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A ‘retranca’ de Carille no Corinthians

Simplificar e resumir a complexidade do futebol é algo inevitável. Mas não necessariamente justo. Assim como condicionar a análise apenas pelo resultado. Claro que a vitória é o objetivo máximo de qualquer competição. Mas não é só quem fica campeão que trabalha bem. Reconhecer bons processos contextualizando qualidade do elenco, condições do clube, orçamento e etc é quase que uma obrigação.

A situação de Fábio Carille no Corinthians é a que mais me intriga neste momento. Ficou estampado na cara de todos recentemente que vale o resultado. E só. Se ganha, é exaltado o trabalho de continuidade, da linha de trabalho que vem desde Mano Menezes, passando por Tite em que a consistência defensiva é o que baliza todo o modelo. Se perde, a palavra retranca e tudo de pejorativo que ela carrega vem a tona.

O Corinthians tem a melhor defesa do Campeonato Brasileiro e isso não é fruto do acaso. Tem muito trabalho por trás dos poucos gols sofridos. A linha defensiva de quatro, nos moldes da escola italiana como o Corinthians faz, com coberturas em diagonais dificultando a chegada dos adversários, não aparece em campo da noite para o dia. Além de muito treino de campo é necessário fazer os jogadores entenderem e comprarem a ideia.

É claro que Fábio Carille tem dificuldades em organizações ofensivas e isso ficou gritante neste ano. No título Brasileiro de 2017, as presenças de Jô e Guilherme Arana geravam opções que a equipe atual não tem. É nítido como a coordenação entre os meias e atacantes não está no seu potencial máximo e que o lado esquerdo é muito inoperante ofensivamente. Marcando a direita corintiana com Fágner e Pedinho o ataque do time perde a maior parte de sua força.

Não há trabalho perfeito e nem time imbatível. Mas não podemos condicionar uma linha de análise a cada vitória e/ou a cada derrota. A consistência defensiva do Corinthians deve ser exaltada. Como as falhas ofensivas apontadas. Mas há uma intenção e uma ideia prévia no trabalho de Fábio Carille. Gostando ou não ele entrega o que promete. O resultado em campo vai sair do equilíbrio entre os pontos fortes e os pontos fracos do trabalho.

 

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A 'retranca' de Carille no Corinthians

Simplificar e resumir a complexidade do futebol é algo inevitável. Mas não necessariamente justo. Assim como condicionar a análise apenas pelo resultado. Claro que a vitória é o objetivo máximo de qualquer competição. Mas não é só quem fica campeão que trabalha bem. Reconhecer bons processos contextualizando qualidade do elenco, condições do clube, orçamento e etc é quase que uma obrigação.
A situação de Fábio Carille no Corinthians é a que mais me intriga neste momento. Ficou estampado na cara de todos recentemente que vale o resultado. E só. Se ganha, é exaltado o trabalho de continuidade, da linha de trabalho que vem desde Mano Menezes, passando por Tite em que a consistência defensiva é o que baliza todo o modelo. Se perde, a palavra retranca e tudo de pejorativo que ela carrega vem a tona.
O Corinthians tem a melhor defesa do Campeonato Brasileiro e isso não é fruto do acaso. Tem muito trabalho por trás dos poucos gols sofridos. A linha defensiva de quatro, nos moldes da escola italiana como o Corinthians faz, com coberturas em diagonais dificultando a chegada dos adversários, não aparece em campo da noite para o dia. Além de muito treino de campo é necessário fazer os jogadores entenderem e comprarem a ideia.
É claro que Fábio Carille tem dificuldades em organizações ofensivas e isso ficou gritante neste ano. No título Brasileiro de 2017, as presenças de Jô e Guilherme Arana geravam opções que a equipe atual não tem. É nítido como a coordenação entre os meias e atacantes não está no seu potencial máximo e que o lado esquerdo é muito inoperante ofensivamente. Marcando a direita corintiana com Fágner e Pedinho o ataque do time perde a maior parte de sua força.
Não há trabalho perfeito e nem time imbatível. Mas não podemos condicionar uma linha de análise a cada vitória e/ou a cada derrota. A consistência defensiva do Corinthians deve ser exaltada. Como as falhas ofensivas apontadas. Mas há uma intenção e uma ideia prévia no trabalho de Fábio Carille. Gostando ou não ele entrega o que promete. O resultado em campo vai sair do equilíbrio entre os pontos fortes e os pontos fracos do trabalho.
 

