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Seleção, detecção e formação de jogadores no Brasil: onde está o problema?

Neste mês de junho abriremos espaço para a reflexão e discussão sobre o processo de detecção, seleção, e formação de jogadores nos clubes. Feliz e coincidentemente, alguns temas abordados pelo portal esta semana introduziram de forma brilhante o que eu pretendia escrever.

A entrevista feita pela equipe da Universidade do Futebol com o Thiago Corrêa, a necessidade de evolução das peneiras escrita pelo Eduardo Barros, o exemplo da administração de sucesso do Barcelona escrita pelo Erich Beting e os fins justificando os meios com crimes cometidos na revelação de jogadores destacada pelo Geraldo Campestrini não poderiam ter vindo em tão boa hora!

Por sermos um dos países que mais exporta jogadores no mundo, é comum ouvirmos frases do tipo “o Brasil é um celeiro inesgotável de craques”. Quase todo ano algum jovem jogador de destaque nacional se transfere para o futebol internacional nos fazendo crer que o processo de formação de jogadores está perfeito, não é? Mas se analisarmos quantas pessoas praticam futebol e quantas desistem de praticar, fico imaginando quantos Barcelonas (campeão da Champions League com a maioria dos jogadores formados no clube e muitos deles campeões pela seleção na Copa de 2010) não perdemos a cada ano.

Mas no fundo, não dá pra reclamar, pois o futebol reflete exatamente aquilo que somos enquanto nação! Imediatistas, com pensamento de curto prazo e querendo colher frutos sem plantar nada. Na educação é assim, no trabalho é assim, na política é assim e por que no futebol não seria? Salvando raríssimas exceções tudo vai ficando para depois e se ainda der para pedir prorrogação que assim seja. Vejam o exemplo das obras para a Copa de 2014.

Quem aposta suas fichas que vai dar tempo?

Em países onde algumas coisas funcionam de verdade podemos aprender grandes lições. Na Finlândia, por exemplo, os melhores professores estão no ensino básico, pois ao incorporarem bons hábitos, disciplina, estudo e respeito nas crianças, sabem que verdadeiramente construirão o futuro e por isso recebem os maiores salários. Não precisamos de muita inteligência para saber que seria muito mais difícil, e caro, um país querer construir esses valores na população com idade adulta e mesmo que o fizesse, a chance de sucesso seria menor.

Outros países como os Estados Unidos, por exemplo, utilizam competições mundiais juvenis como processo de formação de atletas e não como objetivo de vitória. Não são raros campeões mundiais e olímpicos adultos não terem tido muitos pódios nas categorias de base.

Agora imagine… Se um clube de futebol optasse por uma política de longo prazo na base e contratasse os melhores profissionais para formar atletas por um período indeterminado;
onde independentemente da diretoria que estivesse no comando do clube, o trabalho teria a mesma continuidade de modo que no final de cada ciclo, após avaliação criteriosa, pudesse ser melhorado ao invés de substituído; onde os familiares pudessem ficar sossegados por saberem que lá há alimentação adequada, segurança, apoio à saúde, respaldo psicológico e que mesmo que o jogador não se torne profissional, saberiam que ele se tornaria uma pessoa melhor; que mesmo ele não dando certo no futebol, teria oportunidade no mercado de trabalho porque teve condições de investir em sua formação em conjunto com sua carreira futebolística.

Agora volte à realidade…

Tudo parece ser feito ao contrário da lógica. Já reparou que os profissionais na base geralmente estão em início de carreira? Que aqueles que se destacam logo são promovidos para outro departamento ou mudam de clube? Que as categorias formadoras servem como degrau profissional sem a perspectiva de oferecer uma oportunidade de carreira duradoura?
Se pensarmos na galeria de troféus dos clubes então, vira tortura!

Muitos troféus que lá estão vieram das categorias de base, porém a maioria dos atletas que os conquistaram não chegou ao time profissional. Acúmulo de lesões por excesso de sobrecarga, transferência para outros clubes de forma precoce, abandono da modalidade por dificuldade financeira, desmotivação por excesso de cobrança e erro nos critérios de seleção são alguns dos motivos que justificam este “desaparecimento” de jogadores da base.

E sabe o que é pior? O trabalho da base geralmente não é avaliado pelos jogadores que forma, mas na quantidade de títulos que se ganha. Assim, os papéis se invertem e a prioridade passa a ser a vitória ao invés da formação. Neste modelo, adivinhe: quem não é campeão está fora e a consequência disso é que de tempos em tempos inicia-se um novo trabalho já sabendo que o mesmo poderá não ser concluído.

O processo de seleção e formação de jogadores da base deveria passar por uma análise multifatorial, objetiva, quantitativa e qualitativa. Profissionais especializados em crescimento, desenvolvimento e aprendizagem motora deveriam encabeçar o departamento e todos os outros profissionais do futebol amador (treinadores, preparadores físicos e fisiologistas) deveriam ter expertise não somente em futebol, mas também em educação, crianças e adolescentes.

Com melhores oportunidades de carreira, condições de trabalho e salários, o trabalho de longo prazo poderia formar melhores pessoas, mais jogadores com qualidade, daria opções menos dispendiosas para o futebol profissional e com maior número de negociações traria mais lucro para os clubes. Mas se só há benefício, por que então isso não corre? Mentalidade arcaica de algumas diretorias, falta de cultura de longo prazo e escassez de profissionais da gestão do esporte são alguns dos motivos que justificam essa situação na maioria dos clubes brasileiros.

