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O Estilo de Jogo e o Marketing do Futebol

Em evento realizado há alguns dias, discutia-se sobre a análise do jogo: sua ciência, seus conceitos e protocolos. Uma parte importante dentro da indústria do futebol e, por mais que em um primeiro momento não possa parecer, colabora muito com o marketing da modalidade, quer seja o de um atleta ou de uma instituição. A característica no estilo de um futebolista e de todo um plantel são capazes de refletir a cultura e filosofia de uma instituição, sobre como ela observa o jogo e colabora para ele, de acordo com o que acredita e o seu papel dentro do universo do futebol.
Tudo parte do princípio sobre como a instituição enxerga o esporte e se posiciona no ambiente em que atua. Isso se origina dentro das quatro linhas – a maneira como a equipe joga, ofensiva ou defensiva, posse e toque de bola – e toma forma para além do campo, com todo o quadro de colaboradores, inseridos em uma cultura e filosofia de trabalho, tendo como base a missão, a visão e os valores da instituição.
A implementação de uma rotina de trabalho e plano de ação, de acordo com uma filosofia organizacional – princípio do marketing e fundamental para o planejamento estratégico – sugere a aquisição de determinados atletas e funcionários. Em determinadas ocasiões atraem investidores e patrocinadores que se identificam com estas características.
Exemplo disso é certa equipe europeia em que todo atleta ao receber um passe volta o corpo para o campo de ataque ou em direção à meta oposta. Mesmo marcado ele não dá as espaldas ao objetivo, gesto que vai em encontro com a filosofia da organização (clube), que é de avançar e crescer. Ora, não se faz isso em dando as costas para o objetivo, que dentro de campo é o gol onde se deve atacar.
Na América do Sul, muitos sabem dos tempos sombrios do argentino River Plate no início desta década e da virada do clube a partir de Marcelo Gallardo como treinador. Segundo ele, voltaram-se a um estilo de jogo que resgatava a filosofia do clube, das categorias de base ao elenco profissional, de respeitar o estilo de jogo que tornou a instituição grande e sua maneira de se jogar o futebol. A partir disso o River começou a desempenhar com os 3 “Gs” que foram uma parte importante da aproximação do clube com o seu jogo: Ganar (Ganhar), Gustar (aproveitar/divertir-se) e Golear (golear).”
Esta filosofia (ou cultura, como preferirem) é capaz de proporcionar bons jogos, potencializar a presença de público e de rendimentos. Gerar experiências inesquecíveis aos torcedores. Não à toa o River Plate, especificamente, além de possuir um dos melhores planteis por estas bandas, é estudo de caso bem sucedido de gestão e marketing do esporte. Alto lá, não falo do seu presidente e como ele se envolve nos bastidores, mas sim de como o clube se transformou ao longo desta década.

Plantel do C. A. River Plate (Argentina) e seu treinador, Marcelo Gallardo (de preto), ao erguerem a Taça Libertadores da América. (Foto: Reprodução/CONMEBOL)

 
Assim sendo, o futebol como é jogado é sim capaz de refletir toda a cultura de trabalho de um clube, e isso ser percebido para além do campo, dentro de toda organização. Primeiro é uma ideia interna, que acaba por envolver toda a instituição. Esta ideia acaba por tomar o mercado, que passa a ver a organização a partir dessa ideia (ou o grupo dela).

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Em tempo mais uma citação que se relaciona com o tema da coluna:

“E para o River, ser River novamente foi, sobretudo, uma vitória de caráter.”

Trecho da revista “Four Four Two”,
sobre a mudança do Club Atlético River Plate ao longo desta década.

 

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A inútil posse de bola do futebol brasileiro

A crise de identidade do futebol brasileiro teima em não passar. Já falei sobre nossa cultura individualista e de ‘futebol-arte’, muito presente ainda no inconsciente coletivo pelas Copas do Mundo vencidas. Lembramos mais dos heróis do que dos vilões, ou carregadores de piano. Lembramos mais de quem fez o gol do que de quem defendeu. Normal. Está enraizado pensar assim.Vai demorar para mudarmos pra uma visão mais coletiva do jogo.
Mas o objetivo desse texto não é simplificar cinco Copas vencidas, dizendo que se não fossem os defensores, os atacantes não brilhariam. Quero enfatizar aqui uma teórica busca por “resgate as origens” de alguns atuais treinadores brasileiros propondo um jogo de posse de bola com a suposta tese de que assim nossa escola futebolística está sendo respeitada e resgatada. Ledo engano.
Analisando equipes da primeira divisão do Campeonato Brasileiro vejo uma pobreza de ideias e recursos ofensivos absurda. Veja bem, contra-ataque e transições ofensivas também são maneiras válidas de atacar. E que tem a sua beleza, sim! Não partilho do conceito de que só uma ação ofensiva com mais de vinte passes é esteticamente digna. Mas até para chegar ao gol adversário com poucos passes é preciso cumprir alguns aspectos básicos da lógica do jogo. E para isso precisa ideia, treino, ou seja, competência e intenção no que se faz.
Me dá agonia ver equipes com mais posse de bola do que o adversário, que trocam mais passes do que o rival só que quando mergulho nos números vejo que a maior parte desses passes é para o lado e/ou para trás e que a parte da posse menos presente é no terço final de ataque.
Oras, tivemos já o melhor futebol do mundo não porque ficávamos mais tempo com a bola. E sim porque sabíamos muito bem o que fazer com ela. Dominar o adversário não significa ter mais porcentagem de posse. Para mim, uma equipe é superior a outra quando tem suas ações com e sem bola muito bem definidas e cumpridas com excelência. A posse é meio e não fim. Não podemos nunca nos esquecer: ganha o jogo quem faz mais gols do que o adversário e não quem tem mais tempo a bola nos pés. O foco então deve ser criar conceitos, princípios e ideias que aproximem sua equipe a ter mais condições de gerar chances reais de gol. E para isso não precisa ter a bola por quatro minutos seguidos, por exemplo.
Evoluímos já do conceito de que para o momento ofensivo é só dar a bola no pé do craque que ele resolve. Porém, vejo ainda muitas lacunas não só dos treinadores, mas dos próprios jogadores sobre domínio de espaço e tempo. Resgatar o futebol brasileiro não é ter um suposto jogo bonito, tendo noventa por cento de posse. E sim ter uma intenção tão clara e bem executada, individual e coletivamente, que o adversário se treme todo ao saber que vai nos enfrentar.
 

