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Por que a cena mais marcante de Flamengo x Palmeiras não fala apenas sobre violência

A cena mais marcante do Campeonato Brasileiro de 2016 não é de um gol, um drible ou de uma grande jogada. Aliás, sequer aconteceu dentro das quatro linhas. No último domingo (05), depois de torcedores terem entrado em conflito no estádio Mané Garrincha e de a Polícia Militar ter respondido com violência desproporcional e gás de pimenta, um homem com a camisa do time paulista chorou ao descer a arquibancada carregando no colo o filho cadeirante. Foi um trecho trágico de um episódio que apresentou alguns dos principais problemas do futebol nacional. E essa lista de problemas, ao contrário da maior parte do debate sobre o caso, não é apenas sobre violência.
Sobre violência: passou da hora de o futebol brasileiro discutir a composição de torcidas organizadas e o uso indevido que elas fazem de elementos como a imagem dos clubes ou o espaço público de entretenimento. São grupos heterogêneos, e pesquisas indicam que as ações violentas são causadas por uma minoria, mas não podemos seguir convivendo apenas com essa visão e admitindo que um pequeno grupo siga oprimindo todo um mercado consumidor de esporte.
Precisamos de ações mais incisivas, com inteligência e foco, para identificar e punir os culpados por ações criminosas dentro e fora de estádios de futebol. Precisamos parar de entender como natural uma relação promíscua como a que existe entre torcidas organizadas e a maior parte das equipes nacionais. Precisamos parar de admitir problemas tão graves como coisas naturais.
A entrevista extremamente lúcida do goleiro Fernando Prass ao canal fechado “Sportv” depois de o Palmeiras ter vencido o Flamengo por 2 a 1 passou um pouco sobre essas questões. O jogador da equipe paulista falou sobre como o comportamento criminoso de alguns que se dizem torcedores é reflexo de uma sociedade violenta e de como esses assuntos são tratados em âmbito nacional (e não apenas no esporte).
Prass, contudo, não falou sobre um aspecto extremamente relevante do problema. Mais uma vez, uma ação desastrosa da Polícia Militar transformou um problema grande em algo ainda maior. A reação dos oficiais ao que aconteceu no Mané Garrincha foi de guerra e não de segurança, e essa é a distinção básica em todos os episódios de violência em estádios pelo país.
Aliás, não apenas em episódios de violência. O tratamento destinado pela Polícia Militar ao torcedor de futebol é de combate e não de segurança. Desde a área externa, quando as pessoas são recebidas por oficiais da cavalaria, até a revista e a entrada, os procedimentos são virulentos, pouco educados e nada gentis.
As experiências com segurança privada não são infalíveis, bem entendido. Foi por causa de uma empresa que um grupo de chilenos conseguiu invadir o Maracanã durante a Copa do Mundo de 2014, que foi realizada no Brasil. No entanto, a questão aqui não é de margem de erro, e sim de procedimento. A violência da Polícia Militar não é condizente com um ambiente saudável e apenas amplia o estresse do consumidor. Isso não naturaliza a violência, mas é um elemento que não pode ser desconsiderado.
Outro elemento que não pode ser desconsiderado é exatamente esse: a experiência do torcedor. Quais são as lembranças que uma pessoa retira de uma ida ao estádio, desde o momento em que ela ficou sabendo do evento até a volta para casa?
A experiência começa com uma promoção adequada (em discurso, escolha de meios e planejamento de agenda), passa por um sistema de comercialização que seja eficiente (preço, ponto de venda e entrega dos bilhetes), inclui transporte até o estádio, alimentação, vivência no local e o jogo. Sim, o jogo.
Tenho um primo de oito anos que descobriu recentemente o estádio de futebol. O relato dele sobre a primeira partida vista in loco tem duas vertentes claras: um roteiro do que aconteceu em campo e um estranhamento sobre a quantidade de palavrões ditos na arquibancada.
Agora tente comparar isso com as grandes experiências de entretenimento. Tente comparar com um parque de diversões. Você pode até ficar espantado com as atrações (ou com o jogo), mas isso nunca vai encerrar seu relato. Sempre vai existir um detalhe sobre o ambiente, a estrutura ou o que acontece entre um brinquedo e outro.
O episódio de domingo é um exemplo da falência do futebol brasileiro porque mostra o quanto nós negligenciamos o debate sobre a experiência do torcedor. Ignoramos aspectos que vão desde a segurança a conforto, rota de saída em casos de conflito e coisas menos graves e igualmente relevantes, como as atrações além do que acontece em campo.
Na última segunda-feira (06), depois do episódio, a diretoria do Palmeiras avisou que vai convidar pai e filho para ver um jogo do clube no Allianz Parque, em São Paulo, para que ambos tenham uma experiência diferente com a equipe.
A pergunta é: retire da conta a violência. Retire da conta o que aconteceu de problema entre torcedores e polícia. Ainda assim, o modelo proposto por estádios brasileiros é o melhor tipo de entretenimento? Existe aí uma experiência que seja realmente incrível?
Enquanto não pensarmos nisso, vamos seguir achando que a violência é o quadro todo. Na verdade, esse assunto é apenas um trecho do contexto.ra

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Cruzeiro já foi rebaixado: mito ou realidade