Só nos resta então três opções:

1) saber se isso vai mudar um dia;
2) saber quando vai mudar;
3) torcer para que seja logo…

Para interagir com o autor: cavinato@universidadedofutebol.com.br

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Fins e meios

O título e a coluna desta semana têm um motivo particular, embora acredite que a percepção sobre “os fins justificam os meios” de Nicolau Maquiavel, infelizmente, façam parte da nossa cultura e, talvez, esse texto apenas “chova no molhado” para alguns. Aliás, o “entre aspas” deverá ser peça fundamental desta construção, ampliando a retórica sobre o “duplo sentido” que colocamos em muitas coisas no nosso cotidiano.

A questão em voga está relacionada ao agora jogador do Botafogo Elkeson, recém contratado junto ao Vitória da Bahia. Na reportagem da Rede Globo, no Globo Esporte do último sábado, o atleta fala para a repórter sobre o seu “drama”, vivido nas categorias de base do Vitória, quando foi descoberto que ele (e outros seis atletas) haviam adulterado sua idade para se beneficiarem e passarem com maior facilidade nas famigeradas e insistentes “peneiras” do futebol brasileiro.

Até aí, nenhuma novidade. Novamente infelizmente, nenhuma novidade. Quem labuta no meio do futebol sabe bem como essa prática nefasta é comum no Brasil. O que me espantou, desta feita, é que a reportagem enreda uma vitória épica, em que o “nosso grande herói” passou por “poucas e boas”, tendo inclusive que adulterar sua idade para chegar ao estrelato.

A mensagem que a reportagem passa aos jovens é o que me assusta. Ela diz que, para sair da pobreza e ganhar milhões com futebol é preciso sim adulterar a idade. Depois, tudo se resolve. Não teria a reportagem se esquecido de mencionar que a prática é de “falsidade ideológica”, prevista no Código Penal Brasileiro, artigo 299? Que a atitude é passível de punição judicial, com até cinco anos de reclusão? E aos pais (ou quem o ajudou a reduzir a idade), tudo bem? Nada aconteceu ou vai acontecer?

E o clube, teve alguma punição? Nada de mostrar medidas que coíbam e inibam a aparição de mais “gatos” no futebol? Nenhuma sanção esportiva foi aplicada ao clube? Ah sim, os clubes sempre se justificam como os “vitimados da história”, coitados. É melhor não entrar neste mérito, “ó santa inocência”.

O que me intriga é saber: a serviço de quem nós estamos? A serviço de quem estão os meios de comunicação social? A serviço de quem estão os jornalistas? A serviço de quem estão os clubes de futebol?

A mensagem negativa que foi transmitida para os jovens é de que não adianta ser correto neste país. Estamos desvirtuando completamente os valores da sociedade. A responsabilidade da televisão deveria ser a de contribuir para a construção de conceitos éticos e morais. Mas o caso em voga apresenta exatamente o contrário, ou seja, a completa desconstrução daquilo que é correto em nossa sociedade.

Bom, mas não cabe utilizar o espaço para “lições de moral”. Cada um que tenha a sua. Apenas me lembro de fato símile na minha infância, quando um colega sugeriu ao nosso professor de Educação Física a redução em um ano de sua idade para jogar uma competição local pela escola onde estudava. O professor desencorajou completamente que ele fizesse isso, mesmo sabendo que poderia sofrer na pele pela eminente perda de “qualidade técnica”. Nos deu longo discurso sobre o que considerava correto e o que considerava errado na vida e no esporte.

Desde então nunca me esqueci da cena e do fato. Talvez eu tenha tido sorte e por isso aprendi algumas lições. Talvez para outros, infelizmente, faltem bons educadores!

Para interagir com o autor: geraldo@universidadedofutebol.com.br

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Técnico de longo prazo: quantas Libertadores isso traria para o Brasil?

Em um fim de semana no qual vimos uma verdadeira febre relacionada à final da Champions League, o técnico do Manchester United, Sir Alex Ferguson, há 25 anos no clube inglês, deu um exemplo do motivo que o faz perpetuar no comando da equipe nesse longo período.

Com uma simples frase de que a derrota foi justa e que o Barcelona é o melhor time que ele enfrentou em toda sua vida, fica nítido, ou pelo menos entendo desta forma, o modelo de gerenciamento baseado na transparência e nos objetivos traçados com coerência e discernimento.

Transparência porque tanto clube como dirigentes ao longo desses 25 anos sabem que o time passaria, passou e ainda passará por inúmeras reformulações. Os resultados nem sempre vieram em todas as temporadas – houve momentos de transição, que seriam aquelas de montagem e ajuste de elenco, e os dirigentes souberam entender, assim como o técnico com certeza traçou os limites que seriam alcançados.

Trago esse tema para reforçar o que sempre dissemos por aqui. De nada adianta recursos tecnológicos de ultima geração que ajudem a preparar , planejar, avaliar e tomar decisões, se tudo isso não tiver respaldo e coerência.

Se Ferguson prometesse títulos da Champions toda temporada, com certeza não estaríamos falando de seu longo período. Ou se Ferguson fosse técnico de um time brasileiro, de nada adiantaria ser campeão da Libertadores do ano anterior, se na atual ele não tivesse um desempenho esperado… ainda que estivesse em andamento (vide o caso do Inter-RS).

Assim retomamos a discussão: ser campeão é o único resultado que existe? Muitos dizem categoricamente que sim, e ficariam indignados com esse texto, encerrando a leitura por aqui. Mas peço para que esses ao menos terminem os parágrafos seguintes para entender a reflexão.

Resultado em alto nível depende de inúmeros fatores, sabemos disso, não pretendo entrar nessa questão; porém sabemos que um dos fatores que fogem ao controle direto de uma equipe diz respeito ao desempenho do adversário. Podemos estudar, mapear, analisar, mas jamais controlar – ao menos diretamente – o desempenho do adversário.

