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O cara?

Há quatro anos, todas as projeções indicavam que o Brasil poderia ficar tranquilo em relação ao futuro do time nacional. Havíamos descoberto mais uma daquelas joias raras que teimam em aparecer de tempos em tempos em terras tupiniquins. O maior celeiro de pé-de-obra do mundo havia descoberto Alexandre Pato, jogador que em apenas três partidas pelo time de profissionais do Internacional de Porto Alegre já era campeão do mundo e, melhor que isso, sendo um dos protagonistas da conquista inédita do Colorado.

Há um ano, a projeção sobre Pato não era tão esperançosa assim, mas da mesma forma ele continuava a ser apontado como sendo o próximo “cara” da seleção brasileira. Durante o naufrágio do time de Dunga em terras africanas, a ausência de Pato era lembrada em rodas de jornalistas sedentos pela cabeça do treinador e por mais craques no time nacional. Pato foi apontado como o possível camisa 9 da seleção em 2014 e, muito provavelmente, como o grande nome da equipe para a Copa que será no Brasil.

Só que o Ganso afogou o Pato.

Um jogador que consegue, em 30 segundos, mudar o panorama de uma partida que estava começando a se tornar complicada para o Santos e, poucos minutos depois marca o seu gol, não pode ser considerado apenas “mais um”. Ainda mais quando tudo isso acontece logo em seus primeiros movimentos depois de sete meses sem jogar, afastado por uma lesão.

Paulo Henrique Ganso é, hoje, a bola da vez. Mais do que Neymar, mais do que Pato, mais do que qualquer outro jovem jogador brasileiro, o camisa 10 do Santos provou em seu retorno que tem tudo para ser o camisa 10 do Brasil por muitos anos. Sim, pode parecer absurda tal previsão, ainda mais vinda de alguém que sempre critica qualquer euforia sobre um ou dois jogos e com bons resultados.

Mas Ganso mostra, a cada toque na bola, que é um daqueles raros talentos que aparece de vez em quando, geralmente (e felizmente) em terras brasileiras. Assim como Messi, Ganso é um daqueles atletas que não contam histórias de grandes evoluções ou que precise de muito esforço para alcançar grandes resultados. Tudo parece natural, fácil, perfeito.

Pelo menos para os próximos anos, Ganso é o cara. Quem sabe, nos próximos anos, surja alguém para destroná-lo. Mas, sinceramente, parece cada vez mais difícil isso acontecer.

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br

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Vigiar e punir, mas educar

Juízes federais têm se queixado bastante das ameaças que têm sofrido por parte de criminosos em todo o Brasil.

Especialmente em estados cuja atividade ilícita é praticada num cenário de fronteira e zonas de passagem de pessoas, drogas, armas.

Além disso, não só a falta de intervenção estatal positiva – melhorando serviços públicos essenciais, incluída a segurança – como a corrupção dos agentes públicos, favorece a equação ideal para o ambiente de terror.

Os juízes federais fazem parte de atividade essencial à Justiça, e não podem temer exercer suas funções. Relatam uma rotina de medo, que envolve a família e desestabiliza o cotidiano profissional.

Casos assim também têm ocorrido em São Paulo e Rio de Janeiro.

A arbitragem também é atividade essencial ao futebol, e deve ter todas as prerrogativas para o exercício de suas funções asseguradas por quem organiza as competições.

Nisso devemos incluir a autonomia administrativa, a remuneração qualificada e treinamento contínuo, dentre outros aspectos.

A Uefa lançou, no ano passado, a campanha “Agora vemos mais”, estrelada pelo famoso Pierluigi Colina, em que afirma, na comunicação, que as partidas possuem cinco atentos árbitros, e afirmações que dizem “mais informação, mais visão, mais comunicação”.
 


 

Ainda, prega o respeito aos árbitros e ao jogo – mensagens vinculadas ao lema “Respect” da entidade.

