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Futebol e religião: de volta para o futuro

Fico imaginando o motivo. Talvez a proximidade do final do Campeonato Brasileiro esteja na base do acirramento das manifestações de fé, tanto dos jogadores como dos torcedores. Afinal, uma ajudazinha divina nesta fase do campeonato seria muito bem-vinda…

Ou então a simples compreensão de que Deus é brasileiro e, sendo, natural que esteja atento aos acontecimentos futebolísticos tupiniquins… Daí a entender que também Ele tem preferência por um determinado time – o meu, o seu, o nosso – é um pulinho…

Se buscarmos uma explicação tão mais complexa quanto mais distante dos apaixonados esportistas, talvez encontremos na Indústria do Entretenimento de Adorno ou na Sociedade do Espetáculo de Debbord as explicações procuradas…

Aí, então, resolvi escrever sobre o assunto, mas da decisão de fazê-lo à sua materialização dei conta de meu desconhecimento do tema. E se não bastasse esse arranhão na minha auto-estima, me vi diante de crônicas escritas neste milênio que adoraria ter escrito…

Só me restou a sensatez de reproduzi-las neste espaço…

Lendo-as, vocês verão quão atuais elas soam, e se ajudarem a recolocar o imbróglio em pauta, terá valido a pena…

Começo com uma escrita por Eugenio Bucci, no início deste século XXI, publicada na Folha de São Paulo em 07 de julho de 2002. Sigo com ele mesmo, 15 dias depois (21 de julho), tecendo comentários sobre a repercussão dela junto aos leitores daquele diário…

Em seguida, salto sete anos no tempo e lhes apresento duas outras – a segunda, do mesmo jeito que a do Bucci, falando da repercussão da primeira – de Juca Kfouri, publicadas respectivamente em 30 de julho e 02 de agosto de 2009.

Fiquem com elas e digam se me enganei em meu juízo acerca da atualidade da reflexão…

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I belong to… pelo amor de Deus!

EUGÊNIO BUCCI

“CREDO EM cruz! Ao final daquela partida lá, aquela tal de domingo passado em que o Brasil se sagrou campeão depois de ganhar da Alemanha, uns jogadores arrancaram a camiseta oficial da seleção brasileira e, por baixo, tinham outra. Sim, vestiam outra camisa por baixo da camisa que vestiam. E essa outra camisa era merchandising religioso. Uma delas trazia a seguinte mensagem: “I belong to Jesus”. Oh, God. Eu me lembrei de Ella Fitzgerald cantando “my heart belongs to daddy”, da música de Cole Porter, e senti que a voz da cantora era mais angelical. Um segundo futebolista, este mais alto, preferiu outros dizeres: “Jesus (coraçãozinho) you”. Incredible! Qu’é qu’é isso, Cafuringa? Nos rescaldos da final de campeonato, a tela da Globo se converteu, de súbito, numa incomensurável tela da Rede Record. Aquilo virou um megaculto da Igreja Universal.

Há quem tenha visto espontaneidade na comemoração dos canarinhos. “É o jeito brasileiro”, diziam os animadores esportivos de sempre. O que é exatamente o “jeito brasileiro”? Dizem que é o “improviso”, a “descontração”, a “alegria” que “éééééé…. duBrasil!” Tocaram lá a musiquinha que fazia fundo para as vitórias de Ayrton Senna na Fórmula 1. Tentaram esconder a figura insistente de Ricardo Teixeira, o dono da taça, enquanto o pessoal chorava. Tentaram em vão. Teixeira acabou dando entrevista em destaque e tudo virou um grande carnaval sem culpados. Vai ver que isso tudo junto é o “jeito brasileiro” de ser, mas há mais no meio da bagunça. Há algo que não tem nada de Brasil e que tem tudo de não-Brasil. Religiões eletrônicas, que se promovem pelos meios de comunicação de massa e que são fábricas do dinheiro de poucos e do gozo das multidões, são um fenômeno da indústria cultural em moldes americanos. São tão brasileiras quanto a Nike. O que aqueles atletas encenaram no meio do gramado não foi uma inocente expressão de fé (coisa que também não tem pátria, graças a Deus), mas uma descarada jogada de marketing. O que se manifestou no episódio não foi o Espírito Santo, mas uma propaganda diabólica.

