Categorias
Conteúdo Udof>Colunas|Sem categoria

De “humanas” para “exatas”

Volto a escrever, semanalmente, após um “longo inverno”. Tempo, esse, que também envolveu a tensão pré-Copa do Mundo e todo o mês de duração do evento.

Alcançou, também, é verdade, algumas semanas de ressaca, uma vez que o bombardeio de emoções, provocado pela intensidade e qualidade dos jogos na competição, associadas à energia positiva das torcidas nos lotados estádios padrão FIFA, fez muita sombra ao combalido futebol brasileiro.

Que já estava nas cordas, lutando pra tentar ganhar por pontos, até que veio o nocaute perpetrado pela Alemanha e os 7 a 1 na semifinal fizeram o “país do futebol” beijar a lona.

Esse golpe contundente provocou, em todo o país, enorme reflexão.

Quais as razões que levaram, como gosta de afirmar a CBF, o “país pentacampeão mundial”, a essa derrocada histórica?

Neste fim de semana, li, em um artigo da cineasta Flávia Moraes, a frase que resume, a meu ver, toda a perplexidade da qual fomos acometidos:

“O futebol, senhores, migrou das ‘humanas’ para as ‘exatas’.”

A frase ficou ressonando em minha cabeça. Ainda mais porque, no texto, a cineasta relata que percebeu que, lá onde estava, nos EUA, o futebol, agora, chegou mesmo – e vai ficar pra jantar, tomar um bom vinho e comer a sobremesa.

Algumas ruas calmas durante os jogos da seleção nacional, bares lotados, gente concentrada no jogo, comemoração efusiva. E audiência na TV batendo recordes e superando outros esportes tradicionais do país. Pra não mencionar o presidente Obama deixando de lado umas “guerrinhas” para assistir aos jogos desde a Casa Branca.

Bem verdade que alguns dos indicadores do futebol nos EUA tem chamado a atenção há alguns anos como tendência de crescimento: numero de praticantes na base; média de público da MLS; audiência de TV; contratação de ícones globais; resultados em competições internacionais; investimentos em formação e capacitação de profissionais nas áreas técnicas e de gestão.

A grande diferença, entretanto, está nos fundamentos da governança corporativa da MLS e da US Soccer Association (a CBF deles), que fez com que o esporte se consolidasse no país, a partir de 1994 e que, sem dúvida, garantirá o êxito da expansão nos próximos anos.

Muito planejamento e capacidade de execução.

Que, aliás, também são ingredientes da receita do sucesso do futebol na Alemanha. País, este, que leva vantagem, em comparação aos EUA, por já ter larga tradição cultural de envolvimento com o esporte. Isso favorece a reação química.

Ou seja, não é por acaso que os dois países constroem cenários semelhantes para que o futebol alcance patamares de excelência.

Pensando bem, não havia melhor adversário para nos derrotar, na Copa do Mundo e em casa, do que a Alemanha.

Imaginem se fosse a Argentina ou outro país latino? Tudo seria alçado ao imponderável, ao sobrenatural, ao religioso e ao dramático. Tal qual uma mistura de tango ou milonga com o samba, diriam que foi um golpe do destino…

Uma obra do acaso. Não a falta de planejamento ou de gestão executiva.

Como sentencia, brilhantemente, Flávia Moraes:

“Resumindo, com os mercados do Primeiro Mundo ditando as regras e tendências, lamento arriscar que o Brasil terá alguma dificuldade para ganhar o Hexa. Pernas alegres, fenômenos marrentos e dungas viscerais já não funcionam como costumavam funcionar. O planejamento venceu o improviso, o trabalho de grupo goleou o ídolo e a vitória do preparo emocional sobre a passionalidade foi avassaladora. Aliás, tudo indica que a emoção à flor da pele que tanto nos representa e da qual tanto nos orgulhamos, só atrapalha na hora da decisão.”

Corremos um sério risco de, já na próxima Copa do Mundo, encontrar os EUA numa esquina e ser nocauteado. 

Categorias
Conteúdo Udof>Colunas|Sem categoria

O Tio Sam se rende ao “soccer” e à Copa do Mundo

A Copa do Mundo entra na sua reta final e apenas oito seleções restaram na busca pela glória mundial: Alemanha, França, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Holanda, Argentina e Bélgica. Dentro e fora de campo a Copa do Mundo tem sido um estrondoso sucesso.

Este sucesso mostra-se ainda maior considerando a imensa repercussão da Copa do Mundo nos Estados Unidos, país conhecido por amar esportes bastante específicos como o Futebol Americano, Beisebol e Hóquei, além do Basquete.

Interessante observar que as ligas profissionais americanas são as mais valiosas do mundo e que o “Super Bowl”, a final do campeonato de Futebol Americano, é o evento esportivo mais assistido do planeta. Ou seja, os EUA são um mercado precioso para a FIFA e para o futebol.

Os indícios de que o futebol, enfim, tinha aterrizado na “Terra do Tio Sam” começaram com os 198.208 ingressos adquiridos pelos residentes nos EUA. Número só superado pelos brasileiros.

Na Copa, as expectativas se confirmaram e a partida entre Estados Unidos e Gana, válida pela fase de grupos, teve audiência de 15,9 milhões de pessoas, superior às finais da NBA, a mais famosa e valiosa liga de basquete do Mundo.

Aliás, os norte-americanos se reuniram para assistir às partidas do Mundial e chegaram até a fazer um abaixo-assinado para que se decretasse feriado nos dias de jogos de sua Seleção Nacional.

O crescimento do futebol nos EUA não é fruto do acaso, mas, consequência de planejamento, trabalho e profissionalismo iniciados na Copa do Mundo de 1994, realizada naquele país.

Naquela oportunidade, muitos norte-americanos sequer sabiam da realização da Copa do Mundo em seu território e hoje, vinte anos depois, cerca de 20 milhões de pessoas praticam o futebol nos EUA.

A MLS, liga profissional de futebol, possui média de público de 18 mil torcedores, superior à média do Campeonato Brasileiro (14.995).

O Seattle Souders, que disputa a MLS, possui a média de 43 mil torcedores por jogo, número não alcançado por equipes brasileiras.