Atlético e Cruzeiro possuem uma das maiores rivalidades do Brasil e como toda grande rivalidade, há uma série de provocações sadias entre as torcidas.
A torcida celeste não perdoa o fato do Atlético ter sido rebaixado em 2005 para a segunda divisão do campeonato brasileiro.
A torcida alvinegra reage sob o argumento de que o Cruzeiro teria sido rebaixado à segunda divisão do Mineiro em 1926.
Mito ou realidade?
Nos anos 20 ainda não havia a organização federativa de hoje onde a CBF administra o futebol brasileiro e recebe a filiação das Federações estaduais, sendo uma por Estado.
Ademais, naquela época o futebol era amador, eis que a profissionalização teve início nos anos 30.
No período dito amador existiram vários torneios considerados precursores do Campeonato Mineiro, como a Taça Bueno Brandão de 1914, organizada pela Liga Mineira de Desportos Terrestres (LMDT)
Os primeiros campeonatos mineiros (a partir de 1915) eram amadores e disputados apenas por times de Belo Horizonte, por essa razão eram torneio da cidade.
Oficialmente, o futebol mineiro de profissionalizou em 1933.
Em 1926 houve dois campeonatos, organizados por duas ligas distintas e independentes.
O Atlético venceu o campeonato da Liga Mineira de Desportos Terrestres, considerada oficial e precursora da atual FMF e o Palestra Itália (Cruzeiro) venceu o campeonato da Associação Mineira de Esportes Terrestres (AMET).
Há duas versões para a saída do Cruzeiro da LMDT.
Segundo uma teoria, este rompimento teria se dado por opção do Cruzeiro em virtude do descontentamento com a crescente profissionalização da Liga Mineira de Desportos Terrestres.
Segundo a outra versão, o Cruzeiro teria sido expulso da LMDT por tê-la desobedecido e disputado um amistoso na cidade de São Paulo contra o Caçapavense.
Imprescindível destacar que, em 1925, o Cruzeiro, então Palestra Itália, foi vice-campeão mineiro.
Assim, independente da versão, o Cruzeiro não foi rebaixado em 1925 e não disputou a segunda divisão do Campeonato Mineiro de 1926, o que houve foi, durante a época do amadorismo, uma dissidência e a criação de competição paralela.
Portanto, trata-se de mito.

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O campeonato do “Será?”

O Campeonato Brasileiro já teve duas rodadas, mas ainda é impossível fazer qualquer prognóstico sobre o desfecho. Mais do que isso: é inviável avaliar propostas, ideias ou perspectivas em uma competição marcada pelo “será?”. Passados cinco meses de 2016, os principais clubes do país ainda não têm qualquer noção do que vai acontecer com eles no restante da temporada.
Será que Muricy Ramalho volta ao Flamengo? O comandante foi afastado por um problema médico, é verdade. Mas se estiver apto a continuar no clube, será que haverá sustentação? Os resultados não ajudam (principalmente a vexatória eliminação na segunda fase da Copa do Brasil), e o futebol praticado pela equipe rubro-negra tampouco serve como esteio. Para completar, o clima é ruim (o elenco está longe de ser fechado, a interação com a cúpula é ruim e a própria diretoria tem rachas).
Se Muricy voltar e todos esses problemas forem solucionados, será que o Flamengo vai manter Paolo Guerrero. O centroavante peruano não está tão valorizado quanto outrora, mas ainda desfruta de popularidade no mercado e pode ficar ainda mais cobiçado se fizer boa Copa América. Ele é apenas um exemplo de atleta que combina situação instável no time atual e boa janela de exposição para buscar um trampolim de saída.
Há outros casos como Guerrero. Será que Gabigol, Lucas Lima e Ricardo Oliveira voltarão ao Santos? Se voltarem, será que encontrarão um time com pontuação suficiente para almejar boas colocações no Brasileiro? Será que os três entrarão em uma equipe voltada às primeiras posições ou terão de tirar o time alvinegro da parte inferior da tabela?
E o Corinthians? Será que Elias volta da Copa América? Será que Felipe vai embora (o zagueiro tem proposta do Porto)? Será que a diretoria encontrará reforços? Será que o time repetirá o elã encontrado em 2015 e arrancará após mudanças no elenco durante o certame?
Será que Paulo Bento emplacará no Cruzeiro? Será que ele terá tempo de incutir nos atletas da equipe mineira um pensamento de futebol tão distinto do que praticavam os antecessores? Será que a diretoria apostará nessa mudança?
E Marcelo Oliveira no Atlético-MG? Será que ele repetirá no time alvinegro o sucesso que teve no Cruzeiro? Será que poderá aproveitar a enorme lista de qualidades combinadas no elenco que a equipe montou no início de 2016? Será que terá nomes como Robinho e Lucas Pratto até o fim do ano?
Será que o Palmeiras de Cuca encontrará uma cara? Será que o treinador vitorioso poderá dar fim à instabilidade que tem marcado o elenco alviverde nas últimas temporadas? Será que a diretoria seguirá a sanha de mudanças e contratações?
Será que o Internacional de Argel manterá a aposta na molecada? Será que reforços contratados para este ano servirão como referências ou acabarão relegados como Alex? Será que Argel terminará a temporada?
Será que o mercado chinês levará mais gente? Será que aparecerão outros destinos possíveis na próxima janela de transferências? Será que Grafite seguirá liderando o Santa Cruz e funcionando como referência técnica?
Será que o campeonato terá uma média de gols tão baixa quanto a da primeira rodada? Será que as bolas morrerão tanto na rede quanto aconteceu na segunda rodada? Será que haverá uma evolução técnica?
O excesso de perguntas é esclarecedor em alguns aspectos. O Campeonato Brasileiro é imprevisível (também) porque sofre influência de uma enorme quantidade de fatores externos (calendário, interesse de times de fora, desvalorização da moeda, times quebrados, dirigentes sem convicção e afins). Mais do que irregular, o que nem sempre é sinônimo de um torneio emocionante.
O Campeonato Brasileiro é uma síntese de alguns dos problemas mais claros do futebol no país. Uma competição que não tem times consolidados, ídolos seguros ou propostas que sirvam como bases vive em constante crise de identidade. E comunicação sem identidade é sempre bem menos eficiente.
Esse Frankenstein chamado Campeonato Brasileiro é um torneio composto por várias pequenas fases. Vence o time que tiver mais estabilidade entre todo esse período, o que nem sempre representa a melhor equipe.
Depois da última temporada do Campeonato Inglês, muitas pessoas no Brasil questionaram sobre a possibilidade de um Leicester aparecer no país. Dada a bagunça, isso não é tão difícil. Pouco provável mesmo é surgir um time que tenha proposta definida, estilo acima dos resultados e compromisso com um estilo institucional, incluindo todas as áreas, bem comunicado a todos os integrantes do processo. Entre Leicester e Barcelona, não é difícil imaginar qual teria mais dificuldade para florescer na terra do futebol.

