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Sobre como os treinadores deveriam ser

José Mourinho, há dez anos: exemplo de como os treinadores deveriam ser. Ou não? (Reprodução: Trivela)

 
Aqui e ali eu ouço um discurso, às vezes explícito, às vezes não, discurso que tem um objetivo claro: dizer como treinadores e treinadoras deveriam ser. Repare que não se trata de como os treinadores poderiam estar, nem do que os treinadores poderiam fazer. A conversa é sobre como os treinadores deveriam ser.
Sem perceber, mesmo nós, treinadores e treinadoras, tomamos este discurso como verdadeiro. E é claro que isso tem impactos na nossa formação. Não apenas na nossa formação profissional, mas na nossa formação como gente. Nas nossas ideias, nas nossas decisões, no que fazemos no mundo da vida.
Vamos pensar sobre isso. Acho um ponto importante.

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Tem muita gente dizendo como os treinadores deveriam ser. Dessa gente que diz como os treinadores deveriam ser, alguns já foram treinadores, outros não. Alguns foram atletas, outros não foram, alguns são jornalistas, outros não são, alguns fazem análise – outros deveriam fazer. Alguns são mais sensatos, outros menos. E os treinadores são seu alvo principal. As crianças se divertiram? Ah, é porque o treinador não inventou. O sub-15 está bem? É que o grupo é muito bom, essa geração é fera. O sub-17 perdeu? Perdeu, mas a treinadora quis inventar, devia ter fechado a casinha, não tinha conversa. O sub-20 goleou? Rapaz, se colocasse qualquer um ali o time ganhava, os moleques são demais. Se o profissional vai mal das pernas, não existe calendário, não há lesões, não há transferências entre concorrentes no meio do campeonato, não há salários atrasados, não há falhas individuais, não há estudo nem bons profissionais no clube, não há nada: o que existe é o treinador ruim, atravancando o caminho dos outros.
Tem gente que diz que os treinadores deveriam ser modernos. Tem gente que diz isso sem ter um certo conceito de modernidade, mas não importa: os treinadores devem ser modernos, devem falar termos modernos, devem usar roupas modernas, devem usar sistemas modernos, devem conhecer todos os jogadores modernos, devem saber as escalações e as transferências dos clubes modernos, devem ter opiniões e argumentos modernos, devem ler livros modernos (os clássicos são perda de tempo), de preferência sobre futebol, além de blogs e podcasts modernos, dessa gente que pensa o jogo, ainda que o pense menos do que pensa, mas é preciso ser moderno, e quem não parece ser moderno, quem não responde rápido, quer não corre à frente do relógio, então está atrasado, está defasado, não serve para ser treinador.
Há quem diga que os treinadores deveriam ser organizados, montar times organizados, os conteúdos organizados e apreendidos, todos os ciclos (micro, meso e macro) perfeitamente calculados, as estruturas muito claras, as posições muito claras, as funções de cada jogador claramente definidas, como em uma fábrica. Os jogadores cuidando do juego e da posición, especialmente os pivotes (en español), porque existem fronteiras para cada jogador, e ultrapassar as fronteiras é quebrar a ordem, não é moderno. Ao mesmo tempo, este mesmo treinador deveria saber demais (e mostrar que sabe) do caos, da incerteza, da ambivalência, da complexidade, da não-linearidade, dos fractais, de todos os termos que emprestamos das áreas vizinhas (ainda que não gostemos muito de estudá-las a fundo), mesmo que esses termos possam estar no extremo oposto daquela ordem, das estruturas, das posições, dos espaços fechados, dos modelos rígidos, daquilo que dizemos aqui e ali, às vezes porque queremos dizer, às vezes porque querem que a gente diga. Se o treinador não faz ordem, não faz caos, não faz os dois (e a régua para os dois é só o resultado), então ele não fez nada, ele está errado, não está preparado, é melhor outro treinador, ele não.
Também há quem diga que os treinadores deveriam se formar só para a elite. Ou seja, os treinadores deveriam fazer um plano, planos de carreira, não para trabalhar nas categorias de base, não para se sentirem bem e reconhecidos por seu trabalho com crianças e jovens, meninos e meninas, categorias mistas, mas sim para chegar à elite, para se mostrarem para mundo, para fazerem sucesso. Essa gente que pensa assim, pensa no rendimento, pensa que o empate no rendimento é a crise do futebol brasileiro, não pensa muito na base, ou pensa de vez em quando, não pensa na formação humana, não pensa muito nos cidadãos, isso é bobagem, vamos pensar nos craques, vamos engordar o gado. Por isso, o treinador deveria mirar lá em cima, só depende dele, é só se esforçar, temos que renovar o quadro. Mas também precisa ter experiência, tem que ter muita experiência, esses jovens não aguentam o tranco, o vestiário é difícil, sabe como é. E também devem cuidar da saúde, ser treinador é perigoso, devem comer bem, dormir bem, acordar bem cedo, tomar um chá de hibisco com agrião, mas também tem que dormir tarde, têm que trabalhar bastante – mas tem a adrenalina, não dá para dormir – que isso rapaz, é assim mesmo, a pressão existe, vamos em frente.
Também tem gente que diz que o treinador deve ser educado, que o treinador deve ser grosso, que o treinador deve ter estudo, que o treinador não precisa estudar, que o treinador tem que ser mais velho, que o treinador tem que ser mais jovem, que tem que se vestir bem, mas o fulano tá de paletó nesse calor, ele quer aparecer? que os times do treinador têm que ter amplitude, têm que ter profundidade, têm que ter simetria, têm que sair bonitos nos mapas de calor, têm que atacar o espaço entrelinhas, têm que estar com as linhas próximas, mas esse treinador é retranqueiro demais, tem que jogar o time para frente, o DNA do clube é outro, tem de atacar bem, tem de jogar bonito – mas esse sujeito é burro, está inventando demais, por que não fez o arroz com feijão? tem que colocar os meninos da base, mas calma, ele colocou o menino da base? por que colocou o menino da base nesse jogo, rapaz? não era para colocar o menino da base, vai queimar o moleque, esse treinador está perdido, ele não dá conta, ele não é intenso, tem que mudar isso daí.
E aí, muita gente sabe como os treinadores deveriam ser. Ainda que eles mesmos não o sejam, nas suas profissões. E os treinadores, sem perceber, às vezes sentem que deveriam ser aquilo mesmo.
Mas para os outros.
E para o bom entendedor, um pingo é letra.
 

