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O Jogo Limpo e o Marketing do Futebol

Em gesto de desrespeito ao “fair-play”, o Leeds que jogava em casa fez um gol sobre o Aston Villa, em jogo pela segunda divisão da Inglaterra. Depois de muita confusão dentro e fora de campo, o Leeds, orientado pelo treinador argentino Marcelo “El Loco” Bielsa, permitiu que o Villa empatasse, sob vaias da torcida e inclusive com alguns jogadores contrariados.

A atitude de Bielsa é nobre. Em um ambiente extremamente competitivo, gestos como o do treinador do Leeds são raros. Procura-se a vitória a qualquer preço, o triunfo vale qualquer custo, não importa o meio, nem o adversário. Será que vale mesmo?

É preciso fazer esta pergunta porque as organizações envolvidas no esporte precisam se questionar: “de que maneira queremos ser lembrados”? “Como queremos que se lembrem de nós”?

Foi esta pergunta que a Ministra do Esporte e da Juventude da França fez aos jogadores da seleção seu país que jogou a Copa do Mundo da FIFA de 2010, na África do Sul. A equipe francesa, naquela ocasião, passava por crise de hierarquia, com declarações públicas desrespeitosas entre os membros da delegação.

Nesta linha de pensamento, é a mesma coisa que Guardiola disse sobre o uso do VAR após um gol de Sterling ter sido anulado contra o Tottenham, pela Liga dos Campeões da Europa, o que eliminou o Manchester City do torneio. O treinador catalão não reclamou do uso da tecnologia. Pelo contrário, fez uma declaração sensata. Disse que não foi justo sua equipe ter se classificado através de um gol irregular em torneio que não havia o árbitro de vídeo.

É questão de bom senso.

Há os que dizem: “ah, mas você não sabe o valor de uma taça, de uma medalha ou de um torneio”. Ora, posso não saber como profissional de futebol, no entanto, os gestos de Bielsa e de Guardiola, cujos currículos são incontestáveis, já validam estas ações de bom senso. Como se isso precisasse de validação. Infelizmente, precisa né?

Jogadores do Aston Villa se revoltam com atleta do Leeds após ele haver marcado gol em que faltou “fair-play” da equipe de branco. (Photo by Alex Dodd – CameraSport via Getty Images)

 

O jogo limpo, além de projetar a boa conduta, a lisura e a polidez, valores essenciais para o convívio, promove a justiça do espetáculo esportivo bem como a não interferência de fatores externos ao jogo que podem influenciar o resultado. A partir do momento em que o público suspeitar que isso exista, o esporte perde a credibilidade e afasta um dos seus principais elementos: o torcedor.

Portanto, o jogo limpo deve ser lembrado sempre e valorizado a todo custo. O bom exemplo chega às pessoas, atinge as crianças e, à prazo, é capaz de transformar uma sociedade. Isso também é papel do esporte, neste caso em específico, do futebol.

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Em tempo mais uma frase desta coluna:

Nunca foi. Ambição, desejo de se tornar herói nacional e ganhar mais dinheiro sempre foi mais forte.

Tostão,

campeão mundial de futebol em 1970, sobre em o alto-rendimento no esporte ser lugar para desenvolver valores morais e éticos.

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Porque falei que o Corinthians seria campeão

O futebol é apaixonante porque é imprevisível. Tudo pode acontecer. É uma caixinha de surpresas. Por trás desses chavões, há uma verdade absoluta sobre a natureza aleatória do jogo. Porém, nem tudo é acaso. Senão, não haveria a figura dos treinadores, preparadores, analistas e todos que trabalham para aumentar as probabilidades de suas equipes vencerem. O sucesso não é acaso. E não é acidente. E na figura de quem é pago para opinar sobre o jogo me sinto na obrigação de estudar e entender elementos para traçar prognósticos. Mesmo sabendo que tudo pode cair por terra em questão de segundos. Cravei há algumas semanas que o Corinthians seria campeão paulista. Só que para mim a final seria contra o Palmeiras e não contra o São Paulo. Acertei. Errei. Faz parte. Mas me posicionei com base nas minhas ideias.
Quando escrevo um texto ou falo tanto na TV como no rádio sou cem por cento razão. Para mim é muito fácil e natural tirar qualquer sentimento quando estou debatendo futebol. Juro. Minha vida não vai mudar em absolutamente nada se o campeão for ou o time A ou o time B. Reconheço que a paixão do torcedor é o grande alimento da indústria do futebol. Mas eu sou um profissional. Minha torcida é pelo meu trabalho, pelas minhas emissoras. Me sinto extremamente confortável para falar tudo o que penso com base em minhas impressões e não por gostar ou deixar de gostar de qualquer clube.
Coloco tudo isso porque fui taxado de corintiano quando cravei o título da equipe do técnico Fábio Carille. Amigos e amigas: considerei vários aspectos para dar esse palpite. E nenhum deles foi sentimental.
O Corinthians seria, como foi, campeão porque tem o time mais equilibrado do estado. E aqui o termo equilíbrio tem o viés mais amplo, complexo e sistêmico que você possa considerar no futebol. É claro que ofensivamente essa equipe pode entregar muito mais. Porém, o sistema defensivo corintiano consegue compensar quando com a bola o time não produz tanto. Por mais que possamos falar de tática, no final será o aspecto técnico dos jogadores que fará a diferença. Como negar o caráter decisivo de Cássio, Fágner, Ralf, Jadson (fora de forma, é verdade) e Vágner Love? O Santos tem esse tipo de jogador? O São Paulo tem? Talvez o Palmeiras tenha. Mas não com a fome desse elenco corintiano, brilhantemente comandado por Fábio Carille, técnico que de troféu em troféu vai alicerçando todas as suas competências técnicas e interpessoais. Sem falar no ambiente de jogo de Itaquera que é diferente dos demais estádios.
O ponto desse texto não é me vangloriar. Longe disso. O São Paulo foi gigante e poderia ter vencido nos pênaltis. Mas quero ressaltar que sempre que eu opinar sobre algo será com a razão. Com minhas convicções. Que podem falhar. Podem não ser verdade. Só que jamais usarei predileção por A ou por B. Não tem espaço para isso no meu trabalho. E escrevi tudo isso também para parabenizar o Corinthians. Não é o que joga mais bonito. Mas é o que joga melhor no estado de São Paulo. Merecidamente, o campeão.
 