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As 322 finalizações do Audax no Paulistão 2016

Uma das permanentes discussões durante os jogos de futebol se refere à produtividade da posse de bola. Se, por um lado, devemos ter ciência que, estatisticamente, a maioria dos gols acontecem em processos ofensivos com até 5 passes (o que aparentemente torna insensato manter a posse de bola em excesso), por outro, também devemos saber que quanto menos passes certos e mais bolas longas em disputa menores serão as chances de vitória (o que também torna insensato desfazer-se da bola em ações que o jogo apoiado se oferece).
De acordo com o Footstats, site de estatísticas especializada em futebol, a equipe do Audax, marcada pelo predomínio quase que absoluto da posse de bola perante seus adversários, foi a que mais finalizou no Campeonato Paulista em 2016. No site estão registradas 120 finalizações certas e 185 finalizações erradas, totalizando 305 finalizações.
Utilizando uma planilha de Controle de Finalizações, já disponibilizada na Universidade do Futebol em uma outra oportunidade (clique aqui para ler a coluna), todas as finalizações do Audax também foram contabilizadas pela comissão técnica ao longo dos 19 jogos, considerando:
a- Atleta que finalizou
b- Local da finalização
c- Tempo de jogo
d- Característica da jogada que originou a finalização
e- Produto final da finalização
A partir do registro feito pela Comissão Técnica, o total de finalizações contabilizado foi de 322 (147 no 1ºT e 175 no 2ºT), com média de 16,95 por jogo e que na coluna desta semana serão discriminadas:
gráfico 2
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Gráfico 4 Gráfico 3
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
gráfico 1
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Número de finalizações por origem da jogada
Ataque Rápido/Ataque Posicional – 138 (42,86%)
Contra Ataque – 62 (19,25%)
Arremesso Lateral – 11 (3,42%)
Escanteio – 16 (4,97%)
Falta Frontal – 39 (12,11%)
Falta Lateral – 6 (1,86%)
Jogada Individual – 6 (1,86%)
Pênalti – 6 (1,86%)
Rebote/Interceptação – 38 (11,8%)
Gráfico 5
gráfico 6
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Número de gols por origem da jogada*
Ataque Rápido/Ataque Posicional – 12 (37,5%)
Contra Ataque – 7 (21,88%)
Arremesso Lateral – 0
Escanteio – 1 (3,13%)
Falta Frontal – 1 (3,13%)
Falta Lateral – 0
Jogada Individual – 0
Pênalti** – 6 (18,75%)
Rebote/Interceptação*** – 5 (15,63%)
*Os gols de pênalti e rebote/interceptação também devem ser analisados quanto à origem da jogada prévia ao gol. É mais um indicador para a estabelecer os padrões de finalização da equipe.
**origem dos gols de pênalti: 3x ataque rápido/posicional; contra ataque; jogada individual; falta lateral
*** origem dos gols de rebote/interceptação: 4x contra ataque; falta frontal
Foram 32 gols marcados pela equipe comandada por Fernando Diniz na competição, o que significa um aproveitamento de 9,94% dos chutes ou 1 gol a cada 10,06 chutes. A relação dos gols por origem das finalizações é a seguinte:
Gráfico 7

Cada equipe assume uma determinada forma de jogar. É função da Comissão Técnica identificar se a forma adotada tem aproximado a equipe das vitórias.

Com base nos dados apresentados e no conhecido Modelo de Jogo do Audax , como você avalia o padrão de finalizações e a eficiência apresentada?
Me escreva e vamos ao debate! Antes disso, assista a todos os gols do Audax na competição:

Abraços e até a próxima!
 