Assistindo ao documentário “Os Árbitros”, no canal Sportv, alguns destes aspectos de tensão profissional, mas de amparo institucional, ambos no seio da Uefa, percebemos quão avançada está a organização e importância de se qualificar a arbitragem no futebol do continente.

Não se quer com isso dizer que lá a arbitragem não cometa erros, por vezes de grave repercussão.

Trata-se de evidenciar que os processos de gestão têm mais importância lá do que aqui.

Porque a Uefa sabe que isso também valoriza economicamente o futebol continental (UCL e Europa League) visto como espetáculo em todas as TVs que compram os direitos de transmissão mundo afora.

Ou seja, a “geladeira” a que os árbitros são submetidos no Brasil, como punição, não levarão a um aperfeiçoamento sistêmico de nossa arbitragem.

Precisamos de qualificação e treinamento. E de boa remuneração, valorizando a atividade e lhe dando a pretensa isenção no desempenho das funções, submetida à fiscalização permanente e transparente.

Isso vai diminuir a margem de surgimento de novos casos como os da “Máfia do Apito”, pois, segundo Edilson Pereira de Carvalho, ele tinha muitas contas pra pagar depois que entrou no esquema e se acostumou a ganhar com a manipulação de resultados.

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br

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Banco de jogos: transições em retração e em expansão

Descrevo hoje o exemplo de uma atividade que pode, se bem conduzida e bem inserida dentro do processo, contribuir para o desenvolvimento do comportamento de ataque à bola com preocupação também na proteção de zona de importância, bem como para a expansão e retração da ocupação dos espaços de jogo nas transições.

Novamente, não é uma atividade inicial dentro do processo.

Ela requer que alguns conceitos já estejam bem estabelecidos entre jogadores e equipe.

As dimensões do campo e o número de jogadores devem variar de acordo com o nível de desenvolvimento dos atletas, objetivos e momento do processo.

Descrição:

a) A atividade é composta por duas equipes de 8 jogadores, mais 2 coringas.

b) Os coringas jogam sempre dentro das zonas “B” e “C”, e participarão como jogadores da equipe que estiver com a posse da bola.

c) Uma das equipes (no caso a amarela), ao retomar a posse da bola, poderá ter seus jogadores ocupando apenas o espaço delimitado pela região “A” (não podendo receber a bola nas zonas “B” e “C”).

d) A outra equipe (no caso a branca), ao possuir a bola, poderá ocupar as zonas “B” e “C”.

Pontuação:

A equipe branca pontua de duas formas:

a) 1 ponto para cada 8 passes que conseguir realizar sem interrupção do adversário.

b) 3 pontos se para cada jogador de sua equipe que receber passes dentro da zona “C”.

A equipe amarela pontua (2 pontos), para cada 8 passes sem interrupção adversária, que fizer, com seus jogadores fazendo passes dentro da zona “A” (podendo utilizar os coringas como apoio – sem ônus para a contagem dos passes – que estarão posicionados dentro das zonas “B” e “C”.

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

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O futebol e o dinheiro

Alguém disse um dia que o futebol é um grande negócio. Um monte de gente acreditou. Esse alguém e esse monte de gente, infelizmente, estão errados. Futebol não é um grande negócio. É um negócio mediano. Energia, alimentação, automóveis, extração, jogos de azar e construção são grandes negócios. Futebol não. Não chega nem perto. Nem aqui, nem na Europa e muito menos na China.

Mas no fundo, isso pouco importa, afinal o futebol independe do dinheiro que ele gera. Não é isso que faz a máquina funcionar. Se o futebol gera 10 milhões ou 10 bilhões de reais, a diferença, especialmente pro mercado brasileiro, é muito pequena.