É justamente nesse ponto que nos referimos à coerência. Ao ter noção disso, um técnico deve ter claro para si que chegar em semifinais ou finais de competição de um nível de Champions League ou de Libertadores, representa uma conquista de resultado significativa, pois você se coloca ali com outras três potências em busca do resultado máximo. Mas a falha nesse objetivo não representa que não se está num nível de excelência.

É esse olhar que precisamos aprender a ter. Olhar o resultado como algo coerente com as situações das competições e ainda atrelá-lo ao momento da equipe. Se a equipe está em formação, por exemplo, uma derrota em uma fase quarta de final pode ser aceitável e não o fim do mundo. Por outro lado, se a equipe está num ponto maduro e perde numa final, também não pode significar esse tal fim de mundo que justificaria o tão em moda choque de gestão, que no Brasil é trocar técnico.

Nesses 25 anos à frente do clube inglês, Ferguson ganhou “apenas” duas Champions Leagues. Imagina aqui no Brasil, a cada queda numa Libertadores…

Em nosso país temos técnicos bicampeões do principal torneio continental sul-americano, como Felipão (Grêmio e Palmeiras), Paulo Autuori (Cruzeiro e São Paulo) e apenas Lula (Santos) e Telê Santana (São Paulo) com dois títulos pelo mesmo clube.

Agora imaginem se tivessem dado a um desses técnicos a oportunidade de ficar um longo período num desses clubes? Será que em 10 anos não viria pelo menos mais um título de Libertadores? Os universos são diferentes, a cultura é outra, mas será que não daria?

O que acham?

Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br  

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Més que un club

O domínio absoluto, inegável e irretocável do Barcelona na final da Liga dos Campeões da Europa fez todo mundo ter a certeza de poder ter acompanhado um jogo perfeito de um dos times de futebol mais perfeitos da história. Bola nos pés (e no chão!), habilidade, inteligência, categoria e, sobretudo, espetáculo. O Barça campeoníssimo da Europa é, sem dúvida, um dos grandes da história.

Qualquer fã do futebol aplaude entusiasmado o show do Barcelona. E qualquer fã do marketing tem, também, que ficar em pé para venerar a grandiosidade dessa equipe.

O show dentro de campo dado pelo Barça é a síntese de um dos mais bem sucedidos casos de gerenciamento de uma marca no universo dos negócios e, talvez, o melhor da história do esporte.

O slogan que define o Barcelona está definido: “Més que un club”, ou “Mais que um clube”. E, junto a esse lema, está intrínseca uma série de outros atributos que faz com que o time espanhol seja, hoje, a mais pura essência do que uma empresa tem de fazer se quiser ser uma marca mundialmente reconhecida e líder em seu mercado de atuação no mundo.

A frase que move o Barcelona não se aplica apenas a atitudes fora de campo. Dentro dele, seus jogadores transpiram o sentido de ser mais do que um simples clube de futebol. É um espetáculo, uma aula, algo fora de qualquer propósito visto no sentido de se jogar bola pelo menos nas últimas duas ou três décadas.

Mas como é possível um clube que, em 2003, estava preocupado em não falir chegar em tão pouco tempo a uma hegemonia soberana dentro do futebol?

A resposta é simples, mas o processo é extremamente complexo e precisa de pulso firme. Em 2003, o Barça era um clube endividado, sem alma e que assistia ao Real Madrid, seu maior rival, vangloriar-se de ser um dos clubes mais famosos e desejados do mundo. Naquela época, o clube catalão acumulava dívidas, gastava em demasia com jogadores estrangeiros e não via o orgulho de ser do Barcelona estampado em seus atletas (algo que, para um catalão, é praticamente uma ofensa pessoal tão ruim quanto xingar a família).

O que se seguiu foi um processo total de resgate do sentimento de ser parte do Barcelona, de representar um clube e, mais do que isso, uma região da Espanha. O orgulho catalão moveu o time para a criação do conceito de ser “Més que un club”, assim mesmo, na língua local. A Espanha pode esperar, a Catalunha – e o Barcelona – está acima de tudo.

Foi com esse pensamento que o Barça voltou os seus olhos para a sua origem. Em vez de contratar jogadores caros de outros países, investiu na gestão das categorias de base. Atleta bom se faz dentro de casa. Passou a contratar menos e, com isso, gastar menos. Investiu na formação cultural de seus atletas menores, que foram imersos em aulas sobre a história do clube, da região da Catalunha, da Espanha. Passou, fora de campo, a investir pesado na gestão financeira, no controle de gastos, no equacionamento das dívidas, na busca de outras receitas. O torcedor tornou-se a principal razão de existir para o Barcelona.

O primeiro resultado dessa guinada veio em 2006, com um time magistral comandado por Ronaldinho Gaúcho e Eto’o campeão da Europa depois de quase 15 anos. Mas a redenção veio agora, em 2011, com o segundo título continental, trazido por um time que foi formado quase que em sua totalidade nas “canteras”, como são chamadas as equipes de base.

O Barcelona aplica, dentro de campo, a filosofia que emprega fora dele. A marca de ser “Mais que um clube” é internacionalmente reconhecida e, acima disso, aceita. Na indústria do esporte, o resultado dentro da competição geralmente reflete o trabalho que é feito fora dela. Quase sempre quem faz o dever de casa bem feito tira as melhores notas na hora de competir.

Quando todos os times do mundo se curvam ao poder do Barcelona, ele fecha o ciclo e prova que consegue ser muito mais do que um clube. É uma marca mundialmente reconhecida como sinônimo de qualidade, competência, liderança, inovação (o patrocínio para a Unicef que o diga).

O Barcelona conseguiu levar para o campo do esporte algo que, antes, pensava-se ser restrito ao universo das marcas de bens de consumo. Para quem pretende repetir esse sucesso, é preciso ir muito além das quatro linhas do campo.