Ademais, o faturamento dos clubes da MLS teve um aumento de 300% nos últimos 5 anos.

A tudo isso soma-se a excelente participação da Seleção norte-americana na Copa do Mundo que chegou às oitavas de final e disputou a vaga nas quartas em pé de igualdade com a festejadíssima geração de ouro da Bélgica.

Enfim, a Copa do Mundo de 2014 colocou os EUA definitivamente no mapa do futebol mundial. Em razão deste trabalho, em poucos anos a MLS será uma das Ligas mais valiosas do mundo e a Seleção Nacional passará a entrar nas competições com chances reais de título.

A FIFA agradece e prepara-se para virar seus olhos para outro promissor mercado, o chinês. 

Categorias
Conteúdo Udof>Colunas|Sem categoria

O que o Campeonato Brasileiro precisa aprender com Luciano do Valle

O Campeonato Brasileiro de 2014 começou sem o grito de gol de Luciano do Valle, um dos maiores comunicadores da história do esporte nacional. Entretanto, o Campeonato Brasileiro de 2014 não começou em silêncio. No lugar do luto, um dos piores tipos de barulho: a gritaria advinda dos tribunais, que ameaça a principal competição do país.

É significativo que a morte de Luciano do Valle tenha acontecido no primeiro fim de semana do Campeonato Brasileiro de 2014. Vítima de infarto, o narrador esportivo de 66 anos foi acometido por um mal súbito no sábado, quando viajava a Uberlândia para narrar Atlético-MG x Corinthians.

A primeira rodada do Campeonato Brasileiro teve apenas 16 gols em dez partidas. É a pior média de um fim de semana inaugural desde 1994, quando o torneio registrou 1,37 gol por jogo na rodada de abertura.

A ausência de gols é uma espécie de homenagem a Luciano do Valle. Sem ele, os gols não teriam mesmo o sentido adequado. Ainda que tenha sofrido muitos problemas nos últimos anos, o narrador principal da TV Bandeirantes mudou a história do esporte na televisão brasileira.

Luciano do Valle mudou porque soube transmitir emoção em qualquer situação. Em qualquer jogo. Em qualquer competição. Uma das maiores contribuições dele foi abrir espaço para modalidades como basquete, futebol americano, vôlei e até sinuca na TV aberta.

Além de narrador, Luciano do Valle foi um empreendedor. Ele desenvolveu produtos como a seleção brasileira de másters e o futebol dente de leite, e ainda criou espetáculos como um jogo de vôlei no Maracanã.

“A rivalidade que existia entre mim e a Paula foi totalmente criada por ele. O Luciano soube aproveitar que as duas estavam no Brasil e usou isso para promover o basquete. Ele colocou nossos nomes na cabeça do público”, disse a ex-jogadora de basquete Hortência, um dos maiores nomes da modalidade no país, no velório do narrador.

“Ele era um realizador. Eu estive com o Luciano em tantas empreitadas que vocês nem fazem ideia. O Luciano sonhava durante a noite e realizava durante o dia”, completou o narrador esportivo Octávio Muniz.

Todos os jogos da primeira rodada do Campeonato Brasileiro tiveram um minuto de silêncio em homenagem a Luciano do Valle. Mas será que esse tempo foi suficiente para pensar no que ele ensinou para o esporte nacional?

Com um espaço na TV aberta, Luciano do Valle soube promover produtos que não eram exatamente populares. Soube transformar figuras como o pugilista Adilson Maguila em personagens populares.

A marca Maguila, aliás, foi registrada por Luciano do Valle e doada ao pugilista. “Ele foi bom para mim, e eu fui bom para ele”, resumiu o ex-atleta no domingo, durante o enterro do narrador.

O maior diferencial de Luciano do Valle como narrador sempre foi a emoção. Ele não foi um profissional de bordões ou de precisão técnica – na fase final da carreira, principalmente.

O maior ensinamento de Luciano do Valle, porém, não foi esse. Ele mostrou ao esporte nacional que produtos podem ser potencializados se tiverem a promoção adequada. Que há espaço para diferentes modalidades, campeonatos e ídolos se um trabalho adequado for realizado em torno disso.

Essa era a homenagem que o futebol brasileiro podia ter prestado a Luciano do Valle. A primeira rodada do Campeonato Brasileiro podia ter servido como marco para um modelo de promoção e de divulgação dos jogos.

Além disso, o Campeonato Brasileiro podia ser um pouco mais visto como um produto. Algo que perde valor quando é questionado ou ameaçado de diferentes lados. Algo que não dá espaço a contendas judiciais como as que se arrastam desde o ano passado.

No fim, é isso: não importa se a razão é a da Portuguesa ou da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Não interessa se a infração do Figueirense prescreveu ou se o Icasa tem direito de jogar a Série A. Não faz diferença em qual divisão deve estar o Betim. Em todas essas batalhas, quem perde é o futebol.

Enquanto o produto não for promovido de forma adequada e esse tipo de notícia ainda tomar espaço, o futebol brasileiro não vai ser grande. Não foi grande nem na voz de Luciano do Valle.

O futebol brasileiro tem uma história de momentos grandes, mas de realidade pequena. É uma oscilação que quase repete o roteiro de um jogo. E desde o último sábado, o país ainda tem um motivo a menos para esperar 90 minutos por poucos gritos de gol. 

Categorias
Conteúdo Udof>Colunas|Sem categoria

Uma “nova” visão para o jogo

O jogo em relação ao jogador ou o jogador em relação ao jogo? Este é um dilema que o futebol brasileiro não consegue resolver. Aliás, acho até que não sabemos se existe. A forma de ver o jogo de futebol é tão dependente do sistema tático e do jogador que não conseguimos perceber a existência de algo além disso. Estamos particularizando tanto as questões táticas de campo que mal conseguimos ver a aura de um jogo. No Brasil, é comum ouvir:

• O time não joga pela direita porque o lateral do lado não ataca;
• Hoje, a defesa não está bem devido às falhas dos zagueiros;
• O time não chuta a gol porque os atacantes são fracos;
• Vamos começar arrumar o time pela “cozinha”;
• Dentre outras.

