Categorias
Sem categoria

A polêmica criação da Superliga Europeia e seus entraves legais e morais

No dia 18/04/2021, o mundo do futebol foi surpreendido com a notícia de que 12 (doze) dos principais clubes da Europa se uniram para criar uma competição, a chamada Superliga Europeia.

AC Milan, Arsenal FC, Atlético de Madrid, Chelsea FC, FC Barcelona, FC Internazionale Milano, Juventus FC, Liverpool FC, Mancheser City, Manchester United, Real Madrid CF e Tottenham Hotspur seriam os clubes fundadores desta nova competição. Contudo, até a redação deste artigo, apenas Real Madrid e Barcelona resistem oficialmente à continuidade do projeto.

De acordo com o anúncio, a Superliga está sendo criada em um momento no qual a pandemia global acelerou a instabilidade no modelo econômico atual do futebol europeu, sendo alegado que, por anos, os clubes fundadores têm tido o objetivo de melhorar a qualidade e intensidade das competições europeias e de criar um formato para que os principais clubes e jogadores pudessem competir com regularidade, o que proporcionaria um crescimento econômico significativamente maior do que com o atual modelo da Champions League.

Diferentemente da Champions League, principal campeonato do futebol europeu e um dos principais do mundo, a Superliga possui poucos critérios esportivos para definição dos participantes, sem um sistema de rebaixamento para divisões inferiores, em que os clubes fundadores teriam “vagas eternas” no campeonato, não podendo ser rebaixados, o que vai totalmente de encontro, contrariamente à prática futebolística profissional em quase todos os países afiliados à FIFA.

Não é de assustar que o anúncio da criação da Superliga irritou a UEFA, a qual já se posicionou oficialmente contra o projeto, assim como várias Federações Nacionais. Em nota oficial, a UEFA, organizadora da Champions, principal concorrente da Superliga, declarou que espera que não seja dado seguimento ao projeto de criação deste novo campeonato, afirmando que a Superliga trata-se de um projeto cínico e que visa privilegiar o interesse particular das equipes envolvidas, justamente em um momento que a sociedade precisa de solidariedade, declarando, ainda, que pretende tomar as medidas cabíveis para impedir a criação do campeonato.

Mas afinal de contas, os gigantes da Europa podem criar um campeonato de futebol?

A FIFA afirmou que “só pode desaprovar uma Liga Europeia fechada e dissidente fora das estruturas do futebol” e que está “firmemente posicionada em favor da solidariedade no futebol e de um modelo de redistribuição justo”. O presidente da FIFA, Gianni Infantino, reprovou fortemente a criação de uma superliga fechada, afirmando que “está fora do sistema e que é uma ruptura em relação às federações, à FIFA, à UEFA e demais instituições”.

A UEFA ameaçou punir os clubes envolvidos na Superliga, tanto esportivamente quanto judicialmente, assim como com o banimento das competições nacionais e internacionais, além da proibição dos jogadores desses times defenderem as suas respectivas seleções.

Alguns governos europeus também se posicionaram contra a criação da Superliga. O governo do Reino Unido, por exemplo, ameaçou até criar impostos aos clubes ingleses que estariam entre os fundadores da competição.

Com base no julgamento de casos parecidos nos Tribunais Europeus, que discutem monopólio, a livre concorrência e as regras de participação em campeonatos, a Superliga poderá ser legalmente praticável, desde que esteja em conformidade com o direito europeu de concorrência e com as estruturas do futebol.

Caso a nova competição não esteja em conformidade com o direito europeu da concorrência, os outros clubes poderão iniciar um batalha jurídica para que a Superliga não possa ser oficializada.

O que estaria realmente em jogo seria a questão moral na criação deste novo campeonato. Não é razoável criar uma liga apenas com fins econômicos, sem critérios desportivos básicos, que poderá impactar negativamente toda a estrutura do futebol europeu e do mundo, até mesmo a carreira dos jogadores.

Até o momento, a possibilidade de cooperação entre este novo campeonato e os outros torneios nacionais e internacionais e as principais organizações desportivas é mínima, quase nula, o que bem provavelmente irá ocasionar a ruína da Superliga.

A verdade é que a repercussão negativa da criação da Superliga, não apenas entre a UEFA e outros campeonatos europeus importantes, mas entre os torcedores e a grande mídia, esfriou o sonho dos clubes fundadores.

A briga entre a Superliga e os outros principais campeonatos europeus pode até parecer interessante em um primeiro momento, mas a longo prazo, poderá fazer com que os clássicos entre os gigantes, que hoje é considerado um duelo especial e que atrais os olhares e fascina todos os amantes do futebol, algo monótono e recorrente, tirando toda a magia dos clássicos, além do grande impacto financeiro negativo.

Categorias
Sem categoria

Jogar futebol sem a bola

Crédito imagem: Lucas Figueiredo/CBF

Não me canso de falar de cultura, ambiente e contexto ao analisar futebol. A intervenção de uma comissão técnica, por exemplo, deve ponderar sobre tudo que circunda determinado clube para ser mais eficaz. E pesam, também, conceitos macro. O que está por trás do jogar de determinado país?! Como o futebol foi praticado até então?! O que está enraizado na cultura, no inconsciente coletivo?

