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O futebol é um jogo defensivo

O carnaval foi bem engraçado por aqui. Nós o comemoramos em abril. Oto, meu morcego de estimação, surpreendeu. Sua banda, a Sangue Bom, entre morceguinhos de nossa caverna e convidados, desfilou com mais de dez mil componentes. Arnaldo, o bagre cego, assistiu, ou melhor, ouviu as reprises dos desfiles de escolas de samba de São Paulo e Rio; não desgrudou os ouvidos da telinha. Delirava, de se revirar todo, sempre que a telinha anunciava algum famoso nos camarotes. E Aurora, a coruja, fantasiou-se de águia e voou solitária pelos céus que lhe cabem, de fato e de direito, em alegres evoluções.
 
Terminada a folia de Momo, procurei-os e disse-lhes que já me davam saudades as conversas sobre futebol.
 
– Carnaval é bom, mas cansa se passar de três dias – eu disse. – E já se passaram quatro. Futebol, esse pode ser o ano todo, se depender de mim. E eu queria a opinião de vocês sobre uns assuntos que me tiram o sono.
 
Havia coisas do futebol, que eu, por mais esforço que fizesse, não entendia. Oto estava de ressaca e não quis conversa; Arnaldo ouvia a televisão.
        
– Por exemplo? – perguntou Aurora.
 
– Não me conformo com essa excessiva preocupação de só defender, defender, defender – eu disse – como se todos, jogadores, técnicos e comentaristas, fossem golfóbicos.
 
E acrescentei que, ouvindo e lendo o que pensam sobre o futebol, percebo que falam o tempo todo sobre sistemas de defesa.
 
– Pois, para mim – disse Aurora – agem dessa maneira porque evitam o verdadeiro problema. Falam do óbvio, daquilo que está mais ao alcance de todos, do banal.
 
– Como assim? – distraí-me com o barulho da TV e não entendi bem o que a coruja disse.
 
– Que barulho é esse – ela me perguntou – vindo do fundo da caverna?
 
– É o Arnaldo ouvindo de novo aquele programa da ESPN sobre a pretensão do Brasil de ser sede das Olimpíadas em 2016. Cada vez que Carlos Nuzman fala, ele baba e faz essa barulheira.  
 
Com o bico, Aurora puxou-me para fora da caverna, evitando, assim, o barulho, e expôs seu ponto de vista. Para ela, o futebol é um esporte defensivo, isto é, um jogo que privilegia, por suas características, a defesa. A coruja acha que ter que controlar a bola com os pés favorece mais a destruição das jogadas que sua criação.
 
Nos jogos em que a bola é controlada com as mãos, há mais gols. É só tomar o exemplo do basquetebol e do voleibol; neste último, em que a bola não tem contato com o chão, a não ser na finalização da jogada, as mãos são soberanas, o que resulta em uma vitória retumbante do ataque sobre a defesa. No futebol, ao contrário, a pouca habilidade dos pés comparativamente à das mãos, faz com que os jogadores controlem a bola com muita dificuldade; além disso, um dos jogadores de cada equipe, o goleiro, o mais defensivo de todos, tem autorização para utilizar as mãos. Seu poder de destruição de ataques é imenso.
 
Perguntei a Aurora se ela acreditava mesmo nisso.
 
– Sem dúvida, Bernardo. Você já teve a curiosidade de contar quantos ataques realiza cada equipe em um jogo de futebol? Faça isso. Em noventa minutos, cada time realiza perto de noventa. No entanto, em quase todos os casos, a defesa supera o ataque. Ocorrem, em cada partida, cerca de três gols em média. Considerando que os dois times juntos realizam algo em torno de cento e oitenta ataques, são, em cada partida, cento e setenta e sete vitórias da defesa.
 
– E você já teve a paciência de fazer essa contagem, Aurora? – perguntei
 
– Sim, recentemente, em um jogo do Campeonato Espanhol. Em quarenta e cinco minutos, uma das equipes realizou exatamente quarenta e cinco ataques. Considerei ataque as ações realizadas pelos jogadores no campo adversário, partindo de seu próprio campo, ou após uma falta, um lateral ou escanteio.
 
– Então, na sua opinião, é muito mais fácil defender que atacar – concluí.
 
– Exatamente – confirmou a coruja – tirar a bola dos pés de um jogador é muito mais fácil que tirá-la das mãos. Além do que, a bola geralmente vai ao jogador rolando sobre um terreno irregular, tornando o controle mais difícil ainda.
 
Os pés são órgãos de locomoção; no futebol, e só no futebol, transformam-se em órgãos de manipulação. As mãos fariam isso incomparavelmente melhor. Não bastasse, os defensores podem defender suas equipes chutando a bola para qualquer lado, ao passo que os atacantes são obrigados a visar o pequeno espaço de 7,32m entre uma trave e outra.
 
– Mas, o futebol, então, é uma aberração? – perguntei.
 
– De maneira alguma – respondeu a coruja calmamente – é somente um jogo, e assim são os jogos, muitos deles, aberrações consentidas e maravilhosas.
 
Para Aurora, o problema do futebol não está na defesa, mas no ataque. Os especialistas não se preocupam com ele, não sabem como atacar. Uma pena, porque, quando eu era menino, sentia-se importante aquele que era atacante. Todos queriam ser centroavantes ou meias avançados. Ocupavam a posição de zagueiros os grossos, os canelas de pau. Na frente, ficavam os mais habilidosos. A coruja acha que os técnicos não sabem o que fazer para atacar, portanto, ocupam-se com o que é mais fácil: aumentar o poder de destruição dos defensores.
 
