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Educar para o desporto

Já o escrevi inúmeras vezes: o desporto é o fenómeno cultural de maior magia, no mundo contemporâneo. Daí que haja desafios a ter em conta, para que o desenvolvimento desportivo aconteça, de acordo com os objectivos pedagógicos da prática desportiva. Grande parte da educação acontece na rua, nos jornais, no cinema, na televisão, no computador. Ora, a informação o que mais distingue, no desporto, é o desempenho dos atletas mais cotados, os seus carros, as suas espaventosas companheiras e… os erros dos árbitros!

Na América do Norte, há pouco tempo, teve enorme sucesso o filme Forrest Gump, em que um simpático idiota é transformado num herói. E, no entanto, o seu comportamento, nos estádios do futebol americano, é de uma antipatia doentia pelos árbitros. Na sua introdução ao livro Dumbing Down: Essays on the Strip-Mining of American Culture, John Simon faz notar que toda a gente, nos EUA, sabe quem são Cassius Clay, Tiger Wood, Roger Federer, etc., etc., mas poucos são os que já ouviram falar de Darwin, Dickens, Dante ou Shakespeare.

Quer isto dizer que a informação se ocupa unicamente de um desporto (ou pseudo-desporto) que reproduz e multiplica as taras da sociedade e não de uma prática desportiva donde despontem valores de forte carácter antropológico.

Depois a escola, tão preocupada se encontra em desenvolver as qualidades físicas dos seus alunos (o que não está mal), que esquece que, para praticar desporto, as qualidades físicas não bastam, pois que as qualidades morais são também indispensáveis. Temos de reconhecer que, embora as excepções, os professores são tentados, pelo sistema que os governa, a serem conservadores e conformistas, no que respeita a conteúdos. E muitos deles aderem, julgando que cumprem escrupulosamente os seus deveres profissionais.

Ora, por detrás da actividade docente dos professores de Educação Física e Desporto, há um corpo de conhecimentos científicos caquético, obsoleto, doentiamente envelhecido, contra o qual vêm lutando alguns profissionais desta área, mas que não conseguem ultrapassar a ignorância de muitos políticos, nem e a teimosia dos “especialistas” (?) que fazem e propõem os currículos escolares. E por que digo eu que “há um corpo de conhecimentos científicos caquético, obsoleto, doentiamente envelhecido”? Porque o paradigma por que se regem está declaradamente errado, ou seja, manifestam não saber que a área da educação física e desporto só como ciência social e humana pode entender-se, investigar-se, compreender-se.

Os órgãos da Comunicação Social, hoje, ocupam-se da crise financeira que abala o mundo. E ouvem, a propósito, alguns economistas e financeiros, lançando um grito de alarme: “O pior da relação entre os mercados financeiros e a economia real ainda está para vir. O paradigma não vai mudar, já mudou. O mundo é um grande mercado sem Estado de Direito”.

Augusto Mateus ponderou: “A actual crise já resulta de um novo paradigma económico, moldado por uma globalização financeira pouco regulada”. Sem fazer mais citações, julgo que todos elas abundam nesta opinião: o novo paradigma económico não tem valores de cooperação e solidariedade.

Com o desporto actual sucede outro tanto: há demasiada ausência de valores! Daí que, na escola, a Educação Física e o Desporto devam fazer dos valores um dos seus temas preferidos. Até por esta razão: sem valores, há golos e defesas, há passes e remates, há técnicas e tácticas – mas não há desporto!

Educar para o desporto é educar tendo em vista a complexidade humana e não só o físico e o biológico! Julgo que a primeira obrigação do árbitro é isto mesmo: defender os valores que animam o desporto! Porque, com eles, há lealdade, há companheirismo, há respeito pelo adversário.

Verdadeiramente, o árbitro, quando o é de facto, é um desportista exemplar, porque é o primeiro defensor da pureza da prática desportiva. E seria bom que as nossas alunas e os nossos alunos, desde jovens, se habituassem a respeitar o árbitro, porque na escola aprenderam que o desporto, sem valores, não é desporto! Educar para o desporto é educar para valores!

