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Libertadores de todas as Américas

A Confederação Sul-Americana de Futebol (CONMEBOL) começou a conversar sobre a presença de equipes da América do Norte na principal competição de clubes de futebol do hemisfério ocidental: a Taça Libertadores da América. Para isso, já dialoga com a “Liga MX” (México) e a “MLS” (sigla em inglês da Liga Maior de Futebol, dos Estados Unidos).

Talvez aumente o número de clubes e o número de jogos. Certamente vão aumentar as distâncias, as diferenças de fusos para embaralhar torcedores e programações de transmissão. Entretanto, minimizar as consequências disso é parte dos organizadores dos torneios e há algo para ser lembrado: mexicanos, norte-americanos e canadenses serão também consumidores desta nova “Libertadores”. Há quem mencione uma possível “queda de nível técnico”. Quem disser isso desconhece os avanços no futebol profissional daquela parte da América. As equipes canadenses têm sido protagonistas da MLS, a média de público bastante alta e o futebol mexicano historicamente sempre foi muito competitivo.

Do lado de cá, o mercado consumidor na América do Sul é pequeno. As fundações da organização do futebol nestas bandas coloca limitações ao profissionalismo e potencialização de receitas. Há diversos interesses políticos, não compatíveis com os do mercado, que impedem estes avanços. Quem sabe os bons exemplos do Norte não influenciem o “lado Sul da força”. As equipes de lá, sendo bem sucedidas dentro da proposta deste certame, é capaz de atrair mais patrocinadores, em moeda bem mais valorizada: o dólar dos EUA. Há tudo para ser uma proposta de torneio de grande sucesso.

Este confronto (Toronto FC/CAN x Club América/MEX) pode tornar-se tradicional em uma Taça Libertadores. (Foto: globalnews.ca)

 

Ademais, México, Canadá e Estados Unidos serão sedes do Mundial FIFA de 2026. Sim, é um dos porquês da aproximação da CONMEBOL com estes países, em uma linha de pensamento que pode ser assim interpretada: o Norte que sabe produzir o espetáculo orientado para o mercado; somado a um Sul que possui formação, história e palmarés. Tudo isso, somado, fornecem condições sine qua non para a atual conjuntura do futebol internacional de alto-rendimento. Por analogia, o conto de Eduardo Galeano em “El Fútbol a Sol y Sombra”, sobre o “Estádio”, em que ele menciona o estádio “Rei Fahd”, em Riad (Arábia Saudita):

“O Estádio Rei Fahd, na Arábia Saudita,
tem camarotes de ouro e de mármore, com assentos estofados,
mas não possui memória e nem grandes coisas para contar”.
(tradução livre)

Portanto, é preciso fazer crescer a Libertadores. Não em número de clubes, de jogos, mas de oportunidades: comerciais, de mercado e de futebol. Que os clubes, federações e confederações aprendam com os acertos e erros dos seus semelhantes. Potencializem os acertos e diminuam os erros. Assim, crescemos todos, em todas as Américas.

 

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Entre o Direito e o Doping

Bem-vindos ao nosso Entre o Direito e o Esporte” desse dia das crianças! Hoje nós vamos dar o próximo passo e ver o que a gente encontra “Entre o Esporte e o Doping”. Hoje nós vamos conversar sobre o “quem”, o “que” e o “como” desse mês. Hoje nós vamos descobrir juntos um pouco mais sobre a AMA/WADA – que é a Agência Mundial Antidopagem!
E para deixar tudo mais direto nesse feriado, é esse aqui o nosso dia de hoje: (primeira pergunta) “Quem é a AMA?”; (segunda pergunta) “O que a Agência Mundial Antidopagem faz?”; (terceira pergunta) “Como é que a AMA/WADA faz isso?”. Assim, a gente vai ter uma ideia melhor desse sistema de prevenção e controle antidopagem do esporte pelo mundo.
Bora lá?
Valendo… 3 segundos para responder: sobre quem a gente vai conversar hoje? Isso mesmo, a Agência Mundial Antidopagem ou AMA (lá fora WADA ou World Anti-Doping Agency) que foi criada em 1999 – pois é, não tem nem 20 anos ainda!