Todas as análises acima estariam corretas se contextualizássemos o que significam a uma ideia tática de jogo, algo maior que as respostas individuais ou setorizadas no campo. Desde que abandonamos o “toque de bola” em favor do jogo ansioso e ou de correria, não sabemos mais o que é jogo. Um dia, um dirigente de um clube onde trabalhei me indagou: – Você fala muito em jogo da sua equipe, não é?! Como se isso fosse uma coisa estranha ao ambiente do futebol brasileiro. Nos acostumamos a seccionar o entendimento do jogo como forma de justificar todos os fenômenos táticos do campo.

Para inaugurar o meu momento de crônicas táticas no Universidade do Futebol é importante não abandonar a visão que concebo do jogo, pois tudo e ou todas as abordagens serão feitas a partir deste ponto de vista. Não consigo ver um lance descontextualizado do todo, de um jogo. Não consigo criar um treino sem inseri-lo na dinâmica das onze peças. Jogar pelos flancos, por exemplo, não se traduz em simplesmente treinar os lances de cruzamentos das beiradas. Todo mundo sabe disso, mas fazemos leitura equivocada do processo que desenvolve estas jogadas. Estamos culturalmente envolvidos com esta maneira de ver e ou conceber o jogo.

Como treinar o jogo pelos flancos, ou o hábito de se jogar por aquele setor do campo? Só jogando ou treinando um jogo com estas características dará condições ao meu time de fazer isso. Portanto, a montagem e o perfil dos treinos estão diretamente relacionados à forma de construir o jogo da minha equipe. Não me adiantará, ou adiantará muito pouco, pedir aos jogadores que façam isso ou aquilo. É importante induzi-los a fazer. O treinamento tem poderes para isso.

Permanecendo no exemplo anterior, sabemos ler que uma equipe não joga pelos flancos, mas não somos capazes de detectar as causas. Não nos resta outra saída senão responsabilizar os protagonistas das ações de campo: – “Não há cruzamentos vindos dos flancos porque os laterais não o fazem”. Até os jogadores, maiores alvos das críticas, acreditam nisso e reproduzem discursos confirmando suas falhas. Não consigo ver o fenômeno senão pela consequência da grande e prejudicial “miopia tática” da visão brasileira do jogo.

No início da nossa resenha há uma pergunta: – O jogo em relação ao jogador ou o jogador em relação ao jogo? Na questão, me refiro à avaliação das qualidades de um jogador para fazermos uma determinada opção. Para respondermos corretamente esta pergunta precisaríamos saber como vemos o jogo. Existe um jogo além do jogador? Todos nós sabemos que não há orquestra sem as individualidades musicais. Mas é verdade também que uma orquestra não existe somente com parte do som das individualidades.

No esporte coletivo e ou no futebol é da mesma forma. O jogador está em campo como grande protagonista das ações. Mas que tipo de ação? Ações que traduzem um jogo. Uma forma de jogar. Esta é a saída para uma “nova” visão do jogo brasileiro. Só devemos entender a importância do jogador no contexto de um jogo, ainda que suas habilidades lhe permita desempenhar papéis táticos com a plástica de um craque. Por isso, serão reconhecidos e valorizados com destaque em relação aos companheiros de profissão. Ter craques no time não trará nenhum prejuízo ao jogo se estes jogarem em função de uma ideia de jogo.

Quando falamos de jogo e ações táticas para o jogo queremos aclarar a mente dos leitores para a existência de princípios e ou conceitos táticos que são responsáveis pela construção do jogo. Assim como o bolo tem seus ingredientes e sua forma de fazer, o jogo tem os seus jogadores e forma de fazê-los jogar. Por isso, e nesta visão, é preciso pensar na importância do jogador relacionada a uma forma de jogar. A sutileza na diferença dessas visões táticas de jogo altera muito o processo da construção do próprio jogo.

Às vezes, o casual encaixe das características individuais faz brotar um jogo de qualidade mesmo que não tenhamos nos preocupado em treinar os conceitos táticos que dali brotaram. Às vezes também, alguns bolos saem gostosos mesmo não aplicando os segredos da receita proposta. Mas eu disse “às vezes”! Regra geral, as receitas consagradas costumam render dividendos interessantes aos seus detentores. O jogo pode e deve ser construído sob a orientação dos conceitos táticos que fazem um jogo eficiente e eficaz. Assim, tanto o jogo quanto o “bolo” terão padrões de qualidade consagrados.

Para o futebol brasileiro, que tem no poder das suas individualidades o grande marketing da qualidade, é preciso “reencontrar” sua antiga visão tática do jogo. Aquilo que faça o jogo ser visto como um todo que tem vida. O jogo do toque de bola, por exemplo, como era conhecido e ficou famoso em todo o mundo. Um time que joga compacto, ofensivamente, com posse de bola, atuando pelos flancos, dentre outros predicados táticos coletivos é facilmente percebido quando apresentado. Vide grandes equipes europeias e alguns poucos e efêmeros modelos sul-americanos.

Nós, treinadores brasileiros, só saberemos e ou teremos interesse em construir um jogo com estas características quando formos cobrados sobre estes parâmetros. Hoje, só sabemos jogar por vitórias e das formas mais diversas. Geralmente produzimos o “jogo” com muita correria, ações individualizadas e desespero mental, fruto da pressão do ambiente em que jogamos.

Há “receitas de bolos” excelentes para a construção do jogo inteligente. Não é preciso jogar ao acaso ou ao sabor do encaixe das individualidades. Tudo começa com o desenvolvimento de uma nova visão tática para o jogo!

Até a próxima resenha…

…e me desculpem pela distância entre as publicações. Vida de treinador não é fácil!
 

Categorias
Conteúdo Udof>Colunas|Sem categoria

A inteligência de jogo e a formação do jogador de futebol: mais uma vez, os chutões, a beleza do jogar e a inexorável lógica do jogo

Estreando hoje o “bate-bola” colunista-leitor (conforme descrevi na coluna anterior), vou começar com o competente professor, amigo e leitor B. P. (iniciais do nome dele), de São José dos Campos, que nos escreveu comentando o texto “Os chutões, o português José Mourinho, a beleza de jogar futebol e a Lógica do Jogo” (http://149.28.100.147/udof_migrate/Coluna/12349/Os-chutoes-o-portugues-Jose-Mourinho-a-beleza-de-jogar-futebol-e-a-logica-do-jogo), sugerindo um debate maior a respeito do mesmo tema, mas agora “conversando” com as categorias de base e formação de jogadores.