O futebol é uma modalidade desportiva como as demais. Deve ter por isso uma missão prioritária: promover a formação de valores. Bem antes ainda do desenvolvimento das qualidades físicas! Aliás, eu tenho, para mim que, na alta competição, o treinador, antes dos treinos, deve fazer a si mesmo a seguinte questão: qual o tipo de homem que eu quero que nasça do treino que vou liderar? Porque é com valores e com homens com valores que o desporto tem rosto humano!


*Antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.

Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.

Esse texto foi mantido em seu formato original, escrito na língua portuguesa, de Portugal.

Para interagir com o autor: manuelsergio@universidadedofutebol.com.br

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Até quando?

Volto a bater na tecla das receitas com bilheteria e da otimização da relação dos clubes com seus torcedores. Neste caso, apenas para reforçar aquilo que muitos especialistas em marketing esportivo defendem ao identificar os aficionados pelo futebol como a razão de existir da modalidade e que, consequentemente, o torna o principal esporte do planeta.

Apesar de o primeiro parágrafo ser óbvio para muitos, percebemos que a máxima não é tão simples quanto parece para a grande maioria dos clubes. Reportagem recente publicada pelo Portal Terra vem a reboque para sustentar esse tipo de argumento – e, embora trate da Série B, percebemos que alguns clubes da primeira divisão não fogem muito à regra…

No texto de André Donke e Emanuel Colombari aparece a clara relação entre resultado esportivo como fator preponderante para atração de público. De fato, a performance em campo é sabidamente o motor para a lotação de estádios e para a formação de uma nova geração de torcedores, mas a manutenção de um público médio (basal) em todos os jogos é fruto de um trabalho de marketing e da oferta de conforto para os torcedores-consumidores.

A reportagem também discute como deveria começar um ciclo virtuoso para atração de público fiel aos estádios, que sempre acaba pendendo na balança da contratação de jogadores para ganhar no “domingo”, ou seja, a busca constante de resultado imediato sem um mínimo planejamento. Na realidade, é a soma de inúmeros fatores relacionados com a gestão, o marketing, o aspecto cultural e o futebol que pode ser capaz de formar uma base significativa de fãs de um determinado clube.

Contudo, como só um clube pode chegar ao lugar máximo em cada competição, a pergunta que fica é: os outros ficam sem público? O fato é que a construção de estádios no Brasil passa por decisões muito mais emocionais do que propriamente racionais. Prevalece a quantidade de gente dentro do equipamento em detrimento do conforto, que é um dos principais fatores de decisão das pessoas pela escolha de alguma modalidade de entretenimento. Vemos algumas cidades com estádios com capacidade de público maior do que a quantidade de interessados por futebol naquela região.

Lembro-me do cinema, que até a década de 1990 e início dos anos 2000 sofria com a baixa taxa de ocupação de suas salas por ter espaços grandes, desconfortáveis e inseguros. A mudança para lugares menores, prezando sobretudo pela qualidade de atendimento ao cliente, acompanhado naturalmente por um aumento significativo do preço do ingresso, fez com que as mesmas ganhassem em valor, público e receita, como pode ser observado na tabela a seguir:

Análise do Cinema Brasileiro

 

* Valores originalmente estimulados em US$. Usou-se a seguinte taxa de conversão: US$ 1 = R$ 1,60

Para finalizar, o que pretendo com esta coluna é alertar o “coitadismo”: quando algum dirigente resolve montar uma equipe para ascender às principais divisões do futebol brasileiro, sem uma estrutura de torcida ou relação forte com a comunidade local, ele assume o risco de não ter público em seus jogos e ponto final. Ou oferece uma boa oportunidade de entretenimento, diferenciada em relação a outras opções na cidade, ou então terá que buscar receita em outras fontes, como patrocínio, investidores, venda de jogadores e por aí vai…

Para interagir com o autor: geraldo@universidadedofutebol.com.br