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Yeferson Soteldo e a anatomia de um passe

Soteldo: muitas informações num processamento intuitivo. (Foto: Reprodução/ESPN)

 
No último sábado, o Santos venceu o Vasco pelo placar mínimo, em São Januário, gol marcado pelo estreante Taílson. A construção do gol é belíssima – você pode assisti-la aqui. Por motivos estéticos, o maior destaque foi dado à linda assistência de Evandro.
Mas há um outro detalhe, que julgo ter passado despercebido: o passe de Yeferson Soteldo para Evandro. Não sei vocês, mas vi naquele passe um significado tão grande, uma tomada de decisão tão elaborada, e é sobre isso que gostaria que conversássemos hoje, com alguma profundidade.

***

Para ilustrar meu ponto, acho interessante olharmos para o lance por pelo menos três maneiras: a construção do gol; as ações de Soteldo desde o recebimento da bola até o passe, e o instante exato do passe.
O primeiro caso talvez seja até o mais bonito dos três, porque nos mostra a jogada desde o início, primeiro de dentro para fora, depois de um lado para o outro, balançando a defesa do Vasco. Do ponto de vista defensivo, acho importante citar que Rossi parece estar uma linha acima do que estava no primeiro tempo, quando o Vasco se defendeu em 4-4-2 (Talles Magno e Marrony por dentro). Naquela estrutura, desconfio que este passe por dentro, que dá origem ao lance, não teria acontecido.
Em seguida, repare como Soteldo recebe a bola e, um ou dois segundos depois, já está cercado por dois jogadores do Vasco (Yago Pikachu e Andrey). Embora seja sabidamente reconhecido pela facilidade nas jogadas de 1 v 1, Soteldo dá dois ou três toques na bola e, logo na sequência, sem tocar na bola, parece acertar a passada – este é o primeiro ponto. Logo depois, de uma forma surpreendente, ele faz o passe para Evandro, na altura e velocidade exatas – este é o segundo ponto.
No replay fechado, peço que repare no gesto de Soteldo no instante do passe. Em condições normais, seria comum que este mesmo passe fosse feito com a chapa do pé (pensando em um cruzamento, por exemplo), mas não, o passe de Soteldo foi praticamente com o peito do pé, como se fatiasse a bola. Ainda nesta câmera mais próxima, repare como imediatamente após o toque, a bola passa a girar levemente para trás – quero falar sobre este efeito adiante. No gesto, uma leveza de quem não titubeou na tomada de decisão.
Vamos falar um pouco melhor sobre todas essas decisões.

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Que motivos fariam Soteldo passar a bola com o peito e não com a chapa do pé? De início, penso em cinco hipóteses:
– se tentasse passar a bola com a chapa, talvez Soteldo precisasse de mais um leve ajuste corporal, especialmente via pé de apoio, que o permitisse bater do lado de fora da bola, com a parte de dentro do pé. Seria um ajuste realmente mínimo mas, a meu ver, suficiente para que algum dos marcadores pudesse fazer a leitura e, eventualmente, tentasse uma interceptação. Batendo na bola como bateu, Soteldo reduziu em algumas frações de segundo o tempo entre o início do movimento e o contato com a bola (comparado ao tempo que levaria caso batesse de chapa);
– batendo na bola como bateu, Soteldo aplicou uma força que fez com que a bola chegasse ao destino algumas frações de segundo antes do que talvez levasse caso ele batesse de chapa, o que permitiu que Evandro recebesse a bola com espaço e tempo suficientes para tomar a decisão que quisesse – inclusive o passe que de fato deu;
– batendo na bola como bateu, pelo alto (e não rasteiro) talvez lhe tenha ocorrido que, naquela situação, os riscos de interceptação pelo chão eram potencialmente maiores, o que também faria com que os riscos em contra-ataque fossem significativos (e o Vasco tem alguma velocidade no trio Rossi – Marrony – Talles Magno). Portanto, era preciso encontrar uma forma de comprar o risco, mas diminuindo as possibilidades de perda da posse;
– fatiando a bola como fatiou, Soteldo escolheu por um efeito potencialmente mais fácil de ser dominado. Se batida de chapa, talvez essa bola ganhasse um tipo de giro, de um lado a outro, que faria dela potencialmente mais difícil de ser dominada. Da maneira como o lance se construiu, Evandro teve menos dificuldades para dominar a bola e tomar a decisão seguinte;
– tão logo Soteldo recebeu a bola, Andrey fechou um espaço importante ao seu lado, de modo que, caso ele decidisse passar a bola de chapa (correndo o risco de fazer um leve arco), provavelmente ela pegaria no volante vascaíno e não chegaria ao destino. Bater com o peito do pé foi um escape inteligentíssimo para resolver o problema posto.
Muito bem, as hipóteses são muitas, mas o ponto é: no caso de qualquer uma das cinco alternativas (ou das cinco juntas), Soteldo tomou a decisão em frações de segundo. Por isso, não me parece razoável dizer que Soteldo refletiu profundamente sobre todas aquelas coisas para tomar a decisão: ele apenas decidiu! Ou, se você preferir, foi uma decisão mais instintiva do que racional. Por contraditório que pareça, se pensasse muito, talvez Soteldo tivesse se equivocado.