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br

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A evolução das peneiras: o processo seletivo do jogador de futebol

Ainda como colunista semanal, no final de 2009, o Dr. Alcides Scaglia propôs que a detecção de potenciais jogadores inteligentes deve ser o grande objetivo num processo de avaliação de atletas. Nesta oportunidade, mencionou que atributos físicos e habilidade com bolas nos pés devem ser menos importantes que a capacidade de entendimento de jogo e de aprendizagem do padrão organizacional sistêmico dos jogos. A coluna desta semana apresentará breves informações sobre procedimentos de análise na captação de atletas, buscando contribuir com o esboço outrora proposto.

O sonho de se tornar jogador de futebol alimenta a vida de milhões de crianças e adolescentes do nosso país. Na busca do sonho, o primeiro passo de muitos é ser aprovado em uma peneira de um clube de futebol. É neste ambiente que, dia após dia, expressões costumeiras são ditas, ouvidas e propagadas (muitas vezes erroneamente) acerca das “peneiras”, dos “peneirados” e de quem as organiza.

“De mil, vira um!”
“Em vinte minutos dá pra ver se o jogador é bom!”
“Tenho olho clínico para observar jogador”
“Só pelo jeito de andar, dá pra ver que não leva jeito.”
“Ele é bom zagueiro, mas é muito baixo.”
“Jogador igual a você eu já tenho no elenco, então, pra você ficar, teria que ser melhor do que os que estão aqui.”

Com processos de captação devidamente elaborados e co-relacionados com uma boa formação, num futuro próximo, as frases poderão ser as seguintes:

“De mil, viram cinquenta!”
“Em cinco sessões de treino dá pra ver se o jogador é bom!”
“Tenho olho clínico para observar jogador, mas os olhares de mais alguns profissionais (outros técnicos, adjuntos, psicólogo) podem me auxiliar.”
“Anda todo desengonçado, mas joga bem”.
“Ele é bom zagueiro mesmo sendo baixo.”
“Jogador igual a você eu já tenho no elenco, então, te darei oportunidade para evoluir, pois você está chegando agora.”

Os procedimentos de análise têm uma estrutura semelhante, porém, possuem algumas especificações de acordo com as faixas etárias correspondentes a cada categoria, que estão subdivididas em: (1) Transição Esportiva, (2) final da Transição e inicio da Especialização e (3) Especialização.


Categorias de Transição Esportiva – 11 e 12 anos

No processo de avaliação desta faixa etária, não deve haver preocupação exclusiva com a definição de função dos jogadores, principalmente em ambiente formal. A estruturação de espaço no campo de aproximadamente 100m x 68m não permite uma boa aplicação de qualquer que seja a posição.

Quanto ao tempo de avaliação, deve-se permitir a realização de pelo menos seis sessões de treino, entre duas e três semanas, para possibilitar assimilação dos conteúdos vivenciados nos diferentes tipos de jogos. A análise das características do jogador deve compreender o potencial de execução de atitudes predominantemente defensivas, ofensivas ou ambas, pois, compreendendo as características do jogador (táticas, técnicas, físicas e emocionais), facilita posterior definição de suas regras de ação.

O predomínio de jogos deve ter dimensão e número de jogadores reduzidos. A relação com menos jogadores exige um menor nível de complexidade, o que facilita a interpretação e leitura de jogo dos praticantes.

Alguns jogos elaborados devem fugir significativamente a lógica do jogo de futebol. Para isso, retirada de alvos, aumento de alvos, utilização de perna/braço não dominantes, pontuação por número de passes, desarmes, são ferramentas que devem ser amplamente exploradas.

Alguns jogos elaborados devem assemelhar-se à lógica do jogo de futebol. É para tal prática que eles estão sendo avaliados.

A intervenção do treinador deve ser constante com o intuito de elevar a compreensão do jogo praticado. A ação centrada à bola é comportamento padrão desta faixa etária, logo, desconstruir um jogo anárquico é função do treinador.

Classificar e perceber a evolução da manifestação das Competências Essenciais (relação com a bola, estruturação do espaço e comunicação na ação) do jogo, pelo jogador, em ambientes não formais. Como destaque na análise destas competências, qualifica-se a eficiência do passe em situação de jogo, por ser fundamento predominante do futebol, o posicionamento sem bola em função das referências do jogo (alvo, tamanho de campo, bola, companheiros e adversários) além do acerto e da antecipação nas tomadas de decisão.

Após aprovação no processo seletivo, realizar inserção no grupo de jogadores, disponibilizando tempo hábil para adaptação. Uma reunião com os pais pode ser realizada para apresentação da filosofia de trabalho de clube.


Final da Transição Esportiva e início da Especialização – 13 e 14 anos

No processo de avaliação desta faixa etária, deve haver preocupação com o cumprimento de uma posição específica pelo jogador, sobretudo em ambiente formal. É necessário avaliar o nível de aplicação inicial de conteúdos ofensivos, defensivos e de transições.

Quanto ao tempo de avaliação, a realização de pelo menos oito sessões de treino, entre duas e três semanas, para permitir assimilação dos conteúdos.

A análise das características do jogador deve compreender o potencial de realização de mais de uma posição, identificando versatilidade. Caso não demonstre tais características, observar potencial de se tornar especialista da posição que desempenha.

Deve haver um equilíbrio de jogos com dimensão e jogadores reduzidos e em ambiente formal. Poucos jogos elaborados devem fugir significativamente a lógica do jogo de futebol. Alguns jogos elaborados devem assemelhar-se a lógica do jogo de futebol. Para isso, a estrutura gol a atacar e a defender deve ser mantida.