Nós, brasileiros, já temos de suportar a marca de patrocinadores na camisa que deveria representar apenas uma nação. Já é um desaforo. Agora existe aí a modalidade da propaganda infiltrada. E parcial. Já que isso vale, por que propaganda só de Jesus? Por que não de Xangô? E por que não de Buda? Aqueles atletas que vestiram a camisa do Brasil tendo outra por baixo eram os homens-bomba do simbólico. Não levavam explosivos propriamente ditos, mas, disfarçados de futebolistas brasileiros, esconderam sua verdadeira camisa até o instante final, quando então “explodiram”: eram propaganda contrabandeada. “I belong to Jesus”, ora, por favor. E a gente aqui achando que o sujeito pertencesse ao time do Brasil, que ele representasse o país.

A fusão da religião com a TV é tão antidemocrática quanto a fusão entre Estado e Igreja. Transformado em espetáculo, o discurso religioso ensandece, invade as esferas individuais e ganha tons totalitários. É bem possível que os homens-bomba do simbólico pretendam que esse “Jesus” de suas camisetas seja unânime, total, compacto e que, portanto, jamais possa ser visto como “penetra” na festa de ninguém. Ai de quem for contra “Jesus”, eles proclamam. E pronunciam o nome com força, com tanta força que a palavra soa estranha, soa “Xessôs”, como se fosse nagô. Como se fosse a serenidade se transformando em fúria. O amor em ódio. A fé em fanatismo.

Enquanto isso, pobre de quem acreditava que o Estado fosse laico. Pobre de quem acreditava que a seleção brasileira representasse os brasileiros de todas as religiões. Pobre do torcedor. Esses propagandistas dissimulados. Na próxima Copa, que façam comercial do diabo de uma vez.”

O ateísmo como direito

EUGÊNIO BUCCI

“HÁ DUAS semanas, critiquei os jogadores da seleção que fizeram merchandising religioso logo após a vitória sobre a Alemanha. Argumentei que, ao “desvestirem” o uniforme oficial para revelar outra camiseta, que traziam por baixo, com slogans de uma causa religiosa, eles se aproveitaram da visibilidade pública conquistada pelo time nacional para promover convicções particulares. O que é indevido e invasivo. O Brasil é um Estado laico: nenhuma função de representação do Brasil pode ser apropriada por uma forma de fé. Não é democrático. Mesmo que essa fé congregue 99% da população, não é democrático. A minoria não pode ser excluída nesses momentos de representação nacional. Quando transformaram a festa do pentacampeonato num evento de divulgação de culto qualquer, esses jogadores usurparam a camisa oficial que trajavam. Ato contínuo, excluíram das comemorações os brasileiros que não partilham do mesmo culto.

Como era de esperar, recebi mensagens de protesto. Na verdade, nem foram tantas. Não mais que 30. O que me chamou a atenção foi que 90% delas vinham de leitores verdadeiramente indignados. Eram textos violentos que, em resumo, acusavam-me de preconceituoso. Em respeito aos que me escreveram, aos quais sou grato, em respeito ao conjunto dos leitores e, finalmente, às opções espirituais de cada um, volto ao assunto. O meu objetivo é deixar claro que não é preconceito o que me move. Minha crítica não é contra religião nenhuma: é contra o marketing oportunista de religiões que vem se repetindo na TV.

A fé, todos sabemos, deixou de ser “uma questão de opção de foro íntimo”, como se dizia antigamente, e passou a ser um segmento da indústria cultural. Não se trata de um fenômeno “evangélico” ou “católico” ou “protestante”: as seitas eletrônicas têm raízes nas mais diversas tradições místicas; o que as distingue não é a tradição a que se filiam, mas sua prática discursiva, perfeitamente adaptada ao show de TV. A Rede Record é uma expressão desse fenômeno no Brasil. Padre Marcelo, com as suas especificidades, também é. A fé se tornou uma modalidade do espetáculo, com as va
ntagens e desvantagens de comunicação (sagrada ou profana) que isso acarreta.

