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Qual é a hora de parar?

Saudações a todos! Nesta sexta-feira aproveitarei um assunto que foi o grande destaque da semana para trazer uma reflexão a vocês. Ronaldo Luís Nazário de Lima, o maior artilheiro de todas as Copas, de talento ímpar e indiscutível, e ainda com 34 anos, parou. O “Fenômeno” parou?

Muitos acham que mesmo acima do peso, mesmo sem o arranque que foi sempre sua marca registrada, ele ainda poderia jogar por mais dois ou três anos e seria sempre destaque. Outros acham que ele deveria ter parado há um ano, após jogar a primeira temporada no Corinthians e assim encerrar a carreira com o destaque de ter sido campeão da Copa do Brasil, com a taça na mão. Isto sem falar que assim teria evitado o Tolima… Ah, quanta dor de cabeça esse Tolima me deu! Mas é melhor pularmos essa parte.

Mas existe uma regra para saber a hora de parar? Sim, existe e contarei no fim desta coluna. Antes, quero trazer para vocês algumas informações do mundo coorporativo.

Há alguns anos existia nesse ambiente um ranço, posso até chamar de uma regra, que pessoas com mais de 40 anos já estavam fora do mercado de trabalho, deveriam se aposentar. De fato, as pessoas que se aproximavam dessa faixa etária já programavam sua aposentadoria, pensavam o que fazer com fundo de garantia, se comprariam um sítio no interior e viveriam pescando, se investiriam em novo negócio e continuariam no dia a dia agitado da metrópole, ou seja, tinham dúvidas sobre o que fazer, com a única certeza de que em curto período de tempo estariam fora do mercado formal de trabalho.

Para sorte de muitos (inclusive a minha), segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), aumentou o número de idosos no Brasil. Já há mais pessoas da Terceira Idade do que crianças no nosso país. As regiões Sul e Sudeste são as que mais se concentram essa fatia da população E embarcada nesta realidade, a situação da empregabilidade no Brasil também mudou.

Já faz algum tempo que os profissionais com mais de 40 anos têm espaço garantido no mercado de trabalho, e como o assunto é “fenômeno”, um fenômeno vem acontecendo nos últimos 10 anos.

Com o aquecimento do mercado e com a consequente alta no emprego, profissionais com 40, 50 e 60 anos estão a todo vapor e em plena atividade profissional. Existe espaço para todos. Os experientes mais graduados ocupam posições de liderança nas empresas e passam aos mais jovens, que chegam às empresas muito bem formados, porém carentes de vivência coorporativa, toda sua experiência, sua bagagem, seus acertos e seus erros. E essa mescla entre juventude e experiência tem trazido ganhos significativos para as organizações. Outros profissionais com essa faixa etária atuam como consultores, aplicando sua experiência em projetos pontuais, nos quais não existe a necessidade de horários rígidos e de rotina. Os menos graduados também estão em plena atividade, principalmente em funções em que o contato com o publico é exigido, como em lojas de cadeias de fastfoods, livrarias e pizzarias, entre outros.

Nessas atividades, eles explicam para o público detalhes sobre os produtos vendidos, já que têm paciência e educação para dar as explicações. Em contrapartida, o público também tem com eles a mesma paciência e educação. Como resultado, as empresas têm clientes mais satisfeitos, o que é bom para todos.

Agora, se a regra de parar aos 40 não existe mais, qual a regra que vale? Eu conto:

1) Trabalhe todos os dias como se fosse seu primeiro dia na empresa, com dedicação, afinco, vontade e felicidade;

2) Mantenha-se atualizado com as tendências de sua área;

3) Saiba o que os mais jovens estão fazendo, que tecnologia e instrumentos eles usam para se comunicar. Entre no mundo deles, pois você aprenderá muito também;

4) Mantenha sempre o bom ambiente de convívio com os colegas de trabalho, deixando de lado o ar “sabichão” de quem já passou por muitas experiências;

5) Leve soluções, evite problemas. Uso aqui a sabedoria do filósofo Bruce Willis, bem apresentada por um de seus personagens: “Se você não faz parte da solução, por favor não faça parte do problema”.

Sem ser piegas, se você faz a maioria das ações que citei acima, com felicidade e prazer, independente de ter 40, 50 ou 60 anos, você ainda tem muitas partidas e muitos campeonatos para jogar.

Fazendo um paralelo com o mundo do futebol, aqui no Brasil temos um exemplo indiscutível, que independentemente da idade, exercendo sua profissão com felicidade, dedicação e prazer, tem tido sucesso garantido. Rogério Ceni, com 38 anos, 20 deles dedicados ao São Paulo, está em plena forma e continua sendo o primeiro jogador a chegar e o último a sair dos treinamentos. Alguém imagina o São Paulo sem o Rogério? Aliás, a dedicação e o sucesso são tão grandes que muitas pessoas têm até dúvida se chamam o Rogério do São Paulo ou o São Paulo do Rogério!

Agora, se na sua empresa ou em sua atividade você não tem mais essa garra, se lhe falta vontade, está sem felicidade, chegou a hora de pendurar as chuteiras e preservar sua imagem de campeão que construiu ao longo dos anos.

Tenho certeza de que refletindo sobre o assunto você encontrará exemplos de profissionais que foram além do que deveriam e desmancharam a imagem de campeão, e outros que souberam a hora de parar e brilham eternamente.

Aproveitem os exemplos e apliquem na sua rotina. E não esqueçam: ser feliz em tudo o que se faz é a chave do sucesso!