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Um caminho provável

Dia desses assistia a uma transmissão em canal estrangeiro de partida de futebol de torneio sul-americano (não me lembro qual). Havia um clube brasileiro que estava jogando, mas a partida não era no Brasil. Narrador e comentarista começaram a falar sobre o estádio onde estava sendo o jogo, a qualidade do campo e em como isso interfere no jogo e no desenvolvimento do futebol de rendimento, na possibilidade de potencialização das receitas a fim de colaborar com a própria modalidade.
Em um dado momento, os comunicadores mencionaram o Flamengo campeão mundial de 1981. Lembraram-se dos 3 a 0 na decisão do antigo mundial interclubes, no Japão, sobre os ingleses do Liverpool. Acrescentaram que atualmente uma equipe da América do Sul repetir o marcador sobre uma da Europa é praticamente impossível. Não deixa de ser verdade.
Isso deixa muita gente inquieta, inclusive quem escreve esta coluna, na procura de respostas. Em uma análise, as reflexões conduzem a uma ausência de profissionalismo. Alto lá. Isso não significa que:
1) não se observa um aumento desta dinâmica profissional no futebol do Brasil;
2) antes os triunfos dos clubes da América do Sul significava um maior profissionalismo do futebol dessa região.
A começar pelo item dois, não é isso mesmo. Não havia cultura organizacional por lá, muito menos por aqui. Tudo era nivelado “por baixo” então os triunfos sul-americanos eram mais comuns, em que algumas vantagens competitivas daqueles tempos eram a mais-valia. Sobre o item um, sim, acontece, de maneira esparsa. Alguns mais, outros muito mais. A maioria não muito e a grande maioria muito menos.
Em outros textos já refletimos que o futebol está caro. Quer seja pela pressão do ambiente de mercado ou na ampliação das “partes interessadas”, aos dirigentes das “antigas” de alguns clubes passou a pesar no bolso a manutenção no poder. Sim, foram repetidas as aspas porque existem duplo sentido nestas palavras. Com isso os patrocinadores perderam o interesse em anunciar as suas marcas. Boa parte da torcida, contrariada com o excesso de poder dos mesmos dirigentes e cansada das condições dos estádios, calendário, formato de torneio e qualidade do jogo, passou a estar menos presente nos jogos, a optar por outros tipos de lazer. Numa análise superficial a Inglaterra passou por este processo durante os anos 1990: o da estruturação dos clubes em um ambiente organizacional, de mercado, de ampla concorrência e livre iniciativa.

Lance do jogo de 1981 mencionado no início da coluna que gerou a reflexão. (Foto: Divulgação)

 
Esta coluna semanal acredita que não são todos os clubes mais populares do Brasil que desfrutam deste processo de profissionalismo. Alguns, sim. Outros, também, no entanto numa relação de mecenato que sustenta uma cultura organizacional. Pois bem. Portanto, há sim um profissionalismo cada vez maior em marcha, com mais especialistas em gestão, comunicação, e treinamento. A prazo, com trabalho e paciência, a cultura organizacional torna-se a tônica e as entidades de prática e administração do esporte, clubes e federações respectivamente, poderão concentrar-se no jogo a fim de desenvolvê-lo.
Aí sim – se isso for o mais importante – triunfos internacionais poderão voltar a ser mais comuns.

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Em tempo mais uma citação que se relaciona com o tema da coluna:

“Para que cem se entreguem à cultura física, é necessário que 50 pratiquem esporte. Para que cinquenta pratiquem esporte, é necessário que vinte se especializem. Para que vinte se especializem, é necessário que cinco sejam capazes de proezas espantosas.”

Pierre de Coubertin, um dos fundadores do Olimpismo na era moderna, em 1931

 

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Encontramos a intensidade – e o jogo?

