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Quem senta à mesa

Quando dois irmãos brigam, a solução mais simples é a intervenção dos pais. Quem nunca viveu uma situação de “Foi ele que começou” e “Não importa quem começou”? O futebol brasileiro ainda não entendeu a necessidade de um mediador de conflitos, mas essa é uma das principais lições dadas pelo episódio recente da Primeira Liga.
Constituído pelos clubes que disputarão em 2016 a Copa Sul-Minas-Rio, o grupo surgiu como um embrião de gestão coletiva no futebol brasileiro. Era uma oportunidade para ter clubes sentados numa mesma mesa, discutindo possibilidades para o esporte e brigando por aspectos que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) tem historicamente negligenciado.
Na última semana, contudo, a Primeira Liga sofreu um golpe. Na quinta-feira (10), Gilvan de Pinho Tavares, presidente do Cruzeiro, anunciou que o clube mineiro havia desistido da Copa Sul-Minas-Rio e que deixaria o grupo. Além disso, avisou que seria seguido por Flamengo e Fluminense (o que não se confirmou até agora).
A desistência de Gilvan tem a ver com a ascensão de Mário Celso Petraglia, presidente do Atlético Paranaense. O mandatário do clube mineiro ocupava a presidência da Primeira Liga, mas passou a dividir o cargo com o dirigente rubro-negro a partir de uma reunião realizada no dia 26 de novembro.
Gilvan também não estava totalmente confortável com as discussões da Primeira Liga sobre a divisão de cotas de mídia da Copa Sul-Minas-Rio. Esse talvez seja o assunto que evidencie com mais clareza a crise de gestão do futebol brasileiro.
O futebol brasileiro teve dois modelos de gestão nesse âmbito. Os clubes já negociaram coletivamente no período em que existia o Clube dos 13, mas venderam direitos de mídia individualmente antes e depois do grupo.
O Clube dos 13 também surgiu como embrião de uma liga nacional, mas nunca conseguiu ser o que se vislumbrava. No fim, o grupo sucumbiu por questões políticas e por ter se tornado totalmente ineficaz na negociação coletiva.
Depois da implosão do Clube dos 13, cresceu consideravelmente o faturamento dos times brasileiros com a venda de direitos de mídia. Cresceu também o abismo entre os que ganham mais e o restante.
Essa é uma das principais razões de cisão entre os clubes atualmente. Equipes que ocupam as primeiras posições no ranking de faturamento estão confortáveis e somam grande capital político – é difícil criar um modelo que prescinda de anuência de Corinthians, Flamengo, Palmeiras, São Paulo e Vasco, por exemplo.
A distância entre essas equipes e o restante – e até de Corinthians e Flamengo para os outros – faz mal ao futebol brasileiro. Não apenas porque cria um desequilíbrio de forças, mas porque dificulta a existência de qualquer debate. Cada um pensa no melhor para sua equipe, e dessa forma é difícil que eles sentem para conversar sobre qualquer plano que tenha um viés coletivo.
Reside aí o principal problema da Primeira Liga. O modelo funciona um pouco melhor no Nordeste, onde não existe um fator que divida tanto os clubes, mas parece intransponível no contexto da Sul-Minas-Rio.
O que acontece no futebol brasileiro é uma briga de filhos. Clubes, como muitas crianças, são individualistas, ansiosos e têm pouca experiência com mediação de conflitos. Se não conseguem organizar as coisas como querem, derrubam as peças do tabuleiro ou partem para a violência.
Em casos assim, a solução passa necessariamente por mediação. Não há futuro para uma liga que seja constituída apenas por clubes. Não há futuro para qualquer organização que seja constituída apenas por clubes ou que dependa de anuência deles. Ao contrário: é fundamental que a gestão seja profissional e independente.
Isso não quer dizer, é claro, que os clubes devam ser alijados de discussões sobre o futuro do esporte em que estão inseridos. Todas as classes devem participar do debate (clubes, técnicos, jogadores, árbitros, jornalistas, dirigentes e torcedores, por exemplo), mas é fundamental que os fóruns não advoguem apenas em benefício próprio.
O foco, aliás, é um desafio constante em qualquer movimento social no Brasil. O Bom Senso FC tem feito um esforço enorme, desde o surgimento, para ser inclusivo e mostrar que não se preocupa apenas com um aspecto ou necessidades individuais. No entanto, ainda é visto pejorativamente como “um movimento de jogadores”.
Essa divisão entre clubes, atletas e as outras classes representativas no futebol só é boa para a manutenção do status quo. É esse cenário que fomenta aberrações como a eleição marcada pela CBF para a vice-presidência do Sudeste – o pleito estava originalmente marcado para o dia 16 de dezembro, mas foi adiado por uma liminar judicial.
Marco Polo del Nero, atual presidente da CBF, está licenciado para se defender de acusações feitas pela Justiça dos Estados Unidos. Por isso, pôde nomear interinamente o vice-presidente Marcus Vicente para ocupar o cargo. Caso seja obrigado a renunciar, contudo, o mandatário será substituído pelo vice-presidente mais velho.
Atualmente, o vice-presidente mais velho é Delfim Peixoto, egresso da Federação Catarinense de Futebol, que é opositor de Del Nero. Portanto, a situação convocou uma eleição às pressas e indicou o Coronel Nunes, da Federação Paraense, que passaria a ser o vice mais velho.
A CBF nunca esteve tão enfraquecida. Ainda assim, contudo, a situação conseguiu reunir em torno do nome de Nunes algumas de suas principais federações e uma lista considerável de clubes.
A briga em torno do comando da entidade que gere o futebol nacional é mais um reflexo de que um dos problemas mais graves nessa seara é o pensamento individualista. Clubes, dirigentes, federações e confederação pensam apenas em suas necessidades, e isso só faz mal para o todo.
Todavia, essa cisão faz bem à manutenção dos modelos e do poder vigente. A briga de irmãos só é boa para quem não quer harmonia e evolução.
O futebol brasileiro precisa de muita coisa para conseguir a evolução que necessita. O primeiro passo, porém, está necessariamente ligado a uma mudança de mentalidade. Como a Primeira Liga tem mostrado, é fundamental termos fóruns que não sejam direcionados apenas pelos anseios individuais.