Isso acontece porque a cadeia de valores do futebol funciona de uma maneira bastante peculiar. Diferente de cadeias normais, onde o processo de produção é baseado essencialmente no processo financeiro, o futebol se baseia no processo esportivo, independente do financeiro. Basicamente, a idéia da cadeia é a seguinte: times existem para ganhar partidas; times com jogadores mais talentosos ganham mais partidas; existem muito mais demanda do que oferta de jogadores talentosos; jogadores talentosos tendem a escolher o clube por conta da proposta financeira; quanto mais dinheiro um clube tem, mais chance de contratar jogadores talentosos ele possui e, portanto, ele terá mais chances de obter vitórias.

Só que o valor de um jogador talentoso não é baseado em uma tabela fixa, mas sim no preço atribuído por outros clubes que competem pelo mesmo talento, independente do quanto for isso.

Clubes de futebol do mundo inteiro tendem a gastar em média uns 80% daquilo que arrecadam com salários e transferências e apenas 20% com outros custos, como estrutura de estádio e centro de treinamento. Esses últimos, porém, são gastos com valores determinados pelo mercado em geral, o que faz com que apenas essa parcela represente um ganho real de receita. Para esses valores, mais dinheiro de fato significa algo positivo. O resto, porém, é uma draga: quanto mais você ganha, mais você gasta.

Ou seja, não interessa quanto de dinheiro um clube ganha. Porque quanto mais ele ganha, mais ele gasta. O que interessa é que ele ganhe mais dinheiro do que os outros clubes. Se você analisar os números, na verdade você chega à conclusão que isso acontece de verdade: apesar das receitas dos clubes brasileiros terem aumentado significativamente ao longo da última década, os gastos aumentaram muito mais. Isso porque a competitividade por talento é quase que uma disputa bélica, e o único jeito de acabar com isso é justamente o jeito com que EUA e Rússia conseguiram frear o espiral de gastos da guerra fria: chegaram a um acordo de corte de gastos conjunto.

Clubes não deveriam se unir para descobrir um jeito de ganhar mais dinheiro. Deveriam se unir para descobrir um jeito de gastar menos.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br

 

 

 

 

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E o futebol brasileiro cai na folia

A CBF é a entidade de administração do futebol brasileiro.

Sob sua administração, eclodiu o escândalo de arbitragem, em 2005, que ficou conhecido como “máfia do apito”.

O Poder Judiciário do Estado de São Paulo condenou a CBF, solidariamente, dentre outros réus na ação, a indenizar o montante de R$ 160 milhões à sociedade brasileira, para depositar no Fundo Especial de Reparação de Interesses Difusos Lesados.

Da decisão ainda cabe recurso.

Se a CBF é culpada, se o valor é exorbitante, se o Inter merecia o título do Corinthians… nada disso chama tanto a atenção para o episódio do que a estratégia de defesa protagonizada pelos advogados da entidade.

Algumas pérolas da linha afirmam que o “futebol é desprovido de interesse social relevante”, que é o “ópio do povo”, que ” paixão nacional não passa de slogan publicitário para vender cerveja e receptor de TV, que não corresponde à realidade”, e que o “escândalo foi um acontecimento “banal, irrelevante, do qual quase ninguém se lembra”.

Inúmeras ofensas à racionalidade, bom senso e competência técnica foram cometidas nessa linha de defesa, sendo que a maior delas foi acreditar que o Poder Judiciário brasileiro é um apêndice da própria CBF, tal qual foi, durante muito tempo, o TJD da entidade.

Também demonstram desconhecimento e/ou mau uso de argumentos jurídico-esportivos, como aqueles originários da Constituição Federal, da Lei Pelé, dentre outras fontes normativas.

Uma leitura básica e atenta de um advogado, preocupado em construir a defesa de seu cliente sem afrontar o bom senso de um homem médio – o que dizer então de um Juiz que deve ser convencido do contrário – levaria aos tópicos a seguir.