Alguns jogos elaborados devem ter relação com o Modelo de Jogo pretendido/praticado pelo treinador. A ideia de jogo do treinador deve estar presente em algumas atividades por meio de conteúdos tático-estratégicos ofensivos, defensivos e de transição relativos aos comportamentos de sua equipe.

A intervenção do treinador deve ser constante com o intuito de elevar a compreensão do jogo praticado e reduzida nas situações em ambiente formal para observar a transferência da aprendizagem.

Em relação às Competências Essenciais, a análise é equivalente à categoria anterior.

Após aprovação no processo seletivo, realizar inserção no grupo de jogadores, disponibilizando tempo hábil para adaptação. Uma entrevista com pais deve ser realizada para apresentação da filosofia de trabalho de clube, além de uma anamnese com membros da comissão técnica para identificar histórico de treino, lesões, hábitos alimentares e comportamentais.

Especialização – 15, 16 e 17 anos

Nesta faixa etária, o processo de avaliação deve observar quem é competente no exercício de uma posição.

Em relação ao tempo de avaliação, cinco sessões de treino, correspondente a uma semana, são suficientes para definir a aprovação do jogador e inserção no elenco.

Inicialmente, um questionário pode ser realizado com o intuito de descobrir em quais plataformas de jogo o avaliado já jogou e quais são as regras de ação que o mesmo entende como designadas a sua posição.

Ter o conhecimento teórico (intuitivo e/ou adquirido) de suas funções no jogo permitirá comparação com o desempenho circunscrito ao jogo.
No passo seguinte, caberá ao treinador formar diferentes equipes e solicitar regras de ação específicas para cada jogador. Com esta faixa etária, espera-se uma alta capacidade de interpretação e aplicação das informações da comissão técnica.

No jogo formal, conforme mencionado na faixa etária anterior, a qualidade das ações ofensivas, defensivas e de transiçõ
es também devem ser identificadas.

Jogos que forem realizados com dimensão e espaços reduzidos devem, posteriormente, ter suas regras transportadas para aplicação em ambiente formal de jogo. O ambiente formal é o predominante na realização das atividades.

Nenhum jogo elaborado deve fugir significativamente a lógica do jogo de futebol e todos os jogos aplicados devem ter relação direta com o Modelo de Jogo pretendido/praticado pelo treinador. Nesta faixa etária, ao menos quatro anos de formação já se passaram e bom desempenho de jogo prévio é imprescindível para aprovação no processo seletivo.

Cada sessão de treino pode ter como macro-objetivo os diferentes momentos de jogo, o que permitirá um mapeamento detalhado do nível de aplicação de conteúdos possuídos por cada jogador.

A abordagem e intervenção do treinador devem ser pontuais, principalmente quando as regras de ação desempenhadas forem diferentes das solicitadas pela comissão.

O tempo restante de formação para atletas aprovados nesta faixa etária é bastante reduzido, logo, ampla discussão interdisciplinar sobre um atleta que desperte interesse deve ser proposta para estimar seu potencial de formação integral, aliado ao perfil desejado pelo clube. Nesta discussão, devem participar psicóloga, nutricionista, fisiologista, treinadores e adjuntos, para comporem a decisão final e apresentarem o resultado à diretoria que, ao analisar o relatório do atleta avaliado, decide o investimento.

As populares “peneiras” precisam evoluir. Potenciais grandes jogadores de futebol se perdem no imenso território brasileiro devido à escassez de verdadeiros “olhos clínicos” para atletas inteligentes. Avaliar um atleta de 12 anos é diferente de avaliar um atleta com 16, já no final do período de formação. Trinta minutos de coletivo não pode ser a atividade proposta para ambos.

E, para finalizar, a obviedade e a certeza de que as melhores escolhas, lembrando que aliadas a uma boa formação, serão fundamentais para a sustentabilidade das categorias de base do clube. Foi assim com Sneijder, no Ajax, Cristiano Ronaldo, no Sporting, Neymar, no Santos, e Puyol, no Barcelona.

Por falar em Barcelona, dos atletas aprovados em avaliações do clube catalão (por seletivas, observações e captações na Espanha e em todo o mundo) e que passam a residir no La Masía, 10% debutam na equipe principal. Equipe que decidirá o título da Uefa Champions League com um número significativo de jogadores “pratas da casa”.

É a prova que de 1000, “viram” mais que um!

Para interagir com o autor: eduardo@universidadedofutebol.com.br

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Partida final

Caros amigos da Universidade do Futebol,

depois de alguns anos colaborando com este projeto como colunista semanal, termina hoje um importante ciclo de grande troca de experiências e informações, muito aprendizado, e acima de tudo muitas amizades conquistadas. Esta é a última coluna que escrevo neste espaço de toda sexta-feira.

Entretanto, não se trata de um adeus, mas sim de um até breve. Sempre continuarei colaborando com esse projeto que conquistou ao longo dos anos o espaço e o respeito que merece no meio do futebol. Minha partida não é final, mas temporária. Espero encontrar com vocês, leitores e colaboradores da Universidade do Futebol, com muita frequência pelos corredores da nossa profissão.

Portanto, a “partida final” a que me refiro no título desta coluna não é a minha – é a deste sábado, entre Barcelona e Manchester United. Escolhi esse tema justamente porque ele consegue resumir muito do que escrevi neste espaço ao longo desses anos.

O formato de organizar um torneio absolutamente profissional, eficaz e competente em todos os aspectos deve ser o modelo para alavancar os nossos campeonatos nacionais e regionais, fortalecer nossos clubes, e segurar em casa por mais tempo os nossos talentos.

A Uefa conseguiu criar um produto altamente lucrativo, que atrai a atenção de torcedores nos quatro cantos do mundo e, por conseguinte, da mídia, dos patrocinadores, dos jogadores, dos clubes, das ligas, de todos.