Ele diz: “Li sua Coluna e pude concluir, com base até nos exemplos que citou (Barcelona x Internazionale) que você se refere ao jogo de futebol profissional. Quanto às categorias de base, o texto mudaria o foco da crítica, correto?

Em linhas gerais o cerne do texto anterior foi o debate sobre o fato de que muitas vezes, apesar do resultado final de uma partida parecer dizer, à grande parte dos olhares, muito pouco a respeito daquilo que foi o jogo, é possível e provável, que haja grande necessidade de se ajustar, sintonizar e parametrizar jogo e olhares – e não que o placar final da partida não se relacione com aquilo que foi visto em campo.

Em outras palavras, muitas vezes o que observamos em campo nos faz pensar que o “acaso” e a “injustiça” prevaleçam um importante número de vezes sobre a competência e bom futebol.

Então, sobre isso, escrevi no texto anterior “(…) como já mencionei outrora, o futebol é mais um jogo de como aproveitar chances do que um jogo de como criar oportunidades (…)” e completei “(…) há beleza nisso… Mas tudo depende de como olhamos para essa “beleza”. E além de beleza, há muito, mas muito conteúdo de jogo nisso!!!”

Pois bem. O debate sobre formação de jogadores é um terreno amplo, rico e muitas vezes pouco concreto.

Em geral, não há um currículo formal que estruture e coordene conteúdos que possam e devam ser desenvolvidos ao longo de toda vida do jogador de futebol em sua passagem pelas categorias de base dos clubes.

Em muitos clubes não há nem sequer uma ideia clara do perfil de jogadores que se pretende formar. Isso pode (e tem sido), ou não, ser um enorme problema.

Vejamos:

1) Fato 1: Pode e tem sido problema porque em alguns casos, ao não se saber bem o perfil de jogador a ser formado, são criados modelos baseados nas primeiras equipes (as profissionais dos clubes). O problema é que algumas vezes, as “primeiras equipes” têm modelos subordinados ao pensamento e filosofia dos treinadores que as comandam, e não dos clubes como instituição. Sendo assim, quando sai o treinador, há uma apocalipse de processos construídos na formação de jogadores de base – e uma mudança quase que permanente de rumo.

2) Fato 2: Quando cultura, filosofia e modelo de jogo estão bem claros e definidos nos clubes, é então possível criar uma organização pedagógica de conteúdos que identifiquem os jogadores desenvolvidos e “formados” para jogar no primeiro time. E isso parece uma solução, e não um problema.

O certo é que, tanto no 1º apontamento (fato 1), quanto no 2º (fato 2) – descritos acima – podem haver lacunas de conteúdos ao longo do processo. Isso é relativamente simples de ser comprovado.

No apontamento 1, é como se, por exemplo (analogamente), alunos do ensino médio tivessem os conteúdos de uma disciplina da escola (Matemática, por exemplo) escolhidos segundo as preferências do professor – e não do currículo escolar. E mais ainda, como se esses conteúdos fossem ensinados de acordo com uma sequência definida por ele, e não pela escola e órgãos públicos reguladores responsáveis.

No apontamento 2, é como se os conteúdos para ensino das disciplinas, fossem definidos pela escola, de acordo com a maneira com que ela (a escola) enxerga o mundo e as suas necessidades – por exemplo: a escola “A” passa o ensino médio apresentando e formatando conteúdos preparando alunos de acordo com as exigências de vestibular da Universidade “X”. Já a escola “B” passa o ensino médio apresentando e formatando conteúdos preparando os alunos para uma experiência futura em um país diferente do dela.

Ao final dos anos de estudo, em qualquer um dos apontamentos sempre haverá algum tipo de lacuna – que deverá ser preenchida pelas experiências futuras e permanentes dos alunos fora da escola.

No caso do futebol, quando olhamos para o jogo propriamente dito, em sua essência, é razoável pensar que equipes como o FC Barcelona vem formando jogadores com perfil bem característico, que aprendem muito bem conteúdos bem particulares.

Mas, os conteúdos que aprendem os jogadores formados no FC Barcelona, por exemplo, abarcam o desenvolvimento amplo de uma inteligência de jogo, individual e coletiva?

Não tenho dúvidas que o processo de formação de base do time catalão é muito bem feito e organizado!

Não tenho dúvidas também que a inteligência de jogo é muito bem estimulada e desenvolvida!

A questão central é que quando penso em “inteligência de jogo” como conceito essencial para jogar bem futebol, penso nela como algo dinâmico e circunstancial (e por isso imprevisível), ou seja, que deve se manifestar para resolver problemas aleatórios, urgentes e emergentes a cada segundo durante o jogo.

O que quero dizer com isso, é que ao se fechar a formação de jogadores a uma única maneira de perceber o jogo e a um único modelo para se jogar, não estaremos explorando em sua totalidade as possibilidades criativas e autônomas do desenvolvimento da inteligência de jogo (individual e coletiva).

Assim, mencionei no último texto:

“(…) Estou querendo, mais uma vez (a terceira nesse ano!) chamar a atenção para o fato de que sob o ponto de vista da lógica do jogo, a beleza, os conteúdos, e a inteligência para jogar não estão subordinados as estratégias de jogo, modelos de jogo, ou ao que intimamente ou culturalmente achamos bonito – estão subordinados sim, ao JOGO propriamente dito, no cerne, na sua essência!”

O boa formação de jogadores de base ao longo dos anos que envolvem o processo, deveria ser aquela que desenvolve ao máximo uma inteligência circunstancial de jogo, individual e coletiva, autônoma e criativa!

Assim então, sem me alongar mais, e respondendo a questão inicial do texto:

Não (!!!) o foco da “crítica” (construtiva, claro!!!) da coluna anterior, não deveria ser aplicado apenas aos olhares que observam atentos as partidas de futebol profissional…

Ela deveria se estender aos óculos que sobrepõem os olhos que olham para o futebol de base também.