É isto pessoal. Intervalo, vamos aos vestiários e nos vemos na próxima semana.

Abraços a todos!

Para interagir com o autor: ctegon@universidadedofutebol.com.br  

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A tirania da idade no processo de seleção, formação e detecção de talentos

Como havia adiantado na última semana, durante todo o mês de junho esta coluna será dedicada a discutir assuntos relacionados à seleção, detecção e formação de talentos. O tema desta quinta-feira será a idade como fator de desempenho no futebol de base.

O sucesso no futebol é multifatorial e depende de aspectos coletivos e individuais. No aspecto coletivo, entre outros fatores, destacam-se: entrosamento, inteligência de leitura de jogo e aplicação tática da equipe. No aspecto individual, destacam-se qualidade técnica das habilidades motoras abertas e fechadas (manejo de bola, condução, passe, chute, cabeceio), aplicação tática individual, qualidade das capacidades motoras condicionais (flexibilidade, velocidade, força, potência, resistência anaeróbia e aeróbia) e qualidade das capacidades motoras coordenativas (diferenciação sensorial, observação, representação, antecipação, ritmo, coordenação motora, controle motor, reação motora e expressão motora).

Embora algumas destas classificações sejam mais didáticas do que práticas, indiscutivelmente o período pré-pubertário é a fase ótima para o desenvolvimento das capacidades coordenativas enquanto que o desenvolvimento das capacidades condicionais deve ser priorizado no período pós-pubertário.

Neste aspecto é imprescindível que o processo de detecção, seleção e formação de talentos adote critérios claros para se determinar o período maturacional de cada jogador. Geralmente, as estratégias adotadas para este fim são a utilização de exames laboratoriais de hormônios sexuais, desenvolvimento glandular, avaliação médica, períodos de dentição, velocidade de crescimento da estatura, período de menarca ou espemarca, pilosidade tegumentária de genitais, auto-avaliação das características sexuais secundárias e desenvolvimento ósseo.

O problema é que tais características se manifestam em diferentes idades cronológicas de modo que crianças ou adolescentes com mesma data de nascimento podem apresentar diferentes estágios maturacionais. Assim, indivíduos com atraso maturacional podem sofrer desvantagem no processo de formação já que fisicamente apresentam desvantagem em relação aos que se encontram em estágios mais avançados de maturação.

Um estudo recém publicado por Augste e Lames (2011), investigou o efeito da idade cronológica na seleção de jogadores alemães sub-17. Após analisarem 911 jogadores de 41 equipes diferentes, constatou-se que os times compostos por jogadores de idades mais avançadas tendiam a ter melhores colocações no ranking.

Esse aspecto pode ser um indicativo de que o processo de formação está equivocado, já que muitas vezes o desempenho pode estar baseado apenas na vantagem física apresentada por jogadores mais velhos, a qual tenderá a desaparecer na idade adulta e deixar de ser diferencial.

Com estas informações, a questão parece mais uma vez estar atrelada aos objetivos que se tem em cada clube. Se a categoria de base servir para ganhar títulos, devem-se privilegiar jogadores mais velhos com maturação adiantada. Se for para formar jogadores em longo prazo, outros aspectos além da idade e da maturação devem ser avaliados. Mas este será assunto para as próximas semanas…

Então até a próxima semana!

Para interagir com o autor: cavinato@universidadedofutebol.com.br  

Referências bibliográficas

Augste C, Lames M. The relative age effect and success in German elite U-17 soccer teams. J Sports Sci. 2011 Jun;29(9):983-7.

Helsen WF, Starkes JL, Van Winckel J. Effect of a change in selection year on success in male soccer players. Am J Hum Biol. 2000 Nov 1;12(6):729-735.

Helsen WF, van Winckel J, Williams AM. The relative age effect in youth soccer across Europe. J Sports Sci. 2005 Jun;23(6):629-36.

Jiménez IP, Pain MT. Relative age effect in Spanish association football: its extent and implications for wasted potential. J Sports Sci. 2008 Aug;26(10):995-1003.

Mujika I, Vaeyens R, Matthys SP, Santisteban J, Goiriena J, Philippaerts R. The relative age effect in a professional football club setting. J Sports Sci. 2009 Sep;27(11):1153-8.

Vaeyens R, Philippaerts RM, Malina RM. The relative age effect in soccer: a match-related perspective. J Sports Sci. 2005 Jul;23(7):747-56.

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Ceni e Lacombe

Há duas semanas, o goleiro e maior ídolo do São Paulo Futebol Clube, Rogério Ceni, ganhou batalha na justiça contra a ex-comentarista esportiva Milly Lacombe. Para quem não se lembra do caso, há pouco menos de cinco anos, Lacombe, então comentarista do Sportv, acusou Ceni de falsificar assinatura para mostrar pré-contrato com o Arsenal, da Inglaterra e, assim, pleitear aumento de salário junto ao São Paulo.

No mesmo instante, Rogério Ceni ligou no programa e entrou “ao vivo” para dar uma lição não só naquela jornalista como em muitos que, por tabela, falam o que pensam sem ter efetivamente a prova real daquilo que estão querendo propalar no veículo de mídia que prestam serviço.

A história não merece muitas delongas e é conhecida da grande maioria das pessoas que trabalham com o futebol. A memória serve mais para destacar a inteligência e a preocupação com a imagem de ídolo que Rogério Ceni possui – fato esse bastante raro entre jogadores de futebol.


 

E do fato, temos duas questões para o exemplo, seguidas das respectivas reflexões: como se dá a assessoria direta para cuidar da imagem dos atletas? Como se comporta o clube diante de situações análogas?