O modelo de venda coletiva de direitos televisivos, desigual conforme critérios técnicos, mas respeitando um caráter de solidariedade aos clubes de menor expressão; a forma de vistoriar e preparar os estádios de forma propiciar um grande espetáculo e o conforto necessário aos torcedores. Tudo isso é fundamental para que o futebol como um todo continue mantendo sua viabilidade econômica.

Por outro lado, esse modelo europeu não pode ser encarado como perfeito para o nosso país. Ele deve ser o exemplo, mas deve evidentemente passar por uma “tropicalização”. Temos aqui uma infinidade de clubes do interior, que são os nossos reais formadores. Os nossos campeonatos regionais são fundamentais para o funcionamento de toda a engrenagem do futebol. Os nossos jogadores são tentados a rumar para o exterior cada vez mais cedo. As camadas subalternas da nossa sociedade precisam participar do espetáculo, não podendo apenas ser excluídas dos estádios sob o pretexto de se minimizar a violência (isso é um equívoco!). São várias as especificidades do futebol no Brasil que precisam ser respeitadas.

Enfim, creio que todas as colunas apresentadas neste espaço poderiam receber um título único e coletivo: algo como “Tentativas para a melhora do futebol no Brasil e garantia do cumprimento de sua função soberana de inclusão social”.

Espero que tenham gostado dessas despretensiosas colunas. Ficarei sempre à disposição dos apaixonados pelo tema para as infindáveis e prazerosas discussões!

Finalmente, um agradecimento especial a todos os amigos da Universidade do Futebol, em especial ao querido Gheorge Randsford, pelo extremo profissionalismo, amizade e paciência dedicados para com este colunista.

Obrigado e até breve!

Para interagir com o colunista: megale@universidadedofutebol.com.br

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Quem não ajuda não atrapalha

No auge da minha preguiça infanto-juvenil, quando eu não queria ajudar nas tarefas de casa e ainda zanzava pela casa com o chão molhado, logo alguém disparava: “Sai daí! Quem não ajuda não atrapalha”.

Sei que as coisas que vivi com minha família não importam muito neste momento, mas como o assunto desta semana é flexibilidade, ao invés de afirmativa, podemos colocar o ditado na interrogativa: “Quem não ajuda não atrapalha?”.

Definida como o maior grau de amplitude que uma ou mais articulação(ões) pode(m) atingir, a flexibilidade é considerada uma capacidade motora condicional à qual pode ser melhorada por meio de alongamentos realizados de forma passiva, ativa ou balística, com freqüência de 2 a 3 vezes por semana e duração de 30 segundos por grupo muscular.

Embora muito utilizado nas sessões de treino como estratégia de aquecimento, pelo fato de a flexibilidade não ser a capacidade física mais importante para o desempenho do futebol, quase sempre ela acaba sendo negligenciada. Calendário apertado, falta de planejamento, sensação de desconforto, falta de aderência dos atletas, falta de cultura deste tipo de treino, prioridade das sessões de treino para outras capacidades motoras e interferência desta capacidade física na força e na velocidade são os principais fatores que fazem da flexibilidade não ser priorizada.

Apesar de o alongamento ter se tornado uma forma universal de aquecimento e de resfriamento (ou volta a calma) para quase todas as atividades, cientificamente esta prática apresenta grandes controvérsias. Embora parte das controvérsias seja explicada pelas diferentes metodologias, medidas e amostras empregadas em cada estudo, ao contrário do imaginário popular, além de não haver evidências suficientes de esta prática prevenir lesões, também não há consenso se ela melhora o desempenho de todas as tarefas.

Estudos recentes têm evidenciado que o alongamento em grandes amplitudes, além de não ajudar pode prejudicar o desempenho, especialmente em tarefas de potência que necessitam da utilização do ciclo alongamento encurtamento de ações musculares excêntricas. A alteração do limiar de excitação dos mecanoceptores e o retardo na restituição de energia elástica são os principais mecanismos que justificam a piora do desempenho. Além disso, retardo no chamado reflexo H ao invés de prevenir lesões pode aumentar a incidência.

Em termos práticos, para se aplicar um treino de flexibilidade com segurança, o conhecimento da comissão técnica sobre o assunto, a idade dos atletas, o estado de condicionamento, o hábito de cada atleta treinar ou não flexibilidade ao longo da carreira, a existência de desequilíbrios musculares, assimetrias de cada jogador e a quantidade de sessões semanais disponíveis para treino são os fatores que devem ser considerados.

Na tentativa de direcionar o que deve e o que não deve ser feito no treinamento, elaboramos o quadro abaixo resumindo as principais recomendações e precauções que deverão ser tomadas.


 

Pelo exposto até aqui, tratando-se de flexibilidade, concluímos que dependendo da forma como o treino é ministrado. o ditado popular pode ser facilmente alterado para “Não ajuda e atrapalha”.

Para interagir com o autor: cavinato@universidadedofutebol.com.br

Referências bibliográficas

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Fletcher IM, Monte-Colombo MM. An investigation into the possible physiological mechanisms associated with changes in performance related to acute responses to different preactivity stretch modalities. Appl Physiol Nutr Metab. 2010 Feb;35(1):27-34.

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Sayers AL, Farley RS, Fuller DK, Jubenville CB, Caputo JL. The effect of static stretching on phases of sprint performance in elite soccer players. J Strength Cond Res. 2008 Sep;22(5):1416-21.

Witvrouw E, Mahieu N, Danneels L, McNair P. Stretching and injury prevention: an obscure relationship. Sports Med. 2004;34(7):443-9.