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Sobre o árbitro de vídeo: uma crítica necessária

Nestor Pitana, revisando um lance qualquer: (injustamente) criticado na Final da última Copa do Mundo. (Reprodução: Medium)

 
Desde que o uso do árbitro de vídeo foi oficializado, já faz algum tempo, guardo comigo diversas ressalvas sobre o protocolo. Para não ser traído pela pressa, decidi esperar um pouco, bastante até. O fato é que vários dos questionamentos, que surgem aqui e ali, confirmam minhas inquietações iniciais. Este, portanto, será um texto crítico. Até porque elogios ao modelo atual do VAR não faltam.
Só que minhas ressalvas ao protocolo são um pouco diferentes daquelas de alguns colegas. Na verdade, não me recordo de tê-las visto ou ouvido em algum lugar – outro motivo porque escrevo este texto. Divido minhas críticas em três blocos: I) a arbitrariedade dos lances capitais; II) a centralidade do processo na equipe de arbitragem; III) a impossibilidade de progresso humano neste protocolo.
Espero tanto apresentar uma crítica de bom nível quanto demonstrar aos colegas aquilo que, ao menos aos meus olhos, parece claro: este modelo do árbitro de vídeo não deixa o jogo ‘mais justo’.
Vejamos.

***

Este protocolo parte de uma premissa muito clara: existem lances dignos de serem revisados e lances indignos de serem revisados. No léxico do VAR, são ‘lances capitais’. Uma falta leve, sobre a linha da grande área (logo, pênalti), pode ser revista. Uma falta leve, dois metros antes da linha, não. No papel, o protocolo não deixa dúvidas: o assistente de vídeo (termo oficial, que usarei daqui em diante) só pode ser chamado em lances de gols, pênaltis, cartões vermelhos e para identificação de jogadores.
Muito bem, a definição a priori dos lances que podem ser revistos já está feita, restando aos árbitros aplicar o protocolo. O que isso significa? Significa, implicitamente, que o árbitro sabe que terá suporte em quatro situações do jogo de futebol (supostamente decisivas, ou mais decisivas do que as outras), mas em todas as outras terá o auxílio dos próprios olhos. Objetivamente, isso causa um enorme problema, uma vez que a categorização dos lances potencialmente revisáveis é não apenas arbitrária (qual o critério para se definir o que são lances capitais?) como é também absoluta, ou seja, ignora o caráter relativo, contingente e simbólico dos lances não-binários (sim/não, dentro/fora) que soam secundários na aparência, mas ganham valor dentro do jogo jogado.
Como um capricho do destino, este gargalo ficou nítido exatamente na Final da Copa do Mundo da FIFA (ainda que os mais ferrenhos defensores, que não podem mais recuar, tenham feito vistas grossas). Antoine Griezmann caiu, próximo à área e ao árbitro Nestor Pitana. Este, por suas limitações humanas, não percebeu que havia sido ludibriado – coisa que o replay mostrou claramente. Nesta falta (que não houve) Mandzukic desviou para o próprio gol, e a França abriu o placar, aos 17 minutos do primeiro tempo. Pelo protocolo, o assistente de vídeo não poderia ser acionado, uma vez que a situação não se enquadra na categoria de lances capitais, que citamos acima. Ou seja, uma falta inexistente, que resulta em um gol decisivo, numa Final de Copa do Mundo, não pode ser corrigida pelo vídeo, ainda que ele (e o mundo inteiro) soubesse que se tratava de um equívoco. Para poupar o protocolo, houve até quem criticasse severamente o árbitro.
A única razão para existência de um assistente de vídeo é enxergar aquilo que o olho humano não consegue ver. Quando o protocolo, por qualquer motivo, leva à omissão, é porque algo está grosseiramente equivocado.
Através de um protocolo arbitrário, que separa a priori quatro situações capitais e se abstém em todas as outras, não é possível imaginar que o jogo de futebol esteja ‘mais justo’.

***

O segundo problema deste protocolo me parece mais escandaloso. Basicamente, se trata do seguinte: todo o processo, de revisão ou não-revisão, está inteiramente centralizado na equipe de arbitragem. Ou seja, além de restringir as situações de revisão (como vimos acima), o protocolo lança mão de um artifício tanto particular quanto perigoso: embora a decisão final seja ‘sempre do árbitro de campo’ (falaremos disso abaixo), a decisão do que será ou não revisto está inteiramente nas mãos do assistente de vídeo.
Esta é, claramente, a maior fraqueza deste protocolo, por uma razão muito simples. A eficiência deste VAR, ao contrário do que dizem os entusiastas (com fantasiosos % de acertos e etc), não se mede apenas nos lances em que o vídeo é acionado, mas se mede especialmente nos inúmeros lances em que o vídeo, por imprecisão ou omissão, não é acionado. Basicamente, isso dá ao assistente de vídeo uma espécie de poder moderador, capaz de controlar a narrativa do jogo como bem entender. Ele pode tanto convidar o árbitro a revisar lances absolutamente questionáveis, como também pode se abster em situações idênticas ou até mais graves (como vimos desde a Copa do Mundo, diga-se). Desta forma, dizer que a decisão final é ‘sempre do árbitro de campo’ tornou-se muito mais um slogan, uma maneira perspicaz de amenizar a pesada mão do vídeo na decisão do árbitro, do que algo factual. No caso da Copa do Mundo, onde a transmissão oficial criava um  misancene cinematográfico, este VAR levava ao limite a impressão que mais me ocorre até hoje: um protocolo limitado, mas fantasioso. Repare, aliás, como a ausência deste mesmo misancene contribui para as críticas que nascem aqui no Brasil.
Na mesma linha, é impossível não se questionar por que não são liberadas as conversas entre árbitro de campo e vídeo (mesmo que no modelo da Fórmula I, por exemplo), ou quais são as garantias de que o assistente de vídeo não dá indicações aos árbitros para além do protocolo (cartões amarelos e similares). Evidente que não estou questionando a boa-fé da arbitragem, não é disso que se trata. É tão somente uma questão de lisura no processo.
Através de um protocolo que centraliza todo o processo na equipe de arbitragem, especialmente na escolha dos lances que devem ou não ser revisados, sabendo das reais (e recorrentes) possibilidades de omissão, não é possível imaginar que o jogo de futebol está ‘mais justo’.