 

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Sobre o jogador inteligente

Juan Roman Riquelme: um dos vários leitores de entrelinhas. (Foto: Reprodução/goal.com)

 
Um dos mais repetidos debates entre os amigos e amigas do futebol está certamente associado ao conceito de inteligência. Se estou bem lembrado, esta mesma Universidade do Futebol já trouxe (e traz) contribuições importantes neste sentido. Tratar da inteligência no futebol é tratar de um terreno bastante fértil, uma vez que são possíveis (e desejáveis) contribuições das mais diversas áreas do conhecimento.
Neste texto, gostaria de trazer uma contribuição específica, que me ocorreu outro dia, em uma leitura que citarei abaixo. A partir dela, espero construirmos um olhar que nos permita não apenas re-pensar o que entendemos como inteligência no futebol, como também nos permita re-pensar as formas de praticar isto que entendemos por inteligência no futebol.

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Leio em Severino Antonio, um autor da Educação, no livro ‘Uma nova escuta poética da educação e do conhecimento’, uma passagem bem breve sobre a inteligência, que gostaria de citar. Depois disso, vamos trabalhar um pouco essa passagem. Diz ele, falando da importância de repensarmos as nossas ideias sobre a razão, que é preciso:
“(…) Uma razão que não recuse o diálogo com os símbolos complexos, mas que – ao contrário – redescubra a definição etimológica de inteligência: intus legere, ler dentre, ler dentro, ler nas entrelinhas. Uma razão criativa, capaz de reconhecer os mistérios do mundo, e de dialogar com eles.” (p.23)
Da minha parte, na maioria das vezes em que quero pensar sobre uma palavra, eu não vou exatamente aos dicionários gerais, mas sim aos dicionários etimológicos – aqueles que tratam da origem das palavras. Repare o caminho que a etimologia nos abre quando pensamos na palavra inteligência: o inteligente, em primeiro lugar, é aquele capaz de ler dentro. Daí, é o que consegue ler dentre as possibilidades de dentro e, mais tarde, ainda consegue ler nas entrelinhas daquilo que está dentro. Guarde bem essa ideia. Vamos partir dela para pensarmos o jogador inteligente.