As teleigrejas se manifestam (e existem) como propagandas de si mesmas. Para elas, a propaganda não é a alma do negócio: a propaganda é sua razão de ser. É de sua natureza a propensão a ocupar todos campos da visão social. Acreditam que, assim, cumprem seu papel e exercem seu direito. Muitas vezes, porém, invadem o direito de outros e seus fiéis mal se dão conta. Um atleta que se declara diante das câmeras como alguém que “pertence a Jesus” está apenas exercendo o direito de professar sua fé. Mas, quando ele se furta à representação oficial da qual foi incumbido, a de vestir o uniforme da seleção brasileira, num evento oficial, e se aproveita das câmeras para promover um determinado culto, comete um abuso. E exclui, com esse gesto, os outros brasileiros que porventura não comunguem da mesma fé. Mesmo sem querer.

Vivemos uma era de multiplicação de teleigrejas. Deveriam ser tempos mais plurais, mais arejados, mas não são. Ao contrário, são tempos de intolerância. A fé que só existe como espetáculo supõe-se um sentimento total e não admite contestação. A simples idéia de que não há unanimidades nem Maomé, nem Buda, nem mesmo Cristo é entendida como uma hedionda heresia pelas teleigrejas. A mera existência de um ateu se torna uma ofensa. Apenas para efeitos de raciocínio, imagino a seguinte cena: após a vitória do Brasil sobre a Alemanha, um jogador abre um estandarte onde se lê “Viva o ateísmo!”.

Provavelmente seria expulso de campo. E, no entanto, não estaria cometendo uma deselegância pior do que essa que foi cometida pelos propagandistas de Jesus.”


Deixem Jesus em paz

JUCA KFOURI

Está ficando a cada dia mais insuportável o proselitismo religioso que invadiu o futebol brasileiro

“MEU PAI, na primeira vez em que me ouviu dizer que eu era ateu, me disse para mudar o discurso e dizer que eu era agnóstico: “Você não tem cultura para se dizer ateu”, sentenciou.

Confesso que fiquei meio sem entender. Até que, nem faz muito tempo, pude ler “Em que Creem os que Não Creem”, uma troca de cartas entre Umberto Eco e o cardeal Martini, de Milão, livro editado no Brasil pela editora Record.

De fato, o velho tinha razão, motivo pelo qual, ele mesmo, incomparavelmente mais culto, se dissesse agnóstico, embora fosse ateu.

Pois o embate entre Eco e Martini, principalmente pelos argumentos do brilhante cardeal milanês, não é coisa para qualquer um, tamanha a profundidade filosófica e teológica do religioso. Dele entendi, se tanto, uns 10%. E olhe lá.

Eco, não menos brilhante, é mais fácil de entender em seu ateísmo.
Até então, me bastava com o pensador marxista, também italiano, Antonio Gramsci, que evoluiu da clássica visão que tratava a religião como ópio do povo para vê-la inclusive com características revolucionárias, razão pela qual pregava a tolerância, a compreensão, principalmente com o catolicismo.

E negar o papel de resistência e de vanguarda de setores religiosos durante a ditadura brasileira equivaleria a um crime de falso testemunho, o que me levou, à época, a andar próximo da Igreja, sem deixar de fazer pequenas provocações, com todo respeito.

Respeito que preservo, apesar de, e com o perdão por tamanha digressão, me pareça pecado usar o nome em vão de quem nada tem a ver com futebol, coisa que, se bem me lembro de minhas aulas de catecismo, está no segundo mandamento das leis de Deus.

E como o santo nome anda sendo usado em vão por jogadores da seleção brasileira, de Kaká ao capitão Lúcio, passando por pretendentes a ela, como o goleiro Fábio, do Cruzeiro, e chegando aos apenas chatos, como Roberto Brum.

Ninguém, rigorosamente ninguém, mesmo que seja evangélico, protestante, católico, muçulmano, judeu, budista ou o que for, deveria fazer merchan religioso em jogos de futebol nem usar camisetas de propaganda demagógicas e até em inglês, além de repetir ameaças sobre o fogo eterno e baboseiras semelhantes, como as da enlouquecida pastora casada com Kaká, uma mocinha fanática, fundamentalista ou esperta demais para tentar nos convencer que foi Deus quem pôs dinheiro no Real Madrid para contratar seu jovem marido em plena crise mundial. Ora, há limites para tudo.

É um tal de jogador comemorar gol olhando e apontando para o céu como se tivesse alguém lá em cima responsável pela façanha, um despropósito, por exemplo, com os goleiros evangélicos, que deveriam olhar também para o alto e fazer um gesto obsceno a cada gol que levassem de seus irmãos…

Ora bolas!

