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Big Brother

Acordei com o barulho dos foguetes. Achei que repercutiam a virada do ano em Copacabana: eram de Gaza. Oto, meu morcego de estimação, me informou – ele ouve como ninguém. Passava da meia-noite. O Hamas e os israelenses comemoravam a virada de mais um sujo ano político. Chorei pelo olho esquerdo, um dos traços que decompõem minha personalidade. No exato instante em que pensei nisto, uma criança morreu vítima de um míssil israelense. Cem olhos por um olho é a lei; se todos esses olhos chorassem, seria um mar de sal no meio do deserto. Mas, tristezas não pagam dívidas, já dizia minha mãe, a mãe dela e a mãe da mãe dela, e a vida continua, pelo menos para aqueles que não forem atingidos pelos bombardeios praticados por governos que substituíram palavras por balas.
 
Já é primeiro de janeiro de 2009 no mundo ocidental e Oto, que também faz as vezes de morcego correio, me avisa que o David Beckham, o ex-jogador de futebol inglês, teria exigido para aparecer no Big Brother dos italianos, quinhentos mil euros. Colheu a informação do Mayerovich, o jornalista. Não me surpreende; o Ronaldo Nazário ganha dinheiro até para mostrar as banhas da barriga. Outro dia, cá com meus botões, imaginei que, se eu fosse o Ronaldo, diria os maiores disparates, de propósito, para ver o que saía na imprensa. Provavelmente, tudo. Eu diria, por exemplo, estar convencido de que havia vida em Marte, de que o Bin Laden estava escondido na Amazônia, e por aí afora.
 
Essa notícia sobre o Beckham é só para confirmar: os grandes nomes do futebol não ganham dinheiro necessariamente para jogar bola; se fosse, a maioria estaria pobre. Um ou outro escapam, como o Messi e o Kaká, pelo menos, por enquanto. Confesso que, para mim, aqui no fundo desta caverna, é muito desagradável ligar a TV e ver, fingindo que jogam, o Ronaldinho Gaúcho, o Ronaldo Nazário, o Denílson, o Robinho ou o Diego, só para ficar nos brasileiros. Mas já não foram bons?, perguntariam os crédulos. Claro que sim, e muito bons. Mas não é o que conta; o que conta é o quanto podem vender dos produtos de seus patrocinadores.
 
Tornaram-se grandes vendedores, os melhores do mundo, de chuteiras, tênis, meias, camisas, calções, óculos, lâminas de barbear, carros, qualquer coisa. Se o Ronaldo usa, eu também quero usar. Cristiano Ronaldo? Seguirá a fórmula: joga bem durante algum tempo, fica conhecido no mundo todo, depois, cai na farra, quando então poderá desfilar pelos campos, fazendo de conta que joga.
 
Quando alguns se escandalizam com a ida do Ronaldo para o Corinthians, é porque não entenderam o jogo. Ele não é funcionário do clube, mas do patrocinador, que não pode abrir mão de seus serviços; gordo ou magro, bonito ou feio, habilidoso ou lerdo, não importa. Ele vende de tudo, desde que apareça. E o rapaz é realmente um fenômeno. Desde 2002 não joga nada parecido com futebol, mas ganha um salário de rei, porque é um fenômeno de mídia; não há quem não o conheça no mundo. Ora, fazer-se conhecido em todos os lugares do mundo é uma arte. Como não se trata de jogar futebol, mas de vender produtos, ele pode seguir sendo rei.
 