Segundo a Lei 9615/98, a Lei Pelé, no artigo 2º, “o desporto, como direito individual, tem como base os princípios:

III – da democratização, garantido em condições de acesso às atividades desportivas sem quaisquer distinções ou formas de discriminação;

V – do direito social, caracterizado pelo dever do Estado em fomentar as práticas desportivas formais e não-formais;

VII – da identidade nacional, refletido na proteção e incentivo às manifestações desportivas de criação nacional;

VIII – da educação, voltado para o desenvolvimento integral do homem como ser autônomo e participante, e fomentado por meio da prioridade dos recursos públicos ao desporto educacional;

IX – da qualidade, assegurado pela valorização dos resultados desportivos, educativos e dos relacionados à cidadania e ao desenvolvimento físico e moral;

XI – da segurança, propiciado ao praticante de qualquer modalidade desportiva, quanto a sua integridade física, mental ou sensorial;

XII – da eficiência, obtido por meio do estímulo à competência desportiva e administrativa.”

Ainda, sobre a natureza e as finalidades do desporto:

“Art. 3o O desporto pode ser reconhecido em qualquer das seguintes manifestações:

I – desporto educacional, praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a hipercompetitividade de seus praticantes, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer;

II – desporto de participação, de modo voluntário, compreendendo as modalidades desportivas praticadas com a finalidade de contribuir para a integração dos praticantes na plenitude da vida social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente;

III – desporto de rendimento, praticado segundo normas gerais desta Lei e regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações.”

Finalmente, e em caráter explícito:

“§ 2o A organização desportiva do País, fundada na liberdade de associação, integra o patrimônio cultural brasileiro e é considerada de elevado interesse social, inclusive para os fins do disposto nos incisos I e III do art. 5o da Lei Complementar no 75, de 20 de maio de 1993. (Redação dada pela Lei nº 10.672, de 2003).”

Usando linguagem jurídica corrente, o grifo acima é nosso.

Para, enfaticamente, afirmar que, se eu fosse advogado da CBF, depois da repercussão negativa do meu trabalho e da condenação em R$ 160 milhões, somados à afronta ao texto claro da Lei Pelé em destaque, mudaria de profissão.

Por imprudência, imperícia e negligência, todas juntas.
Como fez o árbitro Edilson Pereira de Carvalho, condenado na mesma ação que a CBF.

Ele trabalha como garçom em Jacareí (SP).

Eu iria bem mais longe do que Jacareí. E, no carnaval, pra passar despercebido.

Mas levaria a CBF, minha cliente, junto.

Deixaria o futebol nacional pra quem sabe que ele tem elevado interesse social.

Leia mais:

‘Analfabetismo funcional’: a atuação da CBF na disputa judicial da Máfia do Apito e a relação da entidade com o futebol no Brasil

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O Twitter e a informação

Pelo Twitter, Diego Tardelli confirma proposta do futebol russo e diz que deve deixar o Atlético-MG. Pelo microblog, também, o zagueiro Alex Silva amplia a sua discussão com Valdívia, fruto do clássico entre São Paulo e Palmeiras, e provoca grande polêmica ao ameaçar o jogador chileno para um duelo fora de campo.

Os dois casos, dos mais recentes encontrados no Twitter brasileiro, exemplificam de que forma o microblog pode ser usado como fonte de informação pela mídia e como forma de expressão das celebridades que usam a rede social.

No jornalismo, o Twitter não pode ser a fonte final para qualquer informação. Infelizmente, o imediatismo da internet e a necessidade de o jornalista ter o “furo” de reportagem levam a mídia a publicar qualquer frase de um famoso como manchete para a home page. Não é para tudo isso.

O Twitter facilitou o jornalismo declaratório, baseado apenas no que as pessoas falam (e, no caso atual, escrevem), esquecendo-se de que a matéria-prima essencial da profissão é a pesquisa e a qualidade de apuração do jornalista.

Da mesma forma, quem usa o Twitter precisa entender que ele não é “terra de ninguém”. Não é possível achar que, ao usar o microblog, ele não estará sujeito à análise popular. Alex Silva errou, e muito, ao provocar Valdívia fora de campo. Está no direito dele falar o que pensa, mas para isso també precisa aguentar as consequências.