***

Por fim, me assustam não apenas a capilarização irrefletida do discurso pró-VAR (os críticos são imediatamente chamados de ‘terraplanistas’ e outras bobagens), mas como não se discutem as consequências, especialmente humanas, decorrentes do protocolo. Basicamente, me parece que este protocolo, da maneira como está posto, deixa os árbitros substancialmente mais pressionados. Basta perceber como poucas rodadas de uso no Brasil já foram suficientes para as narrativas viralatistas que dizem que ‘árbitros brasileiros não sabem usar o VAR’, ‘o problema está em quem usa, não no sistema’ e adjacentes. Não acho que seja este o ponto.
O objetivo (aparente) deste protocolo é diminuir o % de equívocos da arbitragem, especialmente em lances capitais. Se você preferir, este modelo almeja melhorar a qualidade da arbitragem. Mas, repare bem: melhorar a arbitragem não significa, necessariamente, um comprometimento para melhorar o nível dos árbitros. São coisas diferentes. Passado quase um ano da liberação do VAR no Brasil, não somos capazes de dizer que nossos árbitros melhoraram de nível. Não porque eles não sejam capazes, claro que não. Simplesmente porque não existe nenhum interesse do protocolo neste sentido.
Quando escolhe pela arbitragem, sem passar pelos árbitros, o protocolo decide pela impessoalidade, por um caminho em que árbitros se tornam um meio, uma ferramenta, ainda que mais expostos. Na verdade, me assusta como o discurso da impessoalidade é comprado com tamanha ferocidade (‘o VAR é o futuro!’, ‘não se escapa da tecnologia!’), sem que a mesma energia seja investida no desenvolvimento dos árbitros em geral. Acompanho, com alguma proximidade, vários dos maiores defensores deste modelo, e não me lembro de tê-los visto defender, com a mesma assiduidade, a profissionalização da arbitragem no Brasil – na minha opinião, debate obrigatoriamente anterior ao da implementação do assistente de vídeo. Ou seja, espera-se que os árbitros brasileiros, que sequer vínculo empregatício têm, tenham o mesmo percentual de acerto, a mesma fluidez no protocolo de profissionais de outros países, que simplesmente vivem do apito. Me parece moralmente assustador.
Ao meu ver, além de não demonstrar qualquer interesse na melhora do nível dos árbitros, o protocolo ainda consegue, sutilmente, aumentar a pressão sobre toda a equipe de arbitragem, para quem os equívocos, de qualquer natureza, serão cada vez mais inadmissíveis, em nome da lógica doentia da eficiência a qualquer custo. É por isso, se ainda não ficou claro, que há tantos diálogos entre os árbitros de campo e vídeo aqui no Brasil, porque o direito ao erro, aqui, inexiste ainda mais, e os árbitros, sabedores disso, tentam se proteger como podem. No médio/longo prazo, não me surpreenderia se este modelo levasse os árbitros próximos ao esgotamento mental, exatamente em função da pressão desumana a que são e serão submetidos.

***

Ao contrário de alguns colegas, acho frágil o argumento que diz que bastam ‘alguns ajustes’ no protocolo, que ele será ‘aprimorado’ e etc. Não é disso que se trata. Na minha opinião, é preciso um forte deslocamento no protocolo. E isso significa debater seriamente a adoção de um sistema de desafios. Por quê?
Porque a definição de um lance capital não é absoluta e a priori, é relativa e contingente, o que significa que o valor de um lance só pode ser medido em associação ao jogo jogado. E melhor, pode muito bem ser medido por quem joga, não apenas pela equipe de arbitragem. Ao invés de centralizar a abertura de uma revisão nos árbitros, basta deixar com as equipes o direito de pedir revisões quando bem entenderem, talvez na mesma lógica do tênis (imagino duas revisões por equipe, retirando uma para cada chamada equivocada). Este simples deslocamento teria amenizado absolutamente todos os problemas citados por mim acima. Da mesma forma, teria diminuído sensivelmente as recentes reclamações sobre o uso do VAR nos estaduais. Para aqueles que acham que o assistente de vídeo também é um atrativo ao jogo (?), estaria aí um argumento importante, uma vez que a chamada das revisões deveria ser estratégica, por motivos óbvios.
Entendo que o vídeo pode vir a ser de grande auxílio para o futebol e que a ‘tecnologia’ (ainda que não se saiba exatamente o que isso significa) pode contribuir com o jogo de futebol com a vida vivida. No protocolo atual, me parece, a contribuição é mais aparente do que factual, pelos motivos que expus. Além disso, lembre-se o protagonismo é e deve sempre ser humano. Ou encaminhamos, em um futuro próximo, para a substituição de árbitros, treinadores, jogadores e das próprias pessoas, sob a premissa de um suposto ‘progresso’.
Ainda que este ‘progresso’ seja ilusório.
 

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As pedras do caminho

A violência que sofreu a delegação da Sociedade Esportiva Palmeiras há uns dias, quando teve o ônibus atacado por pedras atiradas por torcedores instantes antes do jogo contra o Atlético Junior/COL é de deixar qualquer um incrédulo. As pedras poderiam ter acertado um atleta, provocado lesões – irreversíveis, inclusive. É inexplicável. Não é normal.

Há os que dizem: “ah, mas são torcedores mais exaltados”. Ora, isso não é torcer. Não é normal aceitar estes episódios de violência. Não há motivos, não há razões. Colocar em risco a vida de uma pessoa por questões fúteis, por mais importante que seja o esporte e especificamente o futebol, é injustificável. Há dias bons e há dias não tão bons. Uma hora se ganha, outra se perde. E há outros atletas e equipes em dias melhores que os da equipe que você torce. Qual o problema em não entender que a dinâmica do esporte e da vida passam por isso? Em outras palavras, a vida do torcedor não muda.

Torcedores invadem campo em jogo do futebol francês. (Foto: Divulgação)

 

É a organização, a instituição, no caso o clube, a equipe – e somente – que deve refletir sobre os resultados obtidos dentro e fora de campo. Eles sim precisam dos resultados e o ambiente em que trabalham já há uma natural pressão que coloca os atletas à prova o tempo todo: quer seja no treino, quer seja no jogo, quer seja com a família, com os amigos e fora de campo, afinal são pessoas públicas e estão sob constante vigilância. Há quem goste disso, mas há os que não. Gostando, ou não, o monitoramento muitas vezes ultrapassa a intimidade e é capaz de incomodar e afeta o trabalho. Coloque-se no lugar deles ou imagine o seu trabalho tendo a projeção pública como a que eles têm. 