Cada país, uma cultura de jogo!
O futebol brasileiro está intenso — isso é inegável! Aliás, o mundo está procurando e encontrando maior intensidade de jogo no futebol indiferentemente à cultura de jogo em que estão sendo construídos.
No Brasil, o jogo está intenso além da conta e com traços de desorganização tática muito claros. Simplesmente porque tem de ser vertical a qualquer custo.
Além disso, ao contrário do que o senso comum diz, o nosso jogo não perdeu a individualidade! Continua com alguma organização de posicionamento que os sistemas táticos impõem, mas os jogadores ainda demoram com a bola nos pés mais tempo que o necessário. Na soma das duas características, jogo individual e intenso, temos “brigas individualizadas” em todos os setores do campo e/ou situações de jogo e em ritmos alucinantes.
Assistindo a jogos do futebol brasileiro é fácil ver o alto nível de competitividade em que são disputados. Constatamos a intensidade do jogo, ainda com mais segurança quando são usadas as ferramentas científicas modernas de análise de rendimento esportivo.
Hoje um jogador brasileiro percorre entre oito e catorze quilômetros em noventa minutos de jogo, com 30, 40 ou 50 estímulos de corridas acima de 20 Km/h. Algo impensado em poucas décadas atrás.
Isto não corresponde a resultados imediatos na qualidade do jogo, muito menos dá garantia de vitórias. Como dizia Cruyff:
“Futebol se joga com a cabeça, as pernas estão ali para ajudar.”
Essa, dentre várias ideias do gênio holandês, vale até hoje. Correr muito e intensamente não é sinônimo de bom jogo.
O Professor Victor Frade, “pai da periodização tática”, se irrita quando querem traduzir o jogo moderno com ênfase na intensidade:
“Intensidade, o quê vale isto se não se tem jogo?”
Foi mais ou menos o que disse quando indagado sobre o tema.
O jogo brasileiro ficou mais intenso, visto a olhos nus e também cientificamente, mas continua entregue às individualidades.
Não há sincronia entre “o balé do jogo” e os benefícios do desenvolvimento físico individual e coletivo que o treinamento moderno trouxe a todos os esportes, inclusive o futebol.
Estamos correndo “pra lá e pra cá”, sem conceitos táticos que balizam um jogo inteligente porque é isso que queremos.
– Queremos?!
– Quem tá querendo isso?
– Todos nós!
– Que jogo lindo! Emocionante! Movimentado! Lá e cá!…
É o que costumamos ouvir quando assistimos esse “jogo intenso e ou de correria”!
O que há de conceituação tática nestes jogos? Difícil detectar.
Não há como conceituar taticamente um jogo tão intenso. Não dá tempo. O campo fica, naturalmente, maior com o “lá e cá” que a intensidade desordenada provoca.
Tudo bem! Estamos inventando um outro jogo e parece que estamos gostando disso! Então vamos passar a tratar “este outro esporte” com as diferenças de análises que ele requererá.
Nesta reflexão não estou maldizendo à intensidade, muito menos às emoções. Quero apenas reivindicar comparações a grandes equipes do cenário mundial que estão conseguindo organização tática com intensidade de jogo.
Alguns treinadores brasileiros têm tentado buscar esse caminho na construção do jogo de suas equipes, mas o entorno do nosso trabalho é muito cruel. Quando nossas equipes trocam lateralmente dois ou três passes, ou voltam a bola pra um zagueiro ou goleiro com o intuito de organizar uma nova “rota ofensiva” para o jogo, sofrem vaias de todos os lados e o que se segue a isso a gente já conhece.
Tudo em prol da individualidade, da verticalidade e intensidade do jogo. E o que não podemos negar é que o desequilíbrio individual que conclamamos a retornar ao nosso jogo só cabe para jogadores velozes: correria pura.
Não adianta cobrarmos da base brasileira que formem jogadores mais técnicos e dribladores sendo que o que exigimos para os adultos é “correria”.
O Tite tem tentado e com algum sucesso transmitir algo de jogo organizado à Seleção Brasileira, com bons níveis de intensidade concatenados taticamente a uma ideia de jogo segura, inteligente e ofensiva.
Como é lindo ver que os brasileiros conseguem fazer isso. A Seleção, um time só de brasileiros, comandada por brasileiros, jogando o jogo moderno, com intensidade, ofensividade, arte e vitórias.
Ah! E sem o Neymar! Quando ele estiver, então?!?!
Quanta crítica sofreu o jogo do Tite no início da Copa América por não ser intenso e/ou vertical.
Organizar o jogo, não significa abdicar da intensidade. Quando os conceitos táticos funcionam harmoniosamente dão novos e mais competentes enredos ao jogo. A intensidade de jogo é mais um componente tático que só tem valor no contexto de uma ideia tática de jogo. Ser somente intenso, não é jogo.
Que jogo complexo é o futebol! Quanta polêmica pode gerar um texto desse! Mesmo assim, e como sempre, continuo querendo ver organização de jogo com intensidade para as equipes brasileiras. Pelo menos é assim e sempre será nas equipes em que trabalho.
Pra mim, “campo grande”, correria, correr pra frente e não correr pra trás, trocas indiscriminadas de posicionamento em campo, dentre outros componentes anárquicos do jogo, não deveriam fazer parte do futebol que pode ser organizado taticamente, inteligente, ofensivo, bonito e vencedor!
Acreditando nisso, então é só fazer!
Mas não é fácil estar na pele dos treinadores brasileiros nas circunstâncias que a nossa cultura oferece!
Palavras que cabem mesmo pra uma outra grande reflexão!
Até uma próxima!
 

