virtuais é possível não apenas decidir por um, mas por todos os jogadores em campo – de acordo com o modo escolhido para jogar. O jogo virtual permite uma espécie bastante particular de onipotência que pode saciar temporariamente, mas que em nada se aproxima do imprevisto, da causalidade, do complexus que são parte do jogo real.
Assim, os jogos virtuais, para além de alimentar uma espécie de conforto, acabam naturalizando o fetiche da causa/efeito. Nas minhas configurações, se eu aperto o quadrado, sei que vou chutar a gol. Se aperto L2 e faço alguma manobra no analógico direito, sei que darei um drible. Mas como treinador de fato, não há nenhuma tecla a ser pressionada. Se digo para que meus jogadores tenham coragem, isso será suficiente? Se troco um meia por um atacante (supondo que os rótulos atribuídos aos atletas fossem corretos) isso fará do meu time mais ‘ofensivo’? Se ao invés de dois, me fossem dados sete pulmões, eu seria portanto mais saudável? Qualquer organismo busca o equilíbrio. Uma equipe de futebol, como organismo vivo que é, deseja o mesmo. Mas, ao contrário dos nossos idealismos, o equilíbrio não se dá a partir de delírios quantitativos (quanto mais/menos, melhor). O caminho é outro.
Daí a importância de olhar para a grande barreira que separa a virtualidade do real: a inteligência, nos jogos virtuais, é artificial. É programada, dependente de eventos anteriores, é causa/efeito. Mas a inteligência do jogo jogado não é assim, ela é humana. Sendo humano, o jogo jogado será sim acerto, será desejo, pensamento e paixão, mas também será, ao mesmo tempo, equívoco, limitação, indecisão e, especialmente descontrole. Quanto maiores forem as ilusões de controle alimentadas por todos aqueles que vivem do futebol, creio que maiores serão as frustrações. Se lhe resta alguma dúvida, faça uma rápida análise da sua vida nos últimos anos e conte quais foram, de fato, as decisões unicamente dependentes de você, desde o início. Não me surpreenderia se fossem poucas.
O jogo virtual é pequenino. O jogo real é grande demais. Quanto mais evitarmos os reducionismos, de qualquer natureza, melhor. Por isso, embora talvez sem má-fé, a pergunta do colega seja realmente inaudível para determinados treinadores, pois após um certo período não é mais concebível encarar o futebol como um cálculo, cujas fórmulas estão postas. Se o futebol se fizesse de fórmulas, elas todas teriam meia-vida curtíssima. E seria necessário reinventá-las, recalculá-las a todo instante. O que já se faz, aliás.
E que não impede que elas sejam engolidas pela pluralidade do humano.
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O mundo do Marketing Esportivo

Gestão e Marketing do Esporte é o tema que semanalmente esta coluna aborda. Ou pelo menos procura. Muitos consideram como a solução de todos os problemas para as receitas de um clube; ou então que é desinteressante porque significa mais despesas. Outros, que o melhor marketing é colocar a bola no gol. Algumas considerações podem ser corroboradas. Outras, não. É sim um universo bastante bacana, de desafios incontáveis, particularidades e curiosidades interessantes.
Do “Diamante Negro” da Copa do Mundo de futebol de 1938; as histórias das grandes marcas de artigos esportivos; da eleição da FIFA de 1974; do programa “Top Olympic Partner”; da Copa União de 1987 à revolução da ida de Ronaldo Nazário ao Corinthians há dez anos (2009), é tudo bastante interessante e rico. Entretanto, não é tudo. Marketing no esporte requer planejamento, método, plano de ação, execução e mensuração dos resultados. Para além disso, o mais importante: recursos humanos. Atuar na área é trabalhar sete dias por semana e vinte-e-quatro horas por dia. Um fato qualquer pode influenciar diretamente no seu trabalho, haja vista que o conteúdo do esporte é infinito (Pedersen, Miloch e Laucella, 2007).
Interessante ver que ao longo do tempo, os temas tratados pelo marketing no esporte mudam bastante, e isso é bom. Há dez anos, a questão sobre a igualdade de gêneros ainda possuía pouco espaço no Brasil, bem como ações de responsabilidade social. Era grande – e ainda é – a busca pelo patrocinador “master”. Entretanto, hoje há mais consideração de que a chance de algum patrocínio surgir será influenciado por um bom produto que o clube pode oferecer. Pouco se falava sobre identidade, filosofia e cultura de trabalho. Ao mesmo tempo, a disputa dos clubes de futebol europeus por torcedores no Brasil era realidade bem distante, de uma parcela que possuía TV por assinatura. Uma década depois e o cenário já é outro.