– Repare no que ocorre no basquetebol, Bernardo, um esporte em que ataque e defesa são bastante equilibrados. O atacante é protegido pelas regras; qualquer empurrão, com as mãos ou com o tronco, de quem defende, é considerado falta. No futebol os juízes fazem vista grossa para essas coisas; na dúvida, beneficiam os faltosos.
 
Para a minha amiga de penas, tanto faz um placar de um a zero ou cinco a quatro. O pavor de tomar gols, no entanto, volta as atenções quase todas para a defesa, atribuindo ao ataque ao papel de coadjuvante de terceira categoria. Esse pavor diminui os investimentos e planos de ataque, tornando escassos os jogadores habilidosos e super-povoando os campos de beques truculentos.
 
– As defesas tomarem gols não seria um grande problema – disse Aurora -, se os ataques os fizessem em boa quantidade. Nossos estrategistas não estudam boas fórmulas para
aumentar a eficiência dos ataques, daí a escassez de gols. Chega a ser ridículo ver, quando dos escanteios e faltas cobradas das laterais, a ida à área adversária, dos zagueiros, como se as equipes não tivessem atacantes.

Aurora queria dizer, resumindo, que os técnicos e outros especialistas, evitam lidar com o verdadeiro problema do futebol, que é atacar. Um esporte que favorece tanto a defesa como o futebol, só poderia ter como maior problema, atacar. Esse é o obstáculo maior a superar. Defender é fácil; os zagueiros ajudam a defender, a grama ajuda a defender, os encontrões, os esbarrões, as faltas, a dificuldade de controlar a bola com os pés, e os juízes, ajudam a defender. Os especialistas apenas pegam carona em tudo isso.

* Bernardo, o eremita, é um ex-torcedor fanático que vive isolado em uma caverna. Ele é um personagem fictício de João Batista Freire.

Para interagir com o autor: bernardo@universidadedofutebol.com.br

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A Fisiologia do Exercício começa a compreender a complexidade do jogo de futebol: os primeiros passos

Já faz algum tempo que um grupo de especialistas do mundo da bola vem chamando atenção para os equívocos, e, também, novas possibilidades sobre a preparação desportiva do jogador de futebol. O grupo não é muito extenso, mas tem espanhóis, portugueses, franceses, italianos, brasileiros, e por aí vai.

Isso quer dizer que, de uma forma ou de outra, mais próximos ou distantes de algumas realidades, é possível encontrar alguns focos de pesquisa e tentativas, que buscam esclarecer e dar alternativas sobre os caminhos a serem seguidos para se alcançar a excelência na preparação desportiva do jogador.

Por mais que se diga que o futebol é complexo (e é!) e por mais que várias áreas de trabalho procurem se estabelecer para dar subsídios à melhor performance de jogo, é inegável que todas elas tentam de alguma forma associar ao desempenho final, mais a sua atuação do que a das demais.

Em outras palavras, em nome de um discurso pautado na complexidade, explicações bem distantes dela dão conta de pontuar sucessos e fracassos, vitórias e derrotas.

É a disciplinaridade disfarçada de multidisciplinaridade, que acredita ser interdisciplinar e está a quilômetros de distância da transdisciplinaridade.

Enfim, discurso e prática não combinam.

Uma das tendências mundiais na preparação do futebolista está na construção de treinos transdisciplinares. Nessa tendência, a preparação total do jogo se dá pelo jogo (e para o jogar!).

Por mais que isso não seja novidade em alguns “fóruns” ainda tem atormentado a vida de muitos preparadores físicos e departamentos de fisiologia de clubes de futebol.

Mas mesmo causando tormento é inegável (aí especialmente na Europa) que treinadores e cientistas que estudam o futebol têm grande interesse e desvendar os meandros da construção de treinos como fractais do jogo.  E isso não é apenas uma questão de ganhar tempo e otimizar os estímulos de treino; como muitos dizem (já que nessa perspectiva o treino “físico-técnico-tático-psicológico” ocorre de forma concomitante).

O treinamento pelo jogo e para o jogar, como fractal de um processo de desenvolvimento da performance, garante que todo sistema fisiológico, bioquímico, cognitivo, etc. e tal do ser humano aprenda a reagir de maneira mais eficaz àquela situação que é a sua de trabalho, de competição: o jogo.

Está então mais no convencimento aos preparadores físicos do que aos treinadores a maior dificuldade para que se consigam mudanças e melhores resultados, enfim, evolução. Por isso, ainda bem que a fisiologia do esporte tem se dedicado, mesmo que ainda em passos curtos e lentos, cada vez mais a compreender os efeitos de um treino construído numa perspectiva transdisciplinar. Pesquisas mais recentes têm mostrado a preocupação em entender algo que, há mais tempo, estudiosos das teorias da complexidade vêm chamando a atenção.

Felizmente, que enquanto volumosas “frentes” da Preparação Física e da Fisiologia do Exercício (que é diferente de Fisiologia do Esporte e de Fisiologia do Jogo) teimam ainda em descer suas raízes em solos profundos dos paradigmas do passado (de olhos fechados para o presente), outras em menor quantidade, mas da mesma chamada Preparação Física e Fisiologia do Exercício, ainda sem entender completamente o problema da complexidade no jogo, têm se esforçado para trilhar novos caminhos.

Realmente, felizmente que autores como, por exemplo, Impellizzeri et al (2006), Jonas; Drust (2007), Rampinini et al (2007), Dellal (2008), Coutts et al (2009) que não são aqueles das teorias da complexidade, mas talvez sejam aqueles mais lidos pelas “frentes” em questão, têm apontado uma luz no fim do túnel, e de certo somarão forças aos menos lidos (menos lidos pelas “frentes” em questão!) Júlio Garganta, João Freire, João Paulo Medina, Jorge Castelo, Manuel Sérgio, Edgar Morin dentre tantos outros.