Fonte: Le Tour de France, Instagram

 
Hora de contar história, né? Imagina que no nosso inverno em 1998 aconteceu algo que “nunca” (aham) acontece no verão do hemisfério norte durante uma prova de ciclismo –conhecido como o “Caso Festina”, em outras palavras, leia-se: doping no Tour de France.
Esse caso levou o Comitê Olímpico Internacional (COI) a organizar uma Conferência Mundial sobre o Doping com todos os players envolvidos no esforço conjunto que é a “luta” contra o doping. Essa conferência aconteceu em fevereiro de 1999 e foi aí que veio a Declaração de Lausanne sobre o Doping no Esporte ou “Convenção Internacional contra o Doping no Esporte” em bom português.
Esse esforço conjunto entre a Conferência Mundial sobre o Doping e a Convenção Internacional contra o Doping no Esporte deu na criação da tal da Agência Mundial Antidopagem. Agora, quem faz parte dela e quem financia a AMA? A resposta fácil é o Movimento Olímpico… agora, todos os Governos signatários (ou seja, que concordaram com isso) também fazem parte desse esforço – e o Brasil está aí!
Legal… mas o que a AMA faz? Ela foi criada para promover e coordenar a “luta” contra o doping no esporte ao redor do mundo! Em outras palavras, a AMA está para os esforços antidoping como a FIFA está para o desenvolvimento do futebol.
E o que isso quer dizer na prática? A Agência Mundial Antidopagem tem algumas atividades principais: pesquisa científica (afinal, o que é doping?), educação e conscientização das pessoas envolvidas no esporte (de nada adianta saber o que é doping se isso ficar guardado em uma prateleira numa biblioteca. Né?), e o desenvolvimento da prevenção e do controle antidopagem (identificando o que é doping, ajudando as pessoas a entenderem o que é doping, como a gente consegue parar o doping juntos?).
Agora você me pergunta: “Isso! Como?”. Com os 6 pilares que são os parâmetros internacionais (IS ou International Standards) da AMA: a lista de substâncias/métodos proibidos (o que pode e o que não pode); testagem e investigação (como a gente descobre quem seguiu as regras); laboratórios (como a gente tem certeza que alguém não seguiu as regras); exceção de uso terapêutico (como a gente sabe que quem a gente tem certeza que não seguiu as regras realmente ignorou as regras); proteção à privacidade e aos dados pessoais (como a gente sabe que todos esses testes que a gente fez não vão parar nas “mãos erradas”); conformidade ao Código… Código, oi?
É, ai entra bem o tal do direito desportivo! Esses 6 pilares se juntam numa espécie de argamassa que está por toda a casa do “sistema mundial antidopagem”. Esses 6 pilares se juntam em um só documento. Esses 6 pilares se transformam no Código Mundial Antidopagem que harmoniza as políticas antidopagem em todos os esportes ao redor do mundo.
A AMA é a “guardiã” de tudo isso!
Beleza, entendi… mas, de novo, o que é doping? Doping pode ser o uso de uma substância ou de um método da “lista proibida” (fãs de Harry Potter, isso é quase um Voldemort). Mas… o que é a lista de substâncias proibidas? Bão, desde 2004 a AMA publica uma lista de substâncias proibidas. Proibidas a qualquer tempo, proibidas durante uma competição, ou proibidas em um esporte específico (mais sobre isso semana que vem). Um exemplo é o isometepteno, que é um agente estimulante.
Ah, mas tudo isso é difícil de achar no nosso dia a dia e um atleta só “comete” doping porque quer. Certo? É… não é bem assim, sabe onde tem esse tal do isometepteno? Pois é, na nossa neosaldina! Imagina agora que você é um atleta gringo competindo no Brasil. Imagina que você está com dor de cabeça. Imagina que vai no meio da noite na farmácia. O que pode (ou vai) acontecer? Exato, vai pegar uma “neosa” e daí a “neosa” vai pegar você no exame no dia seguinte depois do jogo… e você nem sabia de nada disso.
Caraca… quer dizer que todo doping é sem querer? É, também não. Tem gente que força e um exemplo é a lista de métodos proibidos (leia-se: avada kedavra!). Nessa “lista Voldemort” tem também os métodos que são proibidos a qualquer tempo e que são classificados em categorias diferentes – como as substâncias. E quer um exemplo de doping com intenção e que usa método? Acredite se quiser, tem um “dispositivo” que “substitui” a urina do atleta na hora de se aliviar quando vai fazer o exame no fim do jogo… e pior, tem gente que usa (e olha que a imagem é bem pior do que a descrição aqui).
Escolher usar uma substância ou um método proibido é escolher um esporte desigual. E isso a gente não quer, né? Por isso que é importante saber quem é a AMA, o que a AMA faz e como a AMA faz… afinal, o doping nunca é legal.
Valeu pela companhia nesse feriado, fico por aqui e desejo a todos vocês um ótimo final de semana! Convido a ficarem comigo no “Entre o Direito e o Esporte” nessa próxima sexta-feira para continuar a nossa conversa sobre o doping aqui na Universidade do Futebol. Nessa terceira coluna do mês vamos conversar sobre o controle antidopagem. Combinado? Deixo meu convite para falarem comigo por aqui, pelo meu LinkedIn ou pelo meu Twitter. Obrigado e até o feriado!
 

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Entre o Esporte e o Doping

Bem-vindos ao nosso Entre o Direito e o Esporte” começando esse novo mês. Um novo mês que a gente vai dar uma olhada em como a “Lei de Gerson” aparece no nosso futebol. Um novo mês que a gente vai ver como aquele 1% dá as caras no nosso dia a dia de torcedor. Um novo mês que a gente vai conversar sobre o que a gente acha entre o esporte e o doping.
E, como todo começo de mês, esse outubro vai ser igualzinho e hoje é aquele dia que vamos saber o mapa dos nossos próximos finais de semana: no “dia das crianças” nós vamos conversar sobre a AMA… isso, você leu certo: AMA ou Agência Mundial Antidopagem; na terceira coluna do mês nós vamos olhar mais de perto o que é o controle antidopagem; e, para fechar o mês, nós vamos ver como tudo isso vira aquilo que nós advogados “adoramos”: um processo (que, no fundo, é aquilo que aparece nos jornais depois). Agora, vamos dar o nosso chute inicial® com um pouquinho sobre tudo isso!
Bora lá?
Eu amo, tu amas, ele AMA. Isso, AMA é a Agência Mundial Antidopagem que é mais conhecida como WADA (World Anti-Doping Agency em inglês). Ela é como a FIFA… a gente sabe que ela existe, mas não é todo mundo que sabe o que ela faz de fato. Resumindo bastante, a AMA cuida dos esforços antidopagem no esporte mundial.
O que é isso, né? Bão, semana que vem a gente conversa mais! E já te adianto que envolve uma “lista de substâncias proibidas”, uma de “métodos proibidos”, e umas tantas outras sobre “parâmetros internacionais” de como tudo isso acontece (ou deveria acontecer).
Enquanto isso, segue uma imagem que resume isso tudo:

Fonte: Twitter | @WorldRugby

 
Beleza… a AMA cuida disso tudo sozinha? A resposta aí é fácil, vai! Se eu falei que é como a FIFA… quer dizer que ela é uma hub, um centro onde as Agências Nacionais Antidopagem se juntam em algo que saí dos limites de cada país (e cada modalidade) para chegar na ideia do Movimento Olímpico. Um esporte mundial, como é o futebol da FIFA.
É sobre isso que a gente vai conversar na terceira semana, ou seja, é quando a gente vai focar um pouco mais na nossa grama verde que se chama ABCD (juro, olha aqui o site) e como se dá o tal do “controle antidopagem” – que pode variar em cada competição e em cada modalidade.
Sábado, dia de jogo com os amigos. Imagina que você foi lá jogar bola. Imagina que você foi lá jogar bola descalço. Imagina que você foi lá jogar bola descalço e levou uma pomadinha esperta para ajudar na dor depois – essa aqui, ó:
Fonte: Consulado Geral da Bolívia na Argentina

 
Alguém vai lá te perguntar o que é isso, para que serve e o que tem aí. Né? Essa é a versão light do controle antidopagem, e que hoje em dia é bem mais do que isso. Aliás… vai tão além disso que não é só no dia do jogo. O controle antidopagem pode acontecer até fora de competição. E é por isso que é importante cada atleta saber bem tudo isso aqui!
Entendi… AMA, controle antidopagem, e agora é o tal do processo. Né? Isso mesmo! Aqui a regra geral é que tudo tem um começo, um meio e um fim (ah, tá!). É como quando a gente pega o achocolatado para fazer um brigadeiro… primeiro mistura os ingredientes, daí “bota pra ferver” (na voz do Durval Lélys), e depois enrola tudo.
No processo disciplinar por doping é a mesma coisa: começa com um procedimento durante o próprio controle antidopagem, depois passa por um processo mais de advogado mesmo (por aqui é no TJD/AD), e pode parar lá na Suíça (lá no CAS, que nem o Guerrero). Agora, essa é a regra geral… e como sempre tem as suas exceções. Né?
Esse é o nosso mês entre o esporte e o doping. O doping que aparece no dia a dia do seu clube, no dia a dia daquele jogador do seu clube, e no dia a dia de você torcedor que queria ver aquele atleta jogando pelo seu clube no final de semana – e não vai poder porque tomou neosaldina® para passar a dor de cabeça na noite antes do jogo (sério).
Por hoje eu fico por aqui, desejo a todos vocês um ótimo final de semana! Convido a ficarem comigo no “Entre o Direito e o Esporte” nesse nosso novo mês. Semana que vem vamos continuar a nossa conversa sobre o doping aqui na Universidade do Futebol. Feito? Deixo meu convite para falarem comigo por aqui, pelo meu LinkedIn ou pelo meu Twitter. Obrigado e até o feriado!

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Estudar tudo o que envolve o resultado no futebol

Estou buscando entender cada vez mais o porque dos resultados no futebol. Tem uma explicação para tudo: para a vitória e para a derrota.
Já passei pelos estudos da teoria sistêmica, da teoria do caos, e todas levam ao cerne do nosso amor por essa modalidade: a imprevisibilidade. Ficamos atentos aos noventa minutos de uma partida de futebol porque não sabemos o que de fato vai acontecer.
Por outro lado, também tenho estudado muito análise de desempenho, que busca justamente, a grosso modo, entender padrões de comportamentos individuais e coletivos que sejam determinantes para o triunfo de uma equipe sobre o seu oponente. Também fui buscar conhecer a mente humana, através da PNL (Programação Neurolinguística) e do Coaching, já que o jogo é técnico, tático, físico e é também emocional. Antes do chute, por exemplo, está o jogador que chuta; um passe é uma ação que envolve dois jogadores: o que executa a ação e o que a recebe. A relação e a comunicação entre esses dois elementos se bem trabalhadas podem potencializa-los.
Batendo tudo isso no liquidificador o suco que temos é frustrante para alguns e excitante para outros: não há fórmula para o sucesso no futebol. Não há nem certo e nem errado. Até o que é bonito e o que é feio vai ser relativo e vai depender do ponto de vista.
E a situação do Campeonato Brasileiro atual apenas corrobora tudo isso. Vamos pontuar algumas situações: se o treino serve, ou deveria servir para melhorar um time, como explicar o São Paulo tendo cinco semanas cheias de trabalho piorando, enquanto Felipão no Palmeiras sem nenhuma semana e sem dois jogos, está evoluindo? E Jair Ventura mudando pouquíssima coisa prática na equipe do Corinthians ter eliminado o rico Flamengo, do agora demitido Maurício Barbieri da Copa do Brasil?  Ou então a segurança espantosa que o Santos passou a ter após a presença do técnico Cuca no banco de reservas?
É claro que há mais pormenores nos exemplos que citei, mas o foco desse texto é mostrar que há muita coisa envolvida e que faz a diferença para uma bola entrar no gol ou bater na trave. É confiança, coragem, relações interpessoais, gestão de grupo, qualidade do treino, sistema de jogo que potencialize os atletas, comunicação flexível de função e tarefa para cada um e muitas outras coisas subjetivas. Tudo isso junto, ao mesmo tempo.
Quanto mais estudo futebol mais percebo que tenho que continuar estudando.
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Sobre a fluidez das estruturas táticas

Frenkie de Jong: um exemplo da fluidez inerente às estruturas táticas (Divulgação: ESPN)