Ao mesmo tempo que o marketing esportivo gera grandes oportunidades para a indústria do esporte, foi a partir de uma empresa da área – que teve como origem a comercialização de placas de publicidade no perímetro do campo – que se contornou a principal investigação sobre corrupção no futebol. Levou muitos dirigentes esportivos à renúncia, prisão ou banimento do futebol.
Com tudo isso, marketing esportivo vai além de publicidade, de sócio-torcedor, patrocínio “master” ou mascote que entra no campo durante o intervalo de um jogo. Vai além de “verba”, de “esquema” ou de “parceria”. Representa a alma de uma instituição, de uma organização. Seja ela um atleta de renome, um clube, um torneio, uma liga, um estádio, uma federação ou uma confederação. Constrói e difunde valores que geram atributos que reforçam (ou não) a imagem desta instituição, que a posiciona em um mercado. Em um mercado bem competitivo.
Referência
PEDERSEN, P. M.; MILOCH, K. S.; LAUCELLA, P. C. Strategic Sport Communication. Champaign: Human Kinetics, 2007.
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Capital simbólico futebolístico
Generalizações são burras. Restringem análises e revelam uma preguiça de ir mais a fundo. Não gosto de rotular nada. Cada caso é um caso. Sempre. Ainda mais neste espaço onde falamos de algo tão complexo que é o futebol. Mas passei este carnaval refletindo porque poucos treinadores jovens conseguiram fazer trabalhos consistentes e duradouros no futebol brasileiro recentemente. Oportunidades foram dadas. O que faltou então? Cheguei a conclusão de que o capital simbólico ainda faz a diferença na gestão do ambiente e isso é determinante para o triunfo de um treinador, especialmente aqui nos nossos clubes.
Sabe aquela horrível pergunta que ainda é feita quando algum cidadão de certo prestígio é colocado em xeque no Brasil: “você sabe com que está falando?”. Então no futebol ele pode ser traduzida em um questionamento quando algum profissional novo chega em um contexto diferente: “mas esse cara ganhou o que?”. Ou uma outra pergunta ainda mais genérica e até preconceituosa: “chupou laranja com quem?”. Tudo isso demonstra que o histórico de conquistas conta, que o passado de um treinador ainda é determinante para o presente e também para o futuro dele. Como se técnico bom fosse apenas o campeão. Pura bobagem simplista…
Um exemplo claro da importância do capital simbólico que tivemos agora no futebol paulista: o argentino Jorge Sampaoli chegou no Santos exigindo a contratação de um goleiro que soubesse ter uma boa relação com a bola usando os pés. Mesmo com Vanderlei sendo ídolo do santista. A diretoria do clube foi lá e o atendeu. Imagine, por exemplo, se André Jardine chegasse com um pedido parecido no São Paulo. Ele seria atendido? Como, se nem barrar os medalhões fora de forma ele conseguiu?!
Nenhum treinador vai começar sua carreira ganhando tudo. O fracasso faz parte de qualquer processo de amadurecimento profissional. De minha parte, como imprensa, como formador de opinião, vou continuar avaliando trabalhos de maneira sistêmica e integrada, entendendo que o resultado é importante, mas não é tudo. E cabe aos jovens treinadores buscarem caminhos mais concretos que o levem a vitórias de maneira mais rápida para quebrar essa barreira inicial que existe. E aprender técnicas de liderança, comunicação e gestão de conflitos pode ajudar muito também. Contemporizar situações para se manter no cargo pode ser o começo do fim. E isso tem acontecido com muitos deles…
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Sobre o futebol que nos afeta

Por algumas vezes, lateralmente, escrevi aqui sobre uma certa dificuldade, que me parece crescente, para sentirmos de fato o jogo de futebol. O que isso significa? Basicamente, significa que o jogo está, aos poucos e em uma base regular, entremeado por tamanha racionalidade (científica ou qualquer outra) que os afetos, que nos trouxeram para o futebol um certo dia, estão simplesmente escanteados. As consequências da razão pura são claras: I) o jogo jogado será tão pior quanto pior for a qualidade dos afetos envolvidos; II) quanto pior for o jogo jogado, menor será o envolvimento emocional por ele causado.