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Fica mais ou menos claro que o jogador inteligente tem uma leitura diferente dos outros jogadores. Os outros, em média, conseguem ler apenas aquilo que pode ser visto. Meus colegas cientistas diriam que são jogadores positivistas (positivo = qualidade do que pode ser visto). Só que os jogadores positivistas não são, necessariamente, jogadores inteligentes. O jogador inteligente é aquele que não está preocupado apenas com o que pode ser visto, apenas com os sistemas, apenas com a bola, com os adversários, apenas com o alvo, ele não está preocupado com nada disso em particular: ele está interessado (às vezes sem saber) no que está através e além daquilo que se vê, além do que os outros estão vendo. Exatamente por isso, ele é diferente. Sabendo ler o jogo nas entrelinhas (e não apenas nas linhas), o jogador inteligente vê o que não se passa nos olhos dos outros. É o que faz dele inteligente.
Dizendo isso, lembro-me daquela frase do Cruyff, que disse que algo próximo de ‘o futebol é um jogo que se joga com a cabeça e em que se usam os pés’. Ou seja, os pés são como acessórios, acessórios que trabalham em seguida do trabalho da cabeça. Mas, sendo os pés acessórios, então você haverá de convir comigo que jogar bem futebol não se centraliza na técnica. O jogador inteligente não é inteligente porque é técnico (se fosse assim, era preferível ter os pés na cabeça), mas é técnico, dentre outros motivos, justamente porque é inteligente. Um desses motivos é tático: se não estiver nos melhores espaços, com tempo suficiente para ação (capaz de inventar tempo, se preciso), em condições de relacionar-se bem com a bola e os companheiros, suficientemente distante dos adversários, podendo prosseguir ao alvo (gol), mesmo o mais técnico dos jogadores terá dificuldades para se criar. Por isso, não basta ser técnico, é preciso ser tático. É claro que isso também vale para as outras dimensões do jogo (que não se separam, como já sabemos), mas enfatizo o tático-técnico, porque o jogador inteligente é aquele que, exatamente por ler nas entrelinhas, sabe onde estão os espaços do espaço e, logo depois, sabe o que fazer com os espaços que se tem.
Se entendi bem, então o jogador inteligente lê nas entrelinhas – sendo as entrelinhas (também) tático-técnicas. Isto dito, pense uma outra coisa comigo: o jogador inteligente se faz jogando. Parece óbvio, mas não é. Por exemplo, caso eu queira formar um jogador inteligente, será inteligente colocá-lo de frente para outro jogador potencialmente inteligente, e pedir que eles troquem X passes entre si? Pé direito, pé esquerdo, chapa, parte externa… Bom, isso até pode torná-los inteligentes no ato de passar-a-bola-curto-fora-do-jogo, mas não necessariamente fará deles jogadores mais inteligentes. Eles serão mais inteligentes se souberem passar a bola curto (como no exercício), acertadamente, em contextos menos e mais complexos, ao longo do tempo, dentro do jogo. O fazedor de embaixadinhas, por exemplo, é inteligente na arte de fazer embaixadinhas, mas não é necessariamente um jogador inteligente. Para formar jogadores inteligentes, é preciso que os jogadores joguem! Não pode ser proibido jogar, pois o jogador inteligente se faz é pelo jogo. Assim, quanto mais atentarmos para as metodologias baseadas no jogo, mais próximos estaremos, a meu ver, de formar jogadores mais inteligentes.
E de onde vêm os jogadores inteligentes? Alguém dirá que eles vêm de fábrica, escolhidos por uma voz celestial, talento nato. Veja bem, eu não descarto as coisas da nascença e inclusive tratei disso neste texto. Mas, ao mesmo tempo, sabemos que os talentos se fazem, de fato, na relação com a vida. Nem só no sujeito, nem só no objeto: na relação. Por isso, a Pedagogia do Esporte é tão importante: porque o sujeito inteligente, ainda que saiba ler nas entrelinhas, não nasceu alfabetizado. Ele aprendeu a ler, depois aprendeu a ler além das palavras, além das frases, além da leitura técnica, para então ler nas entrelinhas. Como disse certa vez o George Steiner, há quem seja, ao mesmo tempo, capaz de ler tecnicamente a letra impressa, mas analfabeto no único sentido que importa. O jogador inteligente, da mesma forma, é alfabetizado no sentido mais importante, é resultado de horas e mais horas de jogo, de boa pedagogia, de cuidado humano, de cuidado com os afetos, de mais jogo. O jogador inteligente não nasce pronto, não está pronto, não estará pronto, porque se faz na relação com o mundo, na relação consigo mesmo, é mais vírgula do que ponto final.
Ainda que esses pontos (todos eles!) não sejam tão simples assim…
 

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Empresa-Clube

Na onda do início de temporada do futebol europeu profissional, por ligação pessoal e afetiva este colunista acompanha a principal liga portuguesa. No fim de semana que passou, jogaram a Sociedade Anônima Desportiva (SAD) Belenenses contra o Sport Lisboa e Benfica. E equipe azul era a mandante, não tinha a Cruz de Cristo – tradicional de Belém – ao peito e tampouco jogava no Estádio do Restelo. Era estranho chamá-la de Belenenses. Por uma cisão do clube social com a SAD – a empresa – há quase dois anos, o clube – o tradicional, histórico, centenário neste ano – “Os Belenenses” refez o seu plantel mas teve que recomeçar. Voltou para a última divisão. Quem detém a vaga no primeiro escalão é a Sociedade Anônima. Este é o imbróglio.
Bom, a torcida dos azuis de Belém, aderiu ao clube, sem dúvida alguma. Não aderiu à empresa, a SAD. O Benfica jogou no último sábado como se fosse “local”. Pelo Brasil, o Figueirense aderiu ao conceito de clube-empresa e atualmente passa por alguns problemas. Existem vários que optaram por este caminho (de clube-empresa) e alguns têm sido bem sucedidos. Mais recentemente, o Red Bull Brasil se mudou para Bragança Paulista e juntou-se ao Bragantino. Nos bastidores da política, articula-se a regulamentação da modalidade clube-empresa, a fim de organizar a atuação e envolvimento das partes interessadas, atrair mais capital privado e estrangeiro.
Nada contra o conceito de clube-empresa. Ele é muito bem-vindo! A regulamentação sugere colocar limites a fim de manter a saúde financeira e criar sustentabilidade para uma organização esportiva, a fim de proporcionar boas condições para os seus colaboradores, melhores condições de trabalho para o atleta e, com isso, garantir ao torcedor um calendário adequado, com preços acessíveis em um recinto esportivo que otimiza a relação custo-benefício.
Em uma análise, como diz o Professor Luiz Haas (Doutorando em Gestão do Esporte pela Universidade de Lisboa), é preciso refletir sobre as tentativas de mudar os clubes associativos para empresas. Os debates ficam sempre nos pontos fortes, como se eles fossem resolver todos os problemas. Ao mesmo tempo, existem pontos fracos que precisam ser avaliados, como os exemplos português e catarinense. É preciso levar em consideração o ponto de vista do torcedor: o quanto a figura de um dono ou grupo de investidores e consequentemente a falta de diálogo podem afastar a massa associativa e toda uma orientação simbólica que um clube carrega. Em um outro extremo, a proposta recente do Botafogo de Futebol e Regatas, com os irmãos Moreira Salles, mostrou-se diferente.