Então um dia talvez isso seja só mais um novo paradigma ultrapassado (transdisciplinaridade, complexidade, jogo, etc.); afinal a “verdade, na verdade” é só uma linha que por mais que se avance está sempre ao horizonte.

Trabalhos referentes a Fisiologia do Exercício ou do Esporte mencionados no texto:

COUTTS A. RAMPININI E. MARCORA, CASTAGNA, C. IMPELLIZZERI, FM. Heart rate and blood lactate correlates of perceived exertion during small-sided soccer games. Journal of Science and Medicine in Sport, 12(1): 79-84, 2009

DELLAL, A. CHAMARI, K.  PINTUS, A. GIRARD, O. COTTE, T; KELLER, D. Heart Rate Responses During Small-Sided Games and Short Intermittent Running Training in Elite Soccer Players: A Comparative Study.  Journal of Strength & Conditioning Research. 2(5):1449-1457, 2008.

IMPELLIZZERI FM. MARCORA, SM. CASTAGNA, C. REILLY, T. SASSI, A. IAIA, FM. RAMPININI, E. Generic vs Specific Aerobic Training in Soccer. International Journal Sports Medicine, 27: 483-492, 2006.

JONES, S. DRUST, B.: Physiological and technical demands of 4 v 4 and 8 v 8 games in elite youth soccer players . Kinesiology 39(2):150-156, 2007

RAMPININI E;  IMPELLIZZERI FM;  CASTAGNA C;  ABT G;  CHAMARI  K;  SASSI A; MARCORA SM. Factors influencing physiological responses to small-sided soccer games.E – Journal of Sports Sciences, 25(6): 659-666, 2007.

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

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Anotação sobre o caso Matuzalem

Caros amigos da Universidade do Fubebol,

Como já foi bastante veiculado e comentado no Brasil, tivemos nesta semana a divulgação da decisão proferida pelo CAS (Court of Arbitration for Sport) com relação ao caso envolvendo o jogador brasileiro Matuzalem e o clube ucraniano Shakhtar Donetsk (também envolvendo, como partes no processo, o clube espanhol Real Zaragoza e a Fifa). 

Apenas a título de esclarecimento, o caso trata da rescisão antecipada do contrato de trabalho assinado entre Matuzalem e o Shakhtar, e a subsequente assinatura de novo contrato entre Matuzalem e o Real Zaragoza.

Desde a decisão do caso Webster (fevereiro de 2008), bastante comentado por nós neste espaço, a decisão em comento foi a mais importante nos últimos meses a tratar da importante questão do princípio da estabilidade contratual entre jogador e clube que foi consagrado pelos Regulamentos da Fifa.

Importante dizer que a estabilidade contratual é uma questão crucial a ser atingida, uma vez que, em última análise, é ela que pode propiciar um real “competitive balance” entre os diversos clubes no mundo. Os contratos laborais devem ser cumpridos, a fim de que um clube possa melhor planejar a sua estratégia dentro e fora de campo e evitar que um outro clube, por ter um maior poderio financeiro, adquira os direitos sobre um determinado jogador sem que haja um acordo formal entre ambos os clubes.

A atual decisão é bastante relevante, uma vez que dá mais indícios de como os clubes e jogadores deverão visualizar a forma de cálculo da respectiva indenização em caso de resição antecipada do contrato e, em específico, por levar em consideração o princípio da especificidade do esporte. 

Havia uma “buy out clause” no valor de 25 milhões de euros (o que difere esse caso do Webster case). Porém o CAS entendeu que ela não era aplicável ao caso (assim como já havia entendido anteriormente o Dispute Resolution Chamber da Fifa), já que sua redação não reúne os elementos necessários para ser aplicada na rescisão unilateral por parte do jogador.

Desta forma, os elementos constantes dos Regulamentos da Fifa (os critérios do famoso artigo 17) foram utilizados para que, de forma bastente peculiar ao caso concreto, a indenização  fosse calculada. 

Desta forma, podemos concluir que as indenizações serão sempre calculadas no caso-a-caso pelo DRC ou CAS. A decisão, infelizmente, não nos dá margem suficiente para identificar qual seria a melhor redação para uma “buy out clause” a ser incluída em um contrato de trabalho de jogador, que pudesse ser aplicada a um caso semelhante.

Assim, por um lado temos avanço no entendimento do cálculo da indenização, mas por outro temos afastada uma desejada segurança jurídica para as partes em um contrato dessa natureza.

Os clubes e os jogadores precisam provocar uma maior discussão em torno do artigo 17, para que sejam alcançadas fórmulas e redações que possam garantir um eventual resultado prático, na hipótese de uma rescisão unilateral, seja por parte do jogador, ou por parte do clube.

Sem essa segurança jurídica, será difícil de atingir um amplo respeito ao princípio da estabilidade contratual.

Para interagir com o autor: megale@universidadedofutebol.com.br

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Luz laranja

A tendência ao longo da última temporada européia, apontou para uma janela de inter-temporada fraca. A situação econômica européia não melhorou, os bancos estão na míngua, a libra caiu e o mercado está inseguro e avesso a risco. Um péssimo cenário para a transferência de jogadores entre clubes, ainda mais com os altos valores praticados pelo mercado nos últimos anos não só com transferências, mas também com salários. Difícil acreditar que haverá uma crescida salarial. Por isso, é natural que os jogadores prefiram manter seus contratos atuais. Um contrato novo pode significar menos dinheiro no bolso.