Talvez seja um pensamento bastante particular, mas que certamente já lhe ocorreu de alguma forma. Pense comigo: qual foi o último jogo profissional praticado no Brasil (que não do seu time do coração ou da equipe em que você trabalha), que lhe deixou realmente imerso, envolvido? Qual foi a última vez em que você saiu de um jogo querendo ter sido parte daquilo? Para mim, talvez tenha sido Grêmio 0 x 0 Athletico Paranaense, há quase um ano (aliás, fique à vontade para deixar seu jogo nos comentários, talvez possamos encontrar algum caminho interessante). Temos excelentes profissionais em todos os níveis, temos ideias (ainda que se diga que não), temos vários jogadores de qualidade, mas parece que mesmo assim nosso jogo não alcança o campo das emoções.
De modo que talvez haja algo mais a ser considerado.
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Ultimamente, tenho lido o estupendo pedagogo Jorge Larrosa Bondía (para entender melhor de pedagogia e, portanto, de futebol) e concordo com uma das suas mais repetidas ideias: a experiência não é aquilo que acontece, mas sim aquilo que nos acontece. Mais uma vez: a experiência não é aquilo que acontece, a experiência é aquilo que nos acontece.Repare que existe uma diferença fulcral: não é experiência aquilo que apenas passa, pois para haver experiência, é preciso que aquilo nos toque, nos afete de alguma forma. Afinal, a experiência é única, não se repete para outras pessoas ou em outros lugares. Ótimo, e o que é preciso para que a experiência nos afete? Bom, é preciso abertura.
Não é possível que algo nos aconteça se não estivermos abertos, se não estivermos receptivos ao que se passa. Portanto, é preciso outra coisa, é preciso nos despirmos das nossas convicções e certezas, por mais seguras que sejam. Quem está certo de tudo, quem parte da resposta ao invés da dúvida, não pode ser afetado por nada. A quem não é afetado por nada, nada acontece – exceto a inexperiência. E aqui reside uma das minhas dúvidas, que tangenciei no começo deste texto: será que não estamos nos contaminando com tamanha racionalidade, muitas vezes de qualidade duvidosa e/ou irrefletida, que agora nos fechamos em armaduras tão intocáveis (que há quem chame de modernas), que tanto empobrecem o nosso debate como impede que sejamos afetados? Não seria uma hipótese aceitável?
Se sim, então talvez nosso problema seja duplo: por um lado, nós mesmos (treinadores, assistentes, analistas e afins) não estamos abertos à experiência advinda do futebol – nossa casca de certezas está sólida demais. Por outro, talvez os nossos atletas sejam confrontados com os mesmos problemas. Mas imagine você onde podemos chegar se nossos conteúdos permitirem não apenas que um dado atleta faça X gols a mais na temporada, mas também que ele consiga se perceber em constante mudança, consiga não apenas pensar, mas também sentir o jogo e os efeitos do jogo sobre si, dentro do campo e na vida vivida? O que seriam dos nossos garotos se os laços afetivos com clubes e com a vida fossem, em razão de um determinado percurso metodológico, ainda mais fortes? Que jogo poderia nascer dali?
A enorme comoção após a histórica classificação do Ajax sobre o Real Madrid, na última terça, não ocorreu apenas pela vitória em si. O Ajax nos fez sentir algo incomum – foi o protagonista de uma enorme experiência. Mas será que estávamos suficientemente abertos? Enfim, o fato é que não se esquecerá deste jogo tão cedo.
***
Para além dos conteúdos, para além do logos, é preciso o pathos: é preciso cultivar às emoções. Sem elas, sem cuidar das relações, normalizamos a antítese do sentir. E isso se reflete claramente no nosso jogo.
É preciso ideias, é preciso trabalho e é preciso método. Se também não cuidarmos dos ajustes do treinar, não creio que seja possível entregar um futebol que nos afete. Portanto, cabe a nós criar as experiências adequadas, correto? Não exatamente. Pois talvez as experiễncias, incertas que são, não possam ser criadas.
Mas sobre isso conversamos outro dia.
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Limite (de) Técnico

Uma proposta inovadora foi colocada em pauta pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) no Congresso Técnico do principal escalão deste esporte no Brasil, realizado há poucas semanas. Era ideia limitar em uma (1) a troca de treinador por clube durante o campeonato brasileiro deste ano. Em outras palavras, a equipe só poderia mudar de técnico apenas uma única vez, nas trinta e oito rodadas do certame. A proposta não foi aprovada. Mas qual a relação desta sugestão com a gestão e o marketing do futebol.
Em primeiro lugar, a estabilidade no emprego. O limite traz garantia de que o profissional pode se instalar em um lugar por determinado tempo, o que torna menos difícil o convívio familiar, o que contribui com a vida pessoal do colaborador. Em isso acontecendo, imagina-se melhor ambiente de trabalho (que favorece a gestão do futebol), que sugere maior e melhor produtividade (medida em resultados). Em termos de marketing, os resultados podem contribuir com o posicionamento do produto (o clube e seus jogos) no mercado.