Com a venda do Manchester United FC (alcunha de “Red Devils” – Diabos Vermelhos) para o empresário norte-americano Malcolm Glazer, torcedores do clube contrários à venda fundaram um outro, o United of Manchester (alcunha “Red Rebels” – Rebeldes Vermelhos). (Foto: Reprodução/Divulgação)

 
Portanto, o investimento privado incentivado pelo conceito e prática de um clube-empresa, pode levar o futebol do Brasil para um outro patamar, uma vez que será capaz de desencadear maior profissionalismo, comunicação e transparência, afinal os gastos terão que ser justificados, serão estabelecidas metas e resultados serão cobrados não apenas em campo. O jogo ficará mais interessante e isso para o marketing, é muito bom. O que não é muito bom é o conceito de empresa estar acima do de clube – que arrisco-me a denominar de “Empresa-Clube”, como foi o observado na liga de Portugal pela televisão, empresa (SAD) que acabou por afastar elemento principal do esporte: o torcedor, que preferiu – obviamente  – o clube.

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Em tempo mais uma citação que se relaciona com o tema da coluna:

“Nenhuma emissora de televisão parece se importar com os torcedores, os seguidores de um time. Mas sem o barulho e a cantoria dos torcedores, o futebol não seria nada. Futebol se trata de paixão. Sempre será sobre paixão. Sem paixão, o futebol está morto. Sem os torcedores, o futebol seria apenas 22 homens correndo atrás de uma bola. Uma merda, em outras palavras. São os torcedores que tornam o futebol importante”.

Faixa da “Curva Nord”,
Torcida da Internazionale, de Milão,
em referência a passagem do livro ‘The Football Factory’, de John King

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O Bê-a-bá do Marketing

Nesta semana importante instituição do futebol do Brasil completa mais um ano de vida. Quase centenária, a Associação Portuguesa de Desportos está longe dos dias de glória de antigamente. Grande clube repleto de histórias e protagonismo, importantíssimo no futebol do Brasil e desde sempre revelador de inúmeros talentos. Atualmente o cenário é completamente o oposto.

No início dos anos 2000 o Leeds United AFC gastou fortunas e não conseguiu vencer da Liga dos Campeões da UEFA. Anos depois, por muito pouco não deixou de existir. (Reprodução: Divulgação)

 
Por motivos que sugerem temas para outros textos, levaram a uma situação que não é apenas  a da Lusa, mas de inúmeros clubes por todo o país. Grandes instituições. Com este ponto de situação, onde se encaixa o marketing? Há quem acredite que o marketing é capaz de resolver tudo e arrecadar recursos. Não é assim. Clubes de renome por si só são bons produtos, têm numerosas torcidas e podem ser bem posicionados no mercado, para que os recursos de fato sejam otimizados. Para que os torcedores frequentem mais os jogos, para que haja mais consumo de produtos licenciados.
Entretanto, já diz a velha máxima, que “uma andorinha sozinha não faz verão”. O marketing é mesmo um dos departamentos responsáveis pela arrecadação de recursos e condução dos planos de negócio dos produtos da instituição. Muito do seu sucesso vai depender de uma sinergia entre inúmeras outras áreas, desde a presidência, o quadro de colaboradores e todos os setores a que eles pertencem, inseridos dentro de um ambiente organizacional bastante complexo, porque está sujeito a fatores que abalam-no e comprometem o andamento dos trabalhos do clube. Fatores estes sendo aqueles “motivos” mencionados no início do parágrafo anterior, escusos e alheios à instituição esportiva. Alheiros ao interesse coletivo, ou seja, da comunidade e dos associados do clube. Sejam eles desde favorecimentos pessoais até gastos irresponsáveis,  estes muitas vezes para servir algum indivíduo ou pequenos grupos.
Ora, por estes “motivos”, vários clubes encontram-se em triste situação financeira. Teria valido a pena em certo momento da história gastar tanto, grupos de influência favorecerem-se de várias maneiras a fim – ou não – de permanecerem no poder?
O que é mais triste para o torcedor? Ficar sem títulos ou ver o clube do coração perto do fim? E se o fim chegar, para quem torcer?
Com tudo isso, pode parecer lugar comum, mas é preciso que os torcedores, que a instituição se pergunte: o que, quem somos e o que o clube quer? Onde se quer chegar e como se quer chegar. Qual a nossa missão? Qual a nossa visão? Quais são os nossos valores? O bê-a-bá do Marketing.