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Até o Bayern de Munique é falível!

Em partida válida pela décima quinta rodada do Campeonato Alemão, o contexto do início do jogo dava mostras de que observaríamos mais uma rodada de invencibilidade para os comandados de Pep Guardiola. A julgar pelas nove finalizações realizadas nos primeiros 25 minutos de jogo, contra somente uma do Borrusia M’gladbach, o gol era questão de tempo.

No entanto, os donos da casa ainda na primeira etapa equilibraram o jogo, neutralizaram as ações ofensivas da equipe bávara e, consequentemente, as finalizações (nos 65 minutos restantes além dos acréscimos o Bayern finalizou somente mais cinco bolas) e num grande segundo tempo, com eficácia em três das cinco finalizações obtidas, venceram o jogo.

E é sobre os erros do Bayern que discutiremos na coluna desta semana.

Você assistiu aos gols? Se sim, em sua opinião, quais foram os erros determinantes que levaram à primeira derrota do Bayern de Munique no campeonato alemão? Se não, veja o vídeo abaixo e também participe da tarefa que será proposta:

A inteligência coletiva é pré-requisito para uma equipe apresentar elevados níveis de performance. A capacidade dos jogadores identificarem, interpretarem e solucionarem as inúmeras situações-problema em que são expostos compõem a referida inteligência. No jogo em questão, nos lances em que culminaram nos gols da equipe de Mönchengladbach, alguns jogadores do Bayern de Munique apresentaram falhas importantes no mecanismo decisão-ação.

Você consegue identificar para cada um dos trechos do vídeo quais foram estas falhas?

Gostaria que você me enviasse um e-mail (eduardo@universidadedofutebol.com.br) com os seguintes tópicos sobre cada um dos gols sofridos:

1 – Instante da falha – indicando-o no tempo do vídeo;
2 – Descrição da falha – indicando o atleta ou atletas que falharam e como ocorreram as falhas;
3 – Descrição da solução – indicando qual deveria ser a melhor decisão-ação para as diferentes situações-problema.

Após o seu contato, retorno-o com as minhas opiniões sobre os erros cometidos em cada um dos gols.

Sabemos que o futebol pode ser jogado de inúmeras formas. Sabemos também que para cada um dos problemas que surgem no jogo, algumas soluções têm maior relação com o cumprimento de sua lógica, logo, com as vitórias.

Desafio-o a fazer o exercício proposto com a sua comissão técnica. É uma boa oportunidade para observar se todos os integrantes tem uma leitura semelhante (ou, utopicamente, igual) dos problemas do jogo.
Aguardo seu contato! Abraços e até a próxima.

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Lealdade em números

A LEALDADE dos fãs pode ser medidas em números. É o que diz uma recente matéria que aborda a evolução da relação do torcedor com a Major League Soccer e suas respectivas franquias (ver mais em: http://ticketingtoday.com/increase-fan-loyalty-by-the-numbers-using-data-to-drive-decisions/).
O processo passa pela aquisição de dados referentes ao comportamento do torcedor no recinto esportivo e análise de suas respectivas atitudes de compra no local, o engajamento em meio digital, monetização pelo valor adicionado em venda de ingressos, season tickets, assinatura de conteúdo e compra de produtos e customização de mensagens para cada fã que se relaciona com a liga e/ou suas franquias.
Clubes, como é o caso do Sporting Kansas City, foram capazes de aumentar em 28 vezes a quantidade de season ticket em cinco anos após a adoção de um sistema que permitiu analisar o comportamento do público.
O uso de ciência a favor de processos de tomadas de decisão em relacionamento com os fãs e definição de estratégias de marketing é usado ainda de maneira incipiente no país, apesar de se perceber alguns avanços isolados.
O que devemos ver na próxima década no Brasil é a ampliação de sistemas correlatos de inteligência que visam criar processos analíticos que permitam gerar informações capazes de otimizar a relação de lealdade dos fãs. Um processo similar ocorreu (ou vem ocorrendo) com a área técnica do esporte na questão da análise de desempenho. O termo se popularizou nos últimos anos e já não é mais visto como item de luxo nos principais clubes de futebol do país, mas sim como uma necessidade básica para a sobrevivência.
Cabe, por fim, ressaltar que este processo não é novo nas ligas profissionais de esporte nos EUA. Na Europa tal uso é claro na grande maioria dos principais clubes do velho continente. Por aqui, cabe observarmos as melhores práticas e agirmos com certa urgência… até porque lá fora já se coletou bastante informação sobre o nosso mercado. Não à toa que clubes, ligas e franquias do exterior estão cada vez mais de olho em fatias do mercado de consumo esportivo do Brasil!