Em geral, é normal que existam muitas maneiras de se resolver o mesmo problema. E é mais comum que exista uma maneira mais econômica, mais eficiente… e essa eficiência está no indivíduo (no jogador e suas particularidades) e não nos modelos e ideais pré-concebidos…

Então terminarei, utilizando argumentos finais da coluna anterior:

“(…) Não estou defendendo uma concepção “A” ou “B” de se jogar (e nem tão pouco os “chutões”)… Não, não é isso!!!
Estou querendo, (…) chamar a atenção para o fato de que sob o ponto de vista da lógica do jogo, a beleza, os conteúdos, e a inteligência para jogar não estão subordinados as estratégias de jogo, modelos de jogo, ou ao que intimamente ou culturalmente achamos bonito – estão subordinados sim, ao JOGO propriamente dito, no cerne, na sua essência!

O ambiente, a cultura, os modelos (e outras coisas mais) são caminhos (alguns dos inúmeros) para chegar ao jogo – eles não tem fim neles mesmos e portanto, não é para nenhum deles que devemos perguntar o que é o JOGO.

Devemos perguntar sobre o jogo ao próprio JOGO!”

Bom, por hoje é isso…

Fico no aguardo das questões dos leitores para as próximas colunas (rodrigo@149.28.100.147 ou facebook.com/rodrigo.azevedoleitao).

Categorias
Conteúdo Udof>Colunas|Sem categoria

Hora de fazer as contas e (re)estabelecer as metas

Com o Campeonato Brasileiro de futebol chegando ao seu final, é comum os clubes efetuarem diversas contas para realinhar ou definir algumas metas para esta reta final do ano.

E todos os clubes, sem exceção, passam por este momento de reavaliação, seja para evitar o descenso ou para conquistar uma vaga em competição internacional para o ano seguinte.

Mas, será que sabemos elaborar metas que realmente sejam estimulantes para aqueles que deverão persegui-las com toda dedicação e foco?

As metas possuem a capacidade de manter as mentes positivas, liberando ideias e energia para a consecução delas. Sem o estabelecimento de metas, somos simplesmente levados pelas correntes da vida e, em contrapartida, quando temos metas em vista, somo capazes de voar como flechas em direção ao alvo desejado.

Então, se as metas possuem realmente este poder, se faz mais do que necessário que no momento atual os clubes usem e abusem delas, certo? Mas, como elaborar metas poderosas?

O primeiro de tudo é realizar uma reflexão em grupo para que se responda a seguinte pergunta: O QUE REALMENTE QUEREMOS OBTER AO FINAL DA COMPETIÇÃO, TENDO EM VISTA A POSIÇÃO NA QUAL ESTAMOS ATUALMENTE? É necessário definir-se realmente o que grupo quer, ou seja a META GLOBAL DO GRUPO!

Em sequência é necessário definir as três metas intermediárias mais importantes para que se atinja a meta global. Deve-se responder: QUAL SÃO AS TRÊS METAS (alavancas para conquista da meta global) MAIS IMPORTANTES PARA O GRUPO NESTE EXATO MOMENTO?

Aqui cabe lembrar mais uma vez que existe um modelo muito utilizado e eficaz para o estabelecimento de metas poderosas: o SMART!

S – Specific (Específica), definida com clareza. Devemos nos perguntar: O quê? Quem? Onde? Quando? Como?

M – Mensurável, deve ser possível avaliar o progresso da meta e devemos perguntar algo como: Que valor? Qual quantidade? Como saber que está concluída?

A – Atingível, a meta deve ser elaborada de forma a ser possível atingi-la. Assim que estiver elaborada devemos ser capazes de definir em conjunto qual ações deverão ser realizadas para atingir a meta.

R – Realista, a meta deve ser desafiadora mas também realista. O desafios motivam e a realidade faz com que o grupo tenha confiança na capacidade de alcança-la e se inspira a decidir concretiza-la.

T – Timing, a definição do prazo para a concretização do objetivo pode auxiliar como planejamento para o grupo, na busca pela realização das ações que permitirão atingir a meta.

Ainda, como dica para aumentar o foco e a capacidade de realização do grupo é necessário identificar as maiores preocupações do grupo. Deve-se responder: QUAIS SÃO AS TRÊS MAIORES PREOCUPAÇÕES DO GRUPO NO MOMENTO? Ou seja, o que está doendo para o grupo?! Após a identificação das dores ou preocupações, deve-se explorar as maneiras de endereçar estas questões, respondendo:

1. Quais seriam as soluções ideais para cada um desses problemas?

2. Como poderíamos eliminar imediatamente esses problemas ou preocupações?

3. Qual é a maneira mais rápida e direta de resolver cada problema?

Mas, devemos ter em mente que reflexão sem ação é apenas distração e, sendo assim, deve-se elaborar um plano de ação para o grupo com:

• As ações que busquem a conquista das metas de alavanca e consequentemente a meta global;

• As ações que irão atacar os problemas ou preocupações do grupo.

Em posse deste plano resta ao grupo colocar as mãos à obra e executar com dedicação e foco as ações que foram definidas pelo próprio grupo, e que por este motivo tende a ser muito mais valorizada e perseguida pelos integrantes do mesmo.

Então, apesar de estarmos na reta final da competição penso ser valioso que os clubes façam suas contas e tracem suas metas! E você, o que acha?

Até a próxima!

Categorias
Conteúdo Udof>Colunas|Sem categoria

O futebol, os paradigmas, os métodos, os modelos, a lógica e o livro “Os números do jogo”

O futebol jogado no mundo todo, sofre, continuamente, transformações. Do mais distante ao mais próximo passado, da mais, até a menos tradicional cultura futebolística continente à fora, é fato que ao longo de sua história, o futebol – e mais pontualmente a maneira de jogá-lo – vem ganhando em organização, em sofisticação estratégica, e em elaboração coletiva.

Os sistemas de preparação desportiva futebolística estão cada vez melhores, os jogadores estão cada vez mais bem preparados, a análise do desempenho vem contribuindo cada vez mais para correções de rotas, a velocidade do jogo aumentou e os futebolistas vêm mostrando uma capacidade cada vez maior de tomar decisões exatas e rápidas.

Já escrevi outras colunas, aqui mesmo neste espaço, com intuito de chamar atenção para o fato de que a evolução do jogo de futebol, mais especificamente do “jogar futebol” traria (e traz) consigo a necessidade emergente e urgente de um entendimento mais qualificado sobre o jogo.