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Em tempo mais uma citação que se relaciona com o tema da coluna:

“A bola pune.”
Muricy Ramalho, comentarista, futebolista e ex-treinador

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O erro de Rogério Ceni e do Cruzeiro

Desejo sempre o maior sucesso possível a todas as pessoas. Ninguém veio a esse mundo sem o propósito de realizar coisas boas. Mas nesse espaço cabe a mim analisar situações, fazer projeções e cruzar circunstâncias. Por isso coloco como um grande erro a ida de Rogério Ceni para o Cruzeiro. Erro dele em sair do Fortaleza nesse momento. E erro da equipe mineira em contratar um técnico com o perfil dele nesta altura do ano.
Não tenho a menor dúvida que Ceni será muito em breve um dos maiores e melhores técnicos do Brasil. Há uma clara intenção no jogo das equipes dele. O seu Fortaleza não teve o sucesso que teve por acaso. Com uma posse de bola envolvente, mas também direta e vertical era fácil acharmos padrões ofensivos bem ajustados na equipe. Sem a bola também uma inteligência coletiva acima da media para interpretar os estímulos do jogo e tirar proveito do momento para usar uma marcação alta e agressiva ou então baixar as linhas e buscar fechar mais os espaços. Tudo isso é treino. Entendimento de jogo. E, claro, tem o dedo do treinador.
Rogério Ceni amadureceu como técnico. Ficou evidente no seu início no São Paulo que havia uma dificuldade nas ideias de jogo e de como implementa-las. Nem o enorme capital simbólico dele no clube foi capaz de fazer as coisas caminharem por mais tempo. E é justamente esse capital simbólico que faz o Cruzeiro, cheio de problemas administrativos e financeiros, pagar a multa e tira-lo do Fortaleza. Mais do que acreditar no que as equipes de Ceni fazem com e sem a bola, a diretoria cruzeirense aposta na representatividade de Rogério no mundo do futebol para tentar criar um fato novo junto aos atletas.
Não vou tirar o fator emocional do contexto. Era óbvio que o desgaste de Mano Manezes era irreversível. Porém, não consigo achar interessante na metade final da temporada uma equipe do tamanho do Cruzeiro romper completamente com um modelo de pensar futebol e mudar da água pro vinho.
Pode até dar certo. Não há fórmula certa no futebol. Só que vamos seguir com nossos clubes remendando trabalhos e técnicos sem a condição de mostrar seu real valor com um trabalho completamente autoral. Culpa dos dirigentes que buscam sempre um para-raio. Mas culpa também dos técnicos pelas decisões que tomam.
 

 

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Sobre as dúvidas dos laterais no momento defensivo

Danny Rose, lateral do Tottenham: indecisões na defesa contra o Aston Villa. (Foto: Reprodução/The42.com)

 
Nos últimos tempos, muito se falou e muito se escreveu sobre a noção de complexidade no futebol – inclusive através desta mesma Universidade do Futebol. Em linhas gerais, quando falamos de complexidade, falamos das relações inseparáveis entre as partes e o todo, em um dado organismo ou sistema. Isto já está suficientemente apresentado e, por ora, não gostaria de me alongar.
Mas faço essa introdução porque quando falamos da defesa, falamos de um destes momentos do jogo (ao lado do ataque, das transições, das bolas paradas), mas falamos deles sabendo que um momento do jogo não existe alheio aos outros – eles são inseparáveis. É um pouco do que gostaria de falar neste texto.
Vamos tomar como exemplo duas jogadas específicas de Tottenham v Aston Villa, que jogaram neste fim de semana pela Premier League, especialmente a partir do comportamento de um dos laterais, Danny Rose, no momento defensivo.

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Em primeiro lugar, vamos olhar para o contexto: neste jogo, o Tottenham estava disposto em um 4-3-2-1 (aliás, me agradam essas formações não usuais, que fogem do 4-3-3 ou do 4-2-3-1). Harry Winks, Tanguy Ndombele e Moussa Sissoko nesta linha de três, Lucas Moura e Erik Lamela mais adiante e Harry Kane como centroavante. O Aston Villa, que talvez esperasse mais defender do que atacar, passou boa parte do jogo em algo próximo de um 4-5-1.
Quando se defendia, o Tottenham mantinha a organização em 4-3-2-1 – já fez isso diversas vezes, não é uma surpresa. Mas neste jogo, em específico, Danny Rose, lateral-esquerdo, demonstrou alguma dificuldade para organizar seu espaço no setor, permitindo ao menos duas claras situações de gol no primeiro tempo. Uma delas foi convertida, em gol marcado por Tom McGill, logo aos 9 minutos do primeiro tempo. É sobre essas duas situações que gostaria de falar.

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O lance do primeiro gol do Aston Villa começa em um tiro de meta, batido curto pelo goleiro Tom Heaton. A bola passa por um dos zagueiros (Mings, um dos melhores em campo) e o lateral-esquerdo Neil Taylor, até chegar ao meia Jack Grealish. Você pode ver o lance aqui, a partir dos 1:29. O Tottenham tenta pressionar a saída de bola do adversário, e sobe a equipe quase inteira no campo de ataque.
Num movimento aparentemente treinado, Mings recebe a bola de volta e já mira o espaço às costas do centroavante brasileiro Wesley, que segurava o quarto zagueiro Davinson Sánchez. Mas quem aproveitou o espaço não foi o ponta oposto, que poderia entrar em diagonal, mas sim McGill, o meia pela direita, que infiltra exatamente no espaço que supostamente estaria coberto por Rose. Repare, na imagem abaixo, a distância de Rose para Sánchez no instante do lançamento.

Fonte: Reprodução Watch ESPN.