Na primeira, deflagra o discernimento do Rogério em pegar o telefone e ligar “ao vivo” no programa, procurando minar qualquer tipo de boato que pudesse denegrir sua imagem. É bom pensarmos que a indenização por danos morais, em alguns casos, não paga todo o dano causado à imagem da pessoa desmoralizada.

Ao mesmo tempo, o fato de Rogério ser uma exceção. Ele fez o papel que um assessor de imprensa deveria fazer. Tudo bem que os assessores de imprensa não são onipresentes (e nem Ceni, que teve a “sorte” de, naquele momento, ver e ouvir o que estavam a falar dele mesmo). Mas é preciso ter planos, meios, métodos e estratégias para minimizar danos e isso passa, em muito, pelo direito de resposta com a finalidade de se chegar à verdade em casos mais polêmicos.


 

Na segunda, infelizmente é perceptível certa negligência dos clubes de um modo geral em proteger um de seus maiores patrimônios: seus ídolos. São eles que fazem (ou defendem) gols; que por sua vez vendem camisetas; valorizam os produtos licenciados ligado a ambos (clube e atleta); lotam os estádios, e por aí vai. Achar que o atleta é só mais um e depois virão outros parece ser o grande erro dentro desse tipo de relação.

O fato é que cinco anos se passaram desde que o caso “Ceni x Lacombe” ocorreu e, a meu ver, pouca coisa mudou dentro de um contexto amplo. Evoluímos para algumas plataformas de mídia digital e já presenciamos alguns embates por meio delas, com pouco efeito prático e mais desgaste entre os que falam e os que jogam. Ao que parece, poucos atletas foram bem orientados e menores ainda são as soluções para lidar com essa importantíssima relação.

Para interagir com o autor: geraldo@universidadedofutebol.com.br  

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Fenômenos

Não tenho a menor ideia do que passará na cabeça de Ronaldo contra a Romênia, no Pacaembu. Mal ele sabe tudo que já passou pelos pés desde 1993, quando iniciou das mais fenomenais carreiras da história do esporte. Terminar qualquer carreira, por ironia, é um parto. Uma partida para o fim do jogo. Mas um craque imortal não pendura chuteira. Não é o limbo dos reles que ralam, nem o Olimpo onde R9 já tem cadeira à direita de Pelé.

É um lugar sem explicação onde Ronaldo vai pairar quando definitivamente parar. Ele, com a simplicidade dos craques que fazem tudo mais simples, sabe que a pessoa física tem seus compromissos, já arregaçou mangas e gravatas na vida empresarial, e que o mundo real é diferente daquele vivido lá dentro. Quando ele nos fez campeões mundiais em 2002. Quando fez tanta gente feliz com gols, arrancadas e, principalmente, superações.

O R9 superou até os problemas e polêmicas do Ronaldo Nazário, o menino de Bento Ribeiro. Já tirou e deu de letra. Já botou muitos números nas contas de tantos. Agora, leva nas costas as contas que ganha de publicidade e perde as tantas em outros tantos negócios que são oferecidos a uma marca fenomenal que venceu várias marcas dentro de campo, e estampa associada à imagem uma marca registrada de talento, juventude e fantasia. A história real de carochinha na Copa de 2002, que mais parece filme da Disney com roteiro mexicano e produção venezuelana, é de filminho groselha com açúcar de sessão da tarde da TV. Mas foram reais sessões de gala nas madrugadas brasileiras de 2002.

Ronaldo não para. Mas vai parar esta terça-feira, no Pacaembu. Ele vai jogar 15 minutos. Pretende entrar aos 30 do primeiro tempo e encerrar no intervalo, oficialmente, a carreira pela Seleção onde há 17 anos, aos 17, estreava para se tornar o maior artilheiro em 80 anos de Copas do Mundo.


 

Não deverá repetir Romário que, no mesmo Pacaembu, fez seu último jogo e gol pelo Brasil, em 2005, contra a Guatemala. Outro gênio que se despediu no belíssimo estádio que irá receber as últimas chuteiras fenomenais para o Museu do Futebol.

Mas Ronaldo não precisa mais nada. E isso é a questão para o cidadão Ronaldo. Como levar a vida que nos levou como o tema do Zeca Pagodinho em 2002 sem tudo aquilo que ele ganhou e nos deu de presente?

Como tudo fica menos complicado aos craques e gênios, que Ronaldo curta o renascimento sendo aplaudido por onde for. E aplaudindo histórias tão belas como as que começa a construir Neymar. Um que ainda tem muito a aprender. Um que já devemos começar a pensar nas homenagens que faremos quando ele deixar o futebol. Já que a recíproca não será verdadeira.

Para interagir com o autor: maurobeting@universidadedofutebol.com.br

*Texto publicado originalmente no blog do Mauro Beting, no portal Lancenet.

Leia mais:
Ronaldo Para Sempre
Por que Ronaldo foi um atleta inteligente?
 

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André, o antropólogo, e seu encontro com Guimba

Apresentação

Meu nome é Guimba. Isso mesmo, e me chamam assim por causa do monte de cigarros que eu fumava por dia e porque eu guardava as pontas para fumar depois. Isso até o dia em que eu já não conseguia mais correr atrás da bola.

Qualquer corridinha e eu botava a língua para fora. E foi por isso, e não porque eu era ligado nessas coisas de infarto e tal, que eu parei de fumar. Mas o apelido ficou.