No entanto, existem hipóteses em que é possível entender uma das origens desta violência. Uma delas é a gestão amadora de outrora, cuja conivência e o compromisso com pessoas com o objetivo de desestabilizar e causar situações – como a que a delegação alviverde passou – acabam por colocam o clube no limite. Essa desestabilização é capaz de gerar desconforto e, a prazo, mudar o rumo da instituição a fim de favorecer certos grupos. Típico de uma administração voltada para “dentro” e não para o mercado, para de fato todos os torcedores do clube. A impunidade, a conivência e o histórico de convívio com este tipo de situação ainda favorecem a existência deste comportamento em muitos clubes em todo o país.

Comportamentos como este apenas destroem. Não constroem, não agregam, não geram valor. Afastam os torcedores, afastam o público, sobretudo as crianças, que vão buscar outras opções de paixão (sim, paixão) e entretenimento. É questão de tempo as grandes indústrias de entretenimento esportivo do planeta (Manchester City, Liverpool) terem unidades de negócios (leia-se equipes esportivas) no Brasil. O mercado consumidor é vasto e com bom poder aquisitivo.

Portanto, é preciso romper com o que é anormal, com o que é imoral. Deixar de ser conivente com práticas do passado, como a violência (que nunca foi mesmo normal). Respeitar o próximo (neste caso o atleta profissional) em todos os setores da sociedade para que passo a passo possamos construir um país melhor, mais justo e decente. Que não tolere o que não é normal não apenas no universo do futebol.

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Em tempo mais uma frase desta coluna: 

Os cartolas pecam por ação, omissão ou comissão.

Armando Nogueira (1927-2010)

 

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#festanafavela, sim!

Sem treinador desde a saída de Levir Culpi, o Atlético-MG esperou o término do Campeonato Cearense para apresentar uma proposta a Rogério Ceni, que no último domingo (21) ergueu a taça regional comandando o Fortaleza. Se ele aceitar a proposta, será o quarto técnico a deixar uma equipe da elite nacional após os Estaduais, na semana que antecede o início do Brasileirão (Alberto Valentim, Lisca e Mauricio Barbieri já haviam saído, respectivamente, de Vasco, Ceará e Goiás). Passamos anos dizendo que os torneios locais valem pouco ou que tiveram seu significado debelado nas últimas décadas, mas os percalços vividos nos quatro primeiros meses da temporada custaram o emprego de oito profissionais que comandavam times da Série A. Afinal, seja nas demissões, nas contratações ou no tratamento dado a cada certame, o que os clubes brasileiros mostram ano após ano é que o elemento mais difícil de ser encontrado por aqui é a convicção.
Valentim, por exemplo, levou o Vasco ao título do primeiro turno do Estadual do Rio de Janeiro e à decisão da competição. Foi subjugado pelo Flamengo, que tem incomparável poder financeiro, elenco mais vasto e um trabalho mais sedimentado. Em termos de desempenho, era impossível esperar algo maior do comandante cruzmaltino. Pesaram contra ele, portanto, dois fatores: o desempenho e o “vestiário”. Se a demissão estivesse baseada no primeiro motivo, poderia representar até uma evolução de pensamento por parte dos dirigentes da equipe carioca. Contudo, o fator preponderante para a saída dele foi justamente o outro – a relação deteriorada com o grupo de jogadores.
É grande a lista de treinadores que perdem seus empregos no Brasil pela mesma razão. Foi assim com Roger Machado no Palmeiras, por exemplo: os números não eram absolutamente desfavoráveis, o time ainda estava vivo em todas as competições e o desempenho caminhava para uma ideia proposta meses antes, mas a diretoria não suportou ver que o técnico não tinha controle absoluto sobre o grupo de jogadores. Preferiu trocá-lo por Luiz Felipe Scolari, dono de longo histórico vencedor à frente do time alviverde e de uma persona mais assustadora para o elenco. O título do Campeonato Brasileiro de 2018 é um argumento a favor da decisão da cúpula do clube, mas foi o suficiente para quem investiu tanto?
O desafio que está posto para os treinadores de futebol no Brasil não é construir times ou fazer com que suas equipes joguem bem. A meta é vencer, e se possível vencer com absoluto controle do que os jogadores fazem no campo ou fora dele. É uma esquizofrenia entre buscar os fins sem pensar nos meios, mas ao mesmo tempo controlar episódios que têm pouca ou nenhuma influência para o contexto.
Enquanto isso, não se discute a qualidade do jogo. Se Valentim fosse bem-sucedido à frente do Vasco, por exemplo, estaria no patamar de Fabio Carille, treinador extremamente vitorioso no Corinthians, mas outro que falha miseravelmente quando precisa apresentar qualquer ideia de jogo. É um profissional pronto para identificar problemas e corrigi-los, mas ainda não demonstrou repertório para propor soluções que não sejam reativas. Seus times são seguros, mas pobres, e por isso a vitória é o único caminho para validá-los.
O torcedor que acompanha futebol pode dizer que pensa apenas na vitória, mas isso contaria apenas parte da história. A paixão que as pessoas nutrem pelo jogo não advém de triunfos ou de conquistas, mas da narrativa. O torcedor festeja taças, é claro, mas o que ele quer é se sentir emocionado com um espetáculo – e essa emoção pode nascer de diferentes caminhos.
Pergunte a um torcedor do Santos, por exemplo, e ele poderá relatar a alegria que é ver um novo garoto surgindo e carregando a camisa que já foi de nomes como Pelé, Pepe, Pita, Robinho ou Neymar. Pergunte a cruzeirenses ou palmeirenses o que significa o jogo bonito e a importância de suas equipes serem conhecidas nacionalmente como símbolos do jogo bonito. Veja um atleticano, um corintiano ou um gremista fazer loas à raça de seus atletas e à relevância da dedicação como definidor de uma partida. Há muitos aspectos cativantes no jogo, e a vitória nem sempre é um deles.
A situação de quem renega a história é sempre mais frágil, e a constante troca de treinadores no futebol brasileiro tem a ver com isso. Num mundo em que falta convicção e o que se vende é apenas a vitória, sempre haverá mais insatisfeitos do que torcedores comemorando.
É justamente por isso que os clubes precisam abraçar suas histórias nos departamentos em que há essa possibilidade. Se o futebol é pragmático e prefere sucumbir aos caminhos fáceis usando a muleta da modernização ou da falta de talento, a comunicação e a gestão têm obrigação de entender as raízes das agremiações enquanto produtos.
Tome como exemplo a comemoração do título brasileiro do Palmeiras no ano passado, sequestrada por políticos ávidos por alguns segundos de fama. Ou o que aconteceu no domingo, em plena Arena Corinthians: o time alvinegro foi campeão em casa, superando um grande rival, e o presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo dividiu com o goleiro Cássio, herói do título, a primazia de erguer a taça. Isso sem falar em um senador que invadiu a festa alvinegra a ponto de ter deixado o estádio com uma medalha destinada aos atletas vencedores.
O Corinthians, lembremos, é o time da “democracia corintiana”, um dos movimentos políticos mais relevantes da história do esporte brasileiro. É um clube popular, cujo alicerce está colocado na periferia da capital paulista. Há muito significado contido nesses capítulos do passado alvinegro, e qualquer associação política feita no presente deve considerar fortemente os laços estabelecidos naquele período. Não há uma obrigação de posicionamento à esquerda ou à direita, e tampouco existe uma necessidade de apoiar ou rejeitar determinados políticos, mas o clube precisa ter diretrizes e entender quais caminhos são mais eficientes no processo de aproximação com o torcedor.
O Flamengo tem feito exatamente o contrário disso. O clube que se orgulha de ser o mais popular do país, outro que tem raízes extremamente ligadas às camadas menos abastadas, tomou decisões institucionais que acabaram ganhando mais relevância do que o título conquistado sobre o Vasco. A principal delas foi o veto à expressão “#festanafavela”, algo comum entre os torcedores rubro-negros. Segundo reportagem publicada no último sábado (20) pelo jornal “Extra”, a X-Tudo, empresa responsável por administrar as redes sociais da equipe, vetou o uso do termo por entender que geraria uma associação a um contexto de violência.
O veto apareceu em mensagem distribuída pela própria X-Tudo aos funcionários que participam da administração das redes sociais do Flamengo, e a nota oficial em que o clube tentou desmentir a informação conseguiu ser ainda mais antipática do que essa clara tentativa de se voltar contra a própria história.
A condução da história consolida um momento especialmente conturbado para a imagem do Flamengo, que já havia cometido seguidos erros de comunicação e posicionamento na gestão de crise do incêndio ocorrido em um de seus centros de treinamentos. São nítidas a letargia e a dificuldade para dimensionar o tom nos posicionamentos recentes.
Também tem sido complicado o posicionamento político da atual diretoria, que tem oferecido espaço nos eventos do clube a um político que ficou famoso por ter quebrado uma placa em homenagem à vereadora Marielle Franco, assassinada no Rio de Janeiro – ela era, aliás, torcedora da equipe rubro-negra.
O Flamengo recente tem feito de tudo para mostrar sua aproximação com políticos de um espectro mais conservador – o que não é proibido, diga-se, mas é um erro se partir de posicionamentos pessoais em detrimento de valores do clube. Já passou da hora de a atual diretoria explicitar quais são as predileções institucionais da equipe, o que acabaria com qualquer discussão sobre A ou B participarem mais ou menos do cotidiano.
Da mesma forma, o veto à “#festanafavela” é uma tentativa de elitização que demandaria um processo mais aberto e menos sussurrado. O Flamengo é e sempre foi povo, e não vai ser apenas com medidas assim que o clube conseguirá se afastar de sua história. Se é outra a imagem que a diretoria deseja, que isso seja dito de forma clara.
No fim, o que se viu no domingo foi um uso de “#festanafavela” entre torcedores, jogadores e funcionários do clube. A tentativa de sequestrar os valores que formaram a imagem de uma das instituições mais populares do país ainda não encontrou alguém que a encampe de peito aberto. E assim como acontece em campo, ninguém vira as costas para a história impunemente.
 