O Twitter continuará a ser fonte de informação, mas infelizmente o jornalismo tem se especializado em fazer da rede social a fonte final para a sua apuração, prendendo-se apenas ao que é escrito por lá, sem ir mais a fundo na notícia.

Confiar em fonte no Twitter é o mesmo que acreditar em apenas uma fonte na hora de publicar uma notícia. O jornalismo é baseado nas declarações de entrevistados, mas não pode se ater apenas a ele.

O Twitter pode, sem dúvida, facilitar o trabalho de muito jornalista, mas como qualidade de informação, rapidamente ele terá de ser questionado. Afinal, ele não pode ser a única fonte para um jornalista.

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br

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A Inteligência Competitiva e o Espectáculo Desportivo

A Inteligência Competitiva (IC) resulta de uma resposta cultural e operacional à globalização e às transformações individuais e sociais que este fenómeno originou. A IC pode mesmo definir-se como um sistema cultural e operacional de recolha, tratamento, análise e encaminhamento da informação, visando o processo de tomada de decisões.

A IC, como diz o meu amigo, Doutor Miguel Trigo (Universidade Fernando Pessoa), “deve fornecer a informação certa, no momento certo, de forma certa, à pessoa certa, para que, finalmente, esta última possa tomar a decisão certa”.

De acordo com os dados publicados pela Society of Competitive Intelligence (SCIP), no plano internacional mais de 80% das empresas que atingem lucros superiores a 10 biliões de dólares possuem sistemas organizados de IC.

De facto, estas empresas, actualizadas do ponto de vista científico e organizacional, apresentam departamentos de IC e superam assim as restantes em três importantes áreas: vendas, quota de mercado e ganhos por quota de mercado. Relativamente aos profissionais de IC, a “conditio sine qua non” de admissão são as qualidades pessoais do candidato, a sua informação e a sua cultura. No caso do futebol, eu acrescentaria uma incontida paixão por esta modalidade desportiva. Quem gosta do que faz, trabalha mais e melhor…

A informação e a cultura são, hoje, os grandes factores de desenvolvimento. A multidimensionalidade da Sociedade da Informação, que é a nossa, exige, também dos fazedores do espectáculo desportivo (e portanto do futebol) mais informação e, por extensão, mais cultura.

No nosso futebol (meu poiso durante 28 anos, através do dirigismo no C.F. “Os Belenenses”) há dois campos bem estremados em liça: o dos que se fundamentam na sua vida de ex-profissionais e o dos que, teoricamente tão-só, falam de futebol, até à exaustão – escasseando, tanto num lado como noutro, a informação e a cultura. Trata-se de uma lacuna tão evidente… que ninguém vê! Ocorre-me o conto de Poe, “The Purloined Letter”.

A polícia parisiense procura, em vão, na casa de um suspeito, uma carta politicamente comprometedora. A polícia investiga os pontos mais escondidos e… nada! Em desespero de causa, o chefe da polícia solicitou a colaboração de Dupin, precursor de todos os detectives da literatura policial, que rapidamente encontrou a carta procurada. De facto, a carta não se encontrava em nenhum esconderijo de difícil acesso, mas à vista de toda a gente. E nisto consistia a astúcia: o seu ocultamento era a sua fácil visibilidade. Acontece o mesmo com o nosso futebol. É tão evidente a incultura e a desinformação, que o fragilizam, que se torna difícil descobri-las e entendê-las.

Daí que eu ouse propor a criação de um departamento de inteligência competitiva (DIC), nos clubes de futebol profissional, na selecção nacional de futebol, liderado por um doutor em Desporto e composto ainda por um filósofo, um psicólogo, um fisiologista (ou um médico) e um treinador de futebol.