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Entrevistas

Fabiano Costa, diretor jurídico do Cruzeiro

A transformação do futebol brasileiro, de muitas ideias e raras aplicações, passa pela profissionalização do setor jurídico dos clubes. Duas das pautas mais recentes, o Profut e a proibição de compra dos direitos econômicos dos jogadores por parte de terceiros esbarram na esfera do direito desportivo, que hoje é tratado com a devida importância no futebol brasileiro – salvo algumas exceções.
No Cruzeiro há quase 20 anos, Fabiano de Oliveira Costa é diretor jurídico e faz um trabalho integrado com as áreas comercial e administrativa, atuando na prevenção e orientação aos departamentos. Se não fosse o trabalho do jurídico, composto por cinco profissionais ao todo, o time mineiro não teria os 70 mil sócios-torcedores, afinal a participação do setor é crucial.
Recentemente, o Cruzeiro aderiu ao Profut, programa de refinanciamento das dívidas fiscais proposto pelo Governo Federal. A despeito disso, Costa diz que a nova lei não resolve os problemas do futebol nacional e sugere a criação de uma legislação destinada ao esporte, com o propósito de regular contrato de atletas, televisão, profissionalização da arbitragem, gestão desportiva, justiça desportiva, entre outras áreas.
“O Profut não é a salvação e nem foi feito com essa pretensão. O que salvará é uma legislação esportiva, trabalhista, tributária e civil voltada ao esporte”, defende.
Sobre a intervenção de terceiros, agora proibida oficialmente pela Fifa no que diz respeito à negociação de jogadores, o diretor jurídico do Cruzeiro faz ressalvas. “Acho que isso somente prejudicou os clubes da América do Sul, que precisam de investimentos privados no esporte. Não se contrata bons atletas, de renome, com recursos provenientes somente dos times. É claro que haviam abusos, mas acho que houve uma generalização da proibição, que poderá prejudicar hora da contratação e transferência de novos jogadores”, opinou Fabiano Costa.
Na entrevista concedida à Universidade do Futebol, o especialista em direito desportivo comenta ainda sobre a má avaliação da mídia e dos torcedores em relação aos tribunais de justiça desportiva. Admite que mudanças são necessárias, mas aponta para a falta de conhecimento dos torcedores sobre o trabalho dos auditores e procuradores. Confira:
Universidade do Futebol – Fale um pouco sobre a sua formação e ingresso na esfera profissional do futebol.
Fabiano Costa – Me formei em direito em 1999, com pós-graduação em direito civil e processo civil em 2003 e mestrado em direito empresarial em 2010. Comecei no direito desportivo como estagiário no Cruzeiro EC em 1997, quando estava no sétimo período. Desde então, há quase 19 anos, milito diariamente nessa área.
Universidade do Futebol – Como é o trabalho cotidiano no Cruzeiro e os problemas que enfrenta no dia a dia na sua área de atuação? Todas as questões jurídicas são tratadas dentro do clube ou há alguma área terceirizada?
Fabiano Costa – O trabalho realizado aqui é bem intenso. O Cruzeiro é um clube muito grande, com quase 600 funcionários, com dois clubes recreativos, dois centros de treinamento e uma sede administrativa. Assim, o clube se relaciona muito, com relações jurídicas em várias áreas, comercial e administrativa. Exatamente por isso, temos uma grande demanda interna de contratos, pareceres jurídicos, orientações e reuniões diárias entre os vários setores do clube. Atuamos de maneira muito intensa na prevenção e nas orientações aos departamentos. Atualmente, nossas principais demandas envolvem questões de torcedores e trabalhistas. Com exceção do tributário, todas as demais questões, contenciosas e administrativas, são tratadas internamente no departamento jurídico do clube, que é composto, além de mim, pelos doutores Felipe Fiedler, Fernanda Saade, Vinicius Machado e Edison Travassos.
Universidade do FutebolNa sua opinião, há clubes que não dão a devida importância e reconhecimento ao departamento jurídico? Explique.
Fabiano Costa – Sem dúvida, mas felizmente são poucos. Hoje em dia notamos que os dirigentes perceberam a necessidade da criação e manutenção de departamentos jurídicos nos clubes, com advogados atuantes e especializados no direito desportivo, com investimentos na sua formação e estrutura. Aqueles que ainda não concluíram por essa necessidade passam por diversos problemas de ordem administrativa e contenciosa. É muito comum em algumas negociações de atletas nos depararmos com bons advogados de outros clubes, mas que não possuem conhecimento jurídico da área desportiva, o que traz uma série de dificuldades no entendimento de conceitos básicos e a sua visão prática da área do futebol. Isso costuma até mesmo inviabilizar uma negociação.
Universidade do Futebol Um dos grandes problemas enfrentados pelo torcedor brasileiro em eventos esportivos diz respeito à comercialização de ingressos. E de acordo com o Estatuto do Torcedor, os bilhetes devem ser numerados e o consumidor tem o direito de ocupar o local correspondente ao número de seu ingresso no estádio. Por que há uma distância tão grande entre teoria e prática?
Fabiano Costa – Essa distância se dá, a meu ver, por uma razão muito simples: pretende-se impor ao torcedor uma cultura pela lei, e não pela instrução, educação e orientação. Isso somente será resolvido quando se perceber que a legislação não muda cultura, não a impõe. É imprescindível que se oriente o torcedor e que se demonstre a ele os benefícios dessas mudanças, a fim de que possa aderir de maneira consciente e definitiva. O trabalho deverá ser contínuo, persistente e adequado.
Universidade do Futebol – O Cruzeiro está entre os primeiros na lista de sócios-torcedores no Brasil. Qual o segredo do sucesso e até que ponto o departamento jurídico contribui?
Fabiano Costa – O departamento jurídico participou de todo o projeto desde a sua concepção. Elaboramos os regulamentos, verificamos as possibilidades, avaliamos consequências. Dentro da execução do projeto, participamos ativamente das adequações e aperfeiçoamentos. Hoje o Cruzeiro é o sexto no país de adesão ao sócio do futebol, com cerca de quase 70 mil torcedores, com baixíssimo nível de demandas e problemas. Há de se ressaltar que é um trabalho constante, sempre disponibilizando o melhor serviço ao torcedor. Em algumas intervenções e adequações feitas pelo departamento jurídico, como por exemplo a alteração de datas e prazos do regulamento, evitamos uma série de problemas ao clube.