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Quando digo que ele apenas fez, quero ser mais claro: a tomada de decisão do atleta, quando imerso no jogo, parece mais intuitiva do que racional. Algo próximo do que certa vez escreveu o Nietzsche, naquela já célebre frase ‘algo pensa em mim’.
Este algo que pensa no jogador (e que também pensa no treinador) vai ao encontro de algumas descobertas de áreas vizinhas ao futebol. Os colegas certamente já ouviram falar do livro Rápido e Devagar, de Daniel Kahnemann (Prêmio Nobel de Economia), que afirma que o funcionamento da nossa mente passa por dois sistemas: o Sistema 1 e o Sistema 2. O Sistema 1 ‘opera automática e rapidamente, com pouco ou nenhum esforço e nenhuma percepção de controle voluntário’, enquanto que o Sistema 2 ‘aloca atenção às atividades mentais laboriosas que o requisitam, incluindo cálculos complexos’. Da mesma forma, os colegas que leram o também famoso Daniel Goleman, especialmente naquele livro Foco, haverão de se lembrar da sua observação sobre os sistemas ascendente e descendente. Enquanto que o sistema descendente é ‘mais lento, voluntário e esforçado’ (análogo ao Sistema 1 de Kahnemann), o sistema ascendente é aquele que ‘opera em milissegundos, involuntário e intuitivo’ (análogo ao Sistema 2). Ou seja, decisões que exigem rapidez, especialmente num ambiente de tamanha complexidade (como os jogos em geral e os jogos contextuais, em particular) talvez estejam muito mais próximas da intuição do que da razão pura.
Todas aquelas deliberações que coloquei acima, que talvez tenham levado Soteldo a fazer o que fez, são razoavelmente simples de se fazer depois do lance, com tempo e algum distanciamento para reflexão, mas parece claro que o jogador não tem tempo e condições de fazer tamanhas coisas, naquele instante, via mente racional. Não sei vocês, mas as decisões de Soteldo, que em um ou dois segundos calculou intuitivamente tudo aquilo, me parecem uma maravilhosa expressão do potencial humano, uma grande ilustração das coisas que um sujeito talentoso, em um ambiente favorável, é capaz de realizar. Richard Dawkins, no conhecido O Gene Egoísta, observa que quando um sujeito lança uma bola no ar e a pega de volta, para fazê-lo ele provavelmente recorre a um processo análogo ao das equações diferenciais na matemática, elaboradíssimo – só que em um nível subconsciente. Ou seja, ele pode nem saber o que é uma equação diferencial, mas ele é capaz de fazê-la, de fato. Todos esses cálculos são intuitivos e parece haver neles e nessa intuição uma riqueza, uma sofisticação tão grande que, a meu ver, foram sendo levemente escanteadas, talvez pela nossa herança cartesiana, que confia tanto (às vezes até demais) no pensamento puro.
No futebol, falar dessas coisas pode causar um certo desconforto, pois há quem faça uma associação imediata entre a intuição e o inatismo. Mas no livro ‘Por um Futebol Jogado com Ideias’, dos professores Israel, José Guilherme e Garganta (que já citei algumas vezes e citarei novamente abaixo), há uma passagem interessante, que deixo a seguir: ‘(…) o termo ‘intuição’, não deverá, portanto, ser entendido enquanto qualidade ingênita, mas como consequência do modo como o sujeito organiza os diferentes níveis da sua relação com os fenômenos e como vai (…) atualizando as suas concepções e experiências’. Daí que a intuição não seja uma característica puramente inata e imutável, mas sim em mudança, suscetível ao mundo da vida, podendo ser refinada, por exemplo, a partir do treinamento de bom nível. Neste sentido, repare como as metodologias de treinamento são realmente fundamentais para o debate, porque um treino qualquer, feito de exercícios quaisquer, pode dar ao atleta estímulos quaisquer – mas não os estímulos de fato fundamentais para melhores decisões racionais e/ou intuitivas. O treino é ouro.
A grandiosidade de informações processadas por Soteldo num instante tão curto me pareceu um caso admirável, que mostra como a sofisticação intuitiva pode ser decisiva – e como está relacionada ao bom treinamento.