Entretanto, existem esperanças. Duas, para ser mais específico. Uma se chama Manchester City, que deve despejar algum petróleo no mercado para comprar jogadores de renome. Com isso, ele permitirá que os clubes que tenham vendido também se abasteçam com novos jogadores, e assim por diante, criando um ciclo que pode favorecer o mercado de um modo geral. A outra esperança se chama Florentino Pérez, que bastante possivelmente será novamente presidente do Real Madrid. Ele foi o grande responsável pela era dos Galáticos, e promete replicar o projeto. Ibrahimovic, Kaká e Cristiano Ronaldo são seus alvos declarados. Outros de grande quilate devem pintar. E aí vai descer dinheiro pra todo mundo.

O problema pro Brasil é que o jogador brasileiro está em relativo período de baixa. Dos quatro semifinalistas da Champions League, nenhum tinha brasileiros como peças fundamentais em seu esquema, tirando talvez o Barcelona com o Daniel Alves. Mas só. É muito pouco para um país que forma tantos jogadores. Além disso, os três times já campeões nas cinco principais ligas da Europa – Manchester United, Barcelona, Inter de Milão – também não possuem brasileiros como seus principais destaques. Talvez também dê pra adicionar o Júlio César e o Maicon para fazer companhia ao Daniel Alves, mas, novamente, é muito pouco. Os prováveis campeões da França e da Alemanha, Bordeaux e Wolfsburg, até tem brasileiros como destaques. Mas talvez a pequena representatividade desses clubes não seja o suficiente para compensar o cenário moldado pelas outras ligas.

A esperança, no entanto, é o Shakhtar. Esse sim é formado basicamente por brasileiros. E foi campeão da Copa da Uefa, o que já é alguma coisa. Não que vá despertar o interesse supremo dos mercados de ponta, mas certamente motivará clubes mais intermediários, de ligas menos famosas e representativas. O sucesso do Shakhtar pode fomentar o desejo dos clubes médios europeus por jogadores brasileiros, principalmente daqueles em que o dono é magnata e quer sucesso em curto prazo. E esse mercado, se não prima pelo valor, certamente prima pela quantidade. A vitória do Shakhtar pode ativar significativamente a janela de transferência para jogadores brasileiros.

Se isso vir a acontecer, virá muito bem a calhar para clubes e grupos de investimentos no Brasil. Essa janela é a janela que clubes e grupos efetivamente colocarão os seus modelos de negócio à prova. Jogador precisa ser vendido rápido. O risco de manter um atleta para valorizar é muito alto e quanto mais velho o jogador fica, mais cai o seu valor de mercado. Portanto, para clubes vendedores e para investidores, é extremamente importante que essa janela seja aquecida.

Se não, vai ter que ficar para 2010. E aí, para alguns, pode ser tarde demais.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br

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A fisiologia da tática: ganha quem corre mais ou quem joga mais?

Diversas são as investigações científicas que buscam compreender a fadiga do jogador de futebol durante as partidas.

Em geral, tem se tentado associar uma possível queda de desempenho dos jogadores a fatores que vão desde o estado nutricional dos atletas até a melhor distribuição de cargas de treino ao longo dos dias de trabalho.

Um dos vilãos mais comumente apontados pela literatura especializada é o decréscimo nas reservas de glicogênio nos músculos envolvidos nas ações dos jogadores no jogo. Os principais argumentos para sustentar essa idéia (do vilão glicogênio) agrupam-se em análises que quantificam o glicogênio muscular pré e pós-partidas (e ainda intervalos dos jogos) e em rastreamentos que buscam apontar a diminuição das distâncias percorridas durante os jogos em “sprints” e em volume total.

Segundo Reilly, Drust, Clarke (2008), diversos estudos têm concordado que comparado ao 1º tempo de uma partida, o 2º tempo tem uma distância média percorrida pelos jogadores, menor. Os pesquisadores Mohr, Krustrup, Bangsbo (2003), por exemplo, apontam que em jogos analisados no seu estudo a distância percorrida pelos jogadores no 1º tempo foi em média 160 metros maior do que no 2º tempo.

Em acordo com esses dados podemos observar ainda alguns números dos jogos semi-finais (ida e volta) da Uefa Champions League 08/09:


Exceto no último jogo entre as equipes do Chelsea FC e do FC Barcelona em Londres, todas as demais partidas tiveram uma diminuição na distância total percorrida pelas equipes do 1º para o 2º tempo. Notemos que em média a variação dessa distância esteve em torno de -3.94%, tendo seu maior valor alcançado pela equipe do Manchester United em sua segunda partida contra a equipe do Arsenal FC (-9.04%).

Vale a pena destacar, porém, que estatisticamente as pesquisas científicas que têm investigado as distâncias percorridas pelos jogadores em partidas de futebol no mundo todo não têm encontrado diferenças significantes (sob o ponto de vista estatístico) entre os valores obtidos nos 1º e 2º tempos dos jogos.

Quando observamos a diferença entre as distâncias percorridas em alta intensidade, a variação percentual entre os dois tempos da partida de futebol aumenta. Com base em Barros et al (2007) que observou jogos entre equipes brasileiras, ela chega a -15.73% para corridas entre 19 km/h e 23 km/h, e aproximadamente -10.82% para sprints com velocidade igual ou superior a 23 km/h.

Concomitantemente a esses fatos, estudos têm demonstrado que comparada as condições iniciais, a quantidade de glicogênio muscular de jogadores após partidas de futebol tem uma diminuição significante; cerca de -43.20% na média.