O limite do número de mudanças de treinador também sugere melhor planejamento por parte da equipe. Com isso, outros aspectos podem ser influenciados, tais como: filosofia, identidade e rotina de trabalho; unicidade e entrosamento. Fortalecimento e consolidação da cultura do clube, refletida dentro de campo e mantida temporada após temporada. Contratação de atletas, membros da comissão técnica e – se for o caso – de treinadores, deverá obedecer esta cultura.
O estabelecimento destas práticas permitirá, com o tempo, o investimento sustentável nas categorias de base e a contenção de despesas exorbitantes em busca de imediatismos que visam favorecer grupos políticos e de torcedores que exercem influência no cotidiano da instituição. Títulos sim são importantes. Ganham eleições. No entanto, ainda mais importante é o legado do clube e sua cultura para a vida esportiva da cidade, da região e do país. Com o devido respeito, mas não é o Arsenal (Inglaterra) o clube britânico mais vencedor. Ao mesmo tempo, é corriqueiro já há alguns anos as declarações sobre crise de identidade no (historicamente vencedor) Manchester United.
Vê-se, assim, uma gestão eficaz e eficiente. Obviamente é preciso quadro de colaboradores profissionais voltados para a instituição. Diferentemente da situação com funcionários indicados, a fim de colaborar com grupos ou chapas específicas, característica intrínseca à falta de profissionalismo, que por si só é contraproducente.
Independente da palavra (chapa ou grupo) – na ausência de profissionalismo – o funcionário indicado colabora com a “panela”.
Em termos de marketing, a questão da cultura e da identidade da instituição são reforçadas. É incentivada a história, que constrói uma tradição, que gera empenho e lealdade daqueles que estão envolvidos com a instituição. Estas características são capazes de viabilizar interessantes produtos.
Com tudo isso, é sim importantíssima que uma pauta como esta, sobre o limite de trocas de treinadores seja colocada em discussão. Afinal, a prazo, ela só tem a contribuir com a gestão do futebol no Brasil, em estabelecer uma própria cultura e ambiente na condução política e esportiva dos clubes que praticam a modalidade, quer seja de maneira salariada ou não. Não passou desta vez. No entanto, se a insustentabilidade financeira e esportiva prosseguirem, talvez em 2020 a história seja diferente.
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Time no papel?! Faz me rir!
Nosso futebol foi construído, desenvolvido e vitorioso com base nas individualidades. O Brasil sempre se agarrou em craques, em jogadores que poderiam fazer a diferença. Em nossas conquistas, falamos muito mais de talentos específicos do que de esquemas coletivos bem ajustados. Sempre Pelé, Garrincha, Romário e Ronaldo serão mais lembrados do que engrenagens táticas, movimentos sincronizados entre setores, elos de ligação dentro da própria equipe potencializando todos e outros aspectos que de um jeito ou de outro vão existir sempre, com mais ou menos qualidade, por se tratar de um jogo coletivo.
Como consequência disso temos impregnado em nossa cultura que a equipe que tiver os melhores jogadores é a que vai ganhar. Não existe mentira mais absurda do que essa! Me causa calafrios cada vez que ouço a expressão “time bom no papel”. Como assim time no papel? Quer dizer que somando as partes (jogadores) teremos um todo (equipe) melhor? É claro que um grupo que conta com atletas inteligentes e competentes para melhor resolver os problemas do jogo terá uma vantagem. Mas apenas isso, uma vantagem.
O Corinthians de 2017, apontado como quarta força de São Paulo, é o exemplo que mais grita sobre tudo isso. No famigerado ‘papel’ a equipe parecia fraca para muitos. Porém, com sinergia entre os jogadores em campo, as ideias do técnico Fábio Carille e o bom ambiente entre todos os profissionais de campo parecia que o Corinthians tinha 14, 15 jogadores em campo e não apenas 11.
E para falar do ano atual, já dá para perceber claramente o erro de prognóstico de quem viu o desempenho de São Paulo e Corinthians na janela de contratações. Ao passo que o Tricolor foi mais bombástico, o Timão foi mais certeiro. Para quem achava que Pablo, Hernanes e cia. mudariam o patamar (outra expressão medonha!) da equipe são-paulina a eliminação para o Talleres na primeira fase da Libertadores já foi um banho de água fria. E venho sustentando em meus comentários que o Corinthians vai evoluir, vai criar mecanismos de jogo que o colocarão como favorito em toda competição que disputar. Falo isso por enxergar no elenco jogadores que se complementam e um treinador capaz de extrair o melhor de cada um.