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Carta aberta ao André Villas-Boas, treinador do F.C.Porto

Meu caro amigo,

esta carta parece, velada ou declaradamente, o resultado do mais puro oportunismo: o André é o mais que provável vencedor do Nacional de Futebol da Primeira Divisão e, digo-o sem receio, da Liga Europa; lidera uma das melhores equipas do futebol mundial – e cá estou eu a exibir o virtuosismo de um conhecimento que já é acessível a qualquer português amante do futebol. Ou seja, evitei prudentemente, há meses atrás, um prognóstico difícil, sobre o seu futuro, como treinador de futebol, e venho agora falar, de cátedra, do actual treinador do F.C.Porto.

Se assim fosse, as vozes dos profissionais da injúria não deixariam de retratar-me como personagem incómoda ou ridícula. Só que, contra a agressividade dos meus críticos, teria o André, ao meu lado. De facto, trabalhava o meu amigo na Académica de Coimbra, muito antes dos convites do Sporting e do Porto, e já eu lhe escrevia, sustentando que, num clube com as condições necessárias e suficientes, o André surgiria como um treinador de excepcional relevo e manifestando até insuspeitadas potencialidades.

Recordo que o surpreendeu o conteúdo da referida carta e foi lesto a telefonar-me:

“Gostava de saber por que me vê com um futuro brilhante, na profissão de treinador de futebol?”. E acrescentou ainda: “É que eu sinto que tenho tanto para aprender!”.

Libertando-me de uma linguagem esotérica, frequentemente exibicionista, respondi-lhe:

“Porque o meu amigo sabe liderar uma equipa, sabe comunicar com os jogadores que a constituem, sabe ler um jogo e vive de uma tensa e intensa vontade de vitória. Está aqui a base do êxito de um treinador de alta competição. Isto o que se vê, mesmo pela televisão. Com o apoio estrutural de um grande clube e com o que aprendeu com o José Mourinho, o meu amigo decuplicará o talento que mostra”.

Há poucos dias, numa das nossas conversas telefónicas, o André chegou mesmo a dizer-me: “O professor até acreditou em mim, antes de eu acreditar!”. Não é bem assim. Eu vejo o desporto e os desportistas com uma teoria que elaborei e que me norteia. Para mim, esta área do conhecimento, mais do que uma Actividade Física, é uma Actividade Humana, onde o físico-biológico se encontra integral, mas superado.

No futebol, portanto, o jogador deve desenvolver-se em equipa, sem ser reduzido à equipa. E assim o treinador, nos seus momentos de reflexão, poderá levantar, no mais íntimo de si mesmo, esta questão: qual o tipo de pessoa que eu quero que nasça dos jogadores que lidero? Reside aqui, no meu modesto entender, o momento essencial do treino.

É evidente que os livros de metodologia do treino (e são milhares, por esse mundo além) pouco se apercebem da intrínseca influência da preparação intelectual e moral de uma equipa. E, entre os factores de rendimento, dão ao físico-biológico lugar primacial. Ora, para mim, não só tudo é sistema, como só o sistema é real. Portanto, no treino, há que distinguir para associar e não separar para reduzir. Por isso, antes de tudo o mais, o jogador deve acreditar no que faz e transformar-se na expressão da fé que anima todo o clube, desde o mais humilde associado e funcionário até aos membros da Direcção. A crença gera biologia. O jogador que acredita que é um dos aspectos fundamentais da alma de um clube tem mais força e mais velocidade e mais resistência e mais impulsão etc. etc.

Meu querido amigo, não lhe falo de um anseio indefinido ou de uma superstição romântica – falo-lhe do espírito que deve animar um departamento de futebol profissional. Hoje, o próprio conhecimento científico é subjectivo-objectivo. O futebolista também está todo em tudo o que faz, mas o que dele sobrevive é a sua vontade de ser mais e de ser melhor.

Nada de novo lhe escrevi, nesta carta. É verdade! Tudo isto o meu amigo sabe, designadamente através da sua prática diária. Eu não passo de um simples teórico, mas que há 42 anos vem ensinando filosofia do desporto e aprendendo com o André e um ou outro colega seu, que fazem o favor de tentar dissipar muitas das minhas dúvidas.

O André está, entre os treinadores que eu conheci e conheço, ao lado dos que maior sensibilidade manifestam à necessidade de repensar o treino, à luz do pensamento complexo. Por isso, também no futebol a cultura é o primeiro factor de desenvolvimento. Leia um Camus, um Malraux, uma Hanna Arendt, uma Clarice Lispector, um Jorge Amado, uma Maria Zambrano, um Vergílio Ferreira, um Saramago, um Jorge Luís Borges e tantos mais; aprenda a saborear a arte de poetas como Pessoa, ou Sebastião da Gama, ou Sofia, ou Herberto Helder, ou Torga, ou Régio; escute atentamente a mensagem dos filósofos e dos sociólogos – e vai começar a saber mais de futebol!

O maior defeito dos técnicos da Fifa e da Uefa é abusarem de uma aturdidora profusão de palavras e sentirem-se incapazes das grandes sínteses que tentam compreender o humano. Ora, o futebol é, repito, uma Actividade Humana e onde, portanto, a vida tem mais força do que a lógica. Estudar futebol é, sobre o mais, aprender com a vida.

Por isso, meu amigo, se me der essa honra, vamos continuar a falar ao telefone. Para eu saber mais de futebol? Não sei se em Portugal haverá alguém que tenha lido mais obras, sobre futebol, do que eu. Só se for o Dr. Jorge Castelo. Na minha biblioteca de, em números redondos, 4000 livros, contam-se às dezenas! Eu consigo aprendo muito de futebol porque falamos de ciências de um novo tipo.