Com diminuição tão acentuada na quantidade total de glicogênio muscular, com o fato de que seu restabelecimento dar-se-á através do consumo de carboidratos e que o preenchimento total dos estoques nos músculos pode levar mais do que 72 horas (algumas pesquisas apontam 48 horas, mas estudos específicos com jogadores de futebol têm demonstrado que esse tempo é maior após o desgaste de um jogo de 90 minutos), deveríamos acreditar realmente que a escassez nesse “combustível” por parte de uma equipe a levaria a drásticas consequências em uma partida de futebol.

Mas vamos aos fatos. A outros fatos.

Em 1982, os jogadores da seleção de futebol do Kuwait, então dirigido por Carlos Alberto Parreira, por ocasião do Ramadã, mergulharam em períodos de jejum total durante a Copa do Mundo da Espanha, sendo mais problemático o realizado entre o 2º jogo (contra a França) e o 3º jogo (contra a Inglaterra) da 1ª fase da competição. Desgastada pela sequência de partidas e já em seu último confronto, os kuwaitianos em jejum enfrentaram a seleção inglesa, em um jogo em que por diversos motivos (inclusive o jejum) as apostas apontavam para um “passeio” (massacre, atropelo, etc.) dos ingleses. O resultado do jogo: Inglaterra 1 vs 0 Kuwait; e nada de passeio.

Como seria possível que o kuwaitianos tivessem jogado – sem desconsideramos suas outras limitações – em “bom nível físico”?

Obviamente, como já disse anteriormente, a fadiga de jogadores em partidas de futebol não está associada a um motivo exclusivo. O que ocorre é uma associação de fatores que juntos contribuem para a queda de performance das equipes em jogos de futebol.

Medir a performance a partir de “distância total percorrida”, “distância percorrida em alta intensidade” ou “número de sprints” durante jogos, e ainda, associá-la a este ou aquele fator, única e simplesmente, é desconsiderar por completo a essência complexa do jogo.

O “correr sem significado” não tem o mesmo desgaste do “correr com significado”; o “correr sem significado”, no âmago das coisas, não é nem de longe parecido com o “correr com significado”.

O “correr sem significado” é movimento sem sentido, enquanto que o “correr com significado” é ação com jogo.

Olhar para dados referentes às distâncias percorridas em jogo numa perspectiva complexa é entender que eles são sintomas de um jogar, e não causa do jogo.

Enquanto acreditarmos que eles são causa, continuaremos acreditando que dados relativos as distâncias percorridas em jogo e números de sprints são reflexos de uma performance ingenuamente chamada de “física”, influenciada diretamente pelos níveis de glicogênio nas fibras musculares.

Quando entendermos que eles são sim sintomas de um jogar, aí… Bom aí pode ser que já tenhamos errado o planejamento e perdido o jogo.

Textos científicos mencionados nessa coluna:

BARROS, R.M.L. et al. Analysis of the distances covered by first division Brazilian soccer players obtained with na automtic tracking method. Journal of Sports Science and Medicine, v.6 p. 233-242, 2007.
MOHR, M. KRUSTRUP, P. BANGSBO, J. Match performance of high-standard soccer players with special reference to the development of fatigue. Journal of Sports Science, v. 21, p. 519-528, 2003.

REILLY, T., DRUST, B., CLARKE, N. Muscle fatigue during football match-play. Sports Medicine, v. 38, p. 357-367, 2008.

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Orquestra controlada

Imagine que você está no estádio assistindo a uma partida do seu time. O estádio é bacana, novinho, confortável. Cerveja à vontade, cantoria e pão com salsicha.

Aí seu time faz um gol.

Você grita de alegria. O gol foi do astro do seu time.

Digamos que ele se chame João da Silva e vista a camisa 10.

Aí entra um locutor que se pronuncia nos altos falantes do estádio.

Ele grita: “Goooooooooool!”.

Você se emociona.

O locutor pergunta empolgado: “E o autor do gol foi João…”.

E você, juntamente com toda a torcida, responde: “Da Silva!”.

Mais uma vez: “João…”, “Da Silva!”.

E, novamente, o locutor grita: “Número…”.

E todos, inclusive você, respondem: “Dez!”.

Mais uma vez: “Número…”. “Dez!”.

E, para finalizar, o locutor diz: “Muito obrigado”.

E você responde, em alto e bom som, junto com todo o estádio, igualzinho a quando saiu o gol: “De nada!”.

Estranho, não? Também acho.

Mas esse é o comportamento padrão da liga que é a menina dos olhos da Europa no momento, a Bundesliga. A Liga Alemã.

Então, imagine todo aquele diálogo acima em alemão. Fica ainda mais esquisito.

Mas isso acontece, pode reparar. É só sair um gol que sai tudo de acordo com o script acima. Tudo organizadinho. Assim como todo o futebol alemão. Afinal é a Alemanha.

A Bundesliga não é a liga que mais arrecada dinheiro na Europa. Perde, por uma margem significativa, para a Premier League inglesa. Mas é a que mais lucra. Disparado.

De acordo com seu relatório anual, as receitas da Primeira Divisão ficaram um pouco maiores do que 1,5 bilhão de Euros em 2007/2008, e conseguiu obter um lucro, coisa rara no futebol mundial, de cerca de 2 milhões de Euros. Dos 18 clubes que disputaram a Bundesliga na temporada passada, 15 apresentaram lucro operacional.

Por conta grande capacidade e da recente renovação dos seus estádios, a Bundesliga é a liga com maior número de torcedores de toda a Europa, tendo chegado à média de praticamente 39 mil torcedores por jogo na última temporada, sendo que a média da atual temporada é superior a 42 mil torcedores por jogo, extra-oficialmente.

A melhoria dos estádios, porém, tem um custo. A dívida total dos clubes da Bundesliga supera 500 milhões de Euros, ainda que tenha sido reduzida em cerca de 50% em três anos. Tudo isso por conta de um grande aperto fiscal e controle de custos.