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Por fim, vamos pensar em outra coisa: esta ação de Soteldo, da qual falei até agora, foi uma ação técnica? Durante todas essas linhas, será que falamos de uma ação meramente técnica?
Bom, eu acho que não. A meu ver, trata-se de uma ação especialmente tática. Explico: quando falamos de tática, mais uma vez, não podemos confundir tática com sistemas táticos. Quando falamos de tática, falamos de uma ‘gestão (posicionamento e deslocamento/movimentação) do espaço de jogo pelos jogadores e equipes’ (ibidem, p.26). Nos Jogos Desportivos Coletivos, como é o caso do futebol (que ainda é jogo de invasão), não deveria nos surpreender que a dimensão tática seja de tamanha importância. Daí que as ações técnicas sejam meios para resolver problemas táticos – e não o contrário.
Em primeiro lugar, repare que Soteldo recebe a bola com os pés quase que sobre a linha lateral, espetado no setor esquerdo, provavelmente como uma instrução de Jorge Sampaoli. No momento ofensivo, os laterais do Santos (Victor Ferraz e Jorge) entravam em diagonal, jogavam como meias (basta ver a participação dos dois no lance do gol, os toques de letra), de modo que quem gerava amplitude no momento ofensivo eram justamente os pontas. No primeiro tempo, inclusive, Taílson teve a atenção chamada por Sampaoli porque, vez por outra, não abria o campo como o treinador gostaria. No último terço, podia centralizar (como de fato fez, no lance do gol)
Soteldo, como dizíamos, recebeu espetado não porque quis, mas provavelmente por ter assimilado as instruções do treinador (que, por sua vez, devem ser condizentes com um modelo de jogo largamente construído). Estando aberto, recebeu a bola com tempo suficiente para conduzi-la e avaliar, intuitivamente, a decisão que tomaria. Me chama muito a atenção a pequena correção na passada, feita logo antes do passe, porque ali ele pode encontrar o espaço necessário para bater na bola da maneira como bateu, exatamente no espaço entre Yago Pikachu e Andrey. Se tivesse recebido a bola em um espaço mais interior, talvez fosse obrigado a decidir por uma situação de 1 v 1, o que de fato ele faz muito bem, mas que provavelmente resultaria em outra jogada que não o lance deste gol.
Embora minha ênfase, neste texto, seja no passe exuberante de Soteldo, repare como o passe só foi possível porque está entre uma série de razões táticas, que mediaram o começo e, especialmente, o final deste lance.

***

Espero não ter me alongado tanto, mas entendo que é um assunto bastante interessante para todos nós, que gostamos de aplicar e conversar sobre treinamento, metodologia, as relações tática-técnica, o jogo jogado e assuntos afins. Como sempre, estou mais do que disponível para conversarmos nos comentários e/ou pelas redes.
Continuamos em breve.
 

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Marketing e Legado

Em visita recente à “Terra do Sol Nascente”, ver um jogo de futebol da segunda divisão nacional e um pulo à sede da federação japonesa deixa de maneira escancarada como o Japão pode ensinar ao mundo – não apenas ao Brasil – a maneira de trabalhar com o futebol. Outrora incansáveis aprendizes – ainda são -, ao longo dos últimos 35 anos aquele país do extremo oriente deixou de ser coadjuvante para protagonista do futebol internacional.
Em um primeiro momento, enviaram seus melhores jovens futebolistas para grandes centros da modalidade pelo mundo, como o Brasil. Simplesmente para aprender, adquirir ritmo e volume de jogo, que o esporte de rendimento exige. Anos depois, renomados atletas de diversas partes do mundo partiram rumo ao Japão para contribuir no desenvolvimento do futebol por lá. Poucos anos mais tarde este trabalho resultou no lançamento da “J-League”, a liga local de futebol, em 1993.
Foi a grande virada. Parênteses.
As grandes empresas japonesas não são somente referências mundiais. São motivo de orgulho e grandes exemplos para todo o Japão: filosofia de trabalho, cultura organizacional, importância do método (ou o processo), disciplina e o foco no resultado são ideais que a sociedade nipônica observa e persegue. Por isso que é compreensível, dentre tantos motivos, que Ayrton Senna seja tão admirado por lá.
Fecha parênteses.
É preciso entender o conteúdo do parágrafo citado acima porque o futebol japonês é baseado no clube-empresa. Muito do esporte de rendimento naquele país é financiado pela iniciativa privada e assim foi desde o surgimento da liga local de futebol (J-League). As equipes pertencem ou possuem grande vínculo com alguma empresa, seja ela de alcance mundial ou simplesmente regional. Ou seja, obedecem a inúmeras normativas e procedimentos de trabalho e isso se aplica aos atletas e comissão técnica. A equipe e o jogo são encarados como produtos e tratados com tal, que concorrem com inúmeras outras opções de lazer, muito mais populares inclusive, como o beisebol.
Gasta-se muito, sim. Entretanto, com responsabilidade.