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Representatividade

Todo torcedor tem na cabeça um modelo do que espera ver de seu time em campo. É uma projeção baseada em uma série de preceitos individuais, como memória afetiva e ideal pessoal de jogo, mas essa utopia também leva em consideração o DNA da própria instituição. O futebol é só um exemplo de ambiente em que vários caminhos podem desencadear vitória ou derrota. Em casos assim, mais do que o resultado, é fundamental pensar no percurso.
A Europa tem exemplos extremamente burilados disso. O Barcelona não joga apenas para ser campeão, mas para impor um estilo. O Arsenal desenvolveu com o técnico francês Arsène Wenger um modelo característico, e isso se sobrepõe a resultados. O Real Madrid nunca vai ser tão horizontal quanto essas equipes e nunca vai abrir mão de atletas que tenham relevância midiática.
Não há projetos tão claros no Brasil, mas também pesam no país a história e o perfil dos times. A expectativa de um torcedor do Grêmio é radicalmente diferente do que espera alguém que gosta do Cruzeiro ou da utopia de um adepto do Santos. Tudo tem a ver com o que essas pessoas projetam. Tudo tem a ver com representatividade.
Nesse sentido, a Fifa deu um passo importantíssimo na última sexta-feira (13), quando anunciou a senegalesa Fatma Samba Diouf Samoura como nova secretária-geral da entidade. Uma mulher negra e africana agora ocupa o segundo cargo na hierarquia da principal entidade do futebol mundial. O mesmo posto que até outro dia era de Jérôme Valcke, francês branco, elitista e de comportamento misógino.
Samoura tem mais de duas décadas de experiência em programas da ONU (Organização das Nações Unidas) e está extremamente alinhada com os desafios que a Fifa terá nos próximos anos. É uma mulher com vivência em aspectos como inclusão social, igualdade de gênero e desenvolvimento de políticas voltadas à disseminação do esporte.
A escolha também é uma demonstração de boa vontade da Fifa com um novo tempo. A entidade ainda vive a sombra de uma avalanche de escândalos que derrubaram Joseph Blatter, antigo presidente, e o próprio Valcke. Dirigentes que eram poderosos até outro dia, como o brasileiro José Maria Marin, foram presos por crimes de gestão e agora tentam se explicar à Justiça.
Gianni Infantino, eleito neste ano para comandar a Fifa, não é um personagem alheio a tudo isso. O suíço também enfrenta acusações do período em que trabalhava na Uefa, entidade que comanda o futebol europeu, e já tomou medidas controversas na após ter sido alçado à presidência da instituição global. Mudanças de estatuto aprovadas também na última sexta-feira deram a ele poderes que nem Blatter tinha e acabaram com a independência nas investigações sobre a gestão da associação.
Todos esses aspectos criam grandes interrogações sobre Infantino, mas a nomeação de Samoura é uma decisão extremamente salutar. No mínimo é uma demonstração de que a Fifa está realmente preocupada com visões que extrapolem os pontos de vista da classe que sempre comandou a entidade.
Samoura podia ter outros concorrentes igualmente competentes, mas a escolha da senegalesa para o cargo abre para a Fifa uma nova perspectiva. Isso é fundamental numa entidade representativa, que abarca interesses tão distintos e antagônicos.
Porque assim como na composição do time ideal ou na escolha de um modelo ideal de jogo, não há apenas uma forma de gerir uma entidade. A Fifa pode escolher diferentes caminhos para o que considera ser o futebol do futuro, e todos eles podem render bons resultados. O que é relevante, no caso da escolha da secretária-geral, não é nem discutir se ela é a pessoa mais competente ou mais indicada para o cargo: nesse episódio, o que conta é a possibilidade de uma pessoa que representa minorias tão oprimidas na história do esporte possa participar de discussões sobre o futuro e influenciar o debate.
É (também) por isso que a discussão sobre representatividade é tão relevante sobre o governo federal. O ministério escolhido pelo vice-usurpador Michel Temer não tem nenhum negro e nenhuma mulher, fato que não acontecia desde a gestão do militar Ernesto Geizel (1974-1979).
Temer também acabou com as secretarias das Mulheres, da Igualdade Social e dos Direitos Humanos, que foram absorvidas pelo Ministério da Justiça e da Cidadania.
A redução dos custos do funcionalismo público é uma discussão extremamente pertinente, é verdade. A competência das pessoas escolhidas para comandar os destinos do país também deve ser condição primordial. Contudo, essas duas decisões mostram orientações preocupantes (para dizer o mínimo) sobre representatividade.
Sem querer estabelecer comparações, mas um governo, assim como um time ou uma federação, tem diferentes caminhos possíveis. É justo imaginar de diferentes formas a condução ideal de um país. No entanto, a visão que um grupo homogêneo de pessoas oferece está longe de ser suficientemente plural.
Um homem branco, heterossexual e criado com boas condições socioeconômicas está longe de entender o que é fazer parte de uma minoria oprimida. Também passa distante de qualquer conhecimento sobre o que é ter necessidades sociais que sejam coletivas e que tenham natureza balizada apenas por um comportamento social histórico.
A Fifa pode não mudar depois da nomeação de Samoura, mas ao menos terá em seu corpo diretivo uma perspectiva diferente. Isso nos abre possibilidades extremamente positivas de pensar em novos direcionamentos para a entidade. O governo federal do Brasil, infelizmente, preferiu uma guinada ao passado. E à pior parte do passado, (também) no sentido de representatividade.

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Quais são os vencedores dos Estaduais?