Quero trazer essa discussão para o futebol brasileiro sob a ótica do jogador sem a bola. Tanto defensiva como ofensivamente. Já ouvi de vários técnicos a dificuldade em implementar sistemas mais complexos de jogo pela falta de entendimento e  vontade dos nossos atletas em atuarem distantes do centro de jogo. A explicação mais palpável para mim vem da cultura. Isso porque esses mesmos jogadores quando vão para a Europa cumprem papéis táticos muito bem definidos. Mas aqui são engolidos pelo contexto.

O contexto histórico é muito importante para entendermos o presente e projetarmos o futuro: o jogo se desenvolveu no Brasil pautado na individualidade. O bom jogador era aquele que driblava muitos adversários. O bom treinador era aquele que não ‘atrapalhava’ o talento. E isso está enraizado até hoje. Aparece nas crianças que brincam na rua e na escola. Nos adolescentes que jogam nas categorias de base. Até no cenário profissional há  uma complacência dos próprios companheiros com aquele jogador mais habilidoso, liberando-o de atividades mais intensas de marcação. E claro que esse cenário todo desemboca na forma de o torcedor enxergar o jogo e até na maneira com que a imprensa retrata os acontecimentos.

Sei que uma cultura não se muda da noite para o dia. Leva-se anos, décadas, gerações. E vejo boas sementes sendo plantadas por aqui. Espero muito em breve ver jogadores habilidosos satisfeitos por participar de um gol, mesmo não tocando na bola, apenas guardando uma posição para atrair a atenção da marcação adversária, gerando espaço para outros companheiros. Ou então esse mesmo jogador fechando uma linha de passe quando está sem a bola, e até recompondo um setor do campo para impedir a progressão do rival. Quanto não ganharíamos com essas situações?! Quanto não seria benéfico a quebra do dogma de que se um atacante voltar para marcar ele não teria ‘força’ (?) para cumprir suas obrigações ofensivas…evolução é tudo! O mundo mudou e, claro, o futebol também. Que nossa cultura seja preservada. Sempre. Mas evoluindo para sermos mais eficazes, abandonando aquilo que não nos aproxima mais da vitória.

Categorias
Sem categoria

O que preciso saber sobre a Legislação Desportiva no Brasil?

Nessa coluna iremos explorar, de maneira objetiva, as principais normas e preceitos no tocante a legislação Desportiva no Brasil. Nesse contexto, não há dúvida que o esporte, principalmente o futebol, envolve e fomenta a paixão de milhões de pessoas e interesses, sendo certo tratar-se de um dos acontecimentos socioculturais mais importantes que existem, influenciando todos os campos de atuação humana, desde o lado financeiro até a área científica. Fenômeno desta dimensão deve possuir legislação e normas claras, visando traçar diretrizes de funcionamento e organização.

O Decreto-Lei 3.199 de 14 de abril de 1.941 foi a primeira legislação que regulamentou matérias relacionadas ao desporto no Brasil. Há época, o estado brasileiro vivia um regime centralizador e autoritário, sendo que Poder Executivo acumulava as atividades e funções de gestor e fiscalizador do desporto e das entidades desportivas.

Essa pioneira legislação estabeleceu as bases de organização dos desportos em todo o país, sendo assinada por Getúlio Vargas em 14 de abril de 1.941.

Peço a permissão para citar os ensinamentos trazidos por Carlos Migues Aidar (Direito Desportivo, editora Mizuno, 2003, p.17):

“Na era Vargas, em meados de 1.930 a 1.045, inicia-se o período do direito desportivo, com o primeiro decreto, pois até então, o desporto era entendido como algo lúdico, nada profissional, e neste período cessa a segregação racial, existente até aquela época na sociedade, onde o desporto era tão somente praticado por filhos da elite”.

Poucos de nós vivenciamos esse momento histórico no Brasil, e a citação acima nos remete a tempos não democráticos, em que, também, o preconceito e racismo eram ainda mais presentes e acentuados. Impossível, assim, não voltarmos ao ano de 1.914, com o surgimento da história do “pó-de-arroz”. Mesmo não sendo o primeiro negro a vestir as cores do Fluminense, Carlos Alberto jogava contra o seu ex-clube pela primeira vez, o América (data: 13/05/1914), jogo este que originou o conto.

Em seguida, a Lei 6.251 trazia e instituía normas gerais sobre o desporto, no entanto, foi posteriormente revogada pela LEI ZICO (Lei nº 8.672/1993). O fato mais importante a ser destacado sobre esta legislação, refere-se ao fato de que a mesma surgiu com o objetivo inicial de fortalecer, financiar e incentivar o desporto no Brasil.

Posteriormente, a lei 6.354/1976, em suma, tratava sobre as relações de trabalho do atleta profissional de futebol, sendo que podemos concluir ser a legislação no Brasil que consolidou e tratava especificamente da profissão de atleta profissional de futebol, possuindo como principal objetivo a proteção de clubes e atletas.

A presente lei foi REVOGADA integralmente em 2011, mediante a promulgação da Lei 12.395 pela ex-presidente Dilma Rousseff. No entanto, o “Passe” propriamente dito foi extinto em 1.998, mediante a Lei Pelé, sobre a qual também trataremos mais à frente na presente coluna.

Continuando acerca da evolução da legislação nesse sentido, não há qualquer dúvida que a Constituição Federal de 1.988 é um marco para o Direito Desportivo no Brasil, sendo um marco inicial para a sua autonomia, tornando-se, posteriormente, um ramo próprio do Direito. Certamente, a CF/88 é a importante fonte do Direito Desportivo.