Que cada um faça o que bem entender de suas crenças nos locais apropriados para tal, mas não queiram impingi-las nossas goelas abaixo, porque fazê-lo é uma invasão inadmissível e irritante.

Não mesmo é à toa que Deus prefere os ateus…”


Jesus é uma farsa!

JUCA KFOURI

Como reagiriam aqueles que defendem o merchan religioso nos gramados se alguém vestisse a camiseta acima?

“IMPRESSIONANTE como muita gente lê o que quer e não o que está escrito.

Fora, é claro, o preocupante analfabetismo funcional e a conhecida demagogia dos que pegam uma caroninha em tudo.

Houve quem visse tentativa do colunista em cercear a liberdade religiosa na coluna passada. Desafia-se aqui quem quer que seja a demonstrar uma vírgula sequer neste sentido.

Reclamou-se, isso sim, da chateação que o proselitismo religioso causa em quem quer apenas ver um jogo de futebol, ao mesmo tempo em que se defendeu que cada um se manifeste como quiser nos locais apropriados.

Houve também quem não se lembrasse de ter lido aqui manifestações contra atletas que fazem propaganda de cerveja.

Para esses só resta indicar memoriol, porque não só são criticados os esportistas que fazem propagandas do gênero como, também, quem usa espaço esportivo para tal, seja ou não jogador.

E não me venha ninguém dizer que os tais atletas de Cristo são bons exemplos neste mundo de pecadores, pois basta olhar para Marcelinho Carioca e ver que as coisas não são bem assim.

E que fique claro que o colunista gosta, muito, de cerveja, assim como inveja os que creem, porque deve ser uma boa muleta para suportar as agruras da vida e para alimentar a esperança da compensação de uma vida eterna.

Posso garantir, no entanto, que nem mesmo nos momentos limites que já vivi apelei a alguma força superior que me salvasse. E não foi para ser intelectualmente coerente.

Mas chega a ser divertido ver um político que tem crescido feito rabo de cavalo, para baixo, conhecido por sua homofobia, sinônimo de preconceito, querer dar lição de moral, como um obscuro ex-deputado federal, hoje apenas vereador, que buscou alguns votinhos adicionais ao entrar na polêmica.

Polêmica que rendeu coisa de 120 mensagens eletrônicas de leitores desta Folha para minha caixa postal, surpreendentemente a favor da coluna, coisa de 80%, embora índice compreensivelmente menor de aprovação do que nos quase 500 comentários no blog.

E aí é motivo de satisfação constatar que só a esmagadora minoria não é capaz de entender a ironia da frase “Deus prefere os ateus”, usada no fecho da coluna.

Aos que pediram que a coluna se limite ao futebol, um aviso: não há nenhuma atividade humana que não possa ser relacionada ao futebol, razão pela qual o espaço seguirá sendo preenchido desse jeito.

Finalmente, uma ponderação óbvia: deixar o campo de futebol para que nele se dispute só o jogo acaba por proteger os fundamentalistas de algum herege que vista uma camiseta com os dizeres do título desta coluna, ali escritos apenas à guisa de provocação.

Já imaginou?

Seria uma delícia ver a reação dos que brandiram até a Constituição, que garante a liberdade religiosa, como se o colunista tivesse agredido seus princípios…”
 

Para interagir com o autor: lino@universidadedofutebol.com.br

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Viajar nas férias

Acredito que deveríamos ter uma mudança na legislação trabalhista nacional.

Que, nas férias, todo homem deveria ter não só o direito, mas o dever de viajar.

Esse cenário compulsório, garantido como princípio básico de bem-estar profissional e pessoal, deveria ser complementado com algo na linha de “e quanto mais longe e mais diferente o destino da viagem, melhor”.

Não estou falando do direito, já existente, ao período de férias para ficar em casa.

Invoco o pensamento do pai da língua espanhola e grande romancista Miguel de Cervantes, para defender meu pleito:

“Andar por terras distantes e conversar com diversas pessoas torna os homens ponderados”.

Cervantes escreveu um dos mais importantes e originais romances da história, qual seja, Dom Quixote de La Mancha, em 1605 e 1615.

Na trama, o protagonista, oriundo da pequena nobreza castelhana, é ávido leitor de romances de cavalaria, cujas histórias relatavam os feitos de nobres homens sempre com nuances de aventuras idealizadas.