Jogo no “Jura Que Sabe”, o time dos veteranos do bairro, e esse nome pegou porque todo mundo ali pensa que joga, mas quase ninguém joga nada, é só papo de botequim – por sinal, no boteco do Novelo, que fica ao lado do campo. Ali rola o maior papo, e cerveja.

Quem ouve a conversa jura que a gente joga bola. Teve até um moço antropólogo que veio aqui procurar por nós, achou interessante o nome, quis saber de onde veio essa denominação estranha, “Jurakissabi”, se era indígena, até que a gente disse para ele que não tinha essa de indígena, era “Jura Que Sabe”, assim mesmo, tudo separado.

O rapaz não gostou da história, mas gostou da gente, pena que ele não joga nada, não teve tempo de aprender, pois a mãe dele fazia ele estudar o tempo todo. De cerveja ele entende, e de conversa também, mas só depois de entornar três geladas.

E como a gente joga mais na mesa do que no campo, ele acabou virando um craque…

O primeiro encontro

Atraído mais pelo nome que pelos acontecimentos, que desconhecia, pôs-se André em campo; noviço nas artes da Antropologia, ansiava e temia o dia de deparar-se com uma autêntica comunidade daquelas cuja cultura enraizada resistia aos ataques de modernidade. Por um erro de grafia, uma pequena nota de canto de página na seção de esportes publicou o placar da peleja Jurakiçabi dois, Estação Central um. O erro do jornalista resultou em boa surpresa para André, o recém-formado antropólogo.

E lá se foi nosso André serra abaixo, rumo a Santos, disposto a realizar trabalho científico de causar orgulho aos pais e mães da ciência do homem, caso estivessem vivos. Pergunta daqui, procura dali, soube que o esquadrão de veteranos batia sua bola no bairro do Jabaquara, já na subida do morro da Nova Cintra. Quem sabe não encontraria entre eles descendentes dos próprios Tupinambás, ou dos Tamoios, daí o nome do time. Até onde se sabe, Jurakiçabi não consta do vocabulário de nenhum povo indígena conhecido, mas, até aí, não se sabe tudo. Os craques do portentoso onze se reuniam aos sábados, no período da tarde, ora no campo próprio, ora nas dependências do adversário. No próximo final de semana a porfia seria realizada em casa e indicaram a André que procurasse o Guimba, líder e um dos artilheiros do time, no boteco do Novelo, lá pela uma da tarde.

Fiel aos princípios da etnografia, nosso jovem antropólogo sentou moradia ali mesmo, no começo da Nova Cintra, num quartinho de fundos da casa de Dona Noca, senhora ponderada e apreciadora eventual dos eventos futebolísticos do bairro.

O sábado chegou, e André já não suportava mais a ansiedade da espera. Não à uma da tarde, mas ao meio-dia, fincava pé no boteco do Novelo, que de pronto lhe serviu uma brama gelada e disse que Guimba logo chegaria. O ambiente era favorável, o cenário bem armado. Que mais poderia querer André para sua estreia como pesquisador de campo, que um boteco servido por um português de bigode, no meio de uma autêntica comunidade de descentes Tupinambás. Ou Tamoios?

– Oi Guimba – cumprimentou Novelo, – está aí um moço que quer falar com você.

André virou-se emocionado. À sua frente o líder, fonte viva de conhecimentos. Guimba vinha em sua direção. Mas ele não parecia nada com um índio. Era alto e magro, seco até, cabeleira basta, além de grisalha, e vermelho, um vermelhão que ocupava todo o pescoço e partes do rosto. Os braços eram muito peludos. Junto com a barba por fazer, contrariava muito a imagem de um descendente de índios. No lugar de olhos amendoados e castanhos, olhos redondos e azulados.

– Boa tarde – cumprimentou Guimba.

– Boa tarde. É um prazer conhecer o senhor. Sou antropólogo e vim para estudar o seu time de futebol e a sua comunidade. Até aluguei um quartinho nos fundos da casa da Dona Noca.

– Caramba! – espantou-se Guimba, enquanto pedia uma brama. – É a primeira vez que vejo um antropólogo – disse, olhando para André, baixinho e magro, cabeleira farta e negra, barba e bigode, olhos fundos e óculos de lentes grossas. O antropólogo usava bata indiana, calça de algodão e sandálias de couro. Ao lado da cerveja, uma caderneta de capa verde e uma bic.

– Posso fazer umas perguntas para o senhor? – perguntou André.

– À vontade – respondeu Guimba.

– De onde vem o nome Jurakiçabi?

– Não foi a gente que inventou. Foi o pessoal aqui do boteco que escuta o que a gente fala depois do jogo. É que depois das bramas todo mundo começa a aumentar um pouco o que aconteceu no jogo.

– Sim, mas o que tem isso a ver com um nome indígena? – perguntou André.

– Indígena, o que é indígena?

– Esse nome do time, um nome que só pode ser Tupinambá ou Tamoio, os índios que habitaram o litoral séculos atrás, e dos quais vocês talvez sejam descendentes – disse André.

– Moço, que confusão. Meu pai, que Deus tenha, era português, minha mãe filha de turco, e eu fiquei assim.

– Mas, e o nome? – insistiu André, e mostrou o recorte de jornal.

– Ah, isso aí tá errado. É separado: Jura Que Sabe, aquilo que eu falei, a gente fala mais do que joga.

André virou de uma vez o copo de cerveja. Os outros craques chegavam. O Nonato, Pé de Valsa, Zoca, Chinelo, cada um menos parecido com índio que o outro, nem cara de índio, nem de jogador de bola.

– E agora? – Perguntou André – Eu até aluguei quarto. E minha pesquisa?