 
Corria o ano de 2010 e eu, já com atenção redobrada, assistia à Copa do Mundo da África do Sul em busca das ideias e dos padrões que se desenvolviam à época. Se a memória não falha, terminamos aquele mês sob o domínio do 4-2-3-1. Aliás, talvez este tenha sido o primeiro mundial coberto pela nova geração de analistas que se desenvolvia no Brasil, que partia de um olhar mais acurado da tática para a compreensão do jogo. Nas rápidas mudanças do jornalismo (e da sociedade), me parece que foram cometidos alguns equívocos neste processo, embora não seja meu objetivo analisá-los aqui. O fato é que a África do Sul talvez tenha aberto caminho para um movimento que, na sua origem, é saudável.
Voltando ao assunto, uma das seleções que me interessavam à época foi Gana. Lembro claramente de destacar, nas minhas anotações, uma espécie de 4-2-3-1 híbrido, cujo elemento de desequilíbrio era Kevin-Prince Boateng. Dono de uma fisicalidade obscena, ele sabia muito bem oscilar entre o 1-4-1 do momento defensivo e a exploração do espaço no ataque (prova disso está aqui, a partir dos 0:45). Aquela estratégia, evidentemente, não apenas era possível em razão das qualidades do próprio Boateng, como também em razão da ausência de um meia central: sem ele, havia espaço a ser atacado por dentro. Outros jogadores, do mesmo nível ou superior, como Arturo Vidal, Frank Lampard, Steven Gerrard ou mesmo Paulinho (não me reduzo aqui à qualidade, mas a características mais genéricas) se beneficiaram, em algum momento, da capacidade de transladar entre as duas áreas na ausência de um meia central.
Mas no caso ganês, me diga uma coisa: nós falávamos então de um 4-2-3-1 ou de um 4-1-4-1? O Brasil, que recém disputou, honrosamente, a última Copa do Mundo, jogava em um 4-1-4-1 ou em um 4-3-3? Estes dilemas, para treinadores e analistas em geral, são mais elaborados do que aparentam. Se visitarmos a Filosofia (como deveríamos fazer mais), encontraríamos algum conforto no Paradoxo de Sorites, que dificulta a separação entre dois eventos. Assim como não é tão simples definir com quantos grãos de areia se faz um monte, também não sabemos, em linhas gerais, o que diferencia uma estrutura tática da outra, para além das ideias previamente estabelecidas por nós mesmos. Isso ocorre porque o jogo não existe para atender às demandas estruturais, mas é a estrutura que deve responder, rápida e alternadamente, aos problemas do jogo. Por isso, não me parece indicado um olhar estanque para as estruturas, visto que o jogo é fluido e as estruturas, sendo parte dele também o são. Como tenho postulado recentemente, o jogo não é, ele está.
(ora com Boateng na linha, ora vários metros acima, por exemplo).
Um dos equívocos que me parecem na essência deste debate está exatamente no nosso olhar sobre o que é a tática. Ou, se você preferir, sobre o que a tática não é. Na esteira das novas análises de que falei acima, desenvolvemos também uma ideia – chancelada por parte dos nossos colegas jornalistas -, de que a tática se resume às estruturas. Ou seja, a tática, em si, se encerraria no 4-4-2 ou no 4-3-3. Mas é evidente que não: a tática é um fenômeno que está para muito além! As estruturas são simples postulados, são uma manifestação micro dentro do grande universo tático. É por isso que um passo mais do que necessário para o debate é consolidar, tanto quanto possível, as bases de um entendimento mais profundo sobre a natureza do jogo, a imprevisibilidade, a seriedade, as regras de ação – não apenas explícitas – o lugar do erro (visto que se trata de atividade humana, em nada mecânica) e todas as outras variáveis que nos façam perceber a estrutura como uma manifestação secundária, terciária, mas não principal. Ou seja, é preciso perscrutar o que está antes da estrutura.
Estes são alguns dos motivos que me fazem ter reservas em relação à existência de uma suposta estrutura tática ‘ideal’, simplesmente porque o jogo não é ideal, o jogo é real. As mesmas estruturas, com atletas diferentes, em contextos diferentes, ou simplesmente em jogos diferentes (no mesmo treino, por exemplo), logicamente terão respostas diversas. O que me parece mais saudável é refletir sobre qual estrutura tática mais agrada a um determinado treinador ou treinadora.
No meu caso, por exemplo, estou em afinidade temporária com o 3-4-2-1. Por quê? Em primeiro lugar, porque contempla quatro linhas tanto para o ataque (a priori, permite mais escalonamentos) quanto para a defesa (a priori, mais uma linha a ser quebrada pelo adversário). Além disso, me agrada a democratização do corredor central ofensivo (não mais como propriedade do camisa dez, de que falávamos acima), podendo tanto ser ocupado pelos dois meias, quanto por nenhum deles, liberando espaço para um dos meias da linha anterior. Também me parece uma estrutura saudável para a primeira fase de ataques apoiados, em razão das elevadas possibilidades de linha de passe desde o início da construção (podendo inclusive ter um dos zagueiros às costas dos atacantes adversários, como faz o Bétis, de Quique Setién). Melhor ainda se um dos zagueiros for híbrido, acumulando as qualidades de um meia. No cenário internacional, Frenkie de Jong certamente é um exemplo importante. No Brasil, um jogador que me parece guardar as qualidades para exercer bem essa função – ao seu modo – é Fábio Santos, do Atlético Mineiro. Com o devido amadurecimento, também vejo Igor Liziero, do São Paulo, quebrando linhas desde os primeiros metros.
Por ora, me parece um bom começo. Estou mais do que disponível para impressões nos comentários. Continuamos em breve.
 