Pagar fortunas para treinadores badalados não é sinônimo de privilegiar o jogo coletivo. Dirigentes usam técnicos que já foram vitoriosos como escudo. A fórmula para o sucesso no futebol envolve inúmeros fatores, alguns deles já conhecidos: planejamento e conhecimento na formulação do elenco, definição de uma ideia de jogo a ser desenvolvida e ambiente e mentalidade propícios a vitória. Com esses elementos, o time em campo terá muito mais chance de ser melhor do que no papel.
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Sobre a criação de espaços vazios
Cesar Luis Menotti, em frase já conhecida, disse certa vez que o jogo é feito de tempo, espaço e engano (essas frases me agradam, aliás). Engano é um termo levemente poético, mas não é nele que vamos nos dedicar aqui. Tempo e espaço, por sua vez, são conceitos centrais, não apenas para o futebol mas para modalidades coletivas em geral.
O ato de encontrar espaços vazios ao longo do tempo, em função da lógica do jogo, é um desafio para todos nós, treinadores e treinadoras, especialmente aqueles que têm pretensões mais ofensivas. Sonhar com ataques eficazes é simples, mas transformá-los em matéria exige ideias, reflexão, treinamento. Por isso, gostaria de dedicar nosso espaço dessa semana para pensarmos por um instante sobre o encontro dos espaços vazios em campo.
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Em primeiro lugar, pensemos o seguinte: em modalidades coletivas de invasão, o número de jogadores em campo será, evidentemente, sempre inferior à área disponível. Isso quer dizer que os espaços livres são absolutamente inerentes ao espaço de jogo. A questão é: os espaços livres a priorisão espaços ótimos? Bom, não necessariamente. E se não são, é preciso então que atletas e treinadores modelem o jogo, através de ideias e ações, não exatamente para usar os espaços que já existem, mas para criar outros, potencialmente melhores, capazes de atrelar os mecanismos ofensivos ao que nós queremos. Por isso, aliás, me parece importante recorrermos ao conceito de espaço efetivo de jogo, do colega Rodrigo Azevedo Leitão, pois talvez ali estejam os espaços-chave para se chegar ao gol. Quando pensamos em espaços livres, pensamos nos espaços dentro ou próximos ao espaço efetivo, que nos permitam criar situações capazes de facilitar nosso alcance ao alvo adversário.
A questão é que as ideias e as ações, por si, não geram os espaços que nos interessam. O jogo, como sabemos, não funciona a partir de uma relação de causa/efeito. Se visto como um sistema, o jogo está muito mais próximo de uma espécie de caos ordenado, mas uma ordem própria cujos gatilhos são desordens sucessivas, nascidas do próprio jogo, a partir das ações dos jogadores, das interferências externas, da racionalidade própria ao jogo. Repare que ambivalente: nós criamos estratégias para encontrar os espaços vazios. Eles surgem, mas não necessariamente de acordo com a nossa vontade primeira. Mas a adaptação ao caos originado pelo próprio jogo (a que se seguem novas ordens) é o que gera novas os espaços que nos interessam. Parece complexo – e é!
Embora estejamos submetidos à complexidade do jogo, o termo criação, que escolhi para o título, é particularmente necessário. Em primeiro lugar, porque o ato de criar, como superação de si, talvez seja uma das coisas capazes de distinguir o humano de outros seres – e já nos detivemos aqui sobre a necessidade do processo de humanização no futebol. Depois porque, embora soe óbvio, o ato de criar não pode ocorrer de maneira passiva. Para criar, não bastam apenas as ideias e não é possível viver da aleatoriedade: é preciso ação! E, mais ainda, não se trata de uma ação meramente individual. Deste modo, pense comigo duas coisas: I) criar espaços, em uma modalidade coletiva de invasão, deixa de ser um adorno e passa a ser um compromisso moral, a ser constantemente realimentado, pois sem ele tendem a ser menores as chances de se chegar ao gol adversário em uma base regular; II) se o jogo é feito de ordens criadas a partir do caos, se pensamos o jogo como fluxo, então quaisquer tentativas sólidas tendem a fracasso, pois vão na contra-mão daquilo que parece estar no coração do jogo: o movimento. Independentemente do modelo de jogo, parece razoável que a criação de espaços vazios está vinculada ao movimento dos atletas ao longo do tempo – especialmente sem bola. Talvez, quanto mais coordenado for este movimento, melhor.