O último domingo (08) marcou o término da maior parte dos campeonatos estaduais de futebol do Brasil. Dada a bagunça do calendário do esporte nacional, contudo, nem sempre os grandes vencedores são os times que ergueram as taças – o que é, por si só, uma das grandes idiossincrasias do esporte nacional.
Questão de contexto, primeiramente: ser campeão é sempre relevante, mas ser campeão estadual em uma temporada cujo ápice está longe de ser a disputa regional nem sempre é a melhor escolha. Há casos de deslumbramento (como o Vasco de 2015, que venceu no Rio de Janeiro e depois foi rebaixado no Brasileiro) e vítimas do sucesso (como o Santos, dono da taça do Paulista em 2016, que teve três jogadores convocados para a disputa da Copa América com a seleção brasileira e terá de se virar sem Gabigol, Lucas Lima e Ricardo Oliveira em pelo menos nove rodadas do Nacional).
Em São Paulo, por exemplo, o Audax não foi campeão do Estadual, mas saiu vencedor em diversos aspectos: valorizou atletas que não tinham sequer garantia de emprego para o segundo semestre, inseriu o nome do técnico Fernando Diniz em outro patamar de mercado e ofereceu uma perspectiva diferente de jogo, por exemplo. Na decisão do Paulista, o time de Osasco teve 70% de posse de bola contra um Santos que se contentou com a espera por um contragolpe.
É inegável o quanto o Audax ganhou com a campanha no Paulista. Nesse contexto, o título seria apenas a coroação de uma valorização que já havia sido construída por um estilo e por escolhas técnicas/táticas/anímicas da equipe comandada por Fernando Diniz.
Todos os caminhos para a vitória são lícitos e defensáveis, mas o resultado do Campeonato Paulista suscita uma dúvida: se o futebol é feito para agradar torcedores/consumidores, o triunfo é o único caminho para isso? A jornada não faz parte desse entretenimento? O Audax mostrou que é possível ter postura e gerar reações como orgulho e confiança sem precisar se curvar ao cenário.
O Santos ratificou um domínio recente no Estado, manteve uma soberania digna de nota em seu estádio e ainda confirmou diversos pontos em sua essência: a valorização de jogadores egressos da base e a aposta nos contra-ataques, por exemplo (um terço dos gols alvinegros nasce em contragolpes).
No entanto, a consequência imediata desse sucesso será o esfacelamento do time no Campeonato Brasileiro. Gabigol, que também é nome provável nos Jogos Olímpicos, pode perder até 18 rodadas. Lucas Lima e Ricardo Oliveira, assediados por equipes do exterior, têm enorme chance de não voltar da Copa América.
O asterisco também acompanha a vitória do Vasco no Estadual do Rio de Janeiro. Escolado pelo que aconteceu no ano passado, o time de São Januário sabe que não pode se empolgar com o título. A taça vale muito, é claro, mas o importante agora é pensar na temporada como um todo (volta à elite do Campeonato Brasileiro e disputa da Copa do Brasil fazem parte desse todo).
Por tudo isso, é preciso considerar o tamanho da vitória do Botafogo, time que voltou recentemente à primeira divisão nacional. A diretoria apostou num orçamento modesto, lançou uma série de garotos e conseguiu provar no Estadual que o trabalho de Ricardo Gomes tem ao menos um norte bem definido. É preciso reforçar, claro, mas até isso fica mais fácil com um orçamento mais concentrado.
E times como Cruzeiro, Flamengo e Palmeiras, eliminados precocemente de seus torneios regionais? Todos têm como “vitória” do início de temporada o alerta precoce. É claro que não dá para comemorar o início de ano claudicante, mas novamente é uma questão de contexto: são equipes que tiveram tempo para repensar caminhos e escolhas antes do início do Campeonato Brasileiro.
Os Estaduais brasileiros são a pré-temporada mais longa do futebol mundial, e isso faz com que as principais equipes do país passeiem por diversos padrões de emoção durante o ano. Nem todas que tiveram bom início vão encerrar a temporada com um sorriso no rosto.
Uma coisa que esse formato de calendário iniciou, todavia, é que nem todo vencedor é o que levanta a taça no início do ano. Com tanto espaço e tanta margem para irregularidade, o futebol brasileiro ensina que toda cautela é pouco. Vencer sem depender de resultados muitas vezes é apenas questão de demonstrar convicção no tipo de futebol ou nas decisões tomadas. A distância entre campeão e vice muitas vezes é menor do que o pódio sugere.