Quando um jogo começa, qual a ciência que explica o que se está a passar no campo? Eu chamo-lhe ciência da motricidade humana. Mas há tanta gente que me lança um olhar misericordioso, quando me ocupo destes assuntos. Resta-me a sua compreensão e a de alguns amigos. No meu caso, pode crer, a sua compreensão revigora-me: é que eu estou convicto que está a nascer, no meu amigo, um dos grandes treinadores do futebol português – e, neste mundo globalizado, que é o nosso, do futebol internacional.

Por fim, não escondo que o F.C.Porto de Jorge Nuno Pinto da Costa é o melhor seminário para ampliar e aprofundar o muito que o meu amigo sabe e é. Aconteceu o mesmo com o Dr. José Mourinho. Parecendo que não, a história deste Clube não é carismática, é estrutural.

Não findo esta carta sem felicitá-lo, pela sua vitória na Supertaça Cândido de Oliveira, no Nacional de Futebol da Primeira Divisão, na Taça da Europa e na Taça de Portugal. O meu amigo parece pertencer àquela categoria de homens, privilegiados da fortuna, profissionais do triunfo, que existem apenas para que o Mundo quotidianamente se ocupe deles. Que assim permaneça, durante muitos e muitos anos…

Seu

Manuel Sérgio
*Antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.

Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.

Esse texto foi mantido em seu formato original, escrito na língua portuguesa, de Portugal.

 

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Sbórnia

Reservei esse espaço para contar um relato histórico, com um tom irônico e que, qualquer semelhança talvez seja mera coincidência. Talvez! É o caso da Sbórnia*, um país da Idade Média onde se praticava um esporte primitivo ao futebol.

Naquele país e naquele tempo havia, como hoje, agremiações, atletas, uma entidade soberana, que controlava o esporte, e uma emissora de televisão – sim, eles possuíam satélites e viviam em uma sociedade muito avançada, embora pouca gente a conheça com maiores detalhes.

Mesmo sendo uma sociedade evoluída, ninguém conseguia entender como a entidade de administração do esporte e a emissora de televisão detinham tanto poder sobre as agremiações e os atletas.

As agremiações eram extremamente populares. As pessoas vestiam a camisa, compravam produtos, discutiam sobre os jogos em um volume enorme em seus cotidianos. Estas instituições implicavam em um fascínio sem igual no imaginário daquele povo.

Os atletas, por sua vez, também exerciam um poder social incrível. Jovens chegavam a cortar seus cabelos para imitar os ídolos. Se vestiam e falavam tal e qual os seus astros preferidos, imitando-os sempre que julgavam interessante.

Mesmo com todos esses ingredientes, nem clubes, nem atletas, conseguiam negociar bons contratos com a televisão e se mostravam estranhamente passivos aos desmandos da entidade de administração do esporte.

A TV mudava horário de jogos para períodos complicados para que o público fosse às arenas – isso sem falar na saúde física e mental dos jogadores, que era indiretamente afetada. Além disso, pagava proporcionalmente pouco para retransmitir os espetáculos disputados nos campos do país.

Ora, se os clubes e os atletas eram o centro das atenções, por qual motivo não exerciam poder suficiente para brigar por aquilo que acreditavam? A realidade, segundo historiadores, é que os mesmos não tinham capacidade de se reunir e lutar por interesses comuns. Desta maneira, os demais agentes, que se apresentavam de maneira mais organizada, sobrepunham seus anseios perante os verdadeiros personagens do espetáculo.

Ufa. Mas ainda bem que isso tudo aconteceu há muito tempo e em um local muito, mas muito distante do nosso. Vivemos um tempo diferente, com saberes e inteligências distintas, não é, caro leitor?


*Sbórnia é um lugar fictício, criado pelos humoristas gaúchos Nico Nicolaiewsky e Hique Gomez para o espetáculo “Tangos e Tragédias”, onde, segundo eles, está depositado todo o lixo cultural do mundo.

Para interagir com o autor: geraldo@universidadedofutebol.com.br  

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Capital de risco

São Paulo não é somente uma das maiores cidades do Brasil. É uma metrópole mundial.

E, com isso, desfruta do melhor e do pior na vida das grandes cidades. Os problemas são exponenciais que, para resolvê-los, são exigidos esforços proporcionais.

Naturalmente, diante desse gigantismo de coisas, a capital sempre será candidata a sediar os grandes eventos esportivos que vêm ao Brasil.

Como a Copa do Mundo.

Mas a capital segue com dificuldades superlativas.

A mais recente é com o “Itaquerão”, a futura casa do Corinthians. Não para de chover problema.

Duto de petróleo. Falta de licença ambiental. Problemas com o Ministério Público e concessão do terreno.

Antes, a novela tinha o endereço no Morumbi. Agora, até a Arena Palestra Itália – que tem sua novela própria e ainda mais apimentada – tenta entrar no páreo para receber jogos da Copa.

Sem falar nas críticas públicas da Fifa, como se fosse um irmão mais velho a cobrar conduta exemplar de todos, à sua sombra e semelhança.

Mas a sombra e a semelhança da Fifa projetam suspeitas de corrupção por toda a parte.

Como exigir investimentos incertos, que aumentam na medida em que os famigerados “encargos” do caderno da Copa não param de pipocar?

Maracanã, Itaquera, Arena da Baixada, Beira-Rio sofrem com surpresas de última hora. Custos da obra saltam 30%, 40%.

Para piorar, nos estádios privados, há uma tremenda confusão entre o que é particular e o que é público.

Falta articulação estratégica.

E num grande regime de incerteza, com temor de que a planilha não feche pra ninguém, exceto pra Fifa.

Capital de risco, pra mim, tem duplo sentido: que alguma grande cidade do Brasil seja excluída do mapa da Copa 2014; quem investe dinheiro no evento tá na linha de fogo.

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br