E controle de custo, no futebol, significa menos salário pago a jogadores. Os clubes alemães, tirando o Bayern de Munique e uma ou outra exceção, não compram ou retém astros do futebol europeu, porque não competem com os salários pagos pelos principais clubes da Espanha, Itália e Inglaterra.

Como forma de segurar o nível de salários para baixo, o futebol alemão também aumenta a oferta de jogadores. Lá não existe cota para estrangeiros. Se um clube quiser ter um time com 22 marroquinos, ele pode. Nada impede. Dessa forma, não se criam restrições no mercado de jogadores, o que amplia a oferta e joga o valor dos salários lá para baixo. Isso leva o futebol alemão ser hoje a menina dos olhos dos empresários de futebol do mundo inteiro.

E como o futebol alemão não segura seus astros, ele sofre as conseqüências. Há tempos os clubes alemães perderam a representatividade que antigamente possuíam na Europa. Um clube alemão dificilmente vai conseguir fazer frente às outras potências continentais.

Com estádios bacanas, o espetáculo orquestrado e um campeonato competitivo, a torcida alemã aparentemente não tem dado bola para o sucesso continental. O problema pode ser na hora que ela mudar o humor e passar a exigir maiores títulos de seus clubes.

É aí que será possível ver se a Bundesliga é mesmo forte ou não.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br

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Empresa-clube

Um dos principais projetos do Corinthians para 2009-2010, de acordo com o vice-presidente de marketing do clube, é a formatação de um grupo de investimentos, composto por 50 corintianos, voltado ao financiamento das operações do seu departamento de futebol.

Em outras palavras, o clube reconheceu sua incapacidade de financiar diretamente suas atividades envolvendo compra e manutenção de bons atletas e irá recorrer ao mercado para, em troca deste aporte financeiro, realizar lucros aos investidores.

O núcleo central da idéia não é inédito. Dentre outras iniciativas, as mais conhecidas e que exaltam os grandes players do mercado incluem a “cesta de atletas” e o acordo com a Traffic Marketing Esportivo, no Palmeiras; o Grupo DIS Sonda, cujos acordos principais têm como parceiros Santos e Internacional. O Botafogo também dispõe de um acordo com uma empresa investidora em seu futebol.

Além da já batida evidência da falta de fôlego financeiro dos clubes como causa deste fenômeno, pode-se abordar algumas conseqüências.  

Costuma-se afirmar que a realidade sempre chega antes do Direito. Nesse caso, na prática, a discussão oriunda da Lei 9615/98 (Lei Pelé) sobre a obrigatoriedade jurídica dos clubes de futebol de se transformarem em empresa resta sobrepujada nos seus antigos argumentos. 

Muitos desses relacionamentos são exemplos de empresa-clube, onde o principal objetivo é revelar jovens jogadores para gerar e distribuir lucros – em especial, para as empresas.

Muito embora os clubes, pela sua natureza jurídica, não possam perseguir o lucro em suas operações, parte dele – em geral, minoritária – voltará aos seus cofres, após vultosas transferências de jogadores. 

Por outro lado, aspectos positivos emergem desta realidade, que pode ser transitória para os clubes rumo a um patamar mais estruturado e planejado em termos de gestão e suposta auto-suficiência de recursos.

O relacionamento com a iniciativa privada cobra, ainda que colateralmente, a adoção de melhores práticas de gestão e respeito aos contratos.

Esses acordos podem servir de aprendizado para os clubes no relacionamento comercial, privado, de um mercado que não tolera rompimentos injustificados e repentinos.

Bem ao contrário do histórico de calotes, viradas de mesa em campeonatos, perdões de dívidas e complacência do poder público com os clubes, os “mercados” do futebol também não costumam perdoar desatinos administrativos.

Se o ambiente de negócios num clube não é favorável, profissional e transparente, o investimento migrará para outro.

Nesses casos, investidores privados mexendo no bolso dos clubes podem impulsionar sua profissionalização.

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br

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A responsabilidade científica do futebol

Já o Sporting tinha sido excluído da Champions League, por duas derrotas descomunais e o Benfica, ainda na fase de grupos, sofrera igual tratamento porque mostrou, sem margem para dúvidas, que se encontrava corroído por uma espécie de cancro de que não se conhece a origem e eis que por causa de um erro do árbitro Lucílio Batista, na final da Taça da Liga, o mundo lisboeta do futebol rompeu em sanhudos debates, sustentando os sportinguistas que o árbitro os “roubara” propositadamente e os benfiquistas que a Taça lhes coube, em clara honradez de processos.

Entretanto, o F.C. Porto assiste do pódio de campeão, piscando um olho discreto e vencedor, à conversa azeda entre os dois principais clubes da capital, que parecem viver em clima de marasmo, derrotismo, de verdadeira confusão mental.

Com efeito, o que é a Taça da Liga? No âmbito europeu muito pouco! No âmbito nacional, é uma prova que serve, à maravilha, para o Sporting e o Benfica esconderem a sua gritante incapacidade à conquista do Nacional de Futebol e para se afirmarem no futebol europeu.

Não ponho em causa as poucas e lúcidas páginas que justificam a Taça da Liga. O que está aí, à vista de toda a gente, é que os principais clubes, ou olham para ela com um olhar lateral e sem interesse, ou fazem o que os actuais Benfica e Sporting (e digo actuais porque já os conheci, quando escreveram páginas imorredoiras, na história do nosso futebol) parecem ser especialistas: legarem à posteridade um retrato onde se surpreendem os tiques e os ridículos de uma macrocefalia que se fez acéfala.