De tanto ler, acaba por acreditar que as aventuras e desventuras dos seus heróis aconteceram de verdade e resolve se lançar em sua própria jornada pela Espanha, junto ao seu fiel escudeiro, Sancho Pança, e ao cavalo Rocinante.

Naturalmente, da diferença entre a projeção idealizada e a realidade encontrada na viagem, Quixote percebe que é justamente isso que tempera e dá gosto à vida.

Existe muita coisa interessante para ser vista e experimentada em terras distantes. No futebol não seria diferente.

Não se trata, simplesmente, de se negar que há coisa boa em nossa paróquia, em nosso terreiro.

Ao contrário, apenas buscar o discernimento no novo, no inusitado, no diferente.

Metaforicamente, o futebol brasileiro foi chamado à reflexão no recente jogo entre Barcelona e Santos pelo Mundial de Clubes.

Creio que todos os envolvidos nesse cenário deveriam ter suas viagens de férias – reais ou imaginárias – para, ao regressar, tornar-se pessoas e profissionais mais ponderados, em prol da evolução administrativa do futebol brasileiro.

Alguns destinos recomendados no exterior, além de Madrid e Barcelona, podem ser Londres, Manchester e Liverpool (onde há uma importante universidade dedicada à indústria do futebol), Milão, Alemanha (a Bundesliga realiza um trabalho fantástico), Portugal (entender a dimensão humana do futebol em Lisboa com Manuel Sérgio).

Para os que preferem o Novo Mundo, valeria a pena ir aos Estados Unidos para conhecer de perto o lado do showbiz e do sportainment, em especial no basquete, futebol americano e hóquei.

Boas férias a todos.

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br

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Reflexões práticas: onde estamos e para onde vamos?

O título da coluna pode parecer um tanto quanto filosofia existencial, mas quero transportar essas questões para a prática e para o momento vivido pelo nosso futebol perante o cenário internacional.

Como de praxe, o final de ano é marcado por grandes reflexões.

Esse ano em específico um fato trouxe luz a uma questão que muitos não queriam e não conseguiam ver sobre o nosso futebol: não somos os melhores do mundo e nossos jogadores não resolvem individualmente os problemas do jogo!

Alguns podem concordar, outros não…

Mas o fato é que o Barcelona nos deu, como disse Neymar, uma aula de futebol.

Aula que nos mostrou – na verdade vem nos mostrando há muito tempo – que nosso futebol ainda está preso no paradigma cartesiano, onde as partes e sua soma são mais importantes que o todo complexo.

Na final do Mundial, vimos um choque de paradigmas, no qual de um lado os elementos se integravam, interagiam e formavam um todo complexo, já do outro as partes tentavam se sobressair ao todo do adversário e no fim vimos o resultado.

Depois do jogo vimos ainda que as respostas para a derrota ainda se focavam nas partes, onde o esquema tático foi a parte eleita como preponderante para a resultado…

E o restante do modelo de jogo?

Enquanto tentamos explicar a derrota da equipe santista através da utilização ou não de dois ou três zagueiros, uma revista espanhola apresentou um dossiê com os pontos fortes e fracos de todo o modelo de jogo do Santos.

Onde estamos, então?

Estamos em um momento de mudança, em que o mundo está nos mostrando que a qualidade individual é importante, mas já não resolve os problemas do jogo por si só.

Precisamos olhar o jogo com um olhar complexo! Precisamos aprender mais!

Não podemos deixar esse confronto entre Barcelona e Santos se perder ao longo do tempo, pois o resultado nos mostra que nosso futebol precisa evoluir e buscar uma nova forma de organização.

Não podemos mais jogar, nem treinar como há 20 anos!

E, vejam, o Barcelona há alguns anos não jogava desta maneira, nem formava jogadores como agora. Em determinado momento de sua história eles sentiram a necessidade de mudar e transformar o seu modo de jogar e como o processo de formação era elaborado.

Hoje eles colhem os frutos dessa mudança…

O que faremos, então?

Mudanças…

Para onde vamos?

Não sei. Espero que para frente, para um novo momento de nosso futebol…

Um momento nosso, onde nossa cultura de jogo se manifestará complexamente em nossas equipes. Onde o futebol bonito será nossa marca, mas sem copiar o Barcelona ou quem quer que seja, pois podemos, sim, ser novamente o número um do futebol, tanto na questão individual como coletiva como fomos um dia.