PS: nos meus artigos sobre tática, prefiro numerar as estruturas táticas sem citar o goleiro (4-2-3-1, por exemplo). Evidente que não é por desleixo. Tenho razões para isso e pretendo desenvolvê-las em breve.

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Política e futebol: quando o individual e o coletivo se misturam

Jogadores do Atlético-PR usavam camisetas amarelas no último sábado (06), quando entraram em campo para enfrentar o América-MG pelo Campeonato Brasileiro. Na véspera das eleições presidenciais do Brasil, as peças colocadas sobre o uniforme rubro-negro chamavam atenção por duas razões: o protesto silencioso do zagueiro Paulo André, que preferiu vestir um agasalho preto, e a estampa com a hashtag “vamos todos juntos por amor ao Brasil”, utilizada horas antes por Mario Celso Petraglia, presidente do conselho deliberativo do clube, ao anunciar em uma rede social que apoiaria o candidato Jair Bolsonaro (PSL).
O post de Petraglia, mais assertivo, havia incluído o nome do presidenciável. Na Arena da Baixada, além da camiseta dos jogadores, uma faixa tradicionalmente estendida nas arquibancadas foi editada para substituir “Vamos todos juntos por amor ao Furacão” por “Vamos todos juntos por amor ao Brasil”.
A manifestação política do Atlético-PR foi relatada na súmula por Raphael Claus (Fifa-SP), árbitro do jogo contra o América-MG. E ainda que o CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva) não tenha dispositivos que contemplem exatamente o exemplo de sábado, a procuradoria do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) poderia abrir investigação alegando “caso especial”. Em episódios mais explícitos, até o comitê disciplinar da Fifa poderia avaliar por conta própria e definir sanções.
A despeito da discussão jurídica e de ambos poderem virar assunto para os tribunais, há diferenças fundamentais entre o episódio e o caso do volante Felipe Melo, jogador do Palmeiras, que aproveitou um gol marcado contra o Bahia em 16 de setembro para reforçar, em entrevista à “TV Globo”, apoio ao mesmo candidato. E o ponto basilar da divergência é justamente uma questão de comunicação.
Felipe Melo, pessoa física, pode apoiar o candidato que preferir. Pode até, como personalidade e potencial formador de opinião, aproveitar sua condição privilegiada para fazer campanha e auxiliar pessoas a tomarem decisões. O que ele não pode, na posição que ocupa atualmente, é aproveitar o palanque fornecido por seu empregador e estabelecer vínculos que o Palmeiras não necessariamente defende.
Esqueçam quem é o candidato. A questão, nesse ponto específico, é que o Palmeiras não fez qualquer aceno nessa direção, mas um jogador colocou a equipe no centro de uma discussão política ao expor sua posição individual num momento em que estava trabalhando e vestindo as cores do time.
O advento das redes sociais subverteu consideravelmente a lógica da produção de conteúdo e transformou as pessoas em canais independentes poderosos. O que Neymar diz em suas redes sociais, por exemplo, tem capilaridade em âmbito internacional, algo que outrora seria possível apenas com uso massivo da televisão aberta e que décadas antes simplesmente não acontecia.
Todo posicionamento de personalidades públicas, contudo, carrega consigo as marcas associadas a elas. É por isso que foi tão significativo quando a cantora Pablo Vittar decidiu romper com a marca de sapatos Victor Vicenzza, apoiadora de Bolsonaro, e esse é o mesmo motivo de a comunidade LGBTQ+ cobrar de Anitta uma manifestação de repúdio a posicionamentos e comportamentos do candidato do PSL.
Acontece que Pablo e Anitta são seus próprios empregadores. Felipe Melo pode até dispor de canais e ferramentas independentes, mas no fim responde ao Palmeiras, clube que banca seus salários. Por isso houve uma preocupação tão grande do Tottenham (Inglaterra) quando o brasileiro Lucas Moura, que defende a equipe, declarou apoio a Bolsonaro.
A situação do Atlético-PR é diferente porque partiu de um dirigente. Por lá aconteceu o inverso: a manifestação de Paulo André foi justamente não aceitar a campanha proposta pela equipe.
Nenhum funcionário de empresa é obrigado a participar de campanhas ou manifestações com viés político. No entanto, o inverso nem sempre é verdadeiro: companhias não precisam avalizar qualquer comportamento ou direcionamento público de seus empregados.
Nesse caso, a condução do processo é muito mais simples quando a entidade sabe quem é, se posiciona e explica isso a seus funcionários. Toda marca carrega valores, e entender quais são esses conceitos é parte fundamental da construção de qualquer produto.
Por isso a condução do Tottenham foi mais simples e mais direta. O clube tem ideais e raízes que não condizem com o que Bolsonaro defende, e a manifestação de Lucas foi suficiente para a criação de um grupo de blindagem.
O Atlético-PR pode até não concordar institucionalmente com a manifestação de sábado, mas há um peso diferente quando isso parte do clube. Aí a resposta é diretamente para a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) – seria para uma liga se o futebol brasileiro tivesse fóruns adequados.
A questão é que o futebol brasileiro não trabalha com valores de base. É difícil saber o que pensam e o que defendem os clubes ou as instituições responsáveis pelo esporte em âmbito nacional. Isso apenas reforça o canal direto estabelecido pelos jogadores, cada vez mais dominantes no uso das próprias redes.
Hoje a discussão é sobre política, mas amanhã podem ser outros valores. Um jogador pode defender qualquer tipo de absurdo (qualquer um pode) ou atacar conceitos defendidos por patrocinadores, por exemplo. Pode gerar insatisfação de parte da torcida ou debelar o capital político de uma equipe ao fazer posts ou manifestações sem pensar no todo.
As redes sociais estabeleceram o conceito de que a mídia pode ser um canal totalmente individual, mas a verdade é que somos ilhas bem menores do que algumas pessoas pensam. E que muitas vezes, escolher um lado é também fechar os olhos para o outro.
Não defendo com isso a ausência de posicionamento. Não defendo o centro ou a falta de compromisso. O que eu defendo apenas é que posições individuais sejam individuais e que não se valham de marcas com valores que não são necessariamente os das pessoas.
O Palmeiras pode ser pró-Bolsonaro ou pode ser contra Bosonaro. O Palmeiras só não pode ser obrigado a escolher um lado por causa de uma manifestação de um de seus jogadores. No mundo ideal, faria isso como instituição e caminharia de acordo com suas crenças. No mundo real, tem o direito de temer a polarização e o risco de isso ameaçar o único consumidor que realmente não abandona suas marcas.
 