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Pare de falar intensidade para tudo!

Um dos termos que mais se ouve atualmente no futebol é intensidade. Tal time foi intenso por isso venceu. Ou o contrário: faltou intensidade a equipe e por isso ela saiu de campo derrotada. É claro que usar uma única palavra para descrever um conceito amplo é uma habilidade linguística. Porém, nesse caso, ao invés de ajudar, usar a todo momento a palavra intensidade em qualquer análise de jogo é reduzir e até se equivocar para sintetizar as ações dentro de campo.
Vale contextualizar que as primeiras pessoas a estudarem no futebol foram os preparadores físicos. Eles vieram das universidades e trouxeram o termo intensidade evidentemente pelo viés físico. Só que em uma carga de treino, por exemplo, intensidade é apenas um dos elementos: temos também densidade, volume, carga e etc.
Trazendo a análise do futebol para a complexidade, a parte física é apenas um dos aspectos do jogo. Ele também é técnico, tático, emocional, cognitivo, bioquímico, espiritual e outros vários etc. Para avaliar se um jogador é intenso temos que englobar todos os elementos do jogo. José Mourinho, por exemplo, disse que o jogador mais intenso que ele dirigiu foi Deco. Ora, fisicamente Deco sempre foi comum. Mas o olhar complexo mostra que ele era intenso nas tomadas de decisões, ou seja englobando todos os aspectos do jogo. Messi é capaz de correr apenas 6 km e decidir uma partida. Ele não é intenso porque não corre muito? Ou será que sua intensidade está em fazer as escolhas certas e tomar as melhores decisões possíveis para tirar vantagens sobre seus adversários?
E para analisar a intensidade de uma equipe dentro desse olhar complexo temos que citar o conceito ‘Objetivo e Lógica do jogo’. De maneira simples, uma equipe cumpre esses dois itens quando faz mais gols que o seu adversário. E se ela chegar a isso com o menor gasto de energia possível melhor. Eu tenho o controle do jogo não quando eu corro mais que o meu adversário. Mas sim quando eu cumpro melhor os princípios ofensivos, defensivos e de transição. E a performance de uma equipe pode melhorar proporcionalmente a uma “queda” na parte física. Isso porque quanto melhor estão organizados os conceitos e mais enraizados e somatizados no corpo dos atletas menor será o gasto físico para cumpri-los. Marcar em linha alta ou em linha baixa, por exemplo, é um detalhe que em nada tem a ver com a parte física. Lembre-se correr certo (e menos) é melhor do que correr mais e errado.
Muito cuidado ao ouvir e sair repetindo por aí que uma equipe ganhou porque foi mais intensa que a outra. Nas linhas acima trouxe um olhar sistêmico e complexo do jogo. Na maioria das vezes o jogador com mais intensidade de uma equipe é o que menos aparece para o torcedor. Não porque ele não é importante. Pelo contrário. Mas sim porque sua inteligência faz o jogo como um todo e não ele especificamente ser rápido, dominante e eficiente.
 