E, no entanto, há no Benfica e no Sporting funcionários e técnicos (incluindo os de saúde) de eloquente competência e honestidade. Uma boa parte deles conheço-os, há largos anos. Alguns muito me ensinaram, quando foram meus alunos. O que se passa então, no futebol sénior destes clubes, que se encontra confuso e envolto em sucessivos falhanços, mascarados por longas disputas e cansativas parlengas?

Há poucos dias, um daqueles técnicos, que não teme cotejo com o que de melhor apresenta, na sua área, o futebol inglês, ou o italiano, ou o espanhol, confessava-me, derramando uma sentida tristeza: “Professor, no campo da avaliação dos índices de fadiga e do controlo de treino e da recuperação física e da prevenção das lesões etc. e até no da observação e análise de jogo, estamos ao nível do que melhor se faz na Europa e por isso lhe pergunto: o que nos falta, no seu entender, para sermos uma equipa vencedora?”. Tinha o rosto carregado de ansiedade e prosseguiu: “Lembro-me, com frequência, do que nos ensinava nas aulas e muitas vezes dou comigo a repetir: é preciso saber mais do que futebol, para se saber de futebol. Professor, estou rodeado de gente que sabe de futebol e a prestação da equipa, que tem jogadores de classe, é um rosário de insucessos”.

Sempre tive receio de falar do que nunca fiz. Se bem que razoavelmente informado, designadamente no que à filosofia das ciências diz respeito, sou um modestíssimo filósofo. No entanto, não posso esconder que levo uma vida de convívio fraterno com treinadores desportivos de excepcional relevo, como o Mário Moniz Pereira, o José Maria Pedroto, o Mário Wilson, o José Mourinho. Leio, atentamente, os livros do Jorge Castelo, um teórico sem par no futebol europeu, do Jorge Araújo, que realiza um incomparável (entre nós) trabalho interdisciplinar desporto-gestão, do José Neto que não se cansa de apontar-me os pontos mais salientes da vasta problemática do futebol. Escuto o que o Jorge Jesus me relata do seu dia-a-dia de treinador perspicaz e diligente. Acompanho, mesmo com entusiasmo, o futebol português e o internacional. Não me escusei, por tudo isto, à resposta que o meu interlocutor me solicitava:

Se todos sabem muito de futebol e a equipa, mesmo com jogadores de grande valia técnica, não é eficiente, a organização, que transforma um conjunto em sistema, não funciona.

Repito: é a organização que une e transforma os elementos em sistema. Mas esta união é mais qualitativa do que quantitativa. Um conjunto de bananas não faz um sistema. O conjunto é sistema, quando é corpo e alma, ou seja, quando o jogador corre e remata e defende e luta… porque acredita! Quando o seu desempenho, a sua atitude ganhadora resultam de uma totalidade que não se desmorona porque objectivos bem nítidos e fundamentados a informam. Um dos mais notáveis biólogos de todos os tempos pode ser ouvido, neste passo: “o que define uma máquina são as relações (…). A organização de uma máquina implica matéria, mas esta matéria não entra enquanto tal na definição de máquina” (Francisco Varela, Autonomie et Connaissance. Essai sur le vivant, Seuil, Paris, 1992, p. 128).

Agora, meu querido amigo, sou eu a perguntar-lhe: todos os jogadores do seu clube acreditam no treinador e naquilo que ele determina ou propõe?… Redarguiu, sem dificuldade: “Nem todos”. E eu muito lépido: assim, as relações estão inquinadas e a máquina funciona mal, inevitavelmente! Os jogadores até podem ser muito profissionais, mas só se é vencedor quando se é mais do que profissional, quando se é, digamos a palavra: crente! Resumindo: quando, sem rejeitá-lo, se ultrapassa o próprio raciocínio lógico e dedutivo.

Na alta competição, o futebolista é, em todos os momentos, interpelado, convocado a dar uma resposta complexa, total às solicitações do jogo e da própria vida. A responsabilidade do futebolista (como do praticante de qualquer outra modalidade, em alta competição) é humana, bem antes de ser futebolística.

“Que hei-de eu fazer, professor?”. E a interrogação ficou a ressoar, expectante, na boca do meu antigo aluno. Respondi-lhe: leia os dois últimos livros de Edgar Morin, publicados pela Editora Piaget. Leia, sem receio, criticamente. O que embrutece não é a falta de instrução, mas a convicção da inferioridade da nossa inteligência. São duas obras de reduzida dimensão e, depois, voltamos a falar. A responsabilidade social do futebol reside aqui: em dizer ao mundo em que vivemos que nada se resolve só com especialistas, com a neutralidade do positivismo, mas com peritos que o são porque também conhecem o todo.

Como bem o mostrou Michel Serres, no seu livro La traduction. Hermes III (Minuit, Paris, pp. 81-83), o perito, à maneira antiga (e há uma praga desta gente, nas altas instâncias do futebol) tem um discurso parcial, limitado, reduzido a uma única problemática. Como se tudo não estivesse em rede com tudo! Ocorre-me o Imbelloni, ao tempo treinador do Braga, a sustentar que no futebol tudo estava inventado. Desconhecia o antigo jogador argentino que, numa compreensão complexa da realidade, a inércia é impossível, dado que tudo é processo, tudo se encontra em devir histórico. No desporto, a competição é tentativa de superação é movimento! E o que é o progresso senão mudança contínua?

As crinas brancas das ondas emergiam à superfície da paisagem em que o nosso olhar se perdia. Almoçávamos tranquilamente, na Costa da Caparica…

*Antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.

Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.