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O futebolista completo

Durante o prêmio “The Best” da FIFA, para os melhores da temporada, chamou atenção a presença de vários brasileiros no palco. Muito positivo isso, haja vista que no futebol atualmente somos reconhecidos pelos talentos individuais e não pela grandeza dos seus clubes e da sua seleção. Não apenas dentro de campo, mas fora dele também. Não adianta ter sido cinco vezes campeão do mundo se o futebol do Brasil é espelho de um país marcado por tráfico de influência, nepotismo, corrupção, desserviço e falta de governança.

No entanto, não é isso que o texto desta coluna quer se atentar. A retomar a primeira frase desta coluna, grandes conterrâneos distribuíram os troféus para os melhores do mundo e tivemos uma conterrânea melhor do mundo: Marta. Chamou a atenção que nenhum deles falou em inglês, em evento internacional, em que boa parte do mundo parou pra ver.

Há quem diga: que besteira, para quê falar em inglês!?

Não é falar em inglês para pensar em participar em um evento destes. Mas falar qualquer outro idioma para a própria vida, para a formação pessoal e profissional. Conhecimento não ocupa espaço. Por humildade em saber suas limitações e querer corrigi-las. Por respeitar o próximo e a cultura do próximo, assim como você gostaria que fizessem com a sua. Por demonstrar capacidade de adaptação, espírito de equipe e conjunto. Vemos hoje uma formação multidisciplinar em todas as carreiras profissionais. Jornalistas que têm formação também em economia e nos esportes para poder falar destes assuntos. Engenheiros que se especializam em outras áreas a fim de obter conhecimento, visão de mercado e potencializar suas capacidades. Por analogia, Pelé treinava em algumas ocasiões com os goleiros do Santos Futebol Clube para ser exímio nos saltos, que proporcionariam bons cabeceios.

Não duvido que Marta, Ronaldinho, Roberto Carlos, Jackson Follmann, por exemplo, não saibam falar em inglês. Entretanto, naquele momento, saber o idioma estrangeiro poderia ter sido uma mais valia para a imagem e carreira de cada um. Remete a uma conduta profissional, pouco observada no futebol (sobretudo do Brasil) e, por isso, tão valorizada atualmente.

Premiação do “The Best” de 2018 da FIFA. (Divulgação: globoesporte.com)

Diante disso, esses pequenos gestos explicam o porquê de o brasileiro no futebol, quer seja o atleta ou o treinador, quando contratados para atuar fora do país, não são tão valorizados quanto o argentino ou o uruguaio. Diferenças na educação? Sim, talvez na educação da família, uma vez que esta instituição está em crise no Brasil. Mas a educação escolar está ao alcance de todos, sobretudo para esta geração mais jovem. A matemática, a física e a geografia estão para todos. É preciso saber usá-las em cada uma das suas profissões, porque espaço não vai ocupar.

Em tempo: lembro-me de quando garoto uma vez disseram que “tudo o que se lê pelo menos uma vez na vida você vai usar”. É isso mesmo.

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Sabe o que vai decidir o Brasileirão: a Libertadores e a Copa do Brasil?

O final de ano está sendo intenso no futebol brasileiro. Com as competições chegando em suas retas finais, a luta por conquistas e até contra o rebaixamento mexe com o emocional dos torcedores. Ou melhor, não é só o torcedor que tem que ter controle emocional. Os atletas e membros da comissão técnica também. E é justamente esse o ponto que vejo como fundamental tanto para o sucesso como para o fracasso das equipes nesses dois meses finais da temporada.
Todos sabem que sou extremamente crítico com o jogo que praticamos em solo nacional. A falta de ideias, conceitos e conteúdos ofensivos me deixa perplexo, sabendo que historicamente fomos reconhecidos mundo afora pela nossa relação apaixonada com a bola. Contradição maior não há. Pois bem, não será em sessenta dias, em meio a jogos extremamente tensos, que serão trabalhados comportamentos sofisticados de ataque como profundidade, penetrações, apoio, amplitude, etc.
Porém é possível desenvolver crenças positivas e fortalecedoras na mente dos atletas, criando um espírito de equipe coeso, engajado e focado unicamente em vitória, conquista e glória que pode fazer a diferença nas decisões que teremos a seguir.
O papel da liderança do treinador aqui é fundamental. Mas a responsabilidade pode e deve ser dividida. Todo o clube é responsável por propiciar um ambiente campeão ao grupo de atletas. Até o torcedor pode dar sua contribuição. Ou alguém duvida que os treinos abertos do Corinthians não tem um peso decisivo nas recentes vitórias do clube? Ou até mesmo as vaias de um Morumbi e de um Maracanã lotado não abalam a confiança de São Paulo e Flamengo, respectivamente?
O resultado dentro de campo é fruto de todas as interações que acontecem em um clube de futebol. Todos têm um dedo na criação de vitórias e também de  derrotas: o presidente, o diretor, o financeiro, o jurídico, o psicólogo, o nutricionista, o roupeiro e por aí vai.
Vencerá Brasileirão, Copa do Brasil e Libertadores não o melhor time tecnicamente. Mas sim aquele que tiver mais inteligência emocional nos momentos cruciais. A queda de Inter, São Paulo e Flamengo não é apenas uma questão de modelo de jogo saturado. Assim como a ascensão do Palmeiras também não é que o técnico Luiz Felipe Scolari seja um gênio tático. O futebol é jogado no campo de grama, porém é também jogado no campo da mente. Tem o melhor resultado quem for bom em ambos.
 