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Quem já brincou pelas páginas do ótimo Cestas Sagradas, de Phil Jackson, encontrou um registro histórico importante sobre a criação de espaços livres. O triângulo ofensivo, batizado por Tex Winter e aprimorado por Jackson, tornou-se uma estratégia quase que imarcável, segundo ele próprio, porque não apenas era capaz de valorizar o movimento inerente ao jogo (o caos gerador de novas ordens), como o fazia de modo que, invariavelmente, sempre houvesse espaços vazios no ataque. Repare que interessante: a criação de um triângulo, com três jogadores afastados por cinco metros de distância cada, presumia portanto que houvesse uma desordem, uma assimetria na estruturação espacial, fazendo com que, através dela, fosse possível encontrar os espaços ótimos. Os espaços eram criados! Este é um ponto especialmente importante se observarmos que parece haver uma certa tentação, percebo em alguns colegas, não pelo caos (gerador de ordens), mas pela ordem, sozinha. Este é um problema grave. Isso se expressa, neste caso, em uma obsessão bastante particular pela posição, ainda que isso signifique a morte do movimento de que falamos acima. Não surpreende, portanto, que os espaços vazios, vez por outra, sejam tão difíceis de se encontrar.
Repare que isso não significa uma defesa da assimetria como a única forma de criação de espaços ao longo do tempo, mas sim como uma referência importante a ser considerada, ao lado da própria simetria, desde que as duas se alternem, pois essa alternância, veja só, também expressa o movimento de que falamos anteriormente. A criação de espaços livres presume movimento, o movimento ocorre a partir de referências (bola-companheiros-adversários-alvo) e, especialmente, não há evidências que nos façam pensar que a lógica do jogo será tão mais facilmente alcançada quanto mais ‘organizada’ estiver uma equipe (especialmente se essa ‘ordem’ for engessada), ou quanto mais racional for a ocupação de espaços. As estruturas, não se esqueça, são voláteis. Sua meia-vida é curta.
Não admira, portanto, que Phil Jackson, no mesmo livro que citei acima, faça uma observação importante sobre o croata Tony Kukoc:
“Quando Toni Kukoc entrou para os Bulls, tendia a gravitar na direção da bola, sempre que esta não estava em suas mãos. Agora [após adaptar-se ao modelo] ele aprendeu a girar para longe da bola e estar sempre em locais livres – o que o torna um jogador muito difícil de marcar.”
***
Claude Bayer, na página 123 do excelente O Ensino dos Desportos Colectivos, nos traz uma referência importante neste sentido:
“Consequência do problema precedente, os espaços surgirão decerto em função das deslocações dos adversários, mas igualmente em função das dos companheiros. Trata-se, pois, para o jogador não-portador da bola, de estruturar os espaços do campo de jogo, quer dizer, procurar a todo o momento os espaços onde vai realizar as suas acções, tendo em conta o que fazem os seus companheiros, situando-se portanto, continuamente em relação a eles, conservando uma possibilidade de trocas com o portador da bola. Esta actividade supõe uma recolha de informações contínua, para ver os espaços alteráveis privilegiados, afim de poder mudar de direcção e escolher um outro local do terreno, caso um companheiro se proponha ocupar o espaço previamente escolhido. O educador deve esforçar-se para tornar significativo este elemento do jogo, que obriga o jogador não-portador da bola a descentrar-se dela momentaneamente, a esquecê-la por instantes, para se informar das zonas onde poderá desenvolver a sua acção (aprender a olhar outra coisa além da bola e ter em conta o que fazem os seus companheiros).”
Ou seja, para além do movimento em si e para além das possíveis assimetrias, é preciso que este movimento esteja comprometido com algo maior. Será que este algo seria o modelo? Não sei, pois não se joga pelo modelo: se joga para ganhar e o modelo é o caminho, o meio que escolhemos em vista do fim. Mas ganhar, em si, não é o ponto: fosse assim e todas as equipes teriam consigo o combustível necessário para supostamente jogarem bem. É preciso algo mais.
Daí a função do educador (do treinador, para quem a pedagogia é central), que não apenas pensa sobre o modelo (ao lado dos atletas), como pensa nos pormenores do modelo, nos potenciais espaços a serem criados – centrais, laterais, próximos do próprio gol, distantes…. Este mesmo educador deve ter didática, pois sem ela as ideias morrem consigo – quando elas precisam, na verdade, viver nos atletas. E o mesmo educador (que é mais do que treinador), deve também fazer o atleta identificar os espaços vazios nele próprio, para superar-se a si mesmo e, assim, perceber-se capaz de algo maior.