Cartão telefônico da NTT japonesa com os mascotes das equipes da “J-League” de 1993. (Foto: Reprodução/Divulgação)

 
Há de se lembrar que nos primeiros anos da “J-League” era surpreendente ouvir os valores das transações de atletas que partiam para futebol japonês. Muito além, inclusive, aos dos europeus. Atualmente, o Japão não gasta tanto, quer seja pelo desenvolvimento da indústria do futebol no planeta, quer seja pelo crescimento do futebol local, com muito mais bons jovens futebolistas japoneses, que não precisam mais se espalhar pelo mundo, uma vez que a sua terra proporciona boas condições para que exerçam os seus dons.
De onde vêm estes jovens?
Desta vez, resultado de todo um trabalho que a federação japonesa faz por todo o país, de proteger e difundir o esporte, através de escolas de formação e competições de categorias de base. Ao lado da liga profissional, os resultados são evidentes: o Japão a partir de 1998 participou de todas as copas do mundo masculinas, foi campeão da copa feminina (2011) e possui um vasto palmarés continental, com alguns excelentes futebolistas nipônicos em grandes clubes pelo mundo.
Com tudo isso, percebe-se que os dilemas e discussões que hoje se tem sobre os rumos do futebol do Brasil, o Japão os superou há quase três décadas. Já colhe os seus frutos há um bom tempo e continua a plantar. Não só nos campos político, sócio-econômico, o Japão nos ensina que inovar é preciso, e que discussões que levam nada a lugar algum são perda de tempo. O bom senso é a ordem, ao entender um mercado e observar o que vai ficar para o futuro. O legado.

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Em tempo mais uma citação que se relaciona com o tema da coluna:

“De modo algum; nós desafiamos o agouro; há uma providência especial na queda de um pardal. Se tiver que ser agora, não está para vir; se não estiver para vir, será agora; e se não for agora, mesmo assim virá. O estar pronto é tudo: se ninguém conhece o que aqui deixa, que importa deixá-lo um pouco antes? Seja o que for!”

Hamlet (Shakespeare)

 

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Fernando Diniz: a nova vítima do São Paulo

Fernando Diniz está certíssimo em aceitar o convite do São Paulo. A camisa pesa. A história é gloriosa. Não dá para falar não para um clube desse tamanho. Só que esse clube está sendo maltratado nos últimos anos. Sua gestão tem sido amadora, sem convicção, muito mais aleatória do que planejada. A pouca movimentação recente na sala de troféus não me deixa mentir. E Diniz pode ser engolido por esse ambiente que não respira sucesso e não cria vitórias.
A força motriz do trabalho de Fernando Diniz está na criação harmônica de relações interpessoais entre os jogadores. A tática é consequência disso. Um goleiro, por exemplo, jamais terá segurança para sair jogando com os pés se os zagueiros, laterais e volantes não forem solidários para abrir linhas seguras de passe. Um meia não tentará um drible mais ousado se não confiar que as coberturas serão bem executadas, caso algo dê errado. Portanto, Diniz acredita que se não houver amizade, respeito e conexão entre os jogadores essas ações e reações não serão cumpridas em campo. As saídas prematuras de Fluminense e Atlético-PR criaram casca e trouxeram lições ao novo treinador do São Paulo. A convicção é a mesma dos tempos de Audax. Mas as derrotas criaram novos aprendizados.
É muito difícil cravar ou o sucesso ou o fracasso de qualquer profissional e/ou time. Mas é possível fazer uma análise das dificuldades que todos atualmente têm para conseguir sucesso no Morumbi. Jogadores e treinadores de comprovada competência naufragaram por não terem as condições necessárias para triunfar. O problema hoje é do clube. Não dos profissionais. Falta de coerência, de ideia de jogo, de perfil técnico e psicológico de contratações são consequências de uma mentalidade diretiva que ainda acredita que o sucesso é fruto do acaso. Sendo que o sucesso é previsível e deixa pistas. Trocar tanto de técnico e contratar jogadores por ‘oportunidades de mercado’ e não por lógica de jogo estão na lista de atributos de projetos fracassados.
 