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Sobre a quebra da pressão por encaixes

David Neres: no Ajax de Erik ten Haag, liberdade para buscar a bola fora do setor. (Reprodução: Uol Esporte)

 
Não faz muito tempo, e conversávamos aqui sobre a quebra da primeira linha de pressão adversária. Foi um momento interessante, no qual pude dizer, de maneira genérica, algumas ideias que me ocorrem sobre a primeira fase do ataque.
Quando atacamos, podemos enfrentar, grosso modo, três tipos de marcação: uma individual, outra individual dentro de um setor ou, por fim, uma terceira, por zona. Neste texto, gostaria de falar sobre a superação de uma pressão individual no setor, em um cenário muito específico: uma equipe que ataca a partir de uma linha de quatro contra uma equipe que se defende também com uma linha de quatro.
Vejamos.
***
O motivo da minha escolha temática é simples: as pressões individuais no setor são, provavelmente, as que mais encontramos por aqui. Podemos pensar em dois motivos principais: I) são raras as marcações puramente individuais, seja pela grandeza do terreno de jogo, seja pela destruição em potencial que uma individual pura pode acarretar (imagine, por exemplo, as repercussões de marcar individualmente um jogador que sai de uma ponta para a outra); II) são poucas as equipes brasileiras que partem, puramente, de referências zonais, talvez por uma herança cultural, ainda capilarizada no nosso processo formativo, que pode até ser amenizada ao longo dos próximos anos. Por fim, talvez nem mesmo as individuais no setor existam puramente – o que nos leva a um caminho interessante, ainda que longe do objetivo deste texto: o ato de marcar não é sólido, é fluido. As referências existem, condicionam a ação, mas são inteiramente deslocáveis de acordo com as demandas do jogo.
Bom, a situação que desenho aqui se assemelha muito ao cenário visto no recente Vasco x Flamengo, pela final do Campeonato Carioca, no último domingo. Basicamente, tive a impressão de que a pressão do Flamengo, organizada a partir de encaixes no setor, e que o Vasco teve dificuldades para superar, foi central para o encaminhamento que já se desenhava no primeiro tempo e que, mais tarde, seria materializado no resultado. Pensemos aqui, portanto, em um cenário parecido ao que houve neste jogo: uma equipe que ataca em 4-2-3-1 contra uma outra equipe que se defende em uma espécie de 4-1-4-1.
Neste caso, há uma primeira superioridade muito clara. Ela está logo no início da construção: com dois zagueiros contra um atacante, temos invariavelmente uma possibilidade a mais nesta fase. Caso o goleiro desta mesma equipe se sinta confortável jogando com os pés (como é o caso de Fernando Miguel, do Vasco), nada impede que tenhamos, portanto, eventuais situações de 3 v 1, o que permitiria vantagens muito interessantes na primeira fase da construção. Para isso, é preciso circular a bola até encontrar o zagueiro, dentre os dois, que tenha tempo e espaço suficientes para conduzir a bola adiante, quebrando a primeira linha. Repare que a circulação, por si só, não basta: ela precisa ser consideravelmente rápida, ou então os deslocamentos tanto do atacante quanto da linha que o precede podem ser suficientes para bloquear a progressão deste homem livre.
Isto dito, pensemos no comportamento de laterais e volantes. Contra uma equipe que se defende em 4-1-4-1, com referências individuais no setor, você haverá de convir que temos encaixes bastante claros entre laterais que atacam e pontas que se defendem e entre volantes que atacam e meias que se defendem, correto? Da mesma forma, o meia central da equipe que ataca (neste exemplo, Bruno César) também está acompanhado pelo volante adversário (no caso, Gustavo Cuellar). Ou seja, em condições normais, ao menos cinco opções de apoio em potencial estão bloqueadas a priori, o que obviamente restringe as possibilidades de construção de uma equipe que pretende atacar por baixo – como são as intenções do Vasco. Em um cenário conservador, resta como alternativa a ligação direta entre goleiro/zagueiros e centroavante, o que não necessariamente é um recurso negativo mas, vez por outra, pode ser muito mais um recurso de emergência, ao invés de uma escolha deliberada e alinhada ao modelo.
Neste cenário, portanto, o que podemos fazer?
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Existe uma limitação importante nas individuais por setor. Talvez esteja até menos no individual e mais no setor: há um limite espacial até onde um certo jogador será acompanhado. Mas este limite, expresso no espaço efetivo de jogo, não é um limite claro e estático. É um limite dinâmico e fluido, que não pode ser inteiramente determinado, pois é dado pelo jogo. É neste limite que está o gatilho para o engano. Por exemplo, até onde o volante adversário está disposto a acompanhar o nosso meia central, caso ele se movimente? Até onde ele estará disponível para deslocar-se vertical ou lateralmente? Se for metros e metros distante da posição, quais serão os comportamentos da equipe para suprir este espaço?
(aliás, indico aqui este vídeo, que mostra brevemente como Pep Guardiola desenhou a superação da pressão do Chelsea, sabendo dos comportamentos defensivos de Jorginho, visíveis desde o Napoli).
No caso do Engenhão, Bruno César (ou quem quer que jogasse por dentro) seria acompanhado por Cuellar – dentro de um determinado raio. Portanto, atrair a marcação de Cuellar, deixando o setor vago, era uma alternativa bastante razoável. Mas quem poderia ocupar aquele espaço? Se for o centroavante (sabendo que partimos de uma estrutura em 4-2-3-1), repare que o recuo do centroavante será acompanhado por um dos zagueiros, ficando o outro na cobertura. Caso o atacante não seja claramente superior, ou mesmo se não houver comportamentos coletivos para aproveitar uma eventual parede, talvez não seja ele, centroavante, o mais indicado para ocupar este espaço.
Uma outra possibilidade, inclusive apresentada pelo Flamengo neste mesmo jogo, é o movimento dos volantes/meias, saindo do espaço inicial, deixando os marcadores sem referência. Cuellar, William Arão, e Èverton Ribeiro (como um terceiro homem) giravam pelo centro do campo, o que me parece ter trazido importantes problemas defensivos ao Vasco, especialmente quando associados ao movimento de Arrascaeta, que também se juntava por dentro, de modo que o centro ficava ocupado e os flancos, livres para os laterais (sabendo que Bruno Henrique e Gabriel jogavam por dentro, adiante).
Portanto, é preciso haver um trunfo, pelo menos um. E o trunfo, me parece, está no movimento dos pontas. Veja bem, se os pontas tiverem comportamentos dóceis, obedientes ao espaço, eles darão à defesa exatamente o que ela precisa: previsibilidade. Na ausência de apoios (laterais, volantes, meia), os pontas devem movimentar-se, recusando o próprio setor (enganando o lateral) e criando espaços sem qualquer lugar, seja no corredor central, às costas dos volantes, seja no corredor oposto, junto do ponta oposto (por quê não?), seja próximo do círculo central, mesmo que no campo defensivo, buscando inclusive superar a linha num drible, caso seja possível (por quê não?), mas é preciso criar instabilidades, nomeadamente no setor da bola, pois se não houver liberdade, se não houver a fluidez necessária ao momento ofensivo e ao jogo, basicamente o ataque será domesticado por sistemas defensivos com atletas de bom nível. Da mesma forma, quantas possibilidades surgiriam se uma dada equipe, no início da construção, tivesse mecanismos de inversão entre lateral e ponta (especialmente quando os pontas jogam com pés invertidos), causando novos enganos ao marcador responsável pelo indivíduo e pelo setor? Qual seria o comportamento do adversários neste caso? (dica: ficariam perdidos).
Ainda neste sentido, Yago Pikachu, aos 33 minutos do primeiro tempo, fez uma leitura absolutamente precisa, saindo do próprio setor e recebendo às costas de Cuellar, no espaço deixado por Bruno César, causando enorme desequilíbrio na defesa do Flamengo.
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Evidente que este é um mero recorte. São inúmeras as possibildades para superar as mais diversas estruturas e referências defensivas. Mas várias delas (se não todas) se baseiam em uma premissa muito parecida: o movimento. Quanto mais estáticas e mecanizadas nossas equipes, maiores serão os triunfos defensivos. Quanto maiores forem as instabilidades, criadas pelas ideias ou pelo instinto, maior será a força do possível. Talvez o sucesso do Ajax, pura fluidez, deixe isso ainda mais claro.
Continuamos em breve.
 