Fabiano 6

Universidade do Futebol – A Lei Pelé já completou uma década e passou por algumas atualizações. De maneira geral, você acredita que a legislação brasileira favoreça a gestão de um clube de futebol? Em sua opinião quais os pontos positivos e negativos a serem ressaltados nesta atualização?
Fabiano Costa – A Lei Pelé é, sem sombra de dúvidas, o maior problema do direito desportivo. É uma legislação ruim, contraditória, confusa e de baixo entendimento. Foram várias e sucessivas alterações que nada acrescentaram. Faz-se necessário uma nova legislação desportiva, valendo-se de conceitos e institutos consagrados no Direito do Trabalho, Direito Civil, Direito Empresarial, Tributário…, mas com regras próprias para as atividades desportivas, inclusive para o futebol, mas não somente para ele. Talvez seja o momento de discutirmos um Código do Desporto, que regulará todas as relações desportivas, contrato de atletas, televisão, profissionalização da arbitragem, da gestão desportiva, a justiça desportiva, etc. A legislação atual é péssima para a gestão e péssima para torcedores e atletas. O Brasil, pela complexidade que o desporto se apresenta, precisa urgentemente de uma regulamentação compatível com a grandeza das instituições, com a dedicação e esforço de clubes e atletas, para que o espetáculo seja cada dia melhor, em todas as modalidades desportivas.
Universidade do Futebol – Quais as principais medidas de caráter estrutural que você julga fundamentais para o avanço da legislação desportiva brasileira? Pela importância e tradição, não deveríamos ter uma legislação que contemplasse unicamente o futebol?
Fabiano Costa – Acho que devemos pensar num Código Desportivo ou Código do Desporto, uma compilação de leis que alcance todas as áreas do esporte. Evidentemente que, pelo volume de negócios, interesses e pessoas envolvidas, o futebol mereceria um capítulo à parte, tratando das relações desportivas de maneira mais objetiva, clara e eficiente. Como exemplo que sempre defendo para alteração da legislação desportiva é a possibilidade de flexibilização das regras trabalhistas, em contratos de trabalho e imagem a serem firmados entre clubes de futebol e seus atletas, desde que com parâmetros claros e objetivos. No futebol europeu é possível a contratação de atleta por temporada, mediante valor fixo, sem delongas. Estabelecido alguns parâmetros, como por exemplo o piso salarial mínimo, a lei pode se tornar flexível para permitir melhores salários, objetividade e simplicidade nas relações. O que acontece hoje é uma legislação demasiadamente interpretativa, que não fornece segurança jurídica e nos torna incapazes de atender devidamente aos interesses das partes.
Universidade do Futebol – Recentemente, a Fifa acabou de maneira oficial a intervenção de terceiros no futebol por meio de direitos econômicos. Quais as consequências que isso terá para o nosso futebol?
Fabiano Costa – Acho que isso somente prejudicou os clubes da América do Sul, que precisam de investimentos privados no esporte. Não se contrata bons atletas, de renome, com recursos provenientes somente do clube. Os clubes europeus são ricos e independem de investimentos de terceiros, ao contrário dos brasileiros. É claro que haviam abusos, nos quais o clube se passava por mero detentor do contrato de trabalho sem qualquer participação na venda de atletas que formava, pagava salários e custos. Isso é abusivo e merece controle. Mas acho que houve uma generalização da proibição, que poderá prejudicar os clubes na contratação e transferência de novos atletas. Talvez fosse o momento da proibição, mas com critérios mais razoáveis e equilibrados.
Universidade do Futebol – Em sua opinião, por que os tribunais de justiça desportiva, invariavelmente, não têm uma boa avaliação por parte da mídia especializada e do torcedor? Que tipos de procedimentos poderiam ser adotados para melhorar essa avaliação ruim?
Fabiano Costa – Não restam dúvidas de que algumas mudanças são sempre necessárias, como maior rotatividade dos cargos, critérios técnicos na admissão de auditores e procuradores, independência maior do tribunal, mediante contratação remunerada de auditores e procuradores pelo próprio tribunal (profissionalização), com orçamento e independência financeira, entre outros. Mas as queixas dos torcedores contra o tribunal são geralmente resultado de desconhecimento sobre seriedade do trabalho e da dedicação que se desenvolve ali e da entrega pessoal dos auditores e procuradores em favor do esporte. Ademais, nenhum torcedor gosta de ver seu time punido, e isso é feito exatamente no tribunal.