 

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O sucesso sufocante do Palmeiras

O problema de muita gente é alcançar o sucesso. Qualquer tipo de sucesso. Por mais paradoxal que possa ser relacionar êxito com problema. Explico: na vida pessoal, por exemplo: quando conseguimos um bom emprego, o casamento dos sonhos ou até mesmo algum bem material podemos enfrentar dois tipos de situações: a falta de fome para alcançar mais ou o oposto, que é uma cobrança excessiva por continuar sendo bem sucedido e não aceitar fracassos momentâneos como situações de aprendizado, lições e trampolim para novas vitórias.
Transportando isso para o nosso mundo do futebol quero fazer um link entre esse conceito e a série de três jogos sem vitória do Palmeiras. Há um fracasso aqui? Evidente que não. Estou falando de três partidas, mesmo sabendo que em uma delas a equipe foi eliminada da Copa do Brasil. Porém, nesse meio tempo já houve protesto de alguns torcedores, desconfiança da massa que azucrina a tudo e a todos nas tais das redes sociais e até um sinal amarelo perambulando entre alamedas e conselheiros do clube.
O Palmeiras virou refém do seu próprio case de sucesso administrativo-financeiro. E estendo em partes isso para o Flamengo, onde a pressão é até maior já que não há uma conquista impactante há um bom tempo. E veja que absurdo: o Palmeiras é o atual campeão brasileiro e mesmo assim houve quem questionasse o time pela eliminação no Paulistão diante do São Paulo na semifinal e agora na Copa do Brasil diante do Inter. Ambas nos pênaltis, diga-se de passagem.
Não quero educar o torcedor brasileiro. Longe disso. A paixão é individual e cada um sente as vitórias e derrotas da maneira que achar melhor. No entanto é obrigação de nós da imprensa pontuarmos que o futebol é um jogo imprevisível, caótico e aleatório. Nem sempre é o melhor que vai vencer. E o próprio conceito de quem é melhor é muito relativo. Melhor em que ambiente? Em qual circunstância? Em qual cenário? O Brasileirão, por exemplo, tem vinte clubes. Só um será campeão. Os outros dezenove não prestam? Um bom trabalho administrativo, no marketing, no jurídico, no financeiro de qualquer clube é um grande passo pro sucesso. Mas não é garantia de nada. Nenhuma equipe vai ganhar tudo e de todos sempre. Por mais dinheiro que tenha.
Por sorte – e competência – o Palmeiras tem um treinador cascudo como Felipão. Ele já viveu de tudo no futebol. De um título de Copa do Mundo ao fracasso mais retumbante do país que foi o 7 a 1 para a Alemanha. Scolari saberá como agir internamente, lidando com os atletas e com o próprio staff do clube, e externamente em sua comunicação com torcida e imprensa. Fosse algum treinador mais inexperiente e já haveria risco de demissão e o ambiente estaria extremamente conturbado. Mas com Felipão no banco a  “volta por cima(!)” é questão de tempo.
 

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Sobre as oscilações inerentes ao processo

David Silva: quando mais livre, uma atuação espetacular contra a Rússia, em 2008. (Reprodução: Diário AS)

 
Disse algumas outras vezes e posso repetir: talvez não exista problema mais importante a ser respondido no futebol moderno do que o problema do ataque. Outro dia, Fernando Diniz fez uma observação importante neste sentido, que às vezes nos recusamos a encarar. Decidir atacar bem, preparar-se para atacar, é muito mais difícil do que preparar-se para um jogo apenas defensivo.
Pois bem, de um tempo para cá tenho assistido alguns jogos da Espanha, do período 2008-12. Para ilustrar o meu ponto de hoje, gostaria de citar um jogo em particular, especialmente para discutirmos alguns dos limites do ataque. Me refiro à semi-final da Eurocopa 2008, Espanha x Rússia, vitória dos espanhois por 3 x 0. Você pode assistir ao jogo aqui.

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Para todos os que acompanham futebol com alguma regularidade, alguns traços daquela Espanha são razoavelmente claros: um jogo, por diversas vezes, até mais horizontal do que vertical (conservação da posse), ao mesmo tempo em que bastante associativo; um potencial criativo admirável pelo centro do campo, um ataque que nascia geralmente de dentro para fora; mais tarde, uma certa subversão a partir da retirada do centroavante (Fàbregas como falso nove em 2012). Mesmo hoje, quando assistimos um jogo da Espanha, são características que não nos surpreendem.
Por isso, o primeiro tempo deste jogo a que me refiro, Espanha x Rússia, é tão chamativo. A mesma Espanha que já tinha Xavi, Iniesta e David Silva (apenas para ficar aqui) e que já construía um modelo a partir dos ajustes de Luis Aragones, mostrou-se uma seleção razoavelmente afobada, apressada, demasiado vertical, finalizando de média/longa distância além da conta, não exatamente pelo nervosismo (não aparentava), mas sim por alguma característica daquele jogar, do jogar específico daquela noite. Apenas por curiosidade, por volta dos 25 minutos, a Rússia tinha 57% da posse e 30 passes completados a mais – o que hoje seria quase impensável. Andrés Iniesta e David Silva, os meias abertos em um 4-4-2 (a trinca de meias não estava estabelecida à época), pareciam ter algumas restrições para movimentar-se por dentro, respeitavam mais o espaço pelos lados, tentando associações com Sergio Ramos (então lateral) e Joan Capdevila. Não por acaso, durante todo o primeiro tempo, a Espanha pouco ameaçou o gol adversário.
Mas leio no Zonal Marking (ótima referência, diga-se), uma nota importante: naquela Eurocopa, uma das dúvidas que rodeavam o processo de construção do modelo estava exatamente no ataque, particularmente na escolha ou não por dois atacantes – David Villa e Fernando Torres (lembre-se que Villa, à época, ainda não havia sido treinado por Pep Guardiola, o que certamente elevou seu repertório tático). Muito bem, com dois jogadores mais próximos da área, a Espanha perdia, portanto, um jogador metros atrás. Este se provaria um problema na estrutura daquele time, especialmente pela vocação irrefreável para construir por dentro, pela intermediária ofensiva, controlando o tempo do jogo pela bola e preenchendo os espaços entre as linhas adversárias pelo movimento dos meias e deste falso nove. Por isso, quanto menos meias, pior. Ao mesmo tempo, este pequeno engessamento de Silva e Iniesta, a que me referi acima, restringia bastante as intenções da Espanha por dentro. Como eu defendo há algum tempo, uma das formas de potencializar as linhas de força no ataque é exatamente pela liberdade de movimento dos pontas, pois isso, dentre outros motivos, traz enormes problemas aos laterais, especialmente para as equipes que marcam individual por setor. Mas este é outro assunto.
Por volta dos 30 minutos daquele jogo, David Villa acusou uma lesão muscular, que o tiraria não apenas da semi-final, como também da decisão. Aragones, ainda no primeiro tempo, optou pela entrada de Cesc Fàbregas.
E o desempenho da Espanha no segundo tempo foi brilhante.