– Você sabe jogar futebol? – perguntou Guimba. – Pelo jeito, não.

André, desolado, explicou que nunca tinha jogado bola. Consumiu a infância e a adolescência estudando para entrar na Universidade. De vídeo game até que ele era bom.

– E de cerveja, você gosta? – perguntou Guimba.

Hoje André é o torcedor mais barulhento do Jura Que Sabe. Diz que um dia vai fazer uma tese de mestrado sobre o futebol de várzea.

Para interagir com o autor: jbfreire@universidadedofutebol.com.br

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Zona de Exclusão da Fifa

Eu moro, atualmente, na Zona de Exclusão da Fifa, na sede da Copa 2014, em Curitiba.

E você, em sua cidade, também?

Primeiro, o que é Zona de Exclusão da Fifa?

Num raio de 2km ao redor do estádio indicado para receber os jogos da competição, existem algumas restrições, impostas pela Fifa, ao Comitê Organizador Local, que deve fazer valer junto a toda população.

Dentre as principais restrições, está a proibição de, em vésperas e dias de jogo, qualquer tipo de ação promovida por entidades locais; qualquer atividade comercial, fora a feita pelas lojas oficiais e patrocinadores da Copa; anúncios publicitários ou identificação comercial que não dos patrocinadores oficiais da Copa.

A intenção da Fifa é proteger e valorizar as relações comerciais com quem patrocina o evento – e paga altíssimas somas – evitando marketing de emboscada e proliferação de pirataria em merchandising.

Entende-se.

Mas a Fifa, na casa dos outros, se sente à vontade pra “cantar de galo”.

Só que seu terreiro anda bem sujo na Suíça, que não quer que a imagem do país – paraíso de velhinhos em busca da melhor aposentadoria, e rios de dinheiro do mundo todo despejados nos bancos locais – seja prejudicada por apenas uma empresa.

Que está presente em mais de 200 países, mas não paga um euro de impostos aos suíços.

E aqui no Brasil também não vai pagar.

Começo a temer pelo meu futuro em junho de 2014.

Ainda mais agora que a Fifa contratou o ex-chefe do FBI pra investigar as denúncias de seus contraditores, Bin Hamann e Jack Warner.

Sinto-me como o personagem do Mel Gibson no filme “Teoria da Conspiração”.

Vai que descobrem alguma coisa minha que nem eu mesmo esteja sabendo.

E pior ainda, não sei nem se vou poder comprar pão nesse período, uma vez que estarei confinado na Zona de Exclusão da Fifa.

O pessoal da padaria já me avisou que não haverá pão licenciado pela Fifa.

É muito caro. E eles temem perder clientela pelos escândalos de corrupção associados à entidade.

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br  

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Barcelona 3 vs 1 Manchester United

Já se passaram alguns dias da final da Uefa Champions League. Tal fato pode dar a falsa impressão que a discussão dos acontecimentos da decisão de Wembley já não é mais relevante. No entanto, profissionais do futebol que almejam sucesso em sua carreira precisam ver, rever e aprender em cada lance do belíssimo confronto entre Manchester United e Barcelona.

Alguns comportamentos de jogo da equipe espanhola são conhecidos por todos. A posse de bola no campo de ataque, a clareza para fazê-la circular com Xavi e Iniesta, os apoios constantes de Dani Alves e a imprevisibilidade com a bola nos pés de Lionel Messi são pronunciados desde a mídia especializada ao mais simples torcedor e admirador de futebol.

Sobre a final, quem acompanhou os noticiários esportivos ou assistiu à partida provavelmente observou os diversos comentários em relação à equipe inglesa, que iniciou o jogo pressionando o adversário, porém, aos poucos, esta pressão foi diminuindo e permitindo que o Barcelona conseguisse impor suas características de jogo.

Essas informações são suficientes para a grande maioria das pessoas. No entanto, são superficiais para quem pretende ser um bom profissional do futebol. Ler o duelo, realizar suas interpretações, pensar suas decisões caso você fosse um dos integrantes do corpo técnico das equipes e imaginar como construiria uma estratégia vencedora é um exercício trabalhoso, de certa forma utópico, porém, fundamental para seu aperfeiçoamento e crescimento profissional.

Vamos ao jogo:

O Manchester, assim como toda a imprensa afirmou, começou pressionando os comandados por Pep Guardiola. Para isso, a equipe de Ferguson subiu em bloco alto e realizou pressing zonais conforme exemplificado no vídeo abaixo:
 


 

Durante todo o primeiro tempo, a quantidade de ataques ao adversário (no centro do jogo), seja em ações defensivas ou em ações de transição defensiva, visando pressioná-lo em espaço e tempo para agir, foi:


 

Com o bloco alto e tentativas constantes de forçar o erro do Barcelona, a equipe inglesa teve com Park e Rooney os principais jogadores para aplicar essa forma de jogar. Giggs e Carrick, mais acostumados com a estruturação de espaço zonal sem ações de recuperação da posse, foram ineficientes nesta função defensiva e de transição defensiva.

Coletivamente, esta proposta dificultava a diminuição do espaço entre linhas da equipe. Com a subida dos atacantes e meias, implicava num posicionamento adiantado da linha defensiva que nem sempre acontecia. Em uma dessas indefinições, a linha não subiu, Carrick titubeou entre apressar e recompor, e após receber um passe de Iniesta, Xavi achou um espaço aberto no “muro inglês”, feito por Evra, e assistiu Pedro no lance em que o Barcelona fez 1 a 0. Veja toda a jogada:
 


 

Perdendo o jogo, teoricamente, a equipe inglesa deveria apresentar o mesmo comportamento do início da partida. Mas, no trecho abaixo, nota-se pela impaciência de Rooney que ele não acontecia.
 