Universidade do Futebol – De maneira geral, como você analisa os departamentos jurídicos dos clubes brasileiros? Eles estão realmente preparados para as responsabilidades para as quais são designados?
Fabiano Costa – Na grande maioria dos departamentos que conheço, a qualidade é inquestionável. São pessoas dedicadas ao trabalho, interessadas no direito desportivo, muito ao contrário do que havia há 15 ou 20 anos atrás, quando o trabalho não era feito por profissional específico, mas geralmente ligado a conselheiro ou amigo do clube que trabalhava no departamento jurídico de maneira espontânea, com menos cobranças e metas. Hoje a profissionalização leva a resultados.
Universidade do Futebol – Atualmente, o clube formador tem até 5% dos direitos sobre o jogador que revelou para o futebol em negociações futuras. Você não acha esse valor pequeno e a regra confusa? E qual é o papel do departamento jurídico e do clube para garantir a indenização sobre o atleta formado?
Fabiano Costa – Sinceramente, minha opinião pessoal é que acho a própria existência do direito de formação questionável. Ao vender o atleta formado no próprio clube, este já foi devidamente remunerado e indenizado pela formação, ou seja, ao colocar o seu preço de venda, o clube formador tem que ter como parâmetro um valor de negócio compatível com os custos da formação e com o retorno que considera justo pelo investimento que fez durante essa formação. No início, a Fifa criou essa regra a fim de democratizar os lucros na venda de atletas, principalmente visando os clubes menores pelos quais o atleta passou. Acho que é pouco e não resolverá problema financeiro de clube nenhum. O que precisamos é uma legislação bem feita, adequada à realidade, garantindo a formação, melhor racionalidade tributária, profissionalização da gestão, auxílio institucional aos clubes, e não essas participações da venda.
Universidade do Futebol – O Cruzeiro aderiu ao Profut recentemente. O que você pensa sobre a lei e quais as dificuldades que o clube tem encontrado para se adequar às exigências? Além disso, você acredita que o Profut significará, de fato, a salvação financeira dos times brasileiros? Por fim, o que você pensa sobre as contrapartidas exigidas? Explique.
Fabiano Costa – Como disse, o que salvará os clubes é uma boa legislação desportiva, trabalhista, tributária e cível voltada ao esporte. A grande maioria dos clubes somente aderiu ao Profut em razão da ilegalidade e inconstitucionalidade do artigo da lei que alterou o Estatuto do Torcedor, estabelecendo como critério técnico para participar das competições a exigência de CND – Certidão Negativa de Débitos. Ou seja, se não tiver CND é rebaixado de divisão a qual estiver classificado, e não mais por critérios técnicos conseguidos dentro de campo. Não fosse isso, certamente não haveria adesões ao Profut, que se revelou um ingerência ilegal na organização desportiva. Até mesmo estatutos dos clubes precisaram ser alterados. Não é a salvação dos clubes e nem foi feito com essa pretensão.
Universidade do Futebol – O jogador de futebol não tem direito à aposentadoria e, muitas vezes, a maior parte dos vencimentos é pago via direitos de imagem. Por outro lado, há grupo de dirigentes que dizem que os atletas são beneficiados pela lei, ganhando diversas causas trabalhistas. Qual é a avaliação que você faz sobre o tema?
Fabiano Costa – O atleta sempre terá direito à aposentadoria, desde que o clube esteja recolhendo devidamente os encargos trabalhistas e, se não tiver, o atleta tem meios de defender seus interesses, seja por meio do Sindicato dos Atletas ou de advogado particular. O atleta é, sem sombra de dúvidas, o maior beneficiado pela atual redação da Lei Pelé, em especial no que se refere às questões trabalhistas, ressalvando-se, claro, que há diferenças substanciais nas relações entre atletas de clubes grandes e pequenos. São causas milionárias, absolutamente injustas. A existência do pagamento do direito de imagem fora do contrato de trabalho, por vezes, é exigência do próprio atleta, que se torna beneficiado no pagamento dos tributos. Entretanto, ao sair do clube, procuram a justiça do trabalho para ver reconhecido o suposto salário “por fora”. Por outro lado, se não há pagamento de direito de imagem, também procuram a justiça por que seu nome e imagem foram usados “ilegalmente” em álbum de figurinha, video games, internet, aplicativos e outros. Vejam, pois, a contradição e a dificuldade. Como a legislação é muito ruim, acaba por tornar as coisas ainda mais difíceis que já são pela especificidade da atividade desportiva.