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A Confederação Brasileira de Futebol de cara nova: e não é o novo presidente

Na última semana a entidade máxima do futebol no Brasil apresentou novo escudo, que se confunde e se mistura com o amarelo da camisa. Está mais “limpo”. Mantém-se a cruz pátea, as estrelas das Copas do Mundo conquistadas pela seleção masculina principal e a inscrição “BRASIL”. Em um primeiro olhar, não parece que mudou muita coisa. Ademais, a camisa reserva terá a cor branca. Uma pá de terra para cobrir a ideia de que o uniforme branco traz má sorte, como a que deu a derrota na Copa de 1950.

O novo escudo da Confederação Brasileira de Futebol (Reprodução: Divulgação)

 

Sem dúvida que a indumentária branca carrega um estigma. Mas antes de ser, foi com esta cor que o Brasil teve a sua primeira conquista internacional, que neste ano completa o seu primeiro centenário: a Copa América de 1919, realizada no Estádio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Cem anos depois o certame volta ao Brasil. Como toda a história e palmarés, devem ser lembrados e celebrados. Ademais, tabus não são eternos e faz bem livrar-se deles. Brasil e Uruguai decidiram a Copa América de 1989 no Maracanã, em um 16 de julho, exatamente 39 anos depois de a seleção brasileira ter perdido a Copa do Mundo para os orientais. Em 1989 o Brasil venceu.

Data e estádio não perdem jogo. A camisa branca é respeito às origens do escrete brasileiro, para não falar dos ídolos de outrora: Barbosa, Friedenreich, Leônidas da Silva, Bigode, Preguinho, Marcos Carneiro de Mendonça, entre outros.

A mudança evolutiva no símbolo da CBF, como vimos nesta coluna em outros textos, é sinal dos tempos. Percebe-se conexão do escudo com a camisa, as cores não mudam. Parece mais “limpo” e claro, segue sendo de fácil identificação e desenho. Sugere dinamismo e sinergia: sempre se fala: “CBF é uma coisa e seleção brasileira é outra”. Em outras palavras, a faixa amarela do escudo o conecta ao amarelo da camisa, o que sugere serem um só. 

Com tudo isso, essas mudanças são bem-vindas e este colunista se arrisca a dizer que elas, a prazo, podem determinar caminhos mais transparentes para a organização. Se seleção e CBF são uma só (de acordo com a leitura e interpretação supracitadas), é preciso seguir a linha, agir e atuar como historicamente fez a seleção nacional brasileira de futebol: a serviço da modalidade no Brasil, servir e representar o povo brasileiro e sua identidade nacional. 

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Em tempo mais uma frase desta coluna: 

Nunca foi. Ambição, desejo de se tornar herói nacional e ganhar mais dinheiro sempre foi mais forte.

Tostão, campeão mundial de futebol em 1970, sobre em o alto-rendimento no esporte ser lugar para desenvolver valores morais e éticos

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Incertezas que as semifinais do Paulistão deixam

Certa vez ouvi que vence no futebol quem erra menos. Poxa, quer dizer então que não é quem acerta mais?! Claro que vai depender do ponto de vista. Mas passei a refletir sobre esse viés e, mesmo contrariando toda a minha formação também em Coaching que visa focar no positivo, passei a enxergar o erro de maneira muito mais didática no futebol. Até por ser um jogo de oposição o erro prevalece mais do que o acerto. Na relação defesa x ataque, por exemplo: são necessárias noventa, cem ações ofensivas para saírem dois, um, as vezes nenhum gol. Não só isso. Em contratações, se erra muito mais do que se acerta mesmo com todo o avanço da análise de desempenho. Em um ambiente caótico e instável, só os números não respondem tudo.
Contextualizo o erro no futebol para entender e explicar porque Corinthians e São Paulo farão a final do Campeonato Paulista. Não necessariamente eles foram melhores do que Santos e Palmeiras. Mas erraram menos.
O Santos fez uma partida espetacular diante do Corinthians no Pacaembu. Agressivo no ataque, com conceitos coletivos claros como amplitude, mobilidade, ultrapassagem, enfim, tudo o que norteia o Jogo de Posição do qual o técnico Jorge Sampaoli é um entusiasta estava ali. Porém, uma equipe que finaliza mais de trinta vezes e faz apenas um gol viu o seu adversário errar menos. Que fique bem claro, a retranca corintiana de Fábio Carille não me agradou. Foi feia. Mas inegavelmente eficiente.
Já o São Paulo soube transformar sua fraqueza em sua maior virtude diante do Palmeiras. A fragilidade política, financeira, de títulos recentes, de grandes nomes (Pablo e Hernanes estavam fora) ou seja, todo um cenário de azarão fez com que a equipe crescesse e deixasse exposta a fragilidade do modelo de Felipão quando as individualidades não estão bem. É claro que houve o dedo técnico e tático dos parceiros Cuca e Vágner Mancini, como Hudson na lateral-direita, a opção pela ótima dupla de volantes Luan e Liziero, não jogar com um centroavante no segundo confronto para ter mais velocidade e etc. Porém, foi no aspecto mental que o Tricolor errou menos que o Verdão. E olha que curioso, justamente o time que não vencia clássicos, que está há mais tempo na fila, foi o que deu um banho no jogo mental-confiança.
Em uma época de muito estudo e muita evolução no futebol os detalhes não podem passar batidos. Não vai vencer o melhor. Vai vencer quem errar menos.
 