 

Em contrapartida, a equipe catalã, em todo momento com seu característico jogo de recuperação da posse, pressionava o adversário, apressando-o e fechando suas linhas de passe, como pode ser visto no vídeo a seguir:
 


 

Para sobressair ao pressing dos comandados por Pep Guardiola, nenhum dos comportamentos padrão da organização ofensiva e da transição ofensiva do Manchester United ocorreram com frequência. Fábio e Evra tiveram dificuldades em ampliar o espaço efetivo de jogo, a bola nunca chegava ao campo de ataque com Valencia desmarcado, Carrick não abria linhas de passe para Ferdinand e Vidic e, consequentemente, a bola não passava por Rooney, que gosta de tê-la para gerenciar a fase ofensiva inglesa. Tampouco os passes longos de Van der Sar chegavam ao setor pretendido (à sombra de Valencia, sempre estava Abidal). Como resultado, inúmeros foras de jogo de Chicharito originários das transições ofensivas verticais ao longo do primeiro tempo.

Com 15 minutos de intervalo e igualdade no placar, uma pausa para recuperação física-técnica-tática-emocional e um tempo precioso para ajustes estratégicos e intervenções dos coaches. Na volta ao campo, as ações de pressing realizadas pela equipe inglesa reduziram-se consideravelmente, conforme pode ser observado no quadro abaixo:


 

Durante todo o segundo tempo, a confirmação do que tornou a equipe espanhola o melhor time do mundo e que foi esboçado nos primeiros 45 minutos. Os ingleses não entraram para a segunda etapa com um jogo em alta velocidade de recuperação da posse. Ao todo, foram 101 ações de pressing, contra 94 ações realizadas pelo Barcelona, porém, os ingleses tiveram somente 22min11seg de posse de bola (37%) contra 38min54seg (63%) do adversário.

No gol sofrido aos oito minutos do segundo tempo, em quase 30 segundos de posse de bola, o Barcelona desmontou as duas “linhas de 4” inglesas, em que Evra ficou marcando Villa individualmente e Giggs aberto e recuado demais, atento com a descida de Daniel Alves. Com isso, sobraram alguns metros para Messi conduzir, arrematar e fazer o seu primeiro gol em território inglês.
 


 

O restante da história todos já sabem: predomínio da bola com Xavi, Messi, Iniesta, Busquets e cia, e mais um gol para a definição do título, num jogo em que as ações inglesas em nenhum momento foram superiores à contra-estratégia espanhola. Seguramente, diversas lições ainda poderão ser tiradas deste confronto à medida que ele for assistido outras vezes.

Para terminar, Alex Ferguson afirmou que buscará melhorar para enfrentar a melhor equipe do mundo em outra oportunidade.

E você, leitor, como venceria o Barcelona?

Para interagir com o autor: eduardo@universidadedofutebol.com.br  

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Quando o jogo é coletivo, todos ganham

Saudações corintianas a todos! E, por favor, não corintianos, não desistam da leitura e do colunista que aqui vos escreve por ser esta minha opção de torcedor. Vejam, por exemplo, como pude aprender na palestra com o colega Marcelo Lima, coordenador das categorias de base do São Paulo, que diz “para sermos profissionais do futebol não podemos ser torcedores”. Acreditem, como consultor, adaptando o que foi dito pelo Marcelo Lima, tenho que olhar todas as situações de gestão sem me deixar levar simplesmente pela emoção ou preferências.

No mundo empresarial, temos como mantra que estratégia e disciplina de execução são fatores cruciais de sucesso e não acredito que deva ser diferente para o mundo do esporte.

A partir desta sexta-feira, semanalmente, utilizarei este espaço para fazer tabelinhas com vocês. Sou Cezar Tegon, atuo na área de tecnologia e consultoria, sempre focado em Gestão de Pessoas e como obter resultados com e por meio de pessoas. Pretendo trazer um pouco da minha experiência de mais de 30 anos no mundo coorporativo e, paralelamente, ouvir de vocês sugestões de novas colunas, opiniões, dúvidas, casos reais do seu dia a dia, etc. Resumindo, o esquema tático que priorizarei é do jogo coletivo e a partir dessa dinâmica trocaremos passes.

Como lance inicial, gostaria de falar sobre o atual momento do Brasil e fazer uma provocação, deixando algumas perguntas para vocês. Não é nenhuma novidade que o Brasil vive sua melhor fase de todos os tempos, nossa economia está em alta, somos ouvidos e respeitados mundialmente sobre os principais temas que influenciam o planeta, temos o pré-sal, Copa do Mundo, Olimpíadas, os maiores bancos, grandes indústrias, empresários criativos e inovadores, ou seja, temos as combinações perfeitas para nos firmarmos como uma das grandes potências mundiais.

Como resultado desse momento excepcional, muitos empregos já estão sendo gerados e a tendência é que sejam criados centenas de milhares de outros. Não faltarão oportunidades em todas as áreas de atuação, e para quem atua ou deseja atuar na área de esportes, o cenário é ainda mais animador, pois a Copa do Mundo e as Olimpíadas, junto com a Fórmula 1, que também tem uma etapa no Brasil, são os principais eventos do esporte do planeta.

As oportunidades de emprego na área do esporte e todo seu entorno estão ao alcance de todos e é importante não deixar esse momento passar. Traduzindo para uma linguagem que vocês conhecem muito melhor do que eu, “o jogador (você) está com a bola na pequena área para bater um pênalti, é só tirar do goleiro e sair para o abraço”.