Aqui, um exemplo da fluidez de que falávamos: David Silva (que saiu da direita), conduz a bola para o lado oposto, onde estão Capdevila – que recebe o passe – e Iniesta. Sergio Ramos, no centro, está voltando para a defesa. Fàbregas está mais acima na imagem, e Fernando Torres mais adiantado. A Espanha termina atacando em inferioridade numérica (5 x 7), mas o deslocamento de Silva contribui para que a jogada avance até um passe genial de Iniesta para Fàbregas, às costas do lateral-esquerdo, por onde quase acontece o segundo gol.

 
Tão logo voltou para o segundo tempo, a Espanha subiu o nível assustadoramente. Fàbregas, em comparação à função exercida por Villa, jogava alguns metros atrás, o que aumentava as chances de superioridades da Espanha na intermediária ofensiva. Mas, não bastasse isso, Aragones parece ter permitido que tanto Iniesta quanto David Silva pudessem circular livremente pelo campo ofensivo, de acordo com os espaços e o movimento da bola, abrindo os corredores para Ramos e Capdevila. E o resultado foi uma Espanha irresistível, com uma atuação genial de David Silva. Além das diversas oportunidades de gol (foram onze finalizações contra uma), falamos de uma equipe que saiu de uma semi-final europeia com uma confiança que certamente teria repercussões na decisão.
Repare que interessante: neste caso, o desempenho ofensivo da equipe cresceu não com mais atacantes – mas com menos. Quanto menos atacantes de ofício a Espanha usava (e considere aqui que David Villa, mesmo assim, foi artilheiro daquela Euro), mais forte podia se tornar o seu ataque. Em determinados modelos, pode ser que isso não se aplique (mesmo para um Barcelona, por exemplo, é saudável não preencher em demasia os espaços que podem ser atacados por Messi), mas para aquela equipe, naquele contexto, naquele modelo que se desenhava, era uma decisão acertada. Treinadores e treinadoras não trabalham com fórmulas. Trabalham com ideias e com afetos em um dado ambiente. E esses ambientes são sempre únicos.
Muitas vezes, escapa dos críticos exatamente essa dimensão de incerteza e ambiguidade a que nós, treinadores, estamos submetidos. Nada está definido, nada está em ordem – mas está tudo bem. Não posso falar dos pormenores daquela tomada de decisão, mas as mudanças (inclusive sutis) de Luis Aragones foram realmente admiráveis, e mostram não apenas que um modelo não nasce da noite para o dia, mas é construído ao longo do tempo – é um processo! Como também mostram que mesmo as grandes equipes, no mais alto nível, são confrontadas com oscilações dos mais diversos níveis. Para entender isso, precisamos entender de jogo.
Que sim, são resolvidas com o pensamento racional. Mas também precisam de uma intuição apuradíssima.
Sobre o que podemos falar em breve.
 

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Felizes 7 a 1

A Pátria e a identidade nacional são fundadas através de elementos singulares, história, mitos, lendas e tradições. Na Catalunha e no País Basco, seus idiomas estão ao alcance de todos e expressam populações por séculos reprimidas. No Uruguai, por analogia o mate e o doce de leite são patrimônios.
Uma das instituições máximas de qualquer nação é o Exército. Ele defende e protege um povo, ou seja, o representa. Seus logros são também – simbolicamente – os de todo um povo. O Exército Brasileiro foi fundado na história da união das raças (o índio, o negro e o branco) para a expulsão dos holandeses na Batalha dos Guararapes, em 19 de Abril de 1648 (também Dia do Exército).
Coincidência ou não, durante o século passado, o futebol alcançou grande popularidade. As publicações de Gilberto Freyre sobre a nação brasileira, fundada na mistura das raças, caíam no gosto dos intelectuais das principais cidades da República. Ao mesmo tempo o Brasil fazia muito boa campanha na Copa do Mundo de 1938, na França. Uma equipe constituída por integrantes de todas as raças que fazem o cotidiano do País. Não demorou muito para a seleção nacional de futebol se tornar a maior representante de todos os brasileiros. Depois vieram as de basquetebol, voleibol e representou muito bem esta imagem o – grande – pugilista Eder Jofre. Para o bem e para o mal, gostem ou não, suas derrotas e vitórias passariam a ser decepções e realizações de todos.
O 7 a 1 de 8 de Julho de 2014 foi um duro golpe. Não apenas dentro de campo. Além. Quem somos os brasileiros, o que é o futebol do Brasil e o que queremos? Improviso ganha jogo (?)…no improviso conseguimos fazer um grande País? Improviso ou planejamento; profissionalismo ou indicações? “Fortalecimento de uma ‘panela’ de amigos” ou metas com foco nos resultados? O “jeitinho” não pode ser vantagem competitiva.