 
Neste caso, temos um exemplo de problema que os laterais podem encontrar – não apenas em um 4-3-2-1, mas em qualquer linha de quatro. Há duas questões importantes aqui: a primeira é a baixa pressão no portador da bola, especialmente em uma zona já tão apertada do campo (repare no vídeo como Mings se desmarca às costas de Lucas, sem que o brasileiro perceba). Mings teve o tempo exato para dominar, avançar alguns metros, olhar o espaço, fazer o lançamento. Depois, podemos discutir a posição de Rose, cuja distância razoável para Sánchez poderia ser justificada pela preocupação com o ponta adversário, mas ao mesmo tempo deixou suficientemente aberto um espaço potencialmente mais perigoso naquela situação, bem ao centro – exatamente por onde entrou McGill. Se Rose estivesse alguns metros mais centralizado, talvez a jogada sequer avançasse.
Não custa lembrar que esta tomada de decisão, dentro do campo, está longe de ser simples.

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No segundo lance, que você pode ver no mesmo vídeo a partir dos 3:16, Rose toma outra decisão discutível, que gostaria de trazer com mais atenção. A jogada começa com uma falta pela direita, em que o Tottenham se prepara para uma cobrança longa – mas na verdade a batida é curta. Repare que o mesmo McGill, agora em posse da bola, tem tempo e espaço para pensar o jogo de frente e encontra um exímio passe em profundidade para o ponta Trezeguet, que tenta finalizar, mas é travado por Sanchez. Assim que Trezeguet recebe a bola, vemos um jogador levantando o braço, pedindo impedimento – é Rose.
Na imagem aberta, que deixo mais abaixo, repare que é exatamente Rose quem está mais afastado da linha. E vejo duas coisas a se pensar aqui: uma é contextual. Houve uma falta naquele setor, ele estava mais próximo do setor, e percebeu que o lateral Ahmed Elmohamady poderia receber com alguma liberdade por ali. Mas existe outra coisa, mais próxima do modelo: será que o treinador Mauricio Pochettino, nestas situações, prefere priorizar a redução dos espaços centrais ou laterais? Imagino que sejam os centrais, o que me faz crer que houve dois erros, no mínimo: é bem verdade que Rose poderia ter se atentado ao meio tão logo a bola foi recuada, ma também é verdade que Ndombele e Erik Lamela (de chuteiras amarelas na imagem), poderiam ter sido mais ativos, talvez interceptando o passe, evitando que a bola lhes ultrapassasse rumo à grande área. Em certa medida, repare que é um tecido, uma cadeia de equívocos.

Fonte: Reprodução Watch ESPN.

 
Se voltarmos ao início do texto, encontramos algo que não pode passar batido: o Tottenham jogava em 4-3-2-1, e mantinha a estrutura quando se defendia. Isso quer dizer que, ao contrário de um 4-3-3 – ou qualquer uma das variações defensivas com duas linhas de quatro – os laterais deste sistema não contam, sistematicamente, com o apoio defensivo dos pontas. Ou seja, para defender os lados (especialmente para cuidar do lateral adversário) é preciso contar com o suporte dos volantes dessa linha de três (no caso do Tottenham, Sissoko e Ndombele). Mesmo assim, exatamente como ocorreu nos dois lances, especialmente no segundo, é possível que o lateral fique em dúvida sobre a decisão a ser tomada: cuidar mais do espaço interior ou evitar que o jogador aberto receba com mais tempo? Como bem sabemos, é claro que esses parâmetros são definidos com antecedência, existe um modelo desenhado pelo treinador. Mas mesmo assim, frente aos problemas do jogo, nós hesitamos. Por isso, dentre outros fatores, é tão importante pensar em metodologias de treinamento baseadas no jogo e, além disso, pensar em maneiras de humanizar as relações treinador/atletas.
As dúvidas de Rose, nos lances que citei, como as dúvidas de qualquer outro jogador e de todos nós, se justificam em demasia pela nossa humanidade.
 

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Como falar de complexidade com a euforia por Daniel Alves?!

Como colocar pontos de interrogação na cabeça do torcedor do São Paulo sendo que inúmeros pontos de exclamação foram apresentados nos último dias?! Longe de mim querer ser estraga prazer. Até porque nem é o caso, já que considero excelentes as contratações de Daniel Alves e Juanfran. Agora, entre ter jogadores excelentes no grupo e ter uma equipe sólida capaz de vencer campeonatos há um longo caminho a ser percorrido.
É contra-cultura aqui no Brasil falar sobre conceito de times, equipes e sistemas. Por mais que o futebol seja um esporte coletivo, nossa história se moldou pelas individualidades. Até certo ponto fomos bem sucedidos neste formato. No futebol antigo, o talento resolvia. Ganhamos Copas do Mundo assim. Hoje, entretanto, se o craque não for potencializado por tudo que a prática da teoria da complexidade traz de nada adiantará o talento individual.
Caberá ao técnico Cuca criar relações técnico-táticas e humanas nesse grupo do São Paulo. No futebol, a soma das partes não representa o todo. Ou seja, simplesmente colocar bons jogadores juntos não significa ter um jogo de qualidade. Quantas vezes vimos equipes com jogadores apenas razoáveis, sem nenhum craque, se dar tão bem em todos os aspectos do jogo por conta da excelente complementaridade dessas peças?! Já cansei de assistir equipes tão coesas que pareciam ter 14, 15 jogadores em campo, ao invés de 11.
O São Paulo vem de inúmeras quebras de ideias de jogo nos últimos anos. Treinadores e jogadores de qualidade passaram pelo clube recentemente e nada conquistaram. É inegável que há qualidade técnica no elenco. Mas agora, o time passará por uma nova transformação. E com o Brasileirão em andamento. Pegue a equipe 12 meses atrás, comandada por Diego Aguirre, passando depois por André Jardine, Vágner Mancini e agora com Cuca? O que ficou, o que se mantém? Praticamente nada.
A festa no Morumbi para receber Daniel Alves foi incrível. Como tinha sido muito legal também quando chegaram Luis Fabiano, Ganso, Kaká e outros bons jogadores. Só que o futebol vai muito além do marketing. A falta de novos troféus no salão do Morumbi mostra que tem faltado algo.
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O treino para o jogo agressivo do Santos. Eis a lição!