E ainda, a Constituição e o início do processo democrático no Brasil proporcionaram oportunidades para o ramo do Direito Desportivo, resultando na instituição da Lei 8.672/1993 – Lei Zico, criando, inclusive, cenário e espaço para discussão da relação entre atletas e clubes.

A lei 8.672 foi sancionada em 6 de julho de 1993 pelo presidente Itamar Franco, e provocou alterações importantes na estrutura do esporte no Brasil. Referida legislação reduz o poder dos órgãos de administração do esporte (confederações e federações) e dos dirigentes, e fortalece os clubes e os atletas.

A Lei Zico também estabelece regras claras para as eleições nas federações e confederações. Ela impossibilita casuísmos e democratiza a escolha dos presidentes. Elaborada a pedido do ex-jogador Zico (secretário de Desporto do governo Collor), a lei foi bastante alterada no Congresso. Entraram pontos polêmicos, como bingos de clubes, tribunais especiais e efeito suspensivo. Outro importantíssimo aspecto trazido pela Lei Zico refere-se à transferência para o setor privado de muito mais prerrogativas e poderes ligados ao setor, diminuindo a interferência do Estado nas relações desportivas.

Posteriormente, com a Lei Pelé, a qual até hoje é a principal fonte do Direito Desportivo após a Constituição Federal, possibilitou-se a criação de um Sistema Nacional do Desporto, além de ter aberto o caminho para a autonomia das ligas, conforme já previa a CF/88. A Lei Pelé sofreu algumas alterações nos anos de 2000, 2001 e 2003 com os objetivos de modernização, adequação aos casos concretos, solucionar questionamentos de inconstitucionalidade, além de finalmente extinguir o “Passe”, terminando com a relação para muitos desigual que existia.

“A Lei Pelé foi um baita avanço e acho que não teve nenhuma influência na saída de jogadores.

Nada justifica, no final do século XX, que alguém seja propriedade de outra coisa. Era uma lei escravagista” – (Kfouri 2005 apud Fávero 2008).

O “Passe Livre” ou “Lei Áurea” dos jogadores de futebol significam, para muitos, a liberdade pleiteada pelos atletas, os quais a partir de então não tiveram mais seus passes vinculados a nenhum clube.

Assim, grande parte dos atores do futebol entendem e defendem que a Lei Pelé proporcionou mudanças significativas principalmente no que se refere aos seguintes temas: contratos de trabalho dos jogadores de futebol, entre elas as alterações no prazo de duração dos contratos, o decreto do fim do passe, o estabelecimento da cláusula penal obrigatória para os casos de rescisão contratual, os direitos da entidade desportiva formadora do atleta, as indenizações por formação e promoção do atleta, entre outras.

Concluindo, a Lei Pelé foi criada visando maior transparência e profissionalismo ao esporte no Brasil, instituindo, inclusive, o Direito do Consumidor nas práticas esportivas, estabeleceu a prestação de contas por dirigentes de clubes, assim como determinou a independência dos Tribunais de Justiça Desportiva.

Por fim, apesar de ainda termos muito a evoluir, o Estatuto do Torcedor é uma importante legislação trazida para os amantes do futebol, notadamente os apaixonados torcedores. Apesar de no Brasil a estrutura e conforto do torcedor ainda merecer grande evolução, a presente lei veio praticamente estender os direitos do consumidor para os eventos esportivos, notadamente o futebol.

Categorias
Sem categoria

Praticando a visão sistêmica e o pensamento complexo no futebol

Crédito imagem – Rafael Vieira/AGIF/CBF

Tivemos a oportunidade de introduzir em textos anteriores – aqui e aqui – o tema da complexidade no futebol, buscando alguns referenciais para uma reflexão crítica que nos permitisse enxergar o futebol em uma perspectiva distinta daquela adotada pelo senso comum.  Nesta visão tradicional, calcada no paradigma cartesiano, linear, mecanicista, existe uma predisposição para que, ao se buscar aprofundar o conhecimento em torno de um determinado objeto ou fenômeno, divide-se o todo em partes, muitas vezes fragmentando-o e impedindo uma compreensão mais geral e contextualizada do todo, aqui entendido por meio de seus sistemas.  

Portanto, desenvolvemos algumas ideias procurando demonstrar que a compreensão da realidade (do futebol, da sociedade, da natureza, do mundo) pode ser ampliada e melhorada se adotarmos o paradigma da complexidade em nossa cosmovisão ou visão de mundo, onde o pensamento sistêmico e o pensamento complexo são referências indispensáveis a serem adotadas.

Dentro desta abordagem, temos que entender a realidade através de princípios que caracterizam o próprio sistema. Destacaremos aqui alguns deles:

  • O sistema possui vários elementos que interagem entre si, de forma dinâmica, penetrante e não-linear.
  • Esses elementos são abertos e atuam ou interatuam entre si, influenciando e sendo influenciados pelo seu entorno e ambiente.
  • Todo sistema vivo e não mecânico funciona de forma recursiva (circular), incerta e imprevisível.
  • Também funciona longe do equilíbrio estático, confrontando-se com forças contrárias o tempo todo.
  • Os sistemas orgânicos – e, por extensão, toda a realidade que envolve o ser humano, a sociedade e a natureza – são sempre permeados pela subjetividade e a intersubjetividade.