Mineirão, 8 de Julho de 2014. (Foto: Divulgação)

 
Ambição, levar vantagem nas situações, fingimento, malandragem, individualismo – tão lembrados no estereótipo do brasileiro e que em muitas ocasiões foram projetados na forma de uma seleção nacional que a sociedade por ela tem um reconhecimento público – não são valores que conduzem à situação ideal que todos buscamos. Nessa linha de pensamento, a cultura da gorda gorjeta, o não-respeitar a faixa de pedestre, o trânsito desorganizado (todos querem levar vantagem, né?), o “Mensalão”, o “Lava Jato”, a politicagem nojenta e o desrespeito geral e irrestrito (que obrigava por exemplo o governo do Rio de Janeiro a promover operações chamadas de “Choque de Ordem”) são espelhos do que somos. É medíocre. País sério não precisa promover choque de ordem. Em país sério a ordem é a tônica.
O placar de cinco anos atrás foi triste, mas sem exageros pode ter sido o ponto de partida para revermos comportamentos e princípios que farão o Brasil maior e melhor, multicampeão em todos os aspectos.

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Em tempo mais uma citação que se relaciona com o tema da coluna:

“Mesmo que o tempo esteja inclemente e vocês caírem, tem coisas piores na vida do que um simples tombo na grama, e a vida é mesmo um jogo de futebol.”

Walter Scott (1771-1832), poeta e romancista escocês

 

 

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Modismo barato no futebol brasileiro

Ter convicção no que se faz é imprescindível para o sucesso. Em qualquer área de vida. Acreditar nas próprias ideias e na própria capacidade faz que o futuro desejado saia de um mero sonho para se tornar algo tangível. E convicção não é teimosia. Se algo não vai bem vale fazer ajustes para corrigir a rota. Mas sempre com uma identidade, com valores claros e muito bem definidos.
Transportando esses conceitos para o mundo do futebol quando pensamos na identidade de um clube, evidentemente, pensamos na maneira de jogar. Como vamos ganhar partidas e campeonatos? Com quais ideias, com qual filosofia de jogo? Quem vai ser o responsável por conduzir esse processo, no caso, o treinador? Ele está alinhado com os conceitos específicos que trouxeram o clube até o seu estado atual?
No Brasil, raramente há essa análise. Dirigentes amadores pensam primeiramente no estofo, no currículo, na bagagem de um treinador. É muito mais cômodo colocar alguém com as costas largas no comando. Caso algo dê errado, a torcida cobra o técnico medalhão, pensam esses dirigentes. E mais do que a falta de uma diretriz de jogo há um modismo que me incomoda demais. De uma maneira simplista e rasa, tentam copiar o que deu certo em outros clubes. Sem avaliar circunstâncias e contextos que no futebol de alto nível é o que realmente faz a diferença.
Tivemos a era dos ‘interinos-efetivados’, quando Fábio Carille surgiu no Corinthians com títulos em 2017. Só que no ano seguinte, foi o ‘old-school’ Felipão que empolgou o país com o seu Palmeiras. Voltaram então alguns nomes mais experientes. E neste ano com o argentino Jorge Sampaoli enchendo os olhos com o seu envolvente Santos há uma tendência de técnicos estrangeiros ganharem espaço no mercado nacional.
Sucesso é construído nos detalhes. Nas minúcias. Em algo tão complexo como o futebol replicar modelos te afasta, ao invés de te aproximar, de vitórias. O que continuará fazendo a diferença é o entendimento do ambiente, a convicção na forma de jogar, nas ideias, na filosofia por trás do jogo. Escolher técnico com base no triunfo alheio é um tiro no próprio pé.
 

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Sobre a filosofia do treinador

Lucien Favre, hoje no Borussia Dortmund: mesmo com o tempo, refinar as próprias ‘filosofias’ segue uma arte. (Reprodução: Fox Sports Brasil)

 
Você e eu certamente já perdemos as contas de quantas vezes ouvimos, direta ou indiretamente, comentários sobre a ‘filosofia’ de um treinador. Às vezes, é o próprio treinador que fala da sua ‘filosofia’. Outras vezes, nós mesmos nos pegamos tentando descobrir ou construir a nossa.
Não sei vocês, mas acho a construção de ‘filosofias’ um tema dos mais interessantes: não por acaso, acabou se tornando meu objeto de estudo no mestrado. Passado algum tempo de estudo, julgo que posso apresentar algumas desconfianças, com as quais talvez os colegas se identifiquem.
Vou deixar abaixo três postulados, apenas para começo de conversa. Com o tempo, podemos refiná-los um pouco mais.