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Do silêncio da bola às urnas em cólera

Sócrates, entre dois argentinos: que jogador diria hoje que se transferiu de clube para ler Gramsci no idioma original? (Divulgação: Trivela)

 
Ainda era outro dia, quando uma rara espécie da imprensa nacional lançou um debate que poderia, em condições normais, ser até tido como brincadeira, mas era sério. Disse ele, claramente, que política e futebol não se misturam. No esporte, manifestações políticas seriam mera perfumaria, distração para corpos cuja preocupação única deveria ser a performance. Aqueles que ultrapassam a fronteira seriam meros ‘causadores de problemas’. Deveriam, portanto, ser escanteados.
Se a memória não falha, houve muitas críticas ao nosso colega – dentro e fora do esporte. Me parece que agora, às vésperas do mais tenso processo eleitoral das últimas décadas, retomar este debate é quase uma obrigação, sob efeito da sua mais profunda importância. Não pretendo aqui me alongar sobre os motivos que fazem do futebol político – político é tudo o que se passa na polis-, mas gostaria, particularmente, de refletir sobre algumas das ideias que se escondem neste discurso. Vejamos.
A nós, profissionais do esporte, sempre foram imputados os mais diversos predicados – vários deles pejorativos até a raiz. Trabalhar com esporte significa aceitar, a contragosto, uma espécie de marca, uma tatuagem irreparável, geralmente atribuída de fora para dentro. Que marca é essa? É a marca de uma suposta ignorância, de uma suposta inferioridade dada no profissional do esporte na hierarquia das disciplinas. Marca essa que parece herdeira da separação (em nada cartesiana, diga-se) entre mente e corpo. Aos olhos deles, o profissional do esporte seria, simplesmente, um mero refém das atividades do corpo, da educação do físico, de modo que a elas deveríamos nos resignar. Enquanto isso, nossos nobres colegas, das mais diversas áreas, teriam sido presenteados (por uma força divina?) com o talento para as atividades da mente, e para a nobreza estética e social dela derivadas, o que lhes colocaria em uma espécie de panteão. Ou seja, temos aqui um discurso determinista: os profissionais do esporte fomos determinados, marcados (como um gado) a trabalhar com o corpo, enquanto aos outros, pretensiosamente, foi dada a primazia da razão. Nós não precisaríamos pensar: eles pensariam por nós. Basta que aceitemos as decisões de um grupo de notáveis– como alguém propôs outro dia.
Nós sabemos muito bem sobre os elevados perigos do empréstimo do nosso pensamento. Mas, em linhas gerais, todo este panorama nos imputa uma consequência imediata: o silêncio. Em todas as suas vertentes. O problema é que ouvir o silêncio requer absoluta atenção. Repare bem como o silêncio, à sua forma, desliza pelas mais diversas camadas do esporte. No futebol, não seria diferente: árbitros não dão entrevistas. Não estão autorizados a falar. Para além dos apitos inicial e final, é como se simplesmente não existissem. Treinadores e treinadoras, por sua vez, dão inúmeras entrevistas (até demais), mas sabem perfeitamente o que não deve e, especialmente, o que deve ser silenciado. Há coisas perigosas demais a se dizer. Mesmo nossos colegas jornalistas, para quem a liberdade é tida como tão nobre, sabem muito bem o que não pode ser dito. Quando se diz, o silêncio é imposto. Ou seja, além de não nos ser seriamente dado, desde o primeiro instante, o direito ao debate, ainda estamos sob efeito constante da censura alheia. Por isso, silenciamos. Repare bem o ninho em que estamos colocados.
Assim, não me admira que estejamos, como dizia Bernardo de Claraval, sob uma luta de duas espadas: uma do silêncio, outra do desdém. O profissional do esporte, no seu mais legítimo direito ao debate, ou parece não ser levado a sério, ou sequer se manifesta, como se já estivéssemos sob efeito da resignação de que falamos acima, como se estivéssemos profundamente anestesiados. Não me admira, portanto, que soe uma obscenidade quando recorremos à nossa veia política. Ainda que vários dos nossos colegas não demonstrem qualquer interesse neste debate (o que é gravíssimo, pois é assim que se constitui a exploração), há vários de nós que se dedicam, como deve ser, a real compreensão da situação convulsionante que aflige o país e que nos leva, a cada dia, a dançar uma valsa à beira do abismo. Nestes casos, repare que a censura não ocorre apenas pela posição política, mas porque o debate parte do esporte (mesmo fenômeno que se sucede, aliás, com os artistas, cada vez mais censurados em razão dos delírios dirigidos à Lei Rouanet). Imagine você o que seria de Laia Palau – capitã e maior referência da seleção espanhola de basquete – se fosse ela brasileira e revelasse, como fez na última semana ao El País, seu ‘perfil comunista’. Qual seria o nível das reações? Quantos de nós, supostos baluartes do bem, não seríamos absolutamente violentos por uma pura discordância ideológica?
Silenciado pelos outros e por nós mesmos, não me admira que o esporte (e o futebol) tenha acumulado tamanha repressão, que se manifesta na nossa vivência diária, nos nossos treinos, no nosso modelo de jogo, ou em um período tão sensível, como é o eleitoral. Não me admira que aceitemos, por exemplo, soluções simplórias para problemas de tamanha gravidade como os que se criam aqui. Da mesma forma como não resolvemos as contradições das nossas equipes a partir de frases feitas – não por acaso, temos sido tão aliados dos paradigmas sistêmicos/complexos e etc -, por que os mesmos devaneios, que não servem para o futebol servem, serviriam para solucionar os conflitos um país tão elaborado, tão profundamente desigual como o Brasil?
Neste exato instante, é preciso traçar uma linha e dizer que, daqui em diante, não mais. Não mais emprestamos nosso pensamento, pois não estamos à venda. Não nos silenciamos, porque não somos instrumentos da dominação alheia. Não nos damos, em hipótese alguma, o direito à intolerância, ao engano, ao flerte com o fascismo, à negação paranoica dos fatos, às mais absurdas fake news, pois em nada disso reside a natureza solidária do esporte e as soluções que realmente desejamos como sociedade, mas só podem ser um retrato flagrado por quem se vale das agruras de um povo tão sofrido para atender aos interesses alheios. Sob uma feição tão bela, surge uma grande miragem, um engano que desloca nosso legítimo protesto não para uma voz de real mudança, mas para um simples patrocínio da selvageria e da barbárie, que nos explora sob os panos e, não bastasse isso, que ainda nos faz comprar, cegamente, este discurso.
E, ao fim, voltamos ao lugar de onde partimos. Em silêncio.
Até quando?