Todos sabemos que somos seres biopsicossociais que interagimos permanentemente entre nós mesmos, bem como com a sociedade e a natureza das quais somos parte integrante. Porém, pouco pensamos sobre o como estas interações se dão e o quanto somos capazes de influenciar e sermos influenciados pela nossa cultura e nossa história. Muitas vezes não nos damos conta sobre o fato de que somos ao mesmo tempo produtos e produtores de cultura e história. Ou seja, ao mesmo tempo que somos frutos de todo um contexto cultural e histórico, também nele podemos atuar dialeticamente modificando nosso próprio ambiente cultural e histórico. Todo ser humano vive e é capaz de se desenvolver dentro de todas as suas dimensões (materiais, biológicas, psíquicas, intelectuais, morais, espirituais etc.), procurando dar sentido às suas vidas e podendo, assim, se regenerar ou se degenerar a cada momento da existência. Aqui vale citar a frase do sociólogo e pensador Edgar Morin que afirma “o que não se regenera, se degenera”, como fonte inspiradora do nosso pensar e do nosso agir.   

Dito isso, podemos considerar alguns pressupostos que nos permitirão elaborar as nossas estratégias na direção de colocarmos em prática o nosso pensar sistêmico e complexo no universo do futebol.

PRESSUPOSTOS:

  1. Não se pode entender as partes de um sistema de forma descontextualizada do todo e nem entender o todo desconectado de suas partes constitutivas.
    Exemplo: A condição atlética de um jogador de futebol só faz sentido se analisada e percebida dentro do contexto de sua participação integral em uma partida. Também o jogo não pode ser visto dentro de toda a sua realidade e complexidade, sem considerarmos todos os elementos internos e externos que o constitui.
  2. Todo sistema é formado por um conjunto de elementos interagindo entre si, influenciando-se mutualmente e influenciando o sistema como um todo que, por sua vez, interfere em seus elementos fazendo emergir permanentemente novas situações, instáveis e imprevisíveis. Diante desta dinâmica é mais sensato pensar que os fenômenos, as coisas, as pessoas mais “estão” do que “são”. O movimento da vida é constante, intermitente e muda a cada instante.
    Exemplo: O pressuposto linear e mecanicista – ainda tão comum no futebol – que afirma que “em time que está ganhando não se mexe” não serve para este pressuposto sistêmico, pois como já destacamos, tudo muda a cada instante dentro de um sistema. Ainda dentro desta perspectiva não podemos afirmar que um jogador (ou um time) é bom ou ruim, mas sim que este jogador (ou time) está bem ou mal dentro de determinadas circunstâncias.
  3. A vida humana é permeada incessantemente por relações interpessoais e subjetivas (intersubjetividade) que precisam ser entendidas e acolhidas para que se possamos caminhar juntos, identificando-se os propósitos comuns entre as pessoas.
    Exemplo: A formação, participação e engajamento de uma equipe de futebol que busca a alta performance depende fundamentalmente de como os seus elementos se identificam e se comprometem com os objetivos comuns traçados. Para isso é essencial que as lideranças identifiquem as diferentes visões em torno dos seus propósitos comuns, potencializando-os.
  4. Na perspectiva sistêmica e complexa, todo conhecimento deve ser entendido como algo precário e provisório e que pode nos induzir a erros, ilusões ou até a alucinações. Por isso, o exercício em busca do conhecimento lúcido e amplo deve ser sempre acompanhado de cuidados, balizado por nossos limites ou limitações.
    Exemplo: Um especialista (treinador, preparador atlético, fisiologista, psicólogo, nutricionista etc.) pode ser facilmente induzido ao erro se não tiver uma noção – a mais clara possível – do todo, ou seja, de todos os fatores (além dos inerentes à sua especialidade) que podem interferir no desempenho dos atletas e da equipe de forma geral, incluindo-se aqui os macro e microssistemas que interferem no treino, no jogo e na vida de cada um e de todos.

A expectativa é que estes pressupostos e os exemplos apresentados, possam servir de inspiração ao contínuo exercício e desenvolvimento em busca de uma visão de mundo emergente capaz de abarcar os fenômenos do futebol e da vida, minimizando-se os eventuais erros que cometemos e fazendo-nos refletir com mais sabedoria sobre nossas ações individuais e coletivas.     

Categorias
Sem categoria

A posse de bola é meio, e não fim no futebol

Crédito imagem – Site oficial Manchester City

O futebol é pautado por tendências e atualizações que vão se renovando e são cíclicas. Tudo muda, tudo evolui, apesar de a lógica e o objetivo do jogo serem os mesmos desde os primórdios. A atual geração tem em Pep Guardiola um treinador que mudou o curso das coisas. O Barcelona dele ditou o rumo de todos os estudos táticos e metodológicos dos últimos dez anos. E as aulas do treinador catalão não param. O Manchester City dele ainda é uma pós-graduação que a cada dia traz coisas novas. Porém, Guardiola apresentou uma maneira de se chegar ao êxito.Não a única. Nunca nenhuma equipe jogará exatamente como outra. Mesmo com as mesmas ideias, mesmos conceitos e mesma metodologia de treinamento. Isso porque quem executa e toma as decisões são os jogadores. E cada jogador tem suas particularidades e a sinergia entre onze atletas nunca será igual a nenhuma outra.