Com que objectivos? A criação de uma nova racionalidade, onde ciência e filosofia sejam complementares e portanto onde conhecer seja principalmente relacionar, contextualizar, organizar. E que ciência? Indubitavelmente, uma ciência hermenêutico-humana, dado que o futebol é menos uma Actividade Física do que uma Actividade Humana. Uma teoria científica do Desporto é sempre uma teoria científica do sujeito.

Sem as acções individuais e colectivas do praticante, o futebol (ou qualquer outra modalidade desportiva) não pode estudar-se como objecto do conhecimento. E, como ciência hermenêutico-humana, que método?

O método, para a máquina complexa que é o ser humano, será o que decorre do pensamento complexo, ou seja, o método da complexidade, ou método integrado (cfr. Francisco Silveira Ramos, Futebol – a competição começa na rua, pp. 31 ss.) onde, pelas acções típicas da competição, se treinam o individual e o colectivo, o grupo e as capacidades individuais físicas, intelectuais, emocionais. De sublinhar também que a realidade e a verdade são fruto de práticas discursivas complicadas. De facto, a realidade não pré-existe à razão e à linguagem.

O treinador deve, por isso, saber comunicar, para motivar. Por outro lado, o método da complexidade diz-nos que o jogador é homem, antes de ser futebolista, e portanto na preparação do futebolista não pode esquecer-se o homem capaz de assumir uma racionalidade e uma ética intersubjectivas e… um rigoroso “treino invisível”.

O DIC criará ainda e dinamizará dispositivos de recolha, tratamento e disseminação da informação, de acordo com os mais modernos princípios da informação e da comunicação e os interesses do departamento de futebol.

Semanalmente, este departamento encontrar-se-á com o treinador principal, apresentando-lhe a informação julgada necessária aos seus processos de decisão, como técnico de futebol. Também, todas as semanas, o DIC fará, só com os elementos que o integram, uma reflexão crítica sobre o papel da inteligência competitiva, como resposta cultural e operacional às problemáticas criadas pelo desporto de alta competição em geral e pelo futebol em particular.

Cada um dos elementos deste departamento perceberá senhas de presença pelas reuniões que efectuar. Porque sou um teórico tão-só e quem não pratica não sabe (eu aprendi a memorizar e a ver, não a fazer) peço desculpa por ter metido a foice em seara alheia.

*Antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.

Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.

Esse texto foi mantido em seu formato original, escrito na língua portuguesa, de Portugal.

 

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E os pequenos? Argumentações sobre os direitos de imagem

Caros amigos da Universidade do Futebol,

Gostaria, através desta coluna, parabenizar nosso colega Erich Beting por sua coluna desta semana, muito oportuna. Isto porque também quero fazer alguns comentários sobre os recentes fatos envolvendo o Clube dos 13, TV Globo, clubes, etc.

Não quero fazer juízo de valor sobre quem está certo nessa história. O C13 tem o seu ponto, a Globo também, da mesma forma os clubes.

O que quero chamar atenção, a exemplo do Erich, é para um possível retrocesso na forma de distribuição de renda entre os clubes no Brasil.

A forma liberal e capitalista de individualizar os clubes, para que cada um consiga o maior valor para si, mostra-se equivocada no futebol. Nesse esporte, como cansamos de dizer neste espaço, a concorrência é saudável, e a tendência ao monopólio atrapalha o atual modelo de negócio do futebol como um todo e põe em cheque a sua viabilidade financeira.

Cada vez mais os mais poderosos devem atrair receita, não só da TV, mas também de patrocinadores, investidores, sócios-torcedores. Entretanto, existe também uma crescente necessidade de se promover uma distribuição solidária desses recursos aos clubes que não foram agraciados com uma grande torcida (e, por conseguinte, por um grande apelo perante os potenciais financiadores do esporte).

Se os clubes passarem a negociar diretamente com a TV a renda decorrente da cessão dos direitos televisivos, corremos o risco de ter em um futuro próximo um campeonato chato, monótono, com poucos clubes poderosos, e uma grande massa de clubes em vias de extinção.