Ora, se o jogar futebol que concebemos e operacionalizamos nos treinamentos, é resultado da maneira que enxergamos e entendemos o jogo, nada mais óbvio do que a necessidade de enxergá-lo (o jogo) melhor e mais claramente.

É inegável o fato de que há mais de uma década, a busca pelo “enxergar melhor e mais claramente” tem trazido à tona uma série de conflitos – paradigmas foram, estão e serão quebrados. “Durante muito tempo, quatro palavras dominaram o futebol: “sempre foi feito assim”.

O jogo bonito está arraigado na tradição. O jogo bonito agarra-se a seus dogmas e truísmos, a suas crenças e credos. O jogo bonito pertence a homens que não querem ver seu domínio ameaçado por intrusos que sabem que enxergam o jogo como ele realmente é.

Esses homens não querem que lhes digam que há mais de um século eles estão deixando de perceber alguns fatos. Que existe um conhecimento que eles não possuem. Que o jeito como eles sempre fizeram as coisas não é como as coisas devem ser feitas.” (livro: “Os números do jogo”, de Chris Anderson e David Sally – página 13)

Avançar a linha limite, que estabelece ideias, ideais, conceitos e verdades é avançar a barreira, que esconde atrás dela, um mundo novo e desconhecido.

Nunca é fácil passar por essa barreira. O certo, é que a maneira que escolhemos passar por ela pode determinar as dificuldades e resistências que encontraremos logo à frente.

Muitos são os caminhos que levam às vitórias. A história do futebol nos mostra isso muito claramente!

Não deveríamos brigar por métodos “A” ou “B”. Não! Não deveríamos brigar por um modelo “C” ou “D”. Precisamos entender no cerne o que o jogo, propriamente dito, a partir de sua inexorável lógica tem para nos dizer.

Vitórias podem ser alcançadas pelos métodos “A” e “B”, mas também pelo “X”, pelo “Y” ou pelo “Z”; equipes podem jogar bem a partir dos modelos “C”, “D” ou “E” – mas indiscutivelmente jogos não podem ser vencidos e/ou bem jogados se o “jogar” – e logo, a preparação para o jogar – não estiverem em conexão, na essência, com o cumprimento da lógica do jogo.

A negação ou não compreensão sobre o passado (da preparação para o “jogar”, e do “jogar” propriamente dito) trarão ilusões para o presente e dificuldades para o planejamento do futuro.

“Não dá para dizer que todas as tradições estão erradas. Os dados que hoje podemos reunir e analisar confirmam que parte daquilo que sempre se acreditou ser verdade é, de fato, verdade. Para além disso, porém, os números nos oferecem outras verdades, esclarecem coisas que não temos como saber intuitivamente e expõe a falsidade do “sempre foi feito assim”.

O maior problema de seguir um tradição venerável e um dogma estabelecido é que ambos raramente são questionados. O conhecimento fica estagnado, enquanto o próprio esporte e o mundo em torno dele mudam.” (do mesmo livro: “Os números do jogo”, de Chris Anderson e David Sally – página 14)

Filosófico ou não, por hoje é isso!

Categorias
Conteúdo Udof>Colunas|Sem categoria

Como o autoconhecimento pode contribuir para uma nova carreira

Toda mudança, em geral, pode causar desconforto e elevar o nível de stress dos atletas profissionais. Mas como conseguir praticar o futebol profissional quando o atleta percebe que o final da carreira atual está próximo do fim?

As fases de uma carreira esportiva vão desde sua iniciação, passando pela fase de desenvolvimento, pela excelência e por fim chegando na fase de aposentadoria da carreira como atleta profissional.

Nesta última fase, o atleta passa a diminuir seu envolvimento com treinamentos intensos e competições oficiais. A transição desta etapa, aposentadoria, para outra atividade profissional talvez seja a transição mais conflituosa, devido ao envolvimento com ajustes sociais, físicos, pessoais, ocupacionais e financeiros. É uma fase que deve ser tomada como a principal meta do planejamento de carreira esportiva para um atleta de alto nível, mas parece que no Brasil ainda não estamos sensíveis para este planejamento.

É justamente neste campo que um Coach pode contribuir imensamente com os atletas profissionais e uma das suas grandes missões, em minha opinião.

Trata-se de contribuir com o autoconhecimento do atleta no início de seu planejamento de carreira, pois ao se conhecer o atleta terá uma visão muito mais clara e genuína acerca de sua nova atividade profissional. Costumo dizer em palestras e treinamentos que o autoconhecimento é uma oportunidade de nos olharmos no espelho da vida e podermos clarificar nossa consciência quanto ao nosso real perfil comportamental.

Existem diversas ferramentas para promover o autoconhecimento, das quais enquanto Coach destaco duas:

1.DISC
 

  • Uma ferramenta que permite que as pessoas compreendam rapidamente suas preferências de comportamento no trabalho, através de quatro tendências básicas: Dominância, Influência, Estabilidade e Conformidade. Esta ferramenta tem sido utilizada há 30 anos por mais de 45 milhões de pessoas no mundo, assim como foi traduzida e validada em mais de 25 idiomas.

    Aponto como uma grande vantagem do DISC a capacidade de interpretar a relação entre os quatro fatores (Dominância, Influência, Estabilidade e Conformidade) para traçar um perfil comportamental.

    O DISC é ideal para prever a forma como um indivíduo age e interage com os outros. Detecta suas motivações, forças e pontos que precisam ser desenvolvidos, bem como sua reação a um conjunto específico de circunstâncias.
     

2.ENEAGRAMA
 

  • Definido como um sistema preciso e profundo que descreve nove padrões de comportamento e seus diferentes níveis de consciência, ajudando, assim, as pessoas a evoluírem pessoal e profissionalmente.

    O Eneagrama já conta com validação científica e acadêmica, incluindo diversas teses de mestrado e doutorado nos EUA e na Europa. No mundo dos negócios, o Eneagrama vem sendo descoberto por alguns cursos de MBA de instituições, como Stanford e Loyola, nos EUA, e FGV e USP, no Brasil.