Resolvi promover um Big Brother na caverna. Câmeras vão monitorar todos os movimentos e falas meus, do Arnaldo, do Oto, e até da Aurora, lá na porta de entrada. Já providenciei um edredon. A gente não tem cacife para convidar o Beckham para nos visitar, mas quem sabe consigamos, com alguma sorte, o Vampeta, o Marcelinho Carioca ou o Túlio. Esses os que me ocorreram, mas claro que o Arnaldo vai sugerir o Ricardo Teixeira. Já imaginaram o bagre conversando com o presidente da CBF? “E então Arnaldo, o que você acha do futebol brasileiro atual?”. “Nunca esteve tão bem, presidente, desde que o senhor instituiu a fórmula de pontos corridos”. “E de minha presidência, Arnaldo?”. “Um presente de Deus, presidente. Graças a Ele não temos constituição no futebol, essa fórmula estúpida e anacrônica, e o senhor pode se reeleger quantas vezes quiser.”. “Mas, por favor, Arnaldo, não confunda isso com o que faz o Chávez na Bolívia.”. “Em hipótese alguma, meu presidente. Só os estúpidos o comparariam àquele comunista arrogante.”. “E quem você acha que vai ser o próximo presidente da Fifa, Arnaldo?”. “Desculpe, presidente, mas sua pergunta me constrange, tão óbvia é a resposta. Não há outro que ouse usurpar aquilo que lhe é de direito, quase um direito natural. O senhor, só o senhor, poderá assumir o cetro do mais ambicionado cargo do planeta.”.
 
Seria engraçado revelar ao mundo as conversas íntimas de Oto fazendo a corte àquela morceguinha pouco mais que adolescente que quase nunca sai do fundo da caverna, envergonhada das espinhas que ostenta no rostinho lindo. E dos ataques de ciúmes que o acometem quando Clark, um morcegão de descendência americana, esvoaça em torno de Amélia; sim, esse é o nome da ninfa.
 
Aurora e seus achaques dariam fartos motivos às câmeras. Cheia de esquisitices, faria o gosto dos telespectadores quando, após uma lauta refeição de um ou dois ratinhos do campo, agasalhar-se no sobretudo de bolinhas vermelhas, calçar as pantufas verdes e postar-se à frente da TV para assistir, no canal Z33, ao time dos sonhos, sem saudosismos. O jogo seria Brasil e França, Copa do Mundo de 2006: Dida, soberbo, um deus de ébano entre as balizas. Cafu, um garoto, não deu chance aos franceses. Juan, como sempre, impecável. Lúcio, estranhamente calmo e comedido. Roberto Carlos, dedicação comovente, não deu chances ao Thierry Henry. Gilberto Silva, um leão, lúcido. Zé Roberto, impecável. Juninho, esforçado como sempre. Kaká, sempre o melhor do mundo. Robinho, humilde, maduro, útil. Ronaldinho Gaúcho, corajoso, destemido. Ronaldo, magro. O técnico, Sr. Carlos Alberto Parreira, tático, seguro, pulso firme, teve sempre o time na mão.
 
Sucesso faria um reality show de concentrações de futebol. Que tal um big brother da concentração do Corinthians? Ou do Flamengo? Que será que dizem ou fazem os jogadores em suas horas de folga? Talvez não fosse muito diferente daquele feito pela Globo. Alguns sob o edredon, outros languidamente esparramados à beira da piscina, haveria quem manipulasse notebooks jogando joguinhos de futebol, grupinhos batucando pagode, brincadeirinhas de mão… E os dirigentes? Certa ocasião, um árbitro de futebol fez algo parecido durante o próprio jogo, colocando um microfone na camisa, para que pudéssemos acompanhar, ao vivo, as reclamações e palavrões que acompanhavam cada jogada. Mas nada superaria a transmissão, por câmeras ocultas, das reuniões dos senhores donos da Fifa e do Comitê Olímpico Internacional.
 
De minha parte, modestamente, ficaria satisfeito de saber, do Túlio, como ele faz para marcar mais gols que todos os jovens atacantes brasileiros, alguns deles, vergonhosamente superados por um goleiro, aquele do São Paulo.
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Craque global

A volta de Ronaldo, definitiva, com direito a empate no último minuto num dos principais clássicos do futebol mundial foi, sem dúvida alguma, uma notícia que ocupou as manchetes da maior parte da mídia futebolística do planeta.

Para variar, mais um retorno inesperado de uma pessoa que, a cada nova prova que completa, mostra que dela você pode esperar qualquer coisa, mas nunca pode dizer que ela já está acabada para determinado tipo de função.