***

#1: a filosofia do treinador não é estável
Existe uma ideia em que a construção da filosofia de treinadores e treinadoras se apoia, e essa ideia parece vinculada à uma certa noção de chegada: é como se encontrar a própria ‘filosofia’ fosse encontrar, finalmente, um local seguro – uma espécie de terra prometida. Existe um certo componente romântico e idealista na construção da ‘filosofia’ de treinadores, componente este que nos faz crer que a nossa ‘filosofia’ é estável, não se altera ao longo do tempo.
Acho este ideal bastante preocupante, por pelo menos dois motivos: o primeiro é porque ele é causador de sofrimento. Muitos colegas, treinadores e treinadoras, esperam que a construção da sua ‘filosofia’ termine em um lugar tranquilo, confiável. em que ele apenas irá desfrutar da sua própria companhia, como também seguirá um estado de fluxo profissional, com todas as decisões apoiadas por isso que, arbitrariamente, ele chama de ‘filosofia’. Mas quando isso não acontece, quando mesmo a mais bem construída ‘filosofia’ parece não exatamente dar conta da instabilidade do real, treinadores se sentem frustrados e incompetentes, como se o problema estivesse neles – não nos manuais que lhes apresentaram o caminho para o sucesso.
Isso nos leva, aliás, ao segundo problema: como esperar que qualquer ‘filosofia’ seja estável se as nossas próprias existências não são estáveis ao longo do tempo? Essa expectativa é altamente problemática, e combatê-la deve estar no horizonte de todos nós, que nos atrevemos aos dramas dessa profissão: há como desvencilhar o treinador da pessoa? É possível separar nossa ‘filosofia’ da nossa própria existência, da experiência que passa pela nossa vida cotidiana? Creio que não. Na verdade, acredito (desde Heráclito) que a vida está muito mais próxima do movimento, de um movimento que não cessa, de um movimento que foge ao nosso controle ainda que queiramos o contrário. E que este movimento faz com que qualquer existência seja bastante instável. E isso não é ruim.
O mesmo vale para as ‘filosofias’.

***

#2: a filosofia do treinador é menos particular do que parece
Da mesma forma, a ‘filosofia’ de cada treinador parece ser uma forma clara de expressar um pedaço razoável da nossa subjetividade, como se ali nós pudéssemos colocar os nossos próprios traços, colocar quem somos. Mas hoje, se alguém me perguntasse, eu diria que esta hipótese está mais próxima do idealismo – ou seja, é onde gostaríamos de chegar. Mas ainda estamos distantes.
Explico: mesmo neste lugar onde julgamos expressar aquilo que é unicamente nosso, existe uma forte tendência a repetir, a replicar um discurso socialmente aceito que possa nos fazer pensar afirmativamente a respeito de um certo trabalho ou de uma certa pessoa. Por exemplo, é muito provável que vários treinadores coloquem a palavra intensidade como central nas suas filosofias, ainda que isso não seja exatamente uma inquietação deles próprios, mas sim um termo repetido (quase um clichê) neste momento histórico, uma forma razoável de ser aceito dentro dos grupos. Quem não fala de ‘intensidade’ ou quem não monta equipes ‘intensas’, supostamente ‘ficou para trás’ – ainda que não exista um relógio universal que diga quem está adiantado ou não e ainda que não se saiba ao certo do que se fala quando se fala de intensidade.
Este mesmo exemplo vale para uma série de outros termos, que são bastante bonitas e audíveis, mas também são ouvidas em vários lugares, por várias outras pessoas. Se eles também são usados por tanta gente, será que somos tão originais assim? Será que as nossas ‘filosofias’ realmente refletem as nossas distinções, aquilo que temos de diferente, ou será que estamos, sem perceber, na média, reproduzindo um certo discurso médio, que nos coloca muito mais próximos dos outros do que de nós mesmos?
Se sim, talvez as nossas filosofias sejam menos nossas do que pensamos.

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#3: a filosofia do treinador não é singular
Fiz isso sutilmente durante o texto, agora me sinto no direito de falar explicitamente: por que não passamos a falar ‘filosofias do treinador’, no plural? Numa linha próxima à que usamos no início deste texto, não há porque pensarmos que apenas uma filosofia (uma terra sagrada) dê conta de todos os conflitos, todas as ambiguidades e todo o peso com o qual precisam lidar treinadores e treinadoras em tamanhos momentos.
Um treinador que julga que sua ‘filosofia’ reside no ataque, na ênfase à organização ofensiva, pode perfeitamente ter de baixar as linhas em um jogo ou outro, às vezes porque o adversário é muito mais forte no ataque, às vezes porque o jogo mesmo se desenhou de outra forma – e não há problema algum nisso. Caso se mantenha vinculado, preso à única ‘filosofia’ que construiu para si, o treinador pode se sentir constrangido, proibido de abrir mão da sua ‘filosofia’, sob pena de trair a si mesmo. Mas quem disse que devemos, nestes casos, ter uma régua apenas? Por que as nossas ‘filosofias’ não podem ser tão plurais quanto nós mesmos? Por que não admitir que contextos, objetivos e experiências diferentes podem nos levar a ‘filosofias’ igualmente distintas? Ou porque não admitir que quem seremos amanhã comporta uma outra ‘filosofia’ em comparação a quem somos hoje?
Treinadores e treinadoras, a meu ver, precisam colocar sua filosofia no plural, precisam estar abertos, abertos às incertezas, ou então precisam trabalhar arduamente para construir filosofias que sejam amplas (sem serem genéricas), que sejam grandes (sem perder a especificidade), que sejam várias (sem deixar de ser uma). Caminhar nessa pluralidade não é simples, muito pelo contrário. Isso me lembra uma frase, atribuída ao poeta americano Walt Whitman, que faz todo sentido aqui: “Contradigo a mim mesmo porque sou vasto”.
Neste sentido, é preciso construir ‘filosofias’ que sejam vastas, que vão além.
Nelas, contradizer-se pode ser quase uma obrigação.
 