Mas infelizmente esse é um processo lento. Temos que lutar e fazer de tudo para contribuir com a evolução de nosso futebol.

O que podemos fazer?

Cada um terá suas respostas e poderemos refletir, ou não, neste final de ano.

Por fim, desejo um feliz Natal e um ano novo cheio de sucesso!

Até a próxima!

Para interagir com o autor: bruno@universidadedofutebol.com.br 

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O jogo jogado com a cabeça

Sabiamente, o treinador Rodrigo Leitão mencionou em sua última publicação para a Universidade do Futebol que a esperada vitória do Barcelona sobre o Santos começou bem antes do apito inicial.
Deve ser com este pensamento, o de vencer o adversário antes do início do jogo, que a atual gestão do Figueirense tem pensado o futebol.

Representado no VIII Footecon por Renan Dal Zotto, diretor de marketing, e Marcos Moura Teixeira, diretor de futebol, o clube deu mostras por que em tão pouco tempo saiu da segunda divisão do Campeonato Brasileiro e de uma campanha mediana no estado para, no ano seguinte, brigar pelo título do Campeonato Catarinense, sendo a equipe com melhor pontuação nos dezoito jogos do primeiro e segundo turnos e, principalmente, disputando ponto a ponto uma vaga (que escapou na última rodada) para a Copa Libertadores da América, no torneio nacional.

Na palestra realizada no fórum, Renan e Marcos apresentaram as ideias, iniciadas há vinte meses (abril/2010), que têm como objetivo ascender o Figueirense da quinta para a terceira força do Sul do Brasil, num período de cinco anos.

Quando a atual gestão assumiu o clube, mapeou o cenário e detectou um grave problema que acomete diversas equipes do futebol brasileiro: a imensa maioria do elenco não tinha seus direitos econômicos vinculados ao Figueirense, logo, uma das maiores possibilidades de receita para um clube, o jogador, estava nas mãos de agentes que utilizavam a equipe catarinense para exposição dos seus “produtos”.

Para reverter este quadro, iniciaram sete grandes planos de ação indicados a seguir: investimento em capital intelectual, geração de novas receitas, alinhamento político, inteligência competitiva, parcerias, sistemas de apoio e planejamento estratégico.

Com processos bem delimitados e a criação de uma Matriz de Indicadores que posiciona a equipe no futebol do Sul do país, nesses vinte meses, o Figueirense deu largos passos em direção ao cumprimento de sua meta.

A Matriz de Indicadores é composta pelos itens: estádio próprio, centro de treinamento, posição no ranking da CBF, receita com produtos licenciados, média de público, ranking da Conmebol, posição no Campeonato Brasileiro série A, títulos e quantidade de dívidas no curto, médio e longo prazo. Comparada a outras equipes da região, atualmente, o Figueirense está atrás de Inter-RS, Grêmio-RS, Atlético-PR e Coritiba-PR.

Dos planos de ação estabelecidos, o planejamento estratégico em relação às categorias de base compreende a criação do Projeto Jovem Furação. Este projeto, além do desenvolvimento do jogador dentro das quatro linhas, pretende capacitá-lo para lidar com a fama, manter uma boa imagem, ter capacidade de adaptação à mudança, realização dos seus objetivos financeiros e definição de um planejamento pós-carreira.

Já no que tange o departamento profissional, a montagem do elenco passa a ter critérios mais rigorosos que, como ponto de partida, preconizam os direitos federativos e econômicos de um atleta ao Figueirense.

Outros critérios para fazer parte de uma das vinte oito peças julgadas pela gestão como suficientes para uma temporada (acreditem, soube de uma equipe que iniciará a temporada 2012 com 51 atletas no elenco profissional) são: a versatilidade, o desempenho nos clubes anteriores, o nível dos clubes anteriores, o comportamento extra-campo, a qualidade técnica, a experiência, a possibilidade de integração no atual elenco e o custo e prazo de contrato.

Com essas práticas o Figueirense obteve 57 pontos no Campeonato Brasileiro e um custo/ponto de R$ 300.000,00, totalizando cerca de R$ 17 milhões. Se vocês, leitores, estão atentos às notícias econômicas do futebol, saberão que algumas equipes ultrapassaram 150 milhões de reais em gastos na referida competição.