O Santos de Jorge Sampaoli tem deixado várias lições. O atual líder do Campeonato Brasileiro não chegou a esse posto por acaso. Continuo apontando que a equipe santista não é a favorita para levar o título nacional. Só que tão importante quanto o resultado é o processo. Por mais contraditório que possa parecer isso, pelo viés resultadista da nossa cultura, o peixe já quebrou paradigmas. Mesmo sem (e se não) ganhar nada.
Não vou me ater aqui à mentalidade ofensiva do Santos de Sampaoli. Isso já está claro desde os primeiros passos dele em solo brasileiro. É verdade que muita gente não entendeu no começo do ano, por exemplo, porque Vanderlei não era o goleiro ideal para o treinador argentino. Hoje, porém, ninguém contesta Everson, e suas saídas com os pés. Ou então as declarações dos atletas santistas estranhando o tal do ‘amor pelo balón’. O futebol brasileiro não é sinônimo de futebol arte?! Pela reação dos jogadores santistas fazia tempo que um técnico não pedia para eles gostarem de ter a posse de bola.
Já evoluindo também da hoje rasa discussão de alguns aqui no Brasil de que a posse pela posse não quer dizer nada, no Santos ela é meio para um fim maior que é dominar os adversários. E aí chego no ponto crucial desse texto: treinar, condicionar e preparar os jogadores técnica, tática, física e emocionalmente para esse tipo de jogo. Eis a grande diferença de Sampaoli para os demais.
Não assisto treinos. Até porque a maioria das atividades é fechada para a imprensa. Mas vejo todos os jogos do Santos. E ali está uma equipe bem treinada. Jogadores que sabem exatamente o que fazer em todas as fases do jogo – com e sem a bola. Sampaoli é inquieto a beira do campo, mas seus atletas cumprem as respectivas funções não por conta dos berros – até porque creio que a maioria nem entende o espanhol dele. Os atletas executam os seus movimentos porque estão condicionados para isso. E quanto mais elaborado é o conceito de jogo de uma equipe, mais as habilidades requeridas transcendem as técnicas e táticas e vão também para as cognitivas e mentais. Por exemplo, para construir um padrão agressivo é necessário concentração o tempo todo. E de uma maneira geral os atletas aqui no Brasil se acostumaram a dar o famoso ‘migué’ no treino. Logo, se não está treinado não é comportamento. Dessa forma, não aparecerá no jogo. Não existe mágica!
Não quero aqui ficar exaltando Sampaoli, até porque reconheço que ele é da segunda ou até da terceira prateleira dos técnicos mundiais. Mas espero com o maior entusiasmo que esse legado de que treino é jogo e jogo é treino que ele está deixando se perpetue aqui no Brasil. Quem sabe assim quando colocarmos frente a frente um jogo do Campeonato Brasileiro com um da Champions League não tenhamos mais a impressão de que a nossa partida está com a tecla da velocidade apertada no mais lento.
 

 

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Sobre as tensões da intensidade – Parte II

Thomas Gravesen: um dos jogadores ‘intensos’ do Real Madrid dos anos 2000. (Reprodução: Diário AS)

 
Faz algum tempo, escrevi neste mesmo espaço sobre algumas das tensões do conceito de intensidade no futebol. Em linhas gerais, compartilhei uma impressão que cresce a cada dia, a saber: o termo intensidade está sendo poluído, banalizado e generalizado. Além disso, ainda é confundido, de vez em sempre, com uma certa noção de eficácia, como veremos a seguir. Ou seja, há quem ache que o futebol só pode ser bom e bem jogado se for ‘intenso’. Um certo ideal de intensidade seria pré-requisito para o bom futebol.
Bom, tenho minhas ressalvas e não sou o único. Gostaria de compartilhá-las com vocês nessa semana. Mais uma vez, sem nenhuma pretensão de acabamento.