É muito mais fácil acertar do que errar, certo? Mas você esta preparado para não errar?

Aqui vão algumas perguntas e provocações para que vocês reflitam:

– Você já tem um objetivo claro de carreira? Ele está escrito? Você revisa com frequência e faz as adequações necessárias?

– Você tem um curso superior? Está estudando e se aprimorando? Lê materiais sobre sua área de atuação? Participa de eventos?

– Você conhece um segundo idioma? É fluente? Se não domina, já está fazendo um curso? Se domina um, está aprendendo mais algum outro idioma?

– Você atua na área ou atividade que deseja? Se sim, tem objetivos para os próximos dois anos? Se não, faz algo para ingressar na área?

Se suas respostas foram “sim” para a maioria das questões, parabéns, você está no caminho certo, tem grandes chances de converter o pênalti em gol e balançar a rede como se deve. No entanto, se você ficou em dúvida, ou se a maioria das respostas foi “não”, fique alerta! Aprimore seu condicionamento e corra para minimizar suas deficiências, do contrário, chutará esse pênalti para fora, não só agora, mas também em oportunidades futuras. A responsabilidade pelo sucesso esta em suas ações.

É isto pessoal. Agora, intervalo, vamos aos vestiários e nos vemos na próxima semana.

Abraços a todos!

*Cezar Tegon é graduado em Estudos Sociais, Administração de Empresas e Direito. É Presidente da Elancers e Sócio Diretor da Consultants Group by Tegon. Com experiência de 20 anos na área de RH, é pioneiro no Brasil em construção e implementação de soluções informatizadas para RH. Diretor de novos produtos da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-Nacional), é membro de criação do CONARH.

Para interagir com o autor: ctegon@universidadedofutebol.com.br

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Seleção, detecção e formação de jogadores no Brasil: onde está o problema?

Neste mês de junho abriremos espaço para a reflexão e discussão sobre o processo de detecção, seleção, e formação de jogadores nos clubes. Feliz e coincidentemente, alguns temas abordados pelo portal esta semana introduziram de forma brilhante o que eu pretendia escrever.

A entrevista feita pela equipe da Universidade do Futebol com o Thiago Corrêa, a necessidade de evolução das peneiras escrita pelo Eduardo Barros, o exemplo da administração de sucesso do Barcelona escrita pelo Erich Beting e os fins justificando os meios com crimes cometidos na revelação de jogadores destacada pelo Geraldo Campestrini não poderiam ter vindo em tão boa hora!

Por sermos um dos países que mais exporta jogadores no mundo, é comum ouvirmos frases do tipo “o Brasil é um celeiro inesgotável de craques”. Quase todo ano algum jovem jogador de destaque nacional se transfere para o futebol internacional nos fazendo crer que o processo de formação de jogadores está perfeito, não é? Mas se analisarmos quantas pessoas praticam futebol e quantas desistem de praticar, fico imaginando quantos Barcelonas (campeão da Champions League com a maioria dos jogadores formados no clube e muitos deles campeões pela seleção na Copa de 2010) não perdemos a cada ano.

Mas no fundo, não dá pra reclamar, pois o futebol reflete exatamente aquilo que somos enquanto nação! Imediatistas, com pensamento de curto prazo e querendo colher frutos sem plantar nada. Na educação é assim, no trabalho é assim, na política é assim e por que no futebol não seria? Salvando raríssimas exceções tudo vai ficando para depois e se ainda der para pedir prorrogação que assim seja. Vejam o exemplo das obras para a Copa de 2014.

Quem aposta suas fichas que vai dar tempo?

Em países onde algumas coisas funcionam de verdade podemos aprender grandes lições. Na Finlândia, por exemplo, os melhores professores estão no ensino básico, pois ao incorporarem bons hábitos, disciplina, estudo e respeito nas crianças, sabem que verdadeiramente construirão o futuro e por isso recebem os maiores salários. Não precisamos de muita inteligência para saber que seria muito mais difícil, e caro, um país querer construir esses valores na população com idade adulta e mesmo que o fizesse, a chance de sucesso seria menor.

Outros países como os Estados Unidos, por exemplo, utilizam competições mundiais juvenis como processo de formação de atletas e não como objetivo de vitória. Não são raros campeões mundiais e olímpicos adultos não terem tido muitos pódios nas categorias de base.

Agora imagine… Se um clube de futebol optasse por uma política de longo prazo na base e contratasse os melhores profissionais para formar atletas por um período indeterminado;
onde independentemente da diretoria que estivesse no comando do clube, o trabalho teria a mesma continuidade de modo que no final de cada ciclo, após avaliação criteriosa, pudesse ser melhorado ao invés de substituído; onde os familiares pudessem ficar sossegados por saberem que lá há alimentação adequada, segurança, apoio à saúde, respaldo psicológico e que mesmo que o jogador não se torne profissional, saberiam que ele se tornaria uma pessoa melhor; que mesmo ele não dando certo no futebol, teria oportunidade no mercado de trabalho porque teve condições de investir em sua formação em conjunto com sua carreira futebolística.

Agora volte à realidade…

Tudo parece ser feito ao contrário da lógica. Já reparou que os profissionais na base geralmente estão em início de carreira? Que aqueles que se destacam logo são promovidos para outro departamento ou mudam de clube? Que as categorias formadoras servem como degrau profissional sem a perspectiva de oferecer uma oportunidade de carreira duradoura?
Se pensarmos na galeria de troféus dos clubes então, vira tortura!