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Sobre as variações do meio-campo em losango – Parte II

Eugenio Corini, treinador do Brescia: contra a Juventus, um losango clássico. (Foto: Reprodução/Serie B News)

 
Os colegas que me acompanham há mais tempo se lembrarão de uma coluna que escrevi em fevereiro, na qual fazia alguns apontamentos sobre as variações do meio-campo em losango. Como disse à época, é uma estrutura que me agrada muito (os motivos estão no texto) e que, ao mesmo tempo, parecia estar próxima da extinção, ao menos nas grandes ligas.
Felizmente, este início de temporada europeia trouxe algumas surpresas, e já não cabem em uma mão as equipes que, uma vez ou mais, vi jogando em losango até agora. Mas na última semana, me surpreendi ao assistir um jogo não apenas com uma, mas com as duas equipes jogando em 4-3-1-2: Brescia x Juventus.
Neste texto, gostaria de avançar um pouco mais neste sistema, que acho tão rico. Vejamos.

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Como já conversamos em outros momentos, acho fundamental termos em mente, quando falamos dessas coisas, as diferenças entre estrutura e modelo. Quando falamos de modelo de jogo, falamos de um elemento maior, transversal, estável, que atravessa os jogos, as semanas e os meses de competição. Por outro lado, quando falamos das estruturas, falamos de um elemento mais pontual, mais flexível, passível de ser alterado de um jogo para outro, muitas vezes dentro do próprio jogo. Ambos os conceitos estão dentro de uma noção maior, que podemos chamar de tática (portanto, tática e estruturas táticas são coisas diferentes). Daí que este seja um texto em que falaremos mais de estruturas do que de modelo.
Ao mesmo tempo, acho bastante saudável perceber como cada treinador lida com as relações entre modelo e estrutura. Alguns são mais flexíveis do ponto de vista estrutural, alteram tranquilamente os sistemas de acordo com a partida, mas o fazem sabendo que, uma vez que é o modelo a referência principal de comportamentos individuais, grupais e coletivos, as respostas aos problemas do jogo tendem a se manter (para citar um exemplo conhecido, posso falar de Jorge Sampaoli, que faz isso com enorme competência). Por outro lado, também há treinadores que praticamente vinculam a estrutura ao modelo, ou seja: uma determinada distribuição espacial é parte quase que inegociável dos comportamentos coletivos, e são poucas as chances de mudanças da estrutura dentro do jogo ou mesmo ao longo do tempo. Neste caso, um exemplo que me ocorre é Antonio Conte, hoje na Internazionale (falamos dele na última semana).
Marco Giampaolo, hoje no Milan, é um desses treinadores mais próximos deste segundo exemplo que citei: não me lembro de tê-lo visto, nos últimos anos, abrindo mão do losango de meio-campo. Mas o difícil começo de temporada do Milan parece ter causado alguma insegurança neste sentido. Nessas situações, em que precisamos reverter um contexto negativo, será que nossa maior preocupação deve estar nas estruturas ou deveria se voltar para o modelo? Se levarmos em conta a flexibilidade de um e a maior estabilidade do outro, talvez seja uma pergunta mais difícil de se responder do que parece.

Aqui, um recorte defensivo da Juventus contra o Brescia, na última semana: nesta e em algumas outras situações, uma disposição não exatamente em losango, ainda que em 4-3-1-2. O Brescia ainda se reposiciona após uma bola parada ofensiva.