Veja, por exemplo, o exemplo de Portugal, que ainda não adotou o sistema de venda coletiva de direitos (fonte: www.epfl-europeanleagues.com). Invariavelmente, temos todos os anos o Porto liderando a tabela, seguido (mas sem risco de alcançar) do Benfica, e depois do Sporting. Sempre. Os demais times de lá, com sorte, sobreviveriam à A2 ou A3 do Campeonato Paulista. Com sorte.

Acho que a atual discussão que devemos promover no Brasil não é a de quem está certo ou errado com os últimos rumos que a venda de direitos do Brasileirão está tomando. Mas sim que o caminho da venda individual pode parecer apetitoso para os clubes mais ricos no curto prazo, mas no longo prazo isso representará um enorme retrocesso ao nosso jogo.

Principalmente no Brasil, em que nossos craques são inicialmente revelados nos clubes pequenos, do interior. Os grandes precisam agora olhar para eles e entender que eles precisam ser financiados, em um sistema de distribuição solidária, para que nosso futebol seja viável e que os verdadeiros clubes formadores sobrevivam.

Meu caro Erich Beting, um abraço e novamente parabéns por sua coluna desta semana.

Para interagir com o autor: megale@universidadedofutebol.com.br

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Novidades de 2014

As magníficas novidades relacionadas a Copa do Mundo de futebol em 2014 englobam, semanalmente, o aumento “inesperado” dos custos das obras dos estádios brasileiros que servirão o mundial.

Às vezes a informação vem do nordeste, em outros do sudeste, por vezes surge no norte e centro-oeste. Nesta semana, vem do sul, com a incrível descoberta de comissão à empreiteira que construirá o novo Beira-Rio, na ordem de 30 a 35% do valor da obra (veja o link).

Em uma fase de planejamento, os cenários internos são relativamente controláveis. Orçamentos, tomadas de preço, características do empreendimento etc. entram no espoco de necessidades. A pesquisa de mercado também contribui para minimizar erros de cotação e orçamento: como operam as empreiteiras? Como se deu a construção de estádios mundo afora? Quais foram os problemas de orçamento dos Jogos Pan-americanos em 2007 que são possíveis de eliminar? E daí por diante.

É verdade que fatos alheios, externos, podem impactar sobremaneira, e de forma negativa em um plano construído há algum tempo. Esses fatores não são controláveis internamente, apesar de poderem ser previstos com alguma antecedência e minimizados se porventura fatos análogos ocorrerem.

Mas o que se percebe pelos noticiários e pelas declarações daqueles que atuam na gestão e organização da Copa é que as variáveis internas foram e ainda são mal exploradas. É a mesma coisa que embarcar para a região da Antártida sem obter as informações básicas do que encontrará por lá e seguir com uma mala de viagens com bermudas e roupas para o calor.

Recomendo a leitura do artigo do professor Lamartine Pereira da Costa, no livro “Legados de Megaeventos Esportivos” (que pode ser baixado gratuitamente neste link) quando fala sobre o modelo 3D, que trata de um modelo de planejamento que considera o espaço, o tempo e o impacto como variáveis necessárias a analisar para se alcançar o legado do megaevento esportivo.

A verdade que transparece, em uma visão de fora e alheia às questões políticas, é que ninguém ainda sabe que “bicho” é esse chamado “Copa do Mundo”. Governantes, com discursos pomposos, preocuparam-se somente com o tom político-eleitoreiro e a velha e nefasta mania nacional de “deixar para ver o que poderá ser feito lá na frente”.

E vida que segue. Os líderes da Copa a fazer de conta que estão com o controle da situação no que diz respeito aos cronogramas e orçamentos do megaevento e o povo a acreditar em dias magníficos durante e depois do mundial, com seus frutíferos legados.

Para interagir com o autor: geraldo@universidadedofutebol.com.br