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Braços cruzados

A cena marcou a última rodada do Campeonato Brasileiro de 2015, disputada no último domingo (06): segundos após o início das partidas, jogadores cruzaram os braços e permaneceram assim por alguns instantes, sem movimentar a bola. Organizado pelo Bom Senso FC, o protesto foi a forma que os atletas encontraram para pedir a renúncia de Marco Polo del Nero, presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que se licenciou do cargo na quinta-feira anterior (03). Não podia haver simbolismo mais claro: os esportistas podem discordar e cobrar mudanças no status quo do esporte, mas estão de braços amarrados pela estrutura em que estão inseridos.
Del Nero pediu licença depois de ter sido indiciado pela Justiça dos Estados Unidos em processo que investiga desvios de dinheiro em contratos relacionados ao futebol. A investigação também incluiu Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF, e já havia resultado na prisão de José Maria Marin, outro que passou pelo cargo. Todos os presidentes que a entidade teve nos últimos 26 anos respondem a processos por crimes como corrupção e formação de quadrilha.
Se tivesse renunciado, Del Nero entraria o cargo a Delfim Peixoto, vice-presidente mais velho da CBF e adversário político do atual mandatário (sim, nas entidades esportivas também há composições em nome da governabilidade). A licença, que não tem prazo para terminar, deu ao mandatário a possibilidade de indicar um substituto. Ele indicou Marcus Antônio Vicente, que presidiu durante duas décadas (de 1994 a 2005) a fortíssima Federação Capixaba de Futebol.
Marcus Vicente também é deputado federal (PP-ES) e comandou no Congresso a bancada da bola. Foi o responsável, por exemplo, por minar a pedido da CBF a articulação em torno da Medida Provisória 671, a MP do Futebol, que oferecia um refinanciamento de dívidas fiscais aos clubes em troca de adequações de gestão.
A convocação de novas eleições na CBF seria viável apenas em caso de afastamento de todos os vice-presidentes, cenário extremamente improvável. Ainda assim, o estatuto da entidade segue impondo restrições para que o espectro de candidatos não saia do grupo que já faz parte do poder do futebol brasileiro.
Um candidato precisa ter apoio de oito federações estaduais e cinco clubes para concorrer à presidência da CBF. No entanto, a entidade nacional está entre as principais provedoras (política e financeiramente) de federações e clubes. Como desenvolver assim um modelo viável de oposição, então?
O enfraquecimento de Del Nero dá até margem a isso. A cisão com Delfim Peixoto e o surgimento da Primeira Liga têm aglutinado federações e clubes que não estão plenamente alinhados com o comando da CBF. Mesmo se eles conseguirem montar um grupo de oposição, porém, será que isso é suficiente?
A questão que todo esse cenário nos oferece é mais ampla do que o nome de quem comanda a CBF. O afastamento de Del Nero é a confirmação de que o sistema de comando do futebol brasileiro está obsoleto, corrompido e inviável.
Perderemos tempo se continuarmos discutindo o nome do presidente da CBF ou caminhos para ter outro ocupante no cargo. Não é uma questão de nomes ou de posicionamento político, mas de estrutura. O futebol brasileiro precisa discutir a estrutura.
Nesse contexto, o surgimento da Primeira Liga é uma boa notícia. O grupo ainda não tem posicionamentos ou ideais claros, mas parte de uma premissa que se provou acertada em outras grandes ligas esportivas: os clubes precisam tomar o poder.
Contudo, a Primeira Liga ainda é formada por uma maioria de dirigentes amadores. Muitos deles estiveram atrelados ao que existiu de pior na CBF e na condução do futebol brasileiro nos últimos anos. Além disso, falta representatividade de outras classes.
Um dos segredos das grandes ligas esportivas dos Estados Unidos – que também tem funcionado bem na Premier League, por exemplo – é a representatividade. Os grupos que tomam decisões sobre o futebol local incluem jogadores, treinadores, jornalistas, árbitros e todas as outras categorias associadas ao espetáculo. Todos têm perspectivas diferentes e podem ser úteis para a construção de um cenário melhor.
Se quiser aproveitar o momento e evoluir, o futebol brasileiro precisa criar fóruns mais amplos. Precisa incluir jogadores (e não apenas os inócuos sindicatos), aproximar técnicos, colocar dirigentes na mesma mesa de árbitros e fomentar discussões que pensem no esporte nacional como um todo.
A CBF deve ser uma parte desse processo, é claro, mas não pode estar numa hierarquia superior. O bem do futebol brasileiro depende de uma estrutura mais democrática e mais inclusiva.
Nesse sentido, o protesto dos jogadores na última rodada do Campeonato Brasileiro foi simbólico: há ideias, há boas discussões e há evolução no posicionamento de atletas sobre o futuro do esporte. Ainda faltam ações concretas, algo que tem marcado o Bom Senso FC desde a criação do coletivo de atletas.
Essa é uma cobrança mais direcionada aos atletas porque essa é a classe que se destaca em termos de organização e posicionamento. Treinadores, árbitros, dirigentes, jornalistas e outros grupos ainda não atingiram grau de maturidade similar ao do Bom Senso FC.
O que falta agora é que algum desses grupos realmente roa a corda. Falta um protesto mais incisivo – a tão alardeada greve, talvez. A ocupação de escolas em São Paulo, movimento liderado por estudantes contra o terrível plano de “reorganização da educação” desenvolvido pelo governo estadual, é um exemplo de que o pequeno poder pode fazer um barulho real.
Depois de reprimir de forma violenta e tentar politizar os atos contra o fechamento de escolas, o desastrado governo de Geraldo Alckmin (PSDB) se dobrou e cancelou o plano de reorganização. A decisão causou a saída de Herman Voorwaald, que ocupava a Secretaria de Educação do Estado.
Cerca de 200 escolas foram ocupadas por alunos em São Paulo. Os grupos não se desmobilizaram nem depois do anúncio de Alckmin e da saída de Voorwaald. “Achamos que estamos tomando mais um golpe”, disse Angela Meyer, presidente da União Paulista de Estudantes Secundaristas (Upes), ao portal “G1”.
Em teoria, os alunos são muito mais fracos do que jogadores, treinadores ou outras categorias que fazem parte do status quo do futebol brasileiro. Nesse caso, o que falta é ruptura. O diálogo é sempre o melhor caminho, mas às vezes é preciso dar um empurrão para que ele aconteça nas bases adequadas.
E para isso não adianta cruzar os braços.

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Futebol: Um Negócio da China?