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Jesus (salva)

Aos que se sentiram incomodados com o título da coluna nesta semana, desculpas. Em referência ao “Mister” Jorge Jesus, o texto procurará refletir acerca dos potenciais resultados fora de campo que o Flamengo poderá ter. Pode parecer cedo vislumbrar quaisquer possibilidades, mas a coletiva de imprensa pós-jogo contra o Goiás (6 a 1) deixou boas impressões.
Em primeiro lugar, identidade. Item sempre mencionado nesta coluna. Jorge Jesus teve mais ideia da grandeza do clube e fez comentários a respeito disso, da torcida, sobre o estádio cheio, como a equipe joga, estilo de jogo. Por isso, é sugerida uma cultura de jogo de acordo com todo o histórico que o clube possui, palmarés e ídolos. Em como o flamenguista se identifica com o clube. Com o tempo, se isso continuar sendo feito, o “produto” da instituição ficará ainda mais valorizado, ídolos surgirão e um legado permanecerá. O mesmo acontece com a identidade do Santos de Sampaoli que o torcedor santista gosta: apresenta um excelente futebol, no entanto aparecem algumas derrotas – doloridas – pelo caminho.
Títulos ajudarão, sim. Se vierem, ótimo. Se não vierem, Jorge Jesus pode ser elemento fundamental para a desconstrução de uma ideia equivocada de que os títulos são a razão suprema da existência de uma instituição esportiva. Exemplos, alguns. A começar pela terra do “Mister”: o Sport Lisboa e Benfica não vence uma competição europeia há décadas, mas isso não é motivo para troca de treinador e de comissão técnica. Por muitos anos viu o protagonismo do Futebol Clube do Porto, mesmo assim optou-se pelo planejamento e continuidade de trabalho, que sugerem rotina e cultura. Não houve “comoção” nacional ou foi motivo para crises sem precedentes. Na Inglaterra, o Leeds United AFC por muito pouco não deixou de existir quando gastou uma fortuna que não tinha para conquistar um título de Liga dos Campeões da UEFA no início deste século. Ficou nas semifinais. Quase acabou. Até hoje luta para voltar à elite do futebol do seu país. A torcida do Leeds quer este retorno? Certamente. Mas não há dúvidas de que o medo foi maior quando estavam prestes a fechar as portas.

Jorge Jesus durante treino do Flamengo. (Foto: Divulgação)

 
Com tudo isso, o efeito que Jorge Jesus pode ter para o Flamengo é semelhante ao que Ronaldo “Fenômeno” teve ao jogar no Corinthians. Este teve um efeito no marketing e comunicação enormes. Já o Mister será capaz de vez por todas escancarar para o futebol do Brasil que, identidade e cultura são o patrimônio máximo de uma instituição esportiva. Ele não tem nada a perder.
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Em tempo mais uma citação que se relaciona com o tema da coluna:

Jogue na Inglaterra. Porque melhor do que ouvir “você tem futuro”, é ouvir “you have a future”.”

Anúncio da Nike ao promover o concurso “A Chance”

 

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Porque o São Paulo não vai ganhar

Confesso que penso muito antes de escrever um texto. Faço uma seleção mental de tudo que tem acontecido e pinço algo – ou positivo ou negativo – que me chama a atenção para destrinchar com certa profundidade em alguns parágrafos. E, quando observo o que acontece no gigante São Paulo Futebol Clube, tricampeão do Mundo, dono da terceira maior torcida do país, a maioria dos fatos é desabonadora.
Como acompanhar a coletiva de apresentação do atacante Raniel, ao lado do diretor Raí e do gerente Alexandre Pássaro, e achar que está tudo bem? Olha só, torcedor: não estou falando de ele ter sido reserva o ano todo no Cruzeiro. E também não estou falando da fortuna que custou – 13 milhões de reais (!). Ou melhor, tem a ver com grana sim. O dinheiro usado para pagar a equipe cruzeirense veio de um empréstimo de um empresário. Isso mesmo, uma pessoa física, com interesses que em algum momento podem ser conflitantes, tem o dinheiro que o gigante do Morumbi não tem. Está certo isso? Esse modelo de gestão tem alguma chance de dar certo? A ausência de conquistas recentes do São Paulo responde por si só.
Quero deixar bem claro que esse “modelo” de negócio tem sido uma praxe entre os clubes brasileiros. O próprio São Paulo fez isso no ano passado para contratar o meia Everton, que estava no Flamengo. O Tricolor representa aqui para mim um problema crônico, impregnado nos clubes brasileiros, que atende pelo nome de dirigente estatutário. As pessoas que têm a caneta nas mãos são apaixonadas pelo time, como o torcedor que está na arquibancada. Nada os difere. Nenhuma preparação, nenhum curso. Nada.
Se o São Paulo pegasse esse dinheiro no banco os juros seriam maiores. Se pagasse o Cruzeiro com recursos próprios talvez atrasasse salários e/ou direitos de imagem. Compreenda que o caso Raniel é um sintoma da doença que tem o clube. A conta não fecha. Se gasta mais do que se arrecada. As dívidas não param. E repito: não estou entrando na área técnica. Porque se entrasse sobrariam argumentos reiterando que Raniel não tem esse valor de mercado. Mas aí teria que falar também da estranha contratação de Biro Biro, da mais estranha ainda liberação de Diego Souza ao Botafogo e o texto ficaria insuportavelmente longo.
São-paulino, esqueça os outros clubes e foque no seu. Resumindo: o poderoso Tricolor do Morumbi é tão mal administrado que tem que pedir dinheiro emprestado a uma pessoa física para contratar um reserva do Cruzeiro. Não cobre só o Cuca, só o Pato, só o Hernanes. Cobre quem está assinando por tudo isso.