Não descarto ter inspirações. Mas no mundo peculiar do futebol, com tanta complexidade – não só essa de jogadores que citei – como também de ambiente, contexto e relações interpessoais entre departamentos tanto de clubes como de seleções, é contraproducente buscar princípios e subprincípios de jogo para seguir a ferro e fogo, custo o que custar. 

Se convencionou no Brasil que apenas é bonito e refinado jogar com a posse de bola. Há treinadores que buscam estar embalados por esse rótulo apenas para estar ‘na moda’. Mas se a posse for um fim e não um meio voltamos à estaca zero e não cumprimos a lógica do jogo, que já citamos que é imutável desde a criação do futebol. 

Ter uma ideia clara do jogo a ser desenvolvido é fundamental. Mas ela tem que ser flexível e adaptável. Caso contrário continuaremos a ver equipes buscarem o número de mais posse de bola na estatística final do jogo sem que isso as aproxime da vitória. A posse que vale é aquela no último terço, agressiva, que gere situação real de gol. O número final pode ser dez por cento no total, por exemplo. Mas o que dá três pontos na tabela é marcar mais gols que o adversário e não porcentagem maior de posse. Questão de foco, entendimento e até personalidade. 

*As opiniões de nossos parceiros não correspondem, necessariamente, à visão da Universidade do Futebol

Categorias
Sem categoria

Governança Corporativa – a controladoria

Créditos imagem: Kely Pereira – AGIF – CBF

Dando sequência ao tema Governança Corporativa no Futebol, neste 3º artigo iremos dissertar sobre a importância e o papel da área de controladoria nas organizações e os desafios a serem superados pelo respectivo profissional dentro dos clubes esportivos.

Cesar Grafietti defende que não há um modelo de gestão certo ou errado, independentemente do tipo e tamanho da organização. Concordamos com ele, mas indago sobre a atuação de um Controller ou gerente de controladoria em grandes instituições, especialmente naquelas em que o gestor trabalha após o horário comercial, o exercício de seu mandato possui curtíssimo período (três anos), mas o mandatário supracitado anseia por resultados esportivos paralelos ao exercício de seu poder, e, como observamos em algumas entidades de práticas esportivas, o orçamento e o potencial financeiro são ignorados ou inexistentes.

É de conhecimento comum que, de modo reduzido, o gerente de controladoria é responsável pelo planejamento, coordenação, direção e controle de atividades de curto, médio e longo prazo executadas nas áreas de planejamento, controladoria e finanças. Este profissional deve extrair e materializar informações pertinentes e legítimas, elaborando relatórios que auxiliem no processo decisório dos gestores de cada área, até mesmo dos diretores da organização. Os boletins informativos oriundos da gerência de controladoria devem conter elementos das atividades internas da corporação como do mercado no qual a instituição atue.

Gestores autocentrados são opinativos têm palpites excessivos, demitem técnicos, contratam inadequadamente atletas, desconsiderando as diretrizes orçamentárias. Tudo isso dificulta ou até mesmo anula a gerência de controladoria. Obviamente, não são demônios os gestores eleitos, muitos executam trabalhos primorosos, mas tantos outros colocam seu ego e sua vaidade além dos interesses do clube, comprometendo a governança.

O clube deve ser gerido para ser sustentável no longo prazo em um ambiente extremamente competitivo, e toda organização interessada na longevidade deve primar por boas práticas gestão e capacidade de execução dos planejamentos, o que invariavelmente exige como prerrogativa: avaliação, correção e compliance, convergindo aos valores organizacionais.

Imperativamente, sem esses passos a discussão sobre a implantação de uma área de controladoria será frívola. Não obstante, a existência de departamento de controladoria ainda não é pertencente à cultura organizacional (Figura 1 e 2) dos clubes de futebol. Em contraposição às demais organizações (Figura 3).

Figura 1: Organograma do Botafogo Futebol Clube (SP). Fonte: Bressan, Lucente e Louzada. Análise da estrutura organizacional de um clube de futebol do interior paulista: o estudo do Botafogo Futebol Clube, 2014.
Figura 2: Organograma de um Clube Europeu. Fonte: Bezerra, Feitosa e Gomes. Internacionalização de clubes de futebol: paralelo entre clubes europeus e brasileiros, 2017.

Figura 3: Posicionamento da Controladoria no Organograma Organizacional. Fonte: Lunkes, Schnorrenberger, Rosa e Alexandre. Funções da Controladoria: um estudo sobre a percepção dos gestores e do controller em uma empresa de tecnologia, 2015.

Lunkes, Gasparetto e Schnorrenberger apoiados na realidade organizacional alemã defenderam que a controladoria deve contribuir ao planejamento, sistema de informação, controle, gerência de pessoas e organizacional sem permitir a existência de lacunas com as funções primárias.

Concluindo, a controladoria favorece positivamente a administração ampla de qualquer organização, contribuindo à elevação da credibilidade, imagem positiva e alinhamento aos valores e propósito institucionais. Portanto, caracterizada como uma engrenagem necessária à governança.