O que também é parte do relato de Phil Jackson em Cestas Sagradas, diga-se.
***
Na ausência de caminhos universais, é preciso criar caminhos próprios, meios que nos façam encontrar os espaços vazios e, assim, do gol adversário. Por ora, fico com a importância do movimento, da assimetria, da solidariedade e, acima deles, da pedagogia. Uma vez mais, não se tratam de regras estáticas, mas sim de direções.
Que dialogam entre si em um fluxo constante.
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Frases Infelizes & Presenças Incômodas

Não é novidade a polêmica em que o já antigo Diretor de Marketing do Corinthians, Luís Paulo Rosenberg, se envolveu, ao mencionar a aids ao tentar explicar a situação do clube em relação a patrocinadores, em emissora de televisão. Uma infeliz declaração, sem dúvida. Talvez em outros tempos isso pudesse ser observado de uma outra maneira, deixando isso passar. No entanto, este tipo de fala desde sempre é incorreta e percebe-se que não há mais espaços para deslizes. O público cobra, questiona. Rejeita.
É a imagem de uma centenária instituição em jogo. Colocada em cheque pelo departamento de marketing, um dos principais – senão o principal – responsáveis por ela. Incoerente, no mínimo. Sobretudo em um clube amplamente lembrado pela sua “Democracia”, cuja palavra está diretamente associada aos conceitos de inclusão e respeito.
No Palmeiras, a presença de Marco Polo del Nero (ex-Presidente da CBF) no conselho deliberativo do clube pode trazer problemas em breve. A FIFA o baniu de quaisquer atividades do futebol em função das investigações que levaram à prisão de José Maria Marin (ex-Presidente da CBF) e outros dirigentes do futebol da América do Sul. Por mais que del Nero tenha pedido licença, ele ainda é conselheiro e a entidade máxima da modalidade prevê rigorosas sanções, tais como perda de pontos no campeonato nacional e, consequentemente, rebaixamento para divisão inferior.
Neste caso, a imagem do Palmeiras também é colocada em cheque. Uma também centenária instituição, reconhecida pela saúde financeira e capacidade de gerar receitas, e que faz pouco lobby em comparação com seus rivais, manter o antigo dirigente – mesmo licenciado – no conselho é, de alguma maneira, estar conivente com velhas e irregulares práticas na gestão do futebol. Acredito que o clube – arrisco-me a dizer que todos eles – queira(m) romper com elas.
Não há mais espaço na sociedade para declarações exclusivas e desrespeitosas. É vergonhoso reconhecer que em outros tempos elas não foram reprovadas publicamente e, com isso, dirigentes esportivos, juristas, ministros de Estado e outras pessoas públicas mantiveram-se no poder ou tiveram reconhecimento positivo ao longo de suas carreiras. No alvinegro, Rosenberg demitiu-se. Claro, deve ter havido alguma questão política, mas a declaração foi a gota d’água. Resta saber o que acontecerá no alviverde.
Termino esta coluna do jeito como encerrei a anterior: o Brasil que se quer – justo, de paz, tolerante, eficiente e produtivo – passa obrigatoriamente também pelo futebol. Se queremos mudar pra melhor, é preciso romper com o passado de velhas práticas e costumes que vão na contramão dos valores mencionados no início deste parágrafo. A pressão exercida para o pedido de demissão do antigo Diretor de Marketing do Corinthians é ainda sensível sinal desta mudança.
Ainda há muito para ser feito.
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Hierarquia
Tive um chefe que identificava na lógica salarial uma das razões de o futebol ser um ambiente profissional tão propenso a desgastes. Afinal, como aplicar qualquer métrica ou procedimento comum em empresas de outros segmentos numa seara em que um funcionário posicionado nas regiões mais inferiores do organograma ganha milhões a mais do que qualquer superior? Como estabelecer relação de hierarquia entre técnicos ou dirigentes que são sempre o elo mais fraco em discussões com um jogador, mais remunerado, mais assediado pelo mercado e mais relevante para todas as instâncias envolvidas no esporte? O time depende de seus atletas para ter desempenho, as federações e confederações dependem dos atletas para venderem campeonatos, os parceiros de mídia dependem dos atletas para vender direitos de transmissão e até os torcedores dependem de atletas para construírem relação de idolatria e se sentirem impelidos a frequentar eventos esportivos e/ou consumir produtos relacionados ao tema.