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A importância do contexto

Nas quartas de final, vitória acachapante por 4 a 1 sobre o São Paulo; nas semifinais, também em jogo único, classificação em Itaquera diante do Corinthians, que era o detentor da melhor campanha, com vitória nas cobranças de pênaltis após empate por 2 a 2 no tempo normal; na decisão, duelo de igual para igual com o Santos e controle absoluto da posse de bola. Poucas partidas bastaram para transformar o Audax na principal notícia do Campeonato Paulista de 2016. Ainda que não fique com o título, a equipe de Osasco chama atenção por uma proposta que une domínio das ações da partida e movimentação constante dos atletas. Isso criou uma série de discussões sobre o futuro do treinador Fernando Diniz, 42, e dos jogadores que formam o agora badalado elenco. Eles funcionariam em outros clubes? Teriam sucesso com uma pressão maior ou outro sistema? A grande notícia do Paulistão pode ser o Audax, mas o grande ensinamento proporcionado sobre o torneio é a importância do contexto no futebol.
Sobre Fernando Diniz: é claro que o treinador tem muita capacidade de retirar dos jogadores as características que imagina para um time. Também é claro que evoluiu nas relações pessoais e que tem sofrido menos com problemas extracampo – no passado, a forma de cobrar ou de se relacionar com erros minou o trabalho do técnico. No entanto, ele teve no Audax uma combinação difícil de imaginar em outras equipes: liberdade, autonomia e tempo. O clube que hoje é visto como modelo passou grande parte do Estadual sendo sinônimo de risco desnecessário ou de controle estéril. Era a equipe de posse de bola ineficaz, que trocava passes no campo de defesa e muitas vezes oferecia chances demais aos rivais.
Fernando Diniz poderia fazer sucesso em outros clubes e poderia fazer sucesso sem necessariamente replicar a filosofia que construiu em anos de Audax. Contudo, é fundamental que os interessados no treinador tenham esse entendimento: se quiserem dele o que o time de Audax apresenta, é fundamental oferecer todo o contexto.
O mesmo vale para os jogadores do Audax. Danilo Tchê Tchê tem negociação encaminhada com o Palmeiras, e o Corinthians foi atrás de Camacho e Bruno Paulo. A maior parte do elenco ficará sem contrato após o término do Campeonato Paulista, e muitos devem ser incorporados por elencos que disputarão a Série A do Brasileiro. Mas qual é o nível de expectativa que essas equipes depositarão sobre os atletas?
Usar bem os jogadores demanda entender o que eles fazem bem e como eles eram úteis em um contexto diferente. Parece lógico, mas agora pegue o histórico de contratações recentes do seu clube: quais foram pensadas com esse nível de estratégia? Quais foram escolhidas por razões específicas e não apenas por bom/mau desempenho?
As análises simplistas que fazemos sobre jogadores, técnicos e times muitas vezes contaminam esse tipo de decisão. Escolhemos as coisas com base em conceitos como “bom” ou “ruim” e não por fazerem sentido em um contexto.
O que o Audax tem mostrado é que o contexto é tudo. O que não é nem novidade – outros tantos times brasileiros são bons exemplos dessa lógica. A mudança, nesse caso, é que as pessoas têm percebido mais.
O futebol brasileiro, aliás, tem uma série de exemplos de evolução nesse quesito. A temporada 2016 é marcada pelo sucesso do Audax, mas também já deixa evidentes as propostas de jogo de times como Santos, Botafogo, Vasco e América-MG. São equipes que sabem o que querem e como podem extrair o máximo potencial de seus atletas.
Como em qualquer jogo, o futebol não oferece apenas um caminho para o sucesso. Ninguém precisa ser o Barcelona e ninguém precisa repetir as decisões tomadas por Pep Guardiola ou José Mourinho. É possível vencer de diferentes formas, mas é muito mais difícil ter êxito se o trabalho começar ignorando as características individuais e como isso pode compor o contexto.
Parte da construção desse contexto é a comunicação adequada em todos os níveis. Um dos grandes méritos do Audax é saber quem é, saber que tipo de jogo deseja e colocar todas as pessoas envolvidas no projeto em uma mesma página. Dentro e fora do clube há um altíssimo grau de entendimento sobre a situação financeira (a folha salarial total gira em torno de R$ 420 mil), o potencial e os caminhos escolhidos.
O Audax também é o que é porque soube “vender” corretamente, para dentro e para fora, o projeto para este ano. Comunicação também tem a ver com saber avaliar e disseminar a essência.

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Lei do ato olímpico: a lei dos Jogos de 2016

Antes da Copa do Mundo, muito se discutiu sobre a “Lei Geral da Copa”, entretanto, sem muito alarde, em 01 de outubro de 2009, foi promulgada a Lei 12.035, que instituiu o Ato Olímpico, que equivale à “Lei da Copa” no que tange aos Jogos Olímpicos.
Conhecida como “Lei do Ato Olímpico”, a Lei 12.035/2009 tem a finalidade de assegurar garantias à realização, na cidade do Rio de Janeiro, dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016.
Tal como a “Lei Geral da Copa”, a “Lei do Ato Olímpico” legitima uma série de exigências do Comitê Olímpico Internacional.
Segundo a “Lei do Ato Olímpico”, ficam dispensadas a concessão e a aposição de visto aos estrangeiros vinculados à realização dos Jogos Rio 2016, considerando-se o passaporte válido, em conjunto com o cartão de identidade e credenciamento olímpicos, documentação suficiente para ingresso no território nacional, sendo, entretanto, vedado o exercício de qualquer outra função, remunerada ou não, além daquela ali estabelecida.
A permanência no país será restrita ao período compreendido entre 5 de julho e 28 de outubro de 2016, podendo ser prorrogada por até 10 (dez) dias.
O Poder Executivo poderá revisar contratos, permissões e concessões, que tenham por objeto a utilização de bens, de imóveis ou de equipamentos pertencentes à União e a suas autarquias, desde que sejam indispensáveis à realização dos Jogos Rio 2016, assegurada a justa indenização.
Por exemplo, o estádio Engenhão foi concedido ao Botafogo, mas, durante os Jogos Olímpicos, a referida concessão, por interesse dos Jogos, será suspensa e o clube terá que mandar seus jogos em outro local.
No que concerne às marcas e patentes, estas serão protegidas pelas autoridades federais que, no âmbito de suas atribuições legais, atuarão no controle, fiscalização e repressão de atos ilícitos que infrinjam os direitos sobre os símbolos relacionados aos Jogos Rio 2016.
Segundo a Lei, ficam suspensos, pelo período compreendido entre 5 de julho e 26 de setembro de 2016, os contratos celebrados para utilização de espaços publicitários em aeroportos ou em áreas federais de interesse dos Jogos Rio 2016, na forma do regulamento.
Esta prerrogativa de adquirir os referidos espaços publicitários poderá ser transferida pelo Comitê Organizador dos Jogos Rio 2016 a quaisquer empresas ou entidades constantes do rol de patrocinadores e colaboradores oficiais do COI e do Comitê Organizador dos Jogos Rio 2016.
O Governo promoverá a disponibilização para a realização dos Jogos Rio 2016, sem qualquer custo: segurança; saúde; serviços médicos; vigilância sanitária; alfândega e imigração.
Fica assegurada às pessoas envolvidas no evento (comitês olímpicos, atletas, autoridades) a disponibilização de todo o espectro de frequência de radiodifusão e de sinais necessário à organização e à realização dos Jogos Rio 2016, garantindo sua alocação, gerenciamento e controle durante o período compreendido entre 5 de julho e 25 de setembro de 2016.
Inclusive, durante este período e para a finalidade de organização e realização dos Jogos Rio 2016, o uso de radiofrequências pelas entidades e pessoas físicas relacionadas às Olimpíadas será isento do pagamento de preços públicos e taxas.
Por fim, caso seja necessário, a “Lei do Ato Olímpico” autoriza a destinação de recursos públicos para cobrir eventuais déficits operacionais do Comitê Organizador dos Jogos Rio 2016, a partir da data de sua criação, desde que atenda às condições estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias e esteja prevista no orçamento ou em seus créditos adicionais.
Portanto, a aceitação de exigências não se restringiu àquelas da Fifa para a organização da Copa do Mundo, mas, apesar de não ter havido grande divulgação, o COI também realizou uma série de exigências que culminaram na Lei do Ato Olímpico.

