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Colher antes de semear

“Uns 80% dos jogadores vivem em uma bolha. Sem dúvidas. Sobretudo os mais jovens, que passam a querer imitar seus ídolos. Estes acreditam que se usarem uma nécessaire de marca debaixo do braço, um sapato de 400 euros e oito tatuagens já serão estrelas e, por isso, serão respeitados. Se esquecem do mundo real. A bolha clássica em que vive um jogador: chegar ao profissional e comprar um ‘carrão’ com o primeiro salário”

Olá leitor!

A coluna desta semana foi, em muito, motivada pela recente declaração acima do jogador brasileiro Filipe Luís, lateral de 32 anos que defende a seleção brasileira e o Atlético de Madrid, numa entrevista ao jornal “El mundo”. A entrevista pode ser lida na integra aqui.

Acredito que grande parte daqueles que, dê alguma forma, tem contato com o futebol no Brasil, seja ele amador ou de rendimento, já se deparou com essa imagem, do “boleiro”, que tem as roupas da moda, a chuteira do craque da UEFA Champions League, a nécessaire de grife e tatuagens pelo corpo. Que fique claro aqui, não sou contra a utilização de nenhum destes adereços, acredito que todos têm o direito, dentro de suas convicções, de ter o estilo que achar conveniente, a questão ao meu ver, é o indivíduo acreditar que o simples fato de ter o estilo de se vestir/portar de determinado grupo, já lhe concede o direito de fazer parte deste grupo. Pertencer a determinado universo custa um preço, será que todos estão dispostos a paga-lo?

“Os caras estão esquecendo de jogar futebol”

Esta frase do ex-jogador Tinga (entrevista completa aqui), que atualmente trabalha no futebol do Cruzeiro, abordando a mesma temática que Filipe Luís, a alienação de muitos jogadores, sejam eles profissionais ou não.

Pesquisas apontam que no Brasil, o percentual dos jogadores das categorias de base que conseguem se tornar atletas profissionais, é muito baixo, e que destes, cerca de 96% recebem até no máximo 5 mil reais mensais, sendo que mais de 80% recebem até 1 mil reais. Isso sem falar no alto índice de desemprego pela falta de calendário anual para a grande maioria dos clubes.

Talvez estes sejam temas “batidos”, mas será que entre os aspirantes a jogadores, tais assuntos são amplamente discutidos?

Dentro da frase de Filipe Luís, a afirmação de que “Uns 80% dos jogadores vivem numa bolha” traz ainda outra questão interessante a se discutir: até que ponto os jogadores sabem usar o caráter simbólico que possuem? Esta semana, o ex-melhor jogador do mundo (1995), George Weah, foi eleito presidente da Libéria na primeira eleição democrática do país em 73 anos, Cristiano Ronaldo rotineiramente divulga em suas redes sociais os momentos em que se dedica a doação de sangue. Ao mesmo tempo, são muitas as imagens de jogadores ainda em atividade, bebendo, fumando, envolvidos em casos de sonegação de impostos. Qual a responsabilidade destes jogadores com seus atos, visto a repercussão e influência que possuem na vida daqueles que os admiram?

Vivemos em uma sociedade onde cada vez mais as aparências contam muito, as pessoas a cada nova situação que vivem, seja a degustação de um prato, ou a leitura de um livro, tem um ímpeto quase que insaciável em divulgar seus atos, nem sempre com o devido critério, relevância e oportunidade para isso. Todos querem reconhecimento, mas nem sempre, possuem atos e condutas que de fato sejam condizentes com esse desejo pelo reconhecimento.

Fatalmente, tal situação, se observa em nossos potenciais jogadores. Desejam reconhecimento simbólico e financeiro dos clubes, mesmo que, em muitos casos, não entreguem o mínimo que os clubes deles esperam: performance esportiva. “Orientados” por empresários, agentes, ex-professores das escolinhas e “amigos”, muitos destes jovens (e até seus pais) criam um mundo de fantasia em torno de si, pensando que por terem conquistado um espaço dentro de uma categoria de base, já percorreram sua jornada, e basta o clube reconhecer sua capacidade, lhes concedendo espaço para jogar e ótimos contratos. Estão querendo colher antes de semear. Se preocupam com a marca da chuteira, em postar fotos nas redes sociais, em ter o estilo do boleiro, mas na mesma proporção, será que estão preocupados em avaliar seu desempenho, evoluir suas deficiências e potencializar suas qualidades? E que ambiente de desenvolvimento integral os clubes têm propiciado a seus jogadores? A que nível de reflexão os tem conduzido?

Notoriamente, estes não são problemas exclusivos do futebol, a raiz deles está em nossa sociedade, em sua construção histórica. É preciso educar melhor, formar melhor, pois nossos jovens, estejam nas categorias de base ou não, estarão mais propensos a mudarem de atitude, a mudarem de perfil, quando lhes for proporcionado um contexto social diferente, quando a educação for realmente valorizada, quando os meios de comunicação/formação de opinião conscientizarem melhor seu público, e sobretudo, no que tange ao futebol, quando as comissões técnicas, também utilizarem o poder simbólico que possuem, não somente no intuito de extrair vitórias de seus jogadores, como se fossem “cavalos de corrida”, mas sim, para também lhes incutir valores e senso crítico, que os permitam sair da bolha onde insistem em os fechar.

“No jogo, as máscaras caem.”  Prof. Dr. Alcides Scaglia.

Até a próxima!