Esse texto foi mantido em seu formato original, escrito na língua portuguesa, de Portugal

Para interagir com o autor: manuelsergio@universidadedofutebol.com.br

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De faca na Liga

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Sports Technology Journal: periódico especializado em tecnologia esportiva

Olá, amigos.

Hoje abro espaço para divulgar um importante periódico em consolidação, especializado em tecnologia no esporte. Lançado no ano passado, de atuação global, com centros editoriais e comercias nas Américas, Europa, Ásia e Oceania, o Sports Technology Journal traz em sua proposta o estreitamento de relações entre os profissionais do esporte com o objeto tecnológico, por meio da aproximação da pesquisa cientifica com as inovações da indústria esportiva.

A seguir, os tópicos que o periódico sugere:

·         Design esportivo e inovações estratégicas
·         Desenvolvimento de produtos esportivos
·         Tecnologia esportiva e o homem
·         Tecnologia esportiva e sustentabilidade
·         Ciências do esporte e engenharia
·         Modelos esportivos e simulação
·         Medidas e mensurações no esporte
·          Análise de desempenho esportivo
·         Lesões esportivas e estratégias de prevenção
·         Aerodinâmica esportiva
·         Biomecânica esportiva
·         Biometria esportiva
·         Bioinformática esportiva
·         Material e processos esportivos
·         Equipamentos esportivos, padrões e normas de segurança
·         Arquitetura de estádios
·         Tecnologia para esportes adaptado
·         Sistemas de gerenciamento esportivo
·         Legislação esportiva relacionada à tecnologia
·         Pesquisas em tecnologia esportiva aplicadas na educação
·         Cases da indústria esportiva

Muitos tópicos ainda podem derivar desses sugeridos, mas o importante é ressaltar o surgimento de um espaço
destinado à divulgação e discussão, em padrões científicos, das tendências e inovações neste segmento.

Até o presente momento, foram divulgados 40 artigos, e para nós, que defendemos a inserção e ambientação do futebol no universo tecnológico, apenas dois tiveram relação com nossa adorada modalidade. Ambos sobre absorção do impacto da grama, vinculado à política de segurança da Fifa.

Pouco, é verdade! Mas está aberto o espaço. A exemplo de outras tantas modalidades que lá aparecem sendo discutidas e testadas do ponto de vista das inovações tecnológicas, como o snowboard, o beisebol, o golfe, o alpinismo, entre tantas outras, servem de estímulos para que possamos, cada vez mais, procurar por  possibilidades aplicadas ao futebol.

O surgimento desse veiculo corrobora com aquilo que estamos discutindo recentemente sobre a necessidade de desenvolver as habilidades e competências do profissional do esporte frente aos novos recursos tecnológicos. 

Com certeza uma gama de assuntos presentes em alguns desses artigos não serão fáceis de compreender e, em muitos casos, nem será necessário o profissional aprender o processo de desenvolvimento e quais materiais, equações e processos foram utilizados em determinada tecnologia. Mas, sem dúvida, estar atento às mudanças, às inovações, e, sobretudo, aos quesitos resultados e impactos que possam ter no desempenho da equipe ou dos jogadores é primordial para que se mantenha a atualização tecnológica.

No próximo texto da série sobre Teoria da Tecnologia Esportiva, exploraremos um pouco das capacidades e habilidades do profissional para que consiga realizar essa atualização tecnológica.

Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br

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Interditemos a Conmebol

A solução parece ser uma só. Interditar a Confederação Sul-Americana de Futebol, ou como eles mesmos gostam de ser chamados, a Conmebol. Entidade máxima do futebol da América do Sul, a Conmebol pode, sem qualquer dúvida, ser chamada de cérebro mínimo da gestão esportiva na América do Sul. 

Pelo menos no futebol.

A lambança que foi feita pela entidade na condução do processo envolvendo os jogos de times mexicanos nas oitavas-de-final da Libertadores é daquelas de fazer corar qualquer criança que um dia já quis organizar um campeonato de futebol de botão em casa.

Indefinição, insegurança, conflito de interesses, falta de pulso, falta de tato, falta de responsabilidade.

Uma lista interminável de erros e trapalhadas que acabaram deixando o principal campeonato de futebol das Américas mais mal organizado do que muito jogo de várzea por aí (o que, em se tratando de futebol na América do Sul, não é nenhuma grande novidade).

Chivas e San Luís não poderiam ter continuado na disputa da Libertadores. Infelizmente, por conta de uma epidemia de um vírus da gripe que pode até matar, não poderia. 

Todo ano acontece isso? Não.

Esses times seriam prejudicados? Sim.

A culpa é da Conmebol ou dos clubes? Não.

Infelizmente, era a decisão a se tomar. Automaticamente, os clubes que tinham ficado em terceiro lugar nas chaves dos dois times mexicanos se classificariam em seus lugares. E, no ano que vem, Chivas e San Luís estariam assegurados na disputa da Libertadores, que excepcionalmente teria duas equipes a mais em 2010.

Em 2003, a Fifa viu-se em dilema parecido, com o vírus do Sars a castigar especialmente a Ásia. Isso era o início do ano. Em setembro, a Copa do Mundo de futebol feminino seria jogada na China. A sete meses do evento, a Fifa mudou a sede do torneio para os Estados Unidos, postergando a sede chinesa para 2007.

É o mesmo caso. E com dimensões mais complexas, já que envolve Copa do Mundo e zilhões de dólares em contratos comerciais e venda de direitos de transmissão. 

O bom gestor precisa tomar sérias decisões. Mesmo que desagrade a muitos. Por isso mesmo, as entidades esportivas não podem ter, em seus tomadores de decisões, pessoas meramente políticas, como é o caso de Nícolas Leoz, há mais de duas décadas politicamente no comando da Conmebol…