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Você seria treinador do Cruzeiro? E jogador do Palmeiras?

Após ter empatado por 0 a 0 com o América-MG no último domingo (24) e ter sido eliminado do Campeonato Mineiro, o Cruzeiro anunciou a demissão do técnico Deivid. O Palmeiras caiu no Paulista no mesmo dia, superado nos pênaltis pelo Santos (empate por 2 a 2 no tempo normal). Não interrompeu o trabalho do treinador Cuca, que chegou ao clube com a temporada 2016 em andamento, mas já avisou que vai reforçar o elenco para o Campeonato Brasileiro – a equipe alviverde já havia caído na fase de grupos da Copa Libertadores. Há muito mais coincidências nessas histórias do que o fracasso em torneios estaduais. A principal é que ambas revelam uma enorme falta de convicção. E a comunicação, nesse caso, só reforça isso.
Deivid saiu do Cruzeiro com dez vitórias, cinco empates e duas derrotas em 17 partidas. O treinador tinha 68,6% de aproveitamento de pontos e ainda terminou a primeira fase do Campeonato Mineiro com a melhor campanha. No entanto, vinha sendo criticado por parte da torcida e tinha pouco estofo – o trabalho deste ano é o primeiro dele como treinador.
O Palmeiras foi o time que mais contratou jogadores no Brasil durante as duas últimas temporadas. Em 2016, investiu em nomes como Erik, egresso do Goiás, para o setor ofensivo. Ainda assim, encarou o Santos com Roger Guedes, 19, como titular no ataque – o jogador também chegou ao clube neste ano e entrou na vaga de Dudu, que estava lesionado.
Você treinaria o Cruzeiro hoje? Mesmo sabendo que não existe qualquer convicção sobre o trabalho e que pressões externas podem exercer enorme influência em qualquer análise sobre o contexto?
Você seria jogador do Palmeiras hoje? Mesmo sabendo que o time contrata em profusão, muitas vezes sem critério, e que seu espaço pode ser limitado pelo excesso de opções em algumas posições?
Sim, é possível que os dois casos sejam apenas revisão de curso. É possível que o Cruzeiro tenha avaliado que o estilo proposto por Deivid não era o ideal e que encontre um treinador para realizar um trabalho longevo no clube. É possível que o Palmeiras busque peças para poder parar de contratar. Mas não foi nada disso que a comunicação dos clubes mostrou.
Depois das eliminações do último domingo, Cruzeiro e Palmeiras se comportaram como se seus trabalhos fossem descartáveis. É isso que assusta.
O Cruzeiro poderia ter demitido Deivid, é claro. O Palmeiras pode julgar que necessita de mais reforços. Não são as decisões que estão em análise aqui, mas as conduções dos clubes nos dois casos.
O que mais falta no futebol brasileiro hoje é identidade. Da seleção aos clubes, existe uma carência gigante de ideias claras e que sejam disseminadas em toda a cadeia. É por isso que o Audax, finalista do Campeonato Paulista, é uma das grandes notícias do futebol brasileiro em 2015.
O Audax não é o Leicester, time que está perto de conquistar um surpreendente título inglês. Não é uma equipe de repertório curto, de comportamento acanhado ou de soluções mais simples. O técnico Fernando Diniz moldou uma filosofia de proposição de jogo, de controle da bola e de alternância de ritmo. Tudo é bem engendrado em um elenco que não tem ídolos ou referências técnicas, mas que sabe exatamente o que se espera.
Conta a favor do Audax o fato de não ter torcida gigante, é claro. É um time que tem tempo para trabalhar e espaço para tomar sustos. O que mais chama atenção, entretanto, não é o resultado: é o fato de eles terem uma identidade marcada.
Entre os grandes do futebol brasileiro, talvez só o Corinthians tenha algo similar. A formação, as movimentações e o comportamento precedem qualquer apresentação sobre o time montado por Tite.
Fernando Diniz e Tite podem não ser gênios da raça. Não é uma análise com superlativos. Mas eles são, de muito longe, os dois profissionais que mais sabem transmitir ao público a identidade que eles pretendem implantar. Comunicação é isso, afinal.