O atleta não é o ponto mais alto da hierarquia em uma equipe, mas é sempre o protagonista. Além disso, num esporte coletivo é mais fácil mudar o comando (técnicos ou dirigentes, por exemplo) do que fazer alterações realmente significativas no dia a dia da operação. Se Neymar comprar uma briga com qualquer superior no Paris Saint-Germain ou Lionel Messi se indispuser com alguém no Barcelona, apenas algo irrefutável faria esses clubes se voltarem contra eles. E se isso acontecesse, o impacto no vestiário poderia destravar outras questões – como o restante do grupo reagiria, afinal, se tivesse de dividir as responsabilidades hoje concentradas nesses jogadores?
No último domingo (24), o espanhol Kepa Arrizabalaga, 24, protagonizou um episódio propício para discutir hierarquia no futebol. Contratado pelo Chelsea em abril de 2018 por 80 milhões de euros (mais de R$ 339 milhões na cotação atual), em negociação que fez dele o goleiro mais caro de todos os tempos, o titular da equipe londrina se recusou a ser substituído nos minutos finais da prorrogação contra o Manchester City, na decisão da Copa da Liga Inglesa. Permaneceu em campo a despeito da evidente revolta do técnico, o italiano Maurizio Sarri, 60, e defendeu a meta do Chelsea na disputa de penalidades – os citizens venceram por 4 a 3.
Pense agora em outro ramo profissional: o que aconteceria com você ou com qualquer conhecido se resolvesse ignorar em público uma determinação de um superior e o fizesse assim, sem qualquer argumentação ou demonstração de respeito?
“Kepa nunca mais deveria jogar pelo Chelsea. Esse deveria ter sido seu último compromisso com a camisa do clube. É uma desgraça”, disse Chris Sutton, ex-jogador do time inglês, ao site “Goal.com”. “Por um lado, o goleiro que mostrar sua personalidade e sua confiança. Mas quando ele faz isso, deixa seu técnico e as outras pessoas em situação frágil”, complementou José Mourinho, ex-treinador da equipe, à plataforma “DAZN”.
No Brasil, o caso similar mais chamativo nos últimos anos aconteceu no Campeonato Paulista de 2010, quando o meia Paulo Henrique Ganso se recusou a sair de campo. Era o segundo duelo daquela decisão, e o técnico Dorival Júnior pretendia tirar seu camisa 10 para fechar mais a equipe. Em vez de acatar a decisão, uma vez que era o principal responsável por reter a bola e reduzir o ritmo da partida, o jogador gesticulou para anunciar que seguiria no campo.
O caso de Ganso é tratado até hoje como demonstração de personalidade forte. O próprio Dorival Júnior, anos depois, admitiu que estava errado ao pensar naquela substituição e agradeceu. No entanto, retomo o questionamento anterior: o que teria acontecido em outro ambiente profissional?
Em relação à geração dos treinadores e dos dirigentes, os jogadores que estão em atividade atualmente têm uma dinâmica absolutamente diferente com hierarquia. São pessoas formadas em ambientes mais abertos e mais esclarecidos – alguns anos antes, por exemplo, era aceitável que um pai ou uma mãe batesse em seus rebentos como forma de repreensão; hoje, felizmente, essa solução física deu lugar a uma necessidade cada vez maior de diálogo.
Reside nessa diferença entre gerações uma das principais explicações para alguns treinadores simplesmente não funcionarem durante muito tempo. Alguns nomes tinham mais êxito na relação com atletas mais preparados para uma relação hierárquica e militarizada. Falar com quem tem autonomia e segurança para responder é sempre um processo mais complicado.
É por isso que tem tanta relevância a criação de processos internos de comunicação no esporte. Um dos motivos para Sarri ter ficado tão exposto no Chelsea é que o clube não tem um protocolo para lidar com esse tipo de insubordinação – e claramente não está disposto a comprar briga com um jogador que custou tanto e tem tanta importância esportiva.
Para qualquer instituição esportiva, é premente definir linhas de comunicação interna – por que os jogadores precisam respeitar publicamente as decisões de superiores, por exemplo – e estabelecer canais para contestações. A atitude de Kepa não estava necessariamente errada. O errado, no caso, foi a manifestação pública e desrespeitosa.
Enquanto preferirem tratar seus jogadores como estrelas que podem tudo e não se preocuparem com a disseminação interna de mensagens específicas, porém, os clubes seguirão sujeitos a esse tipo de debate.
O que aconteceria com Kepa se tivesse tomado essa atitude em outro contexto profissional? Numa organização eficiente, a resposta é “nada”. A atitude do goleiro simplesmente não teria acontecido.