Governança Corporativa – Ler mais

Governança Corporativa – Os órgãos de governança – Ler mais

Categorias
Sem categoria

Futebol e tecnologia: possibilidades e limites

Crédito imagem: CBF/Divulgação

O Catar está criando sistema de refrigeração com energia solar, para amenizar a temperatura nos estádios na próxima Copa do Mundo. Para tomar as decisões do VAR mais rápida e precisa a FIFA pensa em usar inteligência artificial com “árbitros robôs” para marcar impedimentos nos jogos. Árbitros de linha seriam substituídos. Nas mídias sociais, clubes deixam de ser apenas notícia e objeto de reportagem – passam a ser sujeitos produtores de conteúdo. As revoluções tecnológicas e informacionais criam novas redes de interação entre clubes, jogadores, torcedores, jornalistas, patrocinadores, e demais agentes do futebol.  

Nas práticas internas do clube, a coleta, análise e cruzamento de dados mudou o futebol como espetáculo esportivo. Os clubes criaram laboratórios e soluções de software para atender as necessidades de diferentes áreas. Valendo-se das ciências de dados, clubes constroem chaves de indicadores de performance (KPIs), entendendo realidades presentes e tentando prever cenários futuros.

Dentro do campo, softwares quantificam padrões de movimento e exigência física, monitoram a fadiga, ocupação de espaços no campo de jogo (mapa de calor), tomadas de decisões, padrões táticos e outros. Mecanismos de inteligência artificial, como algoritmos, ajudam analistas a avaliar a performance de equipes, identificar e prospectar indicadores de desempenho, e localizar jogadores, com base em perfis de jogo, ao redor do mundo. As novas tecnologias transformaram metodologias, conteúdos e recursos de treinos, e princípios táticos que norteiam ações individuais e coletivas do jogo. Estenderam um sistema informatizado, arbitro de vídeo (VAR) para auxiliar o arbitro dentro de campo, em lances polêmicos. A tecnologia não apenas assessora o jogo – ela muda o jogo.

Nessas condições, os softwares se tornam símbolo de possibilidade e de risco: por um lado, o uso de dados ajuda a profissionalizar práticas, trocando intuições por conhecimentos mais objetivos e verificáveis; por outro lado, a linguagem dos softwares e da tecnologia ameaça reduzir a imaginação e a percepção do jogo, como se fosse objeto de tipo técnico-científico, previsível e manipulável. O futebol mescla técnica e improviso, previsibilidade e surpresa, dados objetivos e emoções pessoais e coletivas. É um esporte complexo, permeado por cultura, psicologia, sociedade, política. A tecnologia deve compreender, e não reduzir, essa riqueza do futebol. 

Categorias
Sem categoria

Raio X da gestão do marketing nos clubes de futebol – Áreas de execução do marketing

Na quinta parte da série sobre a gestão do marketing nos clubes que disputaram a Série A1 do Paulistão 2018 iremos continuar abordando como os clubes executavam o marketing, agora focando nos seguintes aspectos: gestão comercial, da marca e dos relacionamentos e a realização de ações de entretenimento.

Iniciando pela gestão comercial, os entrevistados foram questionados sobre como ocorria o processo de prospecção de novos patrocinadores, parceiros e negócios. Cinco citaram que atuavam de forma ativa, buscando novas oportunidades; sete atuavam de forma passiva, respondendo aos contatos dos interessados; e dois clubes adotavam ambas posturas. Foram identificadas várias formas de início das negociações:

  • Respostas aos interessados: 9 clubes;
  • Indicações de pessoas próximas: 8 clubes;
  • Atuação de presidentes e diretores: 7 clubes;
  • Atuação direta do marketing: 7 clubes;
  • Uso de agências de publicidade ou de Marketing Esportivo: 4 clubes;
  • Busca de empresas que investiam ou haviam investido no futebol: 2 clubes.

Os principais problemas relatados pelos entrevistados sobre o tema foram adequação ao planejamento e ao calendário das empresas; equipe comercial limitada; e pouco conhecimento e valorização do Marketing Esportivo e das suas possibilidades por grande parte das empresas. No geral, pelo observado, destaque para o fato que grande parte dos clubes atuava comercialmente de forma passiva, apenas respondendo aos interessados, além da dependência da indicação e da atuação de presidentes e diretores, sem um amplo e profundo trabalho de análise e prospecção do mercado, o qual poderia incluir apresentações sobre os benefícios de investir no futebol para diversas empresas.

A gestão da marca dos clubes, ponto fundamental em diversos modelos de gestão do Marketing Esportivo e elemento central do marketing dos principais clubes europeus, foi abordada por apenas quatro entrevistados. Um desses citou a marca com um viés limitado de caracterização do clube, enquanto três indicaram ações esporádicas e limitadas para a manutenção e reafirmação dos valores e características da marca do clube. Esse ponto se mostra como um dos principais problemas da gestão do marketing nos clubes analisados, que ao lado do planejamento e da ausência de pessoal, limita a atuação da área.

Outro ponto abordado pela pesquisa e cada vez mais relevante é o processo de gestão dos relacionamentos, principalmente com torcedores/consumidores. Tal processo deve ser baseado em sistemas específicos, os chamados CRMs, mas somente quatro dos 14 clubes possuíam esse sistema. Desses, só dois contavam com softwares específicos para tal finalidade, que eram utilizados de forma limitada devido à ausência de pessoal capacitado para opera-los corretamente. Os clubes que não contavam com CRM justificaram devido ao elevado custo para adquiri-lo e mantê-lo e pela falta de pessoal para gerir essa ferramenta.