E o cenário atual é bem diferente daquele em abril de 2010. Com uma vaga na Copa Sul-Americana, com contratos televisivos mais rentáveis, com praticamente todas as cotas de patrocínio encerradas para o próximo ano, com a reestruturação dos deptos. de futebol de base e profissional em andamento e com melhorias em infraestrutura, o Figueirense iniciará o ano de 2012 com uma grande responsabilidade. A de dar continuidade neste projeto que segue coerentemente a tendência de mercado, que é a de produzir mais, melhor, em menos tempo e com menos dinheiro.

Aproximar a teoria da prática, para alguns, é algo impossível. Felizmente, exemplos como este acontecem para que, como tudo que possa contribuir para a evolução do nosso futebol, sejam propagados e elogiados. E neste exemplo, até uma ação simples, mas que ajuda a ganhar o jogo antes do apito inicial, foi feita e nos permite refletir sobre a transcendência dos fatores (gestão, jogadores, treinadores, métodos de treino, torcedores, etc) que envolvem o futebol: cada funcionário do clube ganhou uma camisa (e tiraram foto) para se sentirem parte do todo que é este novo projeto. Projeto que começa com boas cabeças e termina com a bola na rede.

Você já ganhou uma camisa do clube em que você trabalha? Parabéns, Figueira!

Para interagir com o autor: eduardo@universidadedofutebol.com.br

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O Rugby e seu potencial no país

O brasileiro é apaixonado por esporte, sobretudo pelo futebol. Mas há outras modalidades que encantam o país, como automobilismo (Fórmula 1), voleibol e basquetebol.

Mais recentemente, desde 2009, quando foi incluído no programa dos Jogos Olímpicos de 2016, o rugby tem atraído investimentos e atenção da imprensa.

Historicamente, o rugby surgiu de uma dissidência do futebol, uma vez que várias formas de jogo com bola já existiam pela Europa no século XIX, e tanto o Rugby Football (o rugby atual que atualmente é controlado pela IRB) quanto o Football Association (o futebol atual que agora é controlado pela FIFA) tiveram caminhos correlatos, sendo, portanto, dissidências de uma mesma forma de jogo.

O rugby surgiu devido a um desentendimento do clube de futebol Blackheath (um dos fundadores da FA) sobre a retirada de duas regras do futebol pela Football Association (uma era sobre carregar a bola com as mãos, a outra sobre os tackles).

Há algumas variações de rugby. A versão mais tradicional é o “15-a-side”, ou simplesmente “Rugby 15”. O número faz referência à quantidade de jogadores em cada equipe. As outras modalidades como o “Rugby 7”, “Tag” e o “Beach Rugby” vêm crescendo rapidamente nos últimos anos.

A Copa do Mundo de Rugby é o principal evento entre seleções deste esporte e é disputada a cada quatro anos desde 1987. Trata-se do terceiro evento desportivo mais visto no planeta (atrás apenas da Copa do Mundo de Futebol e dos Jogos Olímpicos).

O rugby chegou ao Brasil no século retrasado, por Charles Miller (exatamente quem trouxe o futebol ao Brasil) que organizou em 1895 o primeiro time de rúgbi brasileiro, em São Paulo; e o primeiro clube a praticar o esporte, o Clube Brasileiro de Futebol Rugby, teria sido fundado em 1891.

Em 20 de dezembro de 1972 foi fundada a Associação Brasileira de Rugby, em substituição à União de Rugby do Brasil. A nova entidade foi reconhecida pelo Conselho Nacional do Desporto.

No início de 2010, a Associação Brasileira de Rugby mudou seu nome para Confederação Brasileira de Rugby a fim de se adequar a estrutura administrativa esportiva do Brasil prevista na Lei Pelé e viabilizar o apoio por parte do COB (Comitê Olímpico Brasileiro).
A Confederação Brasileira de Rugby, nos termos do Inciso I do Art. 217 da Constituição Federal, goza de autonomia administrativa quanto a sua organização e funcionamento.

Com a vaga olímpica garantida por sermos anfitriões, com o repasse de verbas do COB e melhores patrocínios, o rugby tem passado por imensa evolução sendo que, neste ano, o Sportv transmitiu ao vivo partidas da Liga Nacional.

O rugby é hoje o segundo maior esporte em número de