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Manifestações políticas e o marketing no esporte

São vários os atletas de destaque no futebol do Brasil que se posicionaram em torno dos seus candidatos favoritos dos mais diversos cargos eletivos para o sufrágio do próximo domingo. Uns mais escancarados, outros mais comedidos, mas manifestam-se. Delicada situação, uma vez que pode não refletir o posicionamento do clube para o qual trabalham, e acabar por interferir na imagem percebida que a instituição persegue. Em certos casos, podem colocar a torcida – ou parte dela – contra (ou a favor) e interferir em algo que é sagrado: “o vestiário”, ou seja, mexer com as relações de trabalho entre os colegas de profissão.
Em primeiro lugar o futebolista possui opinião e, em muitos casos, é formador dela. Antes disso, cidadão com direitos e deveres. É natural que existam preferências, encadeadas por diversos fatores. Outrora desincentivada, por motivos históricos de coerção e repressão, atualmente tergiversar diante das provocações que desafiam o país (pobreza, desemprego, violência e corrupção) pode representar falta de compromisso. Omissão. A sociedade confere tanto valor e significância aos atletas de destaque que, hoje em dia – também não mais como antes -, cobram algo de volta. E não há nada de errado em ter estas opiniões.
Afinal de contas, de acordo com o artigo número 5 da Carta Magna da República, é livre a manifestação do pensamento.

Elenco do SC Corinthians Paulista no início dos anos 80 incentivando a participação nas eleições (Reprodução: Instagram)

Nesse sentido, cabe ao clube que emprega o atleta elaborar comunicação interna acerca de manifestações políticas, a fim de preservar o relacionamento entre colegas de trabalho. Tudo isso para que não se perca o foco do objetivo comum da organização, que são resultados esportivos e financeiros. De modo algum desincentivar a manifestação, mas ao publicá-la, que seja provida de bom senso. Vivemos em ambiente repleto de intolerância e mal entendimento. Qualquer ruído na comunicação pode ter uma ruim consequência. Ao mesmo tempo, sempre houve um desalento quanto à participação da sociedade brasileira em um processo eleitoral, como rescaldo dos tempos do regime de exceção. Entretanto hoje estamos em uma democracia, este processo está ao alcance de todos, portanto, todos têm responsabilidade nele. A participação deve ser sadia para gerar inquietações saudáveis.

Na Espanha, mesmo com uma orientação regional que o Athletic Bilbao possui, é incomum observar seus atletas fazerem manifestações pró-independência do País Basco. No FC Barcelona em relação à Catalunha, alguns (poucos) fazem manifestação similar, mas não chegam a ser radicais, mesmo o catalonismo sendo política institucional do clube. Por outro lado, o Sankt Pauli da Alemanha é conhecido pela tolerância religiosa, sexual e de inclusão de minorias étnicas. Mesmo assim, quando seus funcionários tornam públicas as suas declarações, é feito com bastante bom senso.

Atletas do SC Corinthians Paulista com faixa em referência à Democracia, no início dos anos 80 (Foto: Antônio Lúcio/Agência Estado)

Portanto, é preciso se manifestar. Ao mesmo tempo, perceber que há uma multidão que pensa diferente de você. O bom exercício destas manifestações se dá a partir do respeito à opinião do próximo e do outro em relação à sua. O debate destas ideias, com tolerância, a fim de atingir propósitos comuns, dentro de um plano comum para toda a sociedade, rumo à justiça social, é capaz de transformar este país.

 

Em tempo: boa eleição a todos!

Em tempo 2: nesta semana faz ‘aniversário’ o “Massacre do Carandiru”, um dos episódios mais vergonhosos do nosso país.