Por fim, os entrevistados foram questionados sobre a realização de ações de entretenimento durante os jogos e em outros momentos. Grande parte citou realizar ações antes e no intervalo dos jogos, sendo as mais citadas: brincadeiras no intervalo, principalmente a cobrança de pênaltis; uso de mascotes; ações com patrocinadores e parceiros; sorteios de prêmios e brindes; ações para crianças e a entrada delas com os jogadores; e o uso do sistema de som dos estádios.

Já como exemplos de ações de entretenimento realizadas em momentos em que não houvessem jogos foram indicados concursos de musa; jogos para os sócios-torcedores; lançamento de novos uniformes; promoções em redes sociais; e eventos com jogadores. 

No geral, foi verificado uma falta de diversificação e criatividade na realização das ações de entretenimento. Grande parte delas são citadas na literatura, mas há opções pouco utilizadas, como a presença de bandas e shows musicais; outros tipos de brincadeiras que não fossem os pênaltis; jogos com temas ligados à história ou à atletas dos clubes; eventos especiais para além do lançamento de uniformes; e a utilização de celebridades ligadas ao clube para atrair novos torcedores/consumidores.

Os entrevistados indicaram que o número limitado de ações, principalmente nos jogos, se devia a uma série de limitações impostas pela CBF, Federação Paulista e Policia Militar. Também foi citada a falta de recursos para a realização de mais ações e a proibição da venda e do consumo de bebidas alcoólicas antes e durante os jogos, o que faz com que o torcedor entre no estádio momentos antes do início dos jogos, limitando o período para a realização das ações de entretenimento. A restrição às bebidas alcoólicas limita a obtenção de receitas pelos clubes no dia do jogo, diferentemente do que ocorre nos clubes europeus.

Categorias
Sem categoria

A educação e o futebol brasileiro

No meio de 2019 publicamos o relatório categorias de base e a educação, apresentando alguns números das categorias de base no país e alertando sobre a necessidade de darmos atenção especial ao acesso à escola por parte do exército de jovens jogadores que existe no Brasil.

A educação foi também um dos temas de dois de nossos últimos bate-papos que você acompanha semanalmente no FutTalks. Ontem, com o executivo de futebol Rui Costa e na próxima quinta-feira, na entrevista com Mauricio Marques, coordenador técnico dos cursos da CBF Academy.

As falas de nossos dois convidados incentivaram reflexões importantes sobre como o ensino formal pode ter um impacto muito grande não apenas para os jovens que não atingem o alto rendimento, mas para aqueles que continuam no futebol tanto como jogadores, e, principalmente, como para treinadores e outros profissionais que atuam no futebol.

Ao destacar a necessidade de enxergar o futebol de maneira sistêmica, percebendo as correlações das suas diversas áreas para o objetivo final que é o bom desempenho esportivo, Rui Costa ilustrou, “ser competente na especificidade não é suficiente. Trabalhei com gente com pós-doutorado, mas que não consegue falar, por exemplo, sobre a floresta amazônica”, lamentando a hiperespecialização de alguns profissionais no futebol. Podemos encontrar um exemplo muito bem terminado do que o executivo do futebol defende no trabalho e resultados alcançados nos últimos anos pela seleção uruguaia de futebol.

Depois de uma longa crise sem títulos nem brilho no futebol internacional o Uruguai iniciou em 2006 um projeto de reformulação liderado pelo treinador Óscar Tabarez. O trabalho teve como fruto a recuperação do prestígio da seleção nacional, o desenvolvimento regular de jogadores de alto nível no futebol mundial – o país se mantém nos últimos anos entre os líderes de jogadores per capita atuando fora de seu território – e resultados expressivos nas competições internacionais, com destaque para o título da Copa América de 2011.

Curiosamente, assim como Rui Costa ao afirmar que muitos especialistas no futebol “não sabem falar sobre a floresta amazônica”, o jornalista Lúcio de Castro ao escrever sobre o trabalho desenvolvido na seleção uruguaia, descreve Oscar Tábarez como “um maestro e um líder capaz de discorrer sobre botânica, história, política e filosofia em um papo, além de deliciosas histórias sobre o futebol de ontem e hoje”. Falas que convergem ao sublinhar a necessidade de se conhecer e debater o futebol para muita além do campo, porque ele é sempre muito mais do que isso.

Aqui pegamos carona em uma outra passagem da entrevista de Rui Costa, quando o executivo fala de nossa carência na produção de conhecimento escrito sobre o futebol, para refletir sobre nosso país de maneira mais ampla. Ao longo de nosso bate-papo, Rui Costa lamenta a baixa produção literária sobre futebol no país, que vem a reboque dos nossos hábitos de leitura. Segundo o estudo “Retratos da leitura no Brasil”, de 2019, entre aqueles que possuem o hábito de leitura, o brasileiro lê menos de cinco livros por ano, mesmo que apenas uma parte deles, e 44% da nossa população sequer tem o hábito.

Esse dado é causa, mas também consequência. Causa, porque pode ser visto diretamente na maneira como transferimos o rico conhecimento do futebol que existe no país, de maneira artesanal e pouco estruturada. Como você poderá acompanhar no FutTalks da próxima quinta, movimentos para tentar formalizar esses conteúdos vem se fortalecendo no Brasil, tanto dentro da própria Universidade do Futebol, que ajudou a dar a largada para essa corrida em 2003, como liderado por outros atores. Consequência, porque é um reflexo da falta de estímulo à leitura e à educação de maneira mais ampla, que temos em nossas “categorias de base” do país, que são as escolas do nível fundamental.