Depois que Mano Menezes assumiu o Cruzeiro, o clube saiu de uma periclitante situação e quase conquistou uma vaga para a Libertadores.
Aliás, tem se falado do Tite, mas o trabalho realizado por Mano Menezes no Cruzeiro foi tão incrível que deixou a torcida animada com 2016.
Entretanto, o treinador celeste recebeu uma proposta milionária e irrecusável de um clube chinês e deixará o Clube. Situação semelhante foi vivida pelo Atlético em 2013, quando Cuca, pouco antes do Mundial de Clubes, acertou sua ida para a China.
Mano Menezes irá se juntar a uma série de treinadores, caso de Felipão, que trabalham no “novo eldorado” do futebol mundial.
Criada em 2004, a Superliga Chinesa tem sido sucesso de público com uma média superior a 22 mil torcedores por partida.
Além disso, a Superliga Chinesa tem faturado alto com patrocinadores que, inclusive, fazem o “naming right” da competição.
Os salários pagos pelos clubes chineses têm sido muito maiores do que os oferecidos na Europa. Assim, muitos dos jogadores mais bem pagos do mundo estão atuando na Superliga Chinesa, como são os casos de Diego Tardelli e Ricardo Goulart.
Tal sucesso é fruto de uma administração profissional e na atenção ao conforto exigido pelos torcedores.
Dessa maneira, o Brasil começa a perder seus craques e grandes treinadores não mais para os gigantes europeus, mas para a jovem liga chinesa.
A China está dando um show fora das quatro linhas e não será surpresa se, em breve, clubes chineses começarem a dar trabalho no Mundial de Clubes.

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Ministério e Universidade do Futebol promovem seminário para discutir plano diretor do futebol

O secretário nacional de Futebol e Defesa dos Direitos do Torcedor, Rogério Hamam, participou nesta quarta-feira (02/12), em São Paulo, do Seminário de Avaliação do Futebol Brasileiro, promovido pelo Ministério do Esporte e pela Universidade do Futebol. Cerca de 80 convidados, dentre ex-jogadores, técnicos, pesquisadores, juristas, jornalistas e representantes de instituições ligadas à modalidade, participaram dos debates para avaliação do setor e elaboração de um plano diretor do futebol, que irá propor estratégias para o desenvolvimento do futebol.
Os participantes foram divididos em dez grupos para analisar o cenário atual e pensar as possibilidades de melhorias para o esporte. Foram abordados temas como calendário, controle orçamentário, legislação e perspectivas do futebol. Ao final do encontro, todas as ideias foram apresentadas e serão encaminhadas como sugestões para a elaboração do plano diretor.
Confira o texto na íntegra clicando aqui

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A judicialização do esporte

Por vezes, a grande maioria dos debates em torno da gestão do esporte se dá pelo questionamento sobre o dinamismo das entidades esportivas no sentido de promover e desenvolver suas atividades em parâmetros mais próximos do mercado de entretenimento. O que vemos é um ambiente extremamente burocratizado, em que as entidades colocam em prática processos morosos de trabalho no seu contexto de gestão.
Fiz uma pesquisa rápida para identificar o perfil dos presidentes dos 20 clubes da Série A para verificar se poderíamos encontrar algum indício dos “porquês”. Fiquei restrito à profissão (e, aqui, cabe um GIGANTESCO PARÊNTESES: não pretendo defender reserva de mercado para a Profissão A em detrimento à Profissão B. Acredito em competências e, por conta disso, independente da formação básica, o que importa na condução de uma organização está ligado muito mais com a inteligência de gestão do que propriamente com o nível de graduação ou especialização acadêmica).
No entanto, o que chamou a atenção foi que 65% dos presidentes (ou 13 em 20) têm formação na área do direito. O número chama muito a atenção, especialmente para uma reflexão sobre como são os processos de condução ao poder, que é sabidamente extremamente regulamentado.
Essa constatação, a bem da verdade, não é nova. Muitos artigos científicos atestam sobre um perfil similar em muitas entidades de prática ou administração do esporte. A grande questão é: para avançarmos com as mudanças necessárias, tão propaladas por inúmeros especialistas, será que não estamos esbarrando em organizações fortemente amparadas por procedimentos jurídicos? Para mudar, precisa de mais leis ou mais projetos e ações? Quem está apto a fazer, propor e implementar os melhores projetos e ações em prol do futebol?
As dúvidas ficam no ar justamente para gerar melhores reflexões e debates. Não parece haver resposta pronta, certa ou errada. O fato é que necessitamos de uma discussão bem mais profunda, com boa base analítica, para poder contribuir com o alcance de todo o potencial de negócios que se vislumbra no futebol brasileiro.

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Lições da carta de despedida de Kobe Bryant