    Além disso, importantes organizações multinacionais também já utilizam o modelo do Eneagrama com suas equipes. Alguns exemplos são: 3M, IBM, Motorola, Boeing, Disney, Sony, Du Pont, Procter &Gamble etc. No Brasil, podemos citar ainda: Embraer, VIVO, Subsea7, COSAN, Souza Cruz, Oi, Skanska, Oracle, Perdigão, entre outras.

Bem, como disse antes, acredito plenamente no autoconhecimento como grande alavanca para um bom planejamento e uma adequada transição de carreira para os atletas profissionais no Brasil. Chegou a hora de utilizarmos o autoconhecimento com nossos atletas profissionais.

Porém, também deixo uma alerta em forma de reflexão: até quando o Brasil irá ignorar o planejamento da carreira esportiva?

Concentrar-se apenas na formação de novos atletas pode ser um contrassenso caso não tenhamos projetos adequados para o planejamento da carreira e o inevitável momento de transição para uma nova carreira profissional! Vale conhecer o trabalho realizado pela Sociedade Brasileira de Coaching Esportivo, que é pioneira no Brasil neste tipo de serviço.

Até a próxima!

Categorias
Conteúdo Udof>Colunas|Sem categoria

O fator gramado: o vantajoso “não jogar futebol” vs o jogar futebol

São inúmeros os estudos e as observações estatísticas que vêm nos últimos 15 anos – mais formalmente – analisando a suposta vantagem de equipes como mandantes, jogando dentro dos seus “domínios”.

Há também pesquisas que evidenciam, por exemplo, a influência do mando de jogo nas decisões da arbitragem (especialmente na incidência de cartões amarelos e vermelhos) em determinadas competições.

Seja qual for o tipo de análise e abordagem realizada nessas pesquisas, muitos são os motivos e os apontamentos que tentam justificar as significativas diferenças observadas tendo o mando de jogo como variável independente nos estudos.

E ainda que haja evidências certeiras que mereçam nossa atenção dentro da ideia geral e concreta, de que mais do que o mando de jogo, o ambiente e a atmosfera presente nele (no próprio ambiente), são, sistemicamente falando, potencialmente determinantes para o resultado final da partida e até de um campeonato, gostaria de evidenciar neste texto algo que deveria sim, ser valorizado como variável para análise: o fator campo literalmente falando!

E do que se trata o fator campo, literalmente falando? Trata-se especialmente das condições do terreno de jogo (da grama, dos buracos, da areia, etc.) e de suas dimensões.

Claro que uma vitória ou uma derrota podem sim ser analisadas e explicadas por uma série de fatores interligados que compõe no contexto geral o resultado final de uma jogo.

Mas, como desvalorizar (como se faz inúmeras vezes) e negligenciar, por exemplo, a qualidade do terreno de jogo para analisar o desempenho de uma equipe?

No tênis, muitos grandes jogadores em um tipo de piso não são necessariamente os melhores em outro tipo – e se quiserem ser, precisarão treinar muito para que se acostumem com as nuances que um ou outro piso propiciarão à dinâmica do jogo.

Um campo de futebol com grama alta tornará o jogo mais pesado e lento. Um campo úmido, com grama fina e baixa propiciará um jogo muito veloz. Um campo de terreno duro, com muitas falhas na grama, areia e buracos, deixará a bola muito “viva”, e o jogo jogado será outro.

Quando comparamos, muitas vezes o ritmo de jogo jogado no futebol europeu com o futebol brasileiro, há de se levar muito em conta o fator campo (ou melhor, vou chamar de fator gramado). Quando comparamos, muitas vezes a qualidade técnica do jogo europeu com a do futebol brasileiro, precisamos entender o “peso” do fator gramado.

Claro, o fator gramado não é a explicação para tudo – longe disso! Mas, chamo a atenção para o fato de que ele é sim, muitíssimo importante para analisarmos ocorrências do jogo.

Muitas vezes, porém, é mais simples fugir da questão que envolve a qualidade do gramado e partir para uma análise especulativa e imaginativa – por vezes infundada – que tenta explicar êxitos e fracassos (afinal como normalmente se diz: “se o campo estava ruim, estava ruim para as duas equipes”).

E é nessa afirmação que mora um dos grandes equívocos para iniciar a análise de um jogo. O campo está ruim para as duas equipes? Depende do jogo que cada equipe se propõe a jogar.

Uma equipe acostumada a chutões, bolas longas e cruzamentos distantes até a área, pode realmente não ter grandes problemas em um campo todo esburacado, que não favoreça a troca de passes.

Mas, para uma equipe que se propõe a controlar o jogo com bola, trocar passes rápidos e elevar o ritmo do seu jogar, um campo como o descrito no parágrafo anterior não vai ser nada bom.

Então, há de se considerar que um campo bom ou ruim, não é necessariamente bom ou ruim para todas as equipes que jogam nele.

Nas categorias de base do FC Barcelona, por exemplo, mesmo nos treinos em grama artificial, o campo é levemente molhado para a bola deslizar com mais facilidade e exigir dos jogadores mais velocidade e habilidade – não por acaso a sua equipe profissional tem como hábito, em seu campo, de utilizar o mesmo procedimento durante as partidas.

Então, se queremos jogos de melhor qualidade, ritmo e intensidade devemos sim começar por uma atenção especial ao campo de jogo. E não adianta dizermos que os jogadores devem estar habituados a jogar em qualquer tipo de qualidade de gramado. Se queremos excelência no futebol não podemos negligenciar o fato!

O campo ruim, cheio de falhas e desníveis, nivela o jogo a favor das equipes de menor qualidade. O campo com gramado alto (ou muito alto), nivela o jogo à favor da equipe menos veloz e de menor ritmo.

Por que mesmo quando se está evidente a má qualidade do gramado, ao invés de nos atentarmos a isso e cobrarmos melhores condições para deixar o jogo melhor, acabamos por nos deparar muitas vezes com explicações que tentam justificar o mau desempenho de jogadores e equipes a partir de um viés por vezes distante da realidade dos fatos (coisas do tipo: faltou concentração; faltou respeito ao adversário; faltou comprometimento com a equipe)?