 
Todas as equipes que jogam em losango podem ser conceituadas como 4-3-1-2, mas nem todos os 4-3-1-2 são losangos. Foi parte do que me ocorreu assistindo a este Brescia x Juventus, na última semana, especialmente a partir do comportamento da Juventus, hoje treinada por Maurizio Sarri. Ainda que claramente em um 4-3-1-2, me parecia se tratar de uma equipe que, especialmente no momento defensivo, não exatamente se dispunha em losango, mas sim em algo mais próximo de um triângulo, com três meias em linha (no caso, Pjanic, Khedira e Rabiot), logo atrás de Ramsey, meia-central. Embora os jogadores mais abertos da linha de três saíssem em diagonal vez por outra (o que acaba sendo um recurso importante nesses sistemas, especialmente para cobrir os corredores laterais), a estrutura principal me parecia ser essa. Por outro lado, o Brescia, também jogando em 4-3-1-2, adotava um losango nítido, de referências defensivas zonais – próximas daquilo que observei em fevereiro, quando falei da Sampdoria. Ou seja, o losango ocupa os espaços em função do movimento da bola, flutua de acordo com o movimento da bola e flutua cuidando para que a área do losango seja a menor possível, encurtando as possibilidades do adversário por dentro (isso parece especialmente relevante no futebol italiano).
Do ponto de vista defensivo, quais são as vantagens de se posicionar em um 4-3-1-2 que não seja um losango? A meu ver, talvez haja pelo menos duas vantagens: a primeira é que, pelo menos a priori, o volante tende a ficar menos sobrecarregado, especialmente se o adversário tiver alguma tendência para construir no espaço entrelinhas. Se a largura dessa linha de três for baixa (o que provavelmente irá acontecer se as referências forem zonais), melhor ainda. A linha flutua junto da bola e, em condições normais, haverá coberturas em todo o setor. A outra vantagem, por arrastamento da primeira, está na ocupação daquilo que alguns colegas alemães chamam de half space – os espaços bem entre os corredores lateral e central. Numa defesa em losango, a chance deste espaço estar descoberto bem às costas dos dois meias abertos é potencialmente maior do que na comparação com esta linha de três a que me refiro. Quando Pep Guardiola se refere aos ‘espaços indefensáveis’, lugares do campo que, segundo ele, são impossíveis de se defender, tenho alguma convicção de que ele fala exatamente destes lugares, e acho que o grande exemplo está em algumas das leituras exuberantes de Kevin de Bruyne (a assistência dele para o gol de Sterling, neste vídeo, representa bem o espaço a que me refiro) .
Voltando ao 4-3-1-2, lembre-se ainda do Slavia Praga, de que falei na última coluna, cujo losango de meio-campo se defende não por zonas, mas sim por encaixes individuais – e o faz de maneira elogiável.

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Do ponto de vista ofensivo, vejo pelo menos duas observações importantes no 4-3-1-2. O losango, a meu ver, oferece melhores possibilidades quando comparado ao ‘não-losango’, uma vez que as alturas dos jogadores de meio-campo tendem a ser diferentes (ou seja: em um losango, os quatro jogadores de meio-campo ocupam pelo menos três linhas diferentes, enquanto que neste ‘não-losango’, o meio-campo tem apenas duas linhas diferentes, concorda?). Isso tem repercussões importantes na construção ofensiva, uma vez que as diagonais (o chamado escalonamento) podem qualificar as opções de passe do portador da bola, ao mesmo tempo em que causam maiores danos em potencial à defesa adversária, uma vez que alturas diferentes no campo tendem a facilitar o encontro do espaço entre as linhas – especialmente se pensarmos que existe uma tendência contemporânea para defesas em 4-4-2 ortodoxo (duas linhas de quatro) e 4-1-4-1. Neste segundo exemplo, caímos naquela mesma situação que citei acima, o possível espaço às costas dos meias, entre os corredores. Daí a potência de alturas diferentes no ataque.
O mesmo raciocínio, amigos e amigas, vale para as transições ofensivas, onde o losango me parece ter uma natureza mais sofisticada do que o ‘não-losango’, exatamente em razão das diagonais. Imagine uma situação em que nosso volante recupera a posse de bola na intermediária defensiva. Se jogamos em um ‘não-losango’, provavelmente ele terá duas opções imediatas de passe a seu lado – mas ambas na mesma linha. Do ponto de vista de retirada da bola da zona de pressão, pode não ser uma alternativa das mais interessantes, especialmente se o adversário tem bons mecanismos de transição defensiva (como tem este Flamengo, por exemplo). Por outro lado, na mesma situação, uma estrutura em losango pode oferecer ao nosso portador duas opções nas suas diagonais, ambas podendo alcançar, talvez em um toque, o meia-central, que também estará próximo. Para equipes que desejam transições mais apoiadas, especialmente via corredor central, vejo que o losango oferece potencialidades bastante importantes.
Pense ainda nas repercussões que o tamanho (ou a área) deste losango pode ter quando visto dentro de um certo modelo de jogo. Por exemplo, se a ideia for atacar apoiado, concorda que quanto maior a área do losango, talvez menores sejam as conexões imediatas para o portador da bola, especialmente se a ideia for dar um ritmo alto ao ataque, com poucos toques? Neste caso, talvez seja indicado que as distâncias sejam menores, os meias mais próximos, exatamente para facilitar as conexões entre eles. Digo isso também porque foi uma das coisas que me incomodaram na Juventus, neste jogo que citei, quando havia uma clara tendência dos meias (Khedira e Rabiot) para abrir o losango, atacar os espaços em diagonal, diminuindo as conexões por dentro – muito embora esta também seja uma preferência pessoal minha, que talvez não fosse a ideia do treinador naquele momento (ainda que eu desconfie o contrário).
De qualquer forma, repare como estrutura e modelo, ainda que diferentes, estão em diálogo constante.