A aposentadoria de um grande nome do esporte é sempre um momento significativo. Em poucas vezes, contudo, o ocaso de uma estrela é tão didático quanto o de Kobe Bryant, 37. O astro do Los Angeles Lakers, time que disputa a NBA (liga profissional de basquete dos Estados Unidos), anunciou no último domingo (29) que vai deixar as quadras depois da atual temporada, a 20ª dele como profissional. E o esporte brasileiro tem muito a aprender com isso.
Bryant escolheu para o anúncio um site chamado “The Players Tribune” (“A tribuna dos jogadores”, em tradução livre). Criado por Derek Jeter, ex-atleta do New York Knicks, o portal tem propósito de estreitar a distância entre os esportistas profissionais e seus fãs. Não é preciso fazer uma leitura aprofundada para notar a qualidade dos textos, quase todos escritos em primeira pessoa.
Agora tente imaginar um produto similar no Brasil. Quais atletas poderiam escrever textos pessoais e pertinentes sem cair no discurso laudatório dos “boleiros” que têm dominado a TV fechada no país?
A formação de atletas no Brasil negligencia fortemente o senso crítico e a relação com o público. Há iniciativas de patrocinadores ou de equipes de comunicação, mas faltam projetos mais abrangentes e amplos. Neymar apoiou o candidato Aécio Neves na última eleição presidencial (e aqui não entra qualquer julgamento sobre a escolha), mas quais foram as reais contribuições que o jogador de futebol deu para qualquer discussão? O mais próximo que ele chegou disso foi dizer que não se considera negro.
Atletas são jovens, e jovens podem não ter o discernimento necessário para se posicionarem sobre diferentes temas. No entanto, se não houver um suporte adequado, a idade será sempre apenas uma desculpa para a falta de cultura ou de perspectiva de mundo.
Afinal, quais são os atletas brasileiros que têm visão crítica sobre o mundo atual? Quais falam sobre política ou conseguem aproveitar o potencial de influência que o esporte oferece para transformar de alguma forma positiva a sociedade em que estão inseridos?
Não é apenas uma questão de perfil, de falta de fórum ou de eles não serem as pessoas mais indicadas. A discussão é: quais atletas são preparados para isso? Quais conseguem usar o poder de influência para algo maior do que vender calçados ou disseminar cortes de cabelo?
O site escolhido por Kobe é apenas parte da lição que ele ofereceu. O maior ensinamento, na verdade, é o teor da carta. O jogador fez uma declaração de amor ao basquete, esporte que escolheu como meio de vida. É um texto contundente, extremamente emotivo, que mostra claramente o quanto aquilo é relevante para ele.
E aí cabe mais uma comemoração com o esporte brasileiro: quais atletas são tão apaixonados pelo esporte que praticam? Quais conseguem demonstrar tão claramente esse amor e usam isso para incentivar outros praticantes?
O Brasil carece muito de uma política pública de esporte, mas também carece de bons exemplos. De uma forma geral, temos uma população extremamente pouco vinculada ao esporte.
Kobe também antecipou uma decisão que poderia se arrastar por toda a temporada. E por que isso é relevante? Porque os jogos dos Lakers, a partir de agora, serão sempre “a última alguma coisa” do astro. A decisão dele criou para a franquia de Los Angeles (e para os rivais, também) uma série de oportunidades até a última partida.
No Brasil, o centroavante Luis Fabiano anunciou a duas rodadas do término do Campeonato Brasileiro que não vai continuar no São Paulo em 2016. Também foi nessa época que o técnico Levir Culpi, ídolo da torcida do Atlético-MG, deixou a equipe.
O campeão Corinthians também tem um caso assim. O time alvinegro ainda não conseguiu renovar contrato com o volante Ralf, jogador escolhido pelo técnico Tite para levantar a taça.
Que chances as torcidas de São Paulo, Atlético-MG e Corinthians tiveram para se despedir de seus ídolos? Quais oportunidades os rivais tiveram para fomentar o embate?
O São Paulo marcou um jogo de despedida para o goleiro Rogério Ceni, é verdade. Mas isso é tudo que merecia a aposentadoria do atleta que mais vezes vestiu a camisa tricolor? Que tipo de homenagem ele recebeu durante o último Campeonato Brasileiro, o último clássico, o último duelo em casa, a última viagem e tantos outros últimos?
No futebol ou em outros esportes, nós valorizamos pouco os ídolos. Isso tem a ver com questões culturais, mas também – e principalmente – com a comunicação deficiente. Perdemos chances de aproximar atletas e público, e muito desse desperdício acontece simplesmente porque não temos ambientes que fomentem isso.
O amor de Kobe Bryant pelo basquete é lindo, mas apenas admirar não basta. Precisamos trabalhar para incutir em nossos atletas essa relação com o ambiente que os cerca.

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A relação dentro/fora e o apoio simultâneo dos laterais

Esta semana tive o privilégio de participar de uma aula intitulada organização ofensiva, ministrada pelo treinador Rodrigo Bellão, no 46º curso de treinadores do Sitrefesp.
O conteúdo da aula, que pode ser acompanhado no link http://www.futebolinteligente.com.br/organizacao-ofensiva-2/, contribui significativamente para que todos os profissionais do futebol, principalmente treinadores, reflitam criticamente sobre qual a sua contribuição na prática de um futebol ofensivo, imprevisível, criativo e refinado. Afinal, estas são algumas das características que destacaram o futebol brasileiro e, como é de conhecimento, tem sido gradativamente esquecidas e, por que não, negligenciadas.
Nesta perspectiva surge o mote para a publicação da coluna desta semana. O objetivo da mesma é, a partir da Universidade do Futebol, ampliar o rico debate proposto pelo treinador supracitado.
Para aumentar as possibilidades de êxito das ações ofensivas, ou seja, criar desequilíbrios na organização defensiva adversária e potencializar as chances de finalização, é importante ter todos os jogadores efetivamente participando deste momento do jogo. Além disso, quanto mais jogadores adiantados, logo, próximos à zona de risco do adversário, maiores as possibilidades de gerar superioridade numérica, princípio básico para vencer os confrontos territoriais permanentes num jogo de futebol.
Culturalmente, o futebol possui algumas “verdades”. Duas delas que provavelmente você já deve ter escutado são as seguintes: os laterais devem ultrapassar sempre por fora e que dois laterais não podem apoiar ao mesmo tempo. Será que essa “verdade”, criada, reproduzida é real ou será que podemos superar essa paradigma?
Para contribuir com a sua reflexão, segue, na sequência, um vídeo de algumas ações de organização ofensiva do Coritiba Foot Club sub-19, equipe que dirigi até meados de novembro. Peço que atentem as combinações de movimento de apoio dentro/fora entre os laterais e os extremos, permitindo a formação de triângulos e, também, ao apoio simultâneo dos laterais.
https://www.youtube.com/watch?v=Ksb-uCnzKb4
Seguramente não podemos nos oferecer ao jogo ofensivo e não nos preocuparmos em manter a equipe equilibrada e preparada para neutralizar contra-ataques do adversário. Isso é tema para uma outra coluna…
Abraços e até a próxima.