Assim como no futebol, o país precisa valorizar a nossa base e ela está nas escolas, na base do ensino. Se quem só sabe de futebol, nem de futebol sabe, como diria o grande pensador do futebol Manuel Sérgio, precisamos que cada vez mais crianças e jovens consigam discorrer sobre “a Amazônia, botânica, história, filosofia” e muito mais. Com muitos “Oscar Tabarez” pelo país, quantos craques nas mais diversas áreas, inclusive no futebol, não conseguiríamos formar?

Se inscreva em nosso canal no YouTube aqui e não perca nenhum FutTalks, o espaço do pensar estratégico no futebol.

Categorias
Sem categoria

Raio X da gestão do marketing nos clubes de futebol – Execução do marketing dos 4 P’s

Na continuação da série sobre a gestão do marketing nos clubes de futebol iremos tratar da execução das atividades e das ações de marketing tomando como referência o Composto de Marketing, o chamado 4 P’s: Produto, Preço, Praça e Promoção.

Iniciando pelos produtos oferecidos e gerenciados pelos 14 clubes analisados, foi verificado um total de dez, com a predominância dos patrocínios, parcerias e permutas, licenciamento da marca e programas de sócio-torcedor. Destaque para o fato que alguns deles estão presentes em todos os clubes e que quando comparado com a literatura e com os clubes europeus é verificado que a quantidade por clubes é limitada, restringindo a obtenção de recursos e o atendimento dos diferentes tipos de clientes.

Os programas de sócio-torcedor eram extremamente relevantes para os clubes que os possuíam, sendo em muitos o principal produto. Apesar da importância, a gestão deles era terceirizada em mais da metade das equipes, ponto que pode ser problemático devido à um controle limitado sobre a empresa terceirizada. É notável o fato de que apenas dois clubes utilizavam parte das receitas dos programas para reinvestir nos mesmos, o que acabava por afetar a operação, captura e manutenção dos sócios. No geral, o foco era fundamentalmente direcionado para a obtenção de receitas, sem visar o desenvolvimento de um relacionamento constante e amplo com os sócios, o que contribuía para uma elevada da taxa de desistência, questão mencionada por muitos entrevistados.

processo de precificação dos produtos e serviços ofertados foi abordado de forma limitada pelos entrevistados e somente um citou que o utilizava constantemente em diversos produtos/serviços. Sobre a definição do valor dos ingressos, apenas três entrevistados indicaram que o marketing participava desse processo: na maioria dos clubes essa definição era responsabilidade da diretoria ou do presidente, sem a utilização de métodos claros para tal, estes presentes somente em dois clubes.

A análise da praça foi dividida em dois itens: estádios e lojas. Seis clubes possuíam estádios próprios e oito o alugavam, sendo que dos que era proprietários somente três os utilizam para outros eventos, como shows. Quatro entrevistados citaram que realizavam ações para os torcedores antes dos jogos nos estádios e quatro afirmaram que não o faziam devido aos clubes possuírem estádios antigos que limitavam a realização de parte das ações de marketing.

Sobre as lojas oficiais, sete clubes possuíam lojas físicas, um possuía de forma temporária e seis não tinham, fato justificado por dois entrevistados devido ao custo elevado de manutenção da loja. Dos clubes sem lojas físicas quatro indicaram possuírem parceiras com comerciantes locais para a venda de produtos oficiais e dos 14 clubes analisados apenas seis possuíam loja online, todos com loja física que atuava como suporte a virtual. Apenas um clube terceirizava a gestão da loja oficial e três comercializavam franquias das lojas físicas oficiais para investidores interessados.

Por fim, sobre a promoção, que visa divulgar o clube e seus produtos e serviços, foram identificadas variadas ações, mas elas estavam diluídas nos clubes de forma que a quantidade por clube era limitada.  

Foi observada uma repetição das mesmas ações em muitos clubes e que as formas de promoção tidas como “tradicionais” e offline ainda são muito frequentes e bem sucedidas, especialmente em clubes do interior. As ações online, tendências nos principais clubes europeus, não são utilizadas constantemente e quando são é de forma limitada, sem explorar toda a potencialidade que o ambiente virtual, especialmente a redes sociais, proporciona.  

As entrevistas acabaram por evidenciar que a utilização dos 4 P’s pelos clubes analisados é limitada, desde o oferecimento e a gestão de produtos e serviços para torcedores/consumidores e empresas até a realização de ações promocionais para divulgar os mesmos e a equipe. Os clubes tendem a crer que a exposição frequente na mídia gera a devida divulgação, sem considerar que a mesma não é controlada e direcionada por eles, o que acaba limitando a divulgação dos seus produtos e serviços. 

O processo de precificação é extremamente limitado e muito baseado em impressões pessoais de dirigentes, especialmente com relação aos ingressos. Já a ausência de lojas oficiais, físicas ou virtuais, em quase metade dos clubes revela que os clubes não enxergam na comercialização dos produtos uma fonte de renda relevante, considerado as lojas como um gasto elevado, diferentemente dos clubes europeus, onde parte significativa das receitas vem do chamado merchandising, que envolve o licenciamento da marca e a venda de diversos produtos e serviços esportivos ou não.