***

Por hoje está suficiente – mas o tema está longe de se esgotar. Vou trazendo o assunto aos poucos, também de acordo com as reações e comentários de vocês.
Continuamos em breve.
 

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Mandos. Desmandos. Comando.

Que bagunça, para não dizer algo mais impróprio. Demissões de alguns treinadores, contratações de outros; Figueirense cobaia e laboratório de plano que conduzia nada a lugar algum; a grandeza do Fluminense e sua torcida a presenciarem publicamente episódio de desrespeito à instituição.
Não é o caso debruçar-se sobre os motivos para que tudo isso acontecesse. Ao mesmo tempo não é necessária uma análise mais profunda. Percebe-se claramente que a origem destes problemas supracitados passa pela ausência de uma gestão profissional. Ora, já tratamos isto em outras colunas por aqui. Por profissional não se entende apenas por ser pago pelo que se faz. Por profissionalismo compreende-se um plano estratégico executado através de um método, com base em missão, visão e valores de uma instituição, envolvidos em um ambiente em que se sabe a sua vantagem e diferencial competitivo, com funcionários e colaboradores cientes de todo este processo e, com isso, o respeitam. Respeitam.
Respeitam também a hierarquia. E o comando de quem comanda.
Mesmo pelo pouco divulgado, não foi isso o que aconteceu no Cruzeiro, nem no São Paulo Futebol Clube. Neste último, é nítido que não se considera o trabalho de quem gere o futebol e que o topo da hierarquia “joga para a torcida”. O respeito à hierarquia não é apenas de baixo pra cima. É preciso respeitar o trabalho de quem é designado a fazê-lo.
No Figueirense, implementou-se a toque de caixa uma ideia de “clube-empresa”. Bacana a proposta, no entanto sem garantias financeiras. Como conduzir uma organização que não sabe que caminho tomar? Em analogia a Sun Tzu em “A Arte da Guerra”, a instituição não se conhece a ela mesma e o resultado, portanto, é previsível.
Por fim, Paulo Henrique Ganso e Oswaldo de Oliveira. Entre certos e errados, eles que se acertem. Só se percebem erros. Desrespeito ao superior, o emprego do vocabulário, a reação, o local onde isso acontece e a vestimenta usada pelos dois quando isso aconteceu. Pode parecer estranho, mas a camisa do clube foi vestida por centenas de atletas que deram o máximo por ela. O gramado do Maracanã foi e é palco de inúmeras demonstrações de honra ao futebol, muitas delas protagonizadas pelo clube em questão.
A sobrevalorização do “eu” em detrimento do coletivo. De se “dar bem” em prejuízo a alguém. O desrespeito. Talvez seja o problema e a doença de todo o país. De não se valorizar atitudes de bom senso, a valorização do trabalho e de um espírito coletivo a fim de construir uma sociedade mais forte e justa. A máxima do “cada um por si”.

Oswaldo de Oliveira e Paulo Henrique Ganso durante confusão há alguns dias. (Foto: Reprodução/Divulgação)

 
Diante disso, sem sombra de dúvidas que a origem de todas estas questões está na sobrevalorização do indivíduo, em detrimento do coletivo. Um coletivo que sugere o estabelecimento de uma cultura organizacional que, a prazo, conduzirá a resultados satisfatórios para toda a sua comunidade de colaboradores e, no caso do futebol, aos seus torcedores. A esta cultura organizacional, sugere-se uma boa gestão, com o profissionalismo, sendo a base disso tudo: o respeito.

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Em tempo mais uma citação que se relaciona com o tema da coluna:

“Nunca foi. Ambição, desejo de se tornar herói nacional e ganhar mais dinheiro sempre foi mais forte.”
Tostão, campeão mundial de futebol em 1970