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Sobre a (pretensa) subtração da tática

Zdenek Zeman: soluções ofensivas, no geral, talvez passem longe do conservadorismo. (Reprodução: Calcioline)

 
Em recente coluna do ótimo Carlos Eduardo Mansur, vejo um olhar bastante interessante sobre a direção dos nossos debates nas últimas semanas. Em linhas gerais, criou-se aqui e ali uma espécie de aversão à ‘tática’, como se a ‘tática’ (quando entendida de uma forma bastante particular) fosse a responsável por alguns dos supostos fracassos recentes do futebol brasileiro.
Na verdade, essa crítica não foi exatamente criada– já existia e estava adormecida. Como dizem Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, no ótimo ‘Como as democracias morrem’, a história não exatamente se repete, a história rima. Este tempo (não apenas no futebol) é tempo de rimas, e para sobrevivermos é preciso criarmos outras, melhores. A ciência, portanto, não basta: é preciso poesia também.
Neste texto, gostaria de puxar uma conversa sobre dois temas centrais: a diferença entre tática e esquemas táticos e como isso se associa à reflexão que fizemos na semana passada, sobre a hiperestruturação espacial que se desenha, sutilmente, no futebol brasileiro.

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Grosso modo, o argumento trazido por Mansur (refletindo o que, de fato, tem sido propagado por diversos colegas) dá conta de que a suposta ‘morte’ do futebol brasileiro se dá por um ‘excesso de tática’. A solução, bastante simples, seria que houvesse ‘menos tática’. Por esse raciocínio, a impressão é de que o jogo é uma equação matemática (portanto, causal) na qual a adição e/ou subtração de coisas seriam necessárias ao preciso resultado final. Neste momento histórico, seria preciso um sinal de menos, seria preciso subtrair algumas unidades da tática. Bom, este argumento me gera um sentimento duplo. Direi abaixo o porquê.
Por um lado, ouvir que é preciso ‘menos tática’ me deixa ligeiramente assustado, não exatamente pela subtração, mas pelo ideal de tática que o precede. Este é um ponto importante: no último final de semana, respondendo ao amigo Bruno Madrid, do BOL, ressaltei o quão importante é refletir sobre o significado médio que damos à tática. Para alguns colegas, a ‘tática’ é vista como um fenômeno menor, secundário, que se materializa basicamente a partir dos esquemas ou sistemas  táticos. Aqui, tática seria sinônimo de 4-4-2, 4-3-3 e adjacentes (sinto, na verdade, que a aversão maior é à linguagem, não à ‘tática’ em si). Por sua vez, há quem veja a tática como um fenômeno maior, prioritário, como uma nascente, por onde afluem todos os problemas do jogo. Aqui, não é possível adicionar ou subtrair, porque o jogo não é mais/menos: o jogo é tático. É por ela que o jogo se manifesta.
Pelo primeiro argumento, o excesso de ‘tática’ seria responsável por uma suposta pobreza ou esterilidade do futebol brasileiro. Para resolvê-la, então, o que fazemos? Fazemos ‘menos tática’, nos preocupamos menos com os esquemas (com as estruturas, se você preferir), damos mais atenção ao jogo jogado ou mesmo ao talento, revivendo uma suposta ‘essência’ do futebol brasileiro (que acaba sendo altamente questionável). O problema deste argumento é que começa bem, mas termina mal. De fato, desconfio que nosso ideário futebolístico, especialmente do ponto de vista tático, está se tornando demasiado sólido, rígido, às vezes inflexível (ainda que se diga o contrário), e seus reflexos estão cada vez mais claros no jogo jogado: parte-se, cada vez mais, de uma inquestionável ‘ordem’, confrontando-se a fluidez e a liberdade que estão vinculadas à natureza do jogo (é do caos que nasce a ordem!), de modo com que esteja mais difícil superar as estruturas fixas e as defesas cada vez mais estruturadas que se criam não apenas no futebol, como nas modalidades coletivas de invasão, como um todo.
Só que fluidez não significa, em hipótese alguma, ‘menos tática’. Porque a tática não se resume aos esquemas/sistemas, ela está acima deles. Pense comigo: o jogo de futebol tem uma lógica própria, um logos. Este logos arrasta consigo um telos, um objetivo. Qual é o objetivo do jogo de futebol? Fazer com que um objeto esférico, que desliza pelo campo, entre na meta adversária. Para chegar a ele, temos de resolver os problemas do logos– que se expressam, justamente, pela tática! Neste sentido, me agrada pensar que os esquemas estariam para a tática assim como os galhos estão para uma árvore – em uma grande floresta, o jogo. Os esquemas são derivações, pequenas expressões de onde está contida a tática, mas que, sozinhos, não são a tática, de fato. Basicamente, o que nossos colegas estão dizendo é que a árvore brasileira, que já não seria tão frondosa como fora um dia, tenha seu problema nos galhos. E qual a nossa solução? Que a árvore seja ‘menos árvore’. Não, não é disso que se trata.
Se você preferir, pedir ‘menos tática’ é como pedir que a água, quando líquida, esteja menos molhada. Não, isso não é possível. O que acho que fazemos, sob o argumento da ‘modernidade’, é mudar o estado físico da água, deixando-a em pequenas pedrinhas de gelo, metodicamente dispostas e visíveis, em formas grandes ou pequenas. Mas, no jogo, tudo o que é sólido desmancha no ar. É disso que se trata a crítica que fiz na semana passada: defendo que os processos formativos e o rendimento reflitam nosso jogo, nomeadamente no ataque, não está ultraguiado pelos ideais de ‘ordem’, deslocando a balança para um extremo perigoso, que ignora a fugacidade e o movimento inerentes ao jogo e à vida. Para isso, para criar ‘ordens’, precisamos compreender o caos (ao invés de negá-lo) e dançar com ele, inclusive do ponto de vista metodólogico.
Continuamos essa conversa em breve.