Ronaldo é notícia em todo o mundo. É, ao lado de David Beckham, um jogador mundial, daqueles que fazem mais sucesso que o papa, principalmente porque o futebol talvez seja uma das poucas unanimidades em toda a Terra.

Ronaldo é global. E é exatamente esse o maior problema para a imprensa brasileira.

Porque, aqui no Brasil, essa frase tem um significado muito diferente. Ronaldo é global. E, por isso mesmo, a imprensa toda sabe que o único furo de reportagem relacionado ao Fenômeno será, muito provavelmente, dado pela Globo.

A prova cabal disso foi ontem, logo após o término da partida contra o Palmeiras. Nivaldo de Cillo, repórter da Bandeirantes, foi o mais rápido e conseguiu chegar para a entrevista com o Fenômeno. Logo após chegou outro repórter de uma rádio. Só se ouvia Ronaldo dizer:

“Calma, sem confusão. Se ficar como foi da última vez, não vou falar nada. Depois reclamam que eu não falo”.

Ronaldo se referia ao término do jogo contra o Itumbiara, quando foi “golpeado” com um microfone no rosto pelos afoitos jornalistas. Mas dessa vez a coisa não estava tão feia assim, por incrível que pareça. E havia aparente tranquilidade dos próprios jornalistas. Mas Ronaldo continuou…

“Olha lá, não dá. Assim não dá para falar. Ou fica sem confusão ou não dá”.

Nivaldo de Cillo, o repórter, retrucou:

“Mas agora está calmo, você já pode falar”.

“Não está não”, foi a resposta de Ronaldo, quando nitidamente estava apenas cercado por um microfone da Band, outro de uma rádio e, já nessa altura, com outro do PFC, o canal de pay-per-view da Globo. Nem vestígio de confusão e daquele bolo de jornalistas afoitos.

A discussão só parou quando chegou a pergunta de um novo repórter que se juntou ao grupo. Curiosamente, percebia-se o símbolo da Globo. E, daí, vieram as primeiras respostas do Fenômeno. Quatro questões seguidas, e Ronaldo com o olho fixo apenas no repórter global, ignorando qualquer questionamento dos outros jornalistas.

Só depois dessa “exclusiva” é que o jogador começou a responder aos outros repórteres. Nenhum deles, infelizmente, colocou naquela hora, ao vivo, o dedo na ferida. 

Porque Ronaldo, há muitos anos, só fala com a Rede Globo. Foi no Jornal Nacional a primeira entrevista para dizer que chegava “mais um louco para o bando de loucos” do Corinthians. Foi na emissora que ele passou pelos mais diferentes programas, de Ana Maria Braga ao Esporte Espetacular, para falar qual era a sensação de jogar no Timão. Foi no Fantástico o desabafo do jogador quando esteve envolvido no caso dos travestis e quando disse que “era só voltar a jogar, começar a fazer gol e todo mundo se esqueceria disso”.

Assim como faz com Sandy, Ivete Sangalo e outros artistas badalados da mídia, a Globo parece ter com Ronaldo um contrato que lhe exige exclusividade. Ou, pelo menos, privilégio na hora de passar alguma informação bombástica à imprensa. 

O mais curioso é que a Globo não precisa disso para ter o furo de reportagem. Apenas o peso que o microfone da emissora tem já é suficiente para que ela largue com vantagem na hora de construir uma relação de proximidade com a fonte. O impacto que a Globo causa na vida das pessoas já constitui motivo mais do que suficiente para uma pessoa ter o desejo de falar primeiro a ela. E, depois, dar atenção aos outros veículos. 

Mas é impressionante como parece existir um medo terrível na Globo de ficar “para trás” na hora de uma informação exclusiva. E, com isso, ela parece usar toda a força que tem para manter os principais nomes da mídia com uma marca global no comportamento. 

E, o mais curioso, nem Ronaldo e nem Globo precisariam disso…

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br