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No primeiro capítulo do livro Fútbol: El Juego Infinito, Jorge Valdano faz uma crítica inteligentíssima ao ideal genérico de intensidade – que também se alastra mundo afora. Vamos pensar especificamente em um trecho, em que ele resume, com precisão, parte do envenenamento que os delírios por esta ‘intensidade’ podem causar. Trabalhei este mesmo trecho, de outra forma, alguns dias atrás:
“Se o bom da intensidade é que apazigua as consciências, o ruim é que arruinou um dos conceitos que mais contribuíram para o bom futebol: a pausa. Para jogar bem, é preciso correr, é claro, mas também há que saber parar, pois isso está se enchendo de jogadores que, em sua ânsia de serem intensos, se movem a uma velocidade acima do que podem se permitir, o atentado à precisão é permanente. Se não há precisão, a jogada não tem continuidade e, se não houver pausa, não há surpresa. A precisão e a pausa sempre foram os componentes essenciais do grande jogo, e a intensidade vai contra os dois conceitos. Assim, vamos começar a colocar a palavra “intensidade” como sinônimo de eficácia. Seria como pensar que um relógio é bom porque está se movendo mais rápido do que os demais.”
Vamos pensar sobre este trecho aos poucos. Em primeiro lugar, gostaria de falar um pouco deste ‘apazigua as consciências’. A minha leitura, dentre as várias possíveis, é que Valdano deixa subentendido que falar de intensidade, repetir a palavra intensidade, talvez sem muito rigor, é uma forma de mostrar-se atualizado, de mostrar-se estudado, de mostrar-se moderno e, portanto, é uma forma de se mostrar. É um certo narcisismo, supostamente capaz de tranquilizar a consciência. Talvez a intensidade seja uma dessas grandes commodities do futebol, um desses grandes recursos a serem ‘capitalizados’. E, nesta ansiedade de capitalizar, temos que nos mostrar atuais, reciclados, ‘modernos’, mesmo que o custo disso tudo, para o jogo e para nós mesmos, não nos sejam muito claros. Veja bem: o uso do termo intensidade não é um problema em si. Mas banalizar a intensidade, desgastar a intensidade, esgotá-la e usá-la sem muito critério, traz contribuições muito mais ilusórias do que reais.

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Agora, vamos pensar a relação que Valdano estabelece entre a intensidade e o tempo. Como os amigos sabem, a intensidade, na literatura do treinamento, é a contraparte de uma dupla que ainda tem o volume. Mas enquanto o volume está mais próximo da quantidade de um dado estímulo, a intensidade nos diz, grosso modo, um pouco sobre a qualidade deste estímulo. Como já disse outras vezes, desconfio que este conceito de intensidade, que usamos hoje no futebol, foi importado exatamente da literatura do treinamento.
O problema é que se a intensidade vem atrelada ao jogo, ela ganha enormes traços de complexidade. Os questionamentos metodológicos destas últimas décadas, que encararam os ideais cartesianos por trás do treinamento, nos fizeram pensar se o jogo não deve ser visto por olhos sistêmicos, complexos, que entendam o caráter absolutamente caótico do jogo e que, ao mesmo tempo, entendam que há ordens atrás deste caos. Ou seja, a intensidade, se aplicada ao futebol, não mais é absoluta (não importa apenas a velocidade de um dado jogador em um tiro curto), mas é relativa, relativa ao jogo. Por isso é muito mais do que física, é tática, técnica e mental – mas todos ao mesmo tempo, entrelaçados, complexus. Se falarmos de intensidade no futebol, não apenas temos que ter um certo cuidado com a palavra, como também não podemos afastar o termo da sua relatividade, da sua relação com o contexto, deste novo significado que nasce da irresistível associação à inteireza do jogo.
Por isso o alerta de Valdano é tão importante: ele nos diz que nos tão passivos com este discurso moderno, no futebol e fora dele, este discurso que prega a rapidez, a eficácia, o tempo real, o tempo do instante, este discurso que não admite perder tempo, estamos tão passivos frente a este discurso que não admitimos, por exemplo, baixar o ritmo, não admitimos que existem outros ritmos, outro tempo para o jogo e para a vida vivida que não seja este tempo corrido, imparável, incontrolável, sufocante, intenso. Chegamos ao ponto de achar que uma equipe deve ser intensa durante 90 minutos, e quando ela não consegue sê-lo, ainda que isso seja absolutamente natural, surgem as críticas aos treinadores, especialmente aos brasileiros, como se os problemas do jogo fossem sinônimo de um incompetência geral, uma incapacidade para imprimir este conceito idealizado de intensidade, do qual as equipes europeias de exceção conseguiram se aproximar.

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Como estamos intoxicados por este discurso, às vezes nos escapam detalhes óbvios. Por exemplo, jogos intensos podem ser muito ruins. Porque nos jogos muito intensos às vezes nada acontece, exceto a virulência. Se quiser, assista aos primeiros vinte minutos de Juventus x Ajax, jogado em abril e repare que o ritmo é tão alto, mas tão alto, que tudo é muito rápido, muita coisa se passa, muitos estímulos passam, mas pouca coisa acontece. E o que o jogo parecia pedir, como Valdano nos disse acima, é uma pausa, um pouco de tempo, de respeito ao tempo, de câmbio de ritmo, um tempo para o próprio jogo, ao invés dessa ansiedade desenfreada, que também se estende, cada vez mais à formação dos nossos jovens jogadores. Mas eles, se picados por este mosquito da intensidade, talvez não consigam imaginar que há outras formas, há inúmeras formas de pensar a intensidade no jogo. Penso, por exemplo, se não há pelo menos dois retratos macro da intensidade no jogo: uma em que tudo se passa e nada acontece e outra em que se passa menos, num tempo mais longo, mas mais coisas acontecem. A intensidade, às vezes, está na pausa, na calma.
Mas sobre isso falamos em breve.