“Para mim liderar não é mandar, para mim liderar é guiar”
José Mourinho
“Ser treinador de futebol não é nada fácil…”: essa frase muitas vezes remete à instabilidade do cargo, mas nesta coluna tal afirmação serve muito bem para ilustrar a complexidade da ação desse profissional dentro do processo de treino.
Em um processo de treino pautado na complexidade, a ação do treinador interfere diretamente na dinâmica de toda a atividade, modificando os objetivos e as ações dos jogadores dentro do treino.
No estudo de Rampinini e outros autores (Factors influencing physiological responses to small-sided soccer games), podemos observar como a intervenção do treinador modifica diretamente os parâmetros físicos das atividades.
Nesse estudo, os autores submetem os jogadores a jogos reduzidos com e sem a intervenção verbal dos treinadores. A frequência cardíaca, concentração de lactato sanguíneo e na percepção subjetiva de esforço foram mesurados e analisados em cada atividade.
Os dados mostram que quando há a intervenção ativa com estímulo verbal do treinador, há um incremento em todos os parâmetros observados; já quando não há a intervenção do treinador, esses dados sofrem uma queda significativa. Sendo assim, podemos concluir que a ação do treinador interfere diretamente no estímulo físico dentro dos jogos reduzidos.
Contudo, não basta incentivar verbalmente os jogadores para que eles corram mais, ou gritar se eles cometerem algum erro dentro da atividade: é preciso saber guiar todo o processo!
Guiar todo o processo significa orientar os jogadores para aquilo que se espera dentro do jogo. Na base, essa orientação vai além do jogo e se foca (pelo menos deveria) no desenvolvimento de jogadores inteligentes e como visão crítica sobre o jogo, e não simplesmente obedientes taticamente.
O treinador precisa traçar os objetivos e guiar os jogadores ao longo do caminho. Nesse âmbito, a dura ou a repreensão pode e deve ser utilizada em momentos pertinentes, pois formar muitas vezes requer esse tipo de intervenção (claro que com toda a ação pedagógica embutida).
Para José Mourinho, os jogadores precisam ser estimulados a discutir, questionar, experimentar. Tudo com a supervisão e orientação de toda a comissão, que não deve deixar que isso se torne em uma grande discussão, na qual qualquer raciocino é permitido.
A discussão precisa ter um norte, que evolui a cada treino e não deixa que os jogadores se acomodem em questões antigas. Nesse processo, denominado de “descoberta guiada” pelo treinador português, não há estagnação e as discussões evoluem a cada treino e a cada jogo.
Sabemos que cada atividade tem seu objetivo e nosso papel como professor em sua essência deve ser de levar os atletas a entender e avaliar a eficiência de suas ações jogo a jogo, treino a treino.
Em suma, precisamos guiar o processo e não trazer respostas prontas com conteúdo vazio de significado para os atletas.
Lembre-se que esse guiar passa pelos aspectos físicos, técnicos e mentais do jogo, e não apenas pela tática.
Até a próxima.
Para interagir com o autor: bruno@universidadedofutebol.com.br
Referências:
Rampinini E, Impellizzeri FM, Castagna C, Abt G, Chamari K, Sassi A, Marcora SM. Factors influencing physiological responses to small-sided soccer games. J Sports Sci. 2007;25(6):659-66.
Lourenço, L, Mourinho: a descoberta guiada. São Paulo: Almedina, 2010