Claro, o bom ou mau desempenho, o bom ou o mau resultado têm explicações multifatoriais! Não estou propondo aqui que desconsideremos todas elas!

Mas, de novo, uma equipe que se prepara para jogar futebol em alto nível técnico-tático-físico vai sofrer consequências negativas de um gramado ruim; e claro ela poderá ou não se adaptar rapidamente as condições dele.

Porém, isso não desabona a grande verdade, que é a de que equipes acabam por adotar o campo de jogo como sua armadilha principal para vencer seus adversários!

Isso quer dizer então, que a invés de dirigentes, treinadores, comissões técnicas e jogadores buscarem diariamente evoluir o jogo de suas equipes para efetivamente confrontar modelos e estilos, o que vemos é um “descomprometimento” com a evolução do jogar, à favor de um pacto com um “não jogar futebol que seja vantajoso”.

Temos o dever de dar atenção a isso!!! Se queremos que nosso futebol melhore mais rapidamente, não podemos negligenciar o fator gramado!

Seja no Campeonato Brasileiro de futebol, nos Estaduais e Copa do Brasil nos quais isso é gritantemente evidente, ou ainda nas categorias de base: não podemos permitir que cada vez mais, continue ganhando espaço o desenvolvimento do “não jogar futebol que seja vantajoso”, em detrimento do realmente jogar futebol!

Por hoje é isso!!!

Categorias
Conteúdo Udof>Colunas|Sem categoria

A “Messidependência” do Barcelona e algumas considerações a propósito

O livro de Duncan Watts, Six Degrees: The Science of a Connected Age (New York, 2003) pretende ensinar que uma realidade social, mesmo em uma equipe de futebol (digo eu), deve compreender-se tanto pela maneira como os elementos de um todo se relacionam e ligam (neste caso, a tática) como pela importância que eles têm no funcionamento das redes que compõem o todo, ou o sistema de jogo.

A Ciência das Redes não se limita, portanto, às redes, mas também ao reconhecimento de que há redes e redes, ou seja, em termos futebolísticos, a tática também resulta das virtualidades de cada um dos jogadores.

Diz-se que o futebol é um jogo predominantemente tático. E assim é. Mas, uma boa tática, sem jogadores de excelência e motivados, pouco mais é que uma geometria sem eficácia. Quando nos ocupávamos de uma análise da equipe do Barcelona, até à saída do Guardiola, descobríamos o DNA desta equipe, na tática, interpretada de modo tão mecânico, tão interiorizada por cada um dos jogadores, que julgávamos que a tática, por si só, resolve os problemas de eficiência e produtividade de uma equipe.

Havia uma tão perfeita cognição distribuída (expressão que encontrei na Psicologia Cognitiva) de uma determinada tática, uma partilha tão equilibrada e sensata dos mesmos modelos mentais, que o Barcelona parecia imbatível. Já eram muitos os teóricos que escreviam livros onde matematicamente se tentava provar que o Barcelona não tinha par… hoje e sempre!

Creio que fui eu (passe a imodéstia), em língua portuguesa, e há mais de 30 anos (veja o meu livro Filosofia das Atividades Corporais, Compendium, 1981), que adiantei a hipótese de descobrirmos na Educação Física um produto do dualismo antropológico cartesiano, ou seja, onde ressoavam as palavras de Galileu: “a natureza está escrita em linguagem matemática” e, porque o corpo era natureza tão-só, os números determinavam cabalmente as atividades corporais.

Galileu é o pai da física moderna, que Descartes aceitou respeitosamente, e portanto, no entender do autor do Discurso do Método, o corpo humano não passava de matéria mecanicamente em movimento. A Educação Física nasce, no século XVIII, a idade por excelência do racionalismo, na cultura ocidental, com as taras próprias do racionalismo (de que só em meados do século XX entrou de libertar-se). Portanto, no Barcelona, a tática, matematicamente assumida e mecanicamente praticada, parecia a “causa das causas” dos seus êxitos.

Depois da Liga dos Campeões, de 2012/2013; depois da superioridade incontestável do Bayern, sobre o Barça, nas meias-finais – não pode dizer-se que os jogadores da Catalunha esqueceram a tática, mas que queriam e não podiam, enquanto os alemães queriam e podiam.

Do que venho de escrever se infere que, numa equipe de futebol, o Homem está antes de tudo o mais. O que, muitas vezes, falta ao futebol não é de ordem tática – o que lhe falta, muitas vezes, é a dificuldade, neste tempo onde o mais publicitado se resume ao imediato e ao fragmentário, é a dificuldade, dizia, de pensar o Homem, o que ele é e sente e ama, antes de tudo o mais.

Ora, o Barcelona parece, hoje, uma equipa, onde a lesão física do Messi é tão extensa e profunda como o cansaço físico, psiquico e psicológico dos seus colegas de equipa. O treino ideal, para o Barcelona, hoje, é não treinar e escutar, com atenção, as análises dos jogadores ao momento menos feliz que atravessam.

Depois, a liderança do Guardiola não pode substituir-se com adjuntos, nem com os adjuntos dos adjuntos, mas com treinadores de grande sabedoria (que é mais do que saber) que os jogadores admirem e respeitem e que lhes proponham valores que os jogadores sintam a subir do mais íntimo de si mesmos. No meu modesto entender, a grande revolução a fazer no futebol reside aqui: praticá-lo, como se não se pudesse viver sem a sua prática.

Vergílio Ferreira, no seu livro Pensar, afirmou: “Escrevo porque o encantamento e a maravilha são verdade e a sua sedução é mais forte do que eu (…). Escrevo para tornar visível o mistério das coisas. Escrevo para ser. Escrevo sem razão” (pp. 35-36).

No dia em que o Ronaldo, o Messi, o Lewandowski, o Ribéry e o Robben “jogarem para ser”, serão de certo melhores jogadores e, na constituição das redes, ajudarão ao nascimento de um futebol diferente… para melhor!

O meu amigo Gonçalo M. Tavares tem este poema: “É uma parede com afetos (o corpo)/ Mas, a coragem e o silêncio não são anatomia”. Nem tática…

 

*Antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.

Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.

Esse texto foi mantido em seu formato original, escrito na língua portuguesa, de Portugal.

Para interagir com o autor: manuelsergio@149.28.100.147