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O caso Fred e o tamanho dos nossos ídolos

O Fluminense venceu o Volta Redonda por 2 a 0 no último domingo (10), em jogo válido pela fase de classificação do Estadual do Rio de Janeiro. Principal referência ofensiva e capitão da equipe tricolor, o centroavante Fred, 32, não estava em campo. Um dia antes, em reunião com seus representantes e a diretoria do clube, o camisa 9 reclamou do tratamento que tem recebido do técnico Levir Culpi e disse que não atuará mais sob o comando dele. E esse racha tem muito a ver com o atual momento do futebol brasileiro.
Fred tem contrato com o Fluminense até 2018 e recebe R$ 800 mil mensais. Após ter rejeitado proposta do futebol chinês no início do ano, cobrou da diretoria um aumento de 25% nos vencimentos. Além disso, reclamou de questões táticas de Levir e por ter sido substituído em quatro dos cinco jogos que fez com o técnico.
Questionado pela “TV Globo” sobre o episódio antes do jogo contra o Volta Redonda, Levir tentou aplacar a crise. O treinador enalteceu Fred, disse que ainda não havia conversado com o atacante e ponderou que o diálogo é o melhor caminho para um desfecho menos traumático em situações assim. O fato de o chamado para um debate ter sido feito na câmera da principal emissora de televisão do país, contudo, só mostra o quanto a lógica dessa situação toda foi atropelada.
Contratado pelo Fluminense em 2009, Fred foi protagonista dos momentos mais marcantes da equipe tricolor na década. É um centroavante letal, com poder de definição raro no futebol brasileiro, e hoje também representa uma das principais referências entre os elencos nacionais. Talvez só Victor (Atlético-MG), Fabio (Cruzeiro) e Jefferson (Botafogo) tenham com seus clubes um grau de identificação tão grande.
O bom desempenho técnico e a identificação com o clube colocaram Fred em um ambiente confortável demais. O centroavante foi valorizado financeiramente e ganhou poder. Sobretudo porque os últimos técnicos contratados pelo Fluminense foram nomes menos badalados do que ele, que representou a seleção brasileira em duas edições da Copa do Mundo (2006 e 2010). O racha que ocorreu com Levir Culpi poderia ter sido antes se ele tivesse comandantes com mais estofo do que Ricardo Drubscky, Enderson Moreira ou Eduardo Baptista.
O que acontece agora, portanto, é um reflexo de como o Fluminense lidou com a idolatria que Fred construiu. O jogador teve privilégios e participação na vida política do clube a ponto de se sentir maior do que a hierarquia.
Também é um reflexo de como os jogadores são tratados atualmente. Fred tem um exército de aduladores em volta, como qualquer grande atleta do mundo nos dias de hoje, e também é mimado pelas pessoas que o cercam.
Certa vez conversei com o responsável pela gestão financeira de um dos principais jogadores brasileiros do planeta. Ele disse que o atleta tinha um cartão de crédito sem limite e que usava apenas para abastecer o tanque do carro. O tal ídolo não sabia sequer quanto recebia por mês.
Não sei se Fred tem esse nível de desprendimento da realidade. Não sei se ele tem noção de quanto ganha ou de como controla o dinheiro. No caso dele, porém, esse ambiente de pouca responsabilidade se traduziu em sensação de domínio do ambiente.
Fred é apenas um exemplo do quanto alguns dos nossos ídolos têm problemas com responsabilidade. É uma das principais marcas da geração dele no futebol brasileiro – Adriano e Ronaldinho Gaúcho são outros exemplos. E isso não é uma comparação entre os casos, bem entendido, mas uma constatação de que nenhum deles tem um posicionamento adequado ao macro.
Qual grande jogador brasileiro tem noção de contexto e se posiciona sobre temas que lhe são caros? Qual atleta nacional é referência de comportamento crítico ou consegue lidar com assuntos além dos próprios contratos?
O caso de Fred é apenas mais um exemplo de como formamos atletas que são cada vez menos preparados para entender o contexto. Quando rachou com o treinador e criticou Levir apenas por questões pessoais, o centroavante mostrou uma postura que foi imediatamente rechaçada pela maioria da torcida. Não por acaso, o público que estava na arquibancada da partida contra o Volta Redonda gritou o nome do treinador e xingou o atacante.
Mais do que discutir quem está certo, o que aconteceu no Fluminense é uma oportunidade para pensarmos em como estamos formando nossos ídolos e quais são as mensagens que os jogadores do futebol brasileiro podem transmitir. Afinal, que tipo de entendimento esses atletas têm sobre comunicação e relação com o público que os acompanha?
A pergunta é sobre Fred, mas poderia ser sobre qualquer um. A deterioração da relação entre torcedores e jogadores do Brasil (também) tem relação direta com a falência do modelo de ídolo.