Muitos troféus que lá estão vieram das categorias de base, porém a maioria dos atletas que os conquistaram não chegou ao time profissional. Acúmulo de lesões por excesso de sobrecarga, transferência para outros clubes de forma precoce, abandono da modalidade por dificuldade financeira, desmotivação por excesso de cobrança e erro nos critérios de seleção são alguns dos motivos que justificam este “desaparecimento” de jogadores da base.

E sabe o que é pior? O trabalho da base geralmente não é avaliado pelos jogadores que forma, mas na quantidade de títulos que se ganha. Assim, os papéis se invertem e a prioridade passa a ser a vitória ao invés da formação. Neste modelo, adivinhe: quem não é campeão está fora e a consequência disso é que de tempos em tempos inicia-se um novo trabalho já sabendo que o mesmo poderá não ser concluído.

O processo de seleção e formação de jogadores da base deveria passar por uma análise multifatorial, objetiva, quantitativa e qualitativa. Profissionais especializados em crescimento, desenvolvimento e aprendizagem motora deveriam encabeçar o departamento e todos os outros profissionais do futebol amador (treinadores, preparadores físicos e fisiologistas) deveriam ter expertise não somente em futebol, mas também em educação, crianças e adolescentes.

Com melhores oportunidades de carreira, condições de trabalho e salários, o trabalho de longo prazo poderia formar melhores pessoas, mais jogadores com qualidade, daria opções menos dispendiosas para o futebol profissional e com maior número de negociações traria mais lucro para os clubes. Mas se só há benefício, por que então isso não corre? Mentalidade arcaica de algumas diretorias, falta de cultura de longo prazo e escassez de profissionais da gestão do esporte são alguns dos motivos que justificam essa situação na maioria dos clubes brasileiros.

Só nos resta então três opções:

1) saber se isso vai mudar um dia;
2) saber quando vai mudar;
3) torcer para que seja logo…

Para interagir com o autor: cavinato@universidadedofutebol.com.br

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Fins e meios

O título e a coluna desta semana têm um motivo particular, embora acredite que a percepção sobre “os fins justificam os meios” de Nicolau Maquiavel, infelizmente, façam parte da nossa cultura e, talvez, esse texto apenas “chova no molhado” para alguns. Aliás, o “entre aspas” deverá ser peça fundamental desta construção, ampliando a retórica sobre o “duplo sentido” que colocamos em muitas coisas no nosso cotidiano.

A questão em voga está relacionada ao agora jogador do Botafogo Elkeson, recém contratado junto ao Vitória da Bahia. Na reportagem da Rede Globo, no Globo Esporte do último sábado, o atleta fala para a repórter sobre o seu “drama”, vivido nas categorias de base do Vitória, quando foi descoberto que ele (e outros seis atletas) haviam adulterado sua idade para se beneficiarem e passarem com maior facilidade nas famigeradas e insistentes “peneiras” do futebol brasileiro.

Até aí, nenhuma novidade. Novamente infelizmente, nenhuma novidade. Quem labuta no meio do futebol sabe bem como essa prática nefasta é comum no Brasil. O que me espantou, desta feita, é que a reportagem enreda uma vitória épica, em que o “nosso grande herói” passou por “poucas e boas”, tendo inclusive que adulterar sua idade para chegar ao estrelato.

A mensagem que a reportagem passa aos jovens é o que me assusta. Ela diz que, para sair da pobreza e ganhar milhões com futebol é preciso sim adulterar a idade. Depois, tudo se resolve. Não teria a reportagem se esquecido de mencionar que a prática é de “falsidade ideológica”, prevista no Código Penal Brasileiro, artigo 299? Que a atitude é passível de punição judicial, com até cinco anos de reclusão? E aos pais (ou quem o ajudou a reduzir a idade), tudo bem? Nada aconteceu ou vai acontecer?

E o clube, teve alguma punição? Nada de mostrar medidas que coíbam e inibam a aparição de mais “gatos” no futebol? Nenhuma sanção esportiva foi aplicada ao clube? Ah sim, os clubes sempre se justificam como os “vitimados da história”, coitados. É melhor não entrar neste mérito, “ó santa inocência”.

O que me intriga é saber: a serviço de quem nós estamos? A serviço de quem estão os meios de comunicação social? A serviço de quem estão os jornalistas? A serviço de quem estão os clubes de futebol?

A mensagem negativa que foi transmitida para os jovens é de que não adianta ser correto neste país. Estamos desvirtuando completamente os valores da sociedade. A responsabilidade da televisão deveria ser a de contribuir para a construção de conceitos éticos e morais. Mas o caso em voga apresenta exatamente o contrário, ou seja, a completa desconstrução daquilo que é correto em nossa sociedade.

Bom, mas não cabe utilizar o espaço para “lições de moral”. Cada um que tenha a sua. Apenas me lembro de fato símile na minha infância, quando um colega sugeriu ao nosso professor de Educação Física a redução em um ano de sua idade para jogar uma competição local pela escola onde estudava. O professor desencorajou completamente que ele fizesse isso, mesmo sabendo que poderia sofrer na pele pela eminente perda de “qualidade técnica”. Nos deu longo discurso sobre o que considerava correto e o que considerava errado na vida e no esporte.

Desde então nunca me esqueci da cena e do fato. Talvez eu tenha tido sorte e por isso aprendi algumas lições. Talvez para outros, infelizmente, faltem bons educadores!

Para interagir com o autor: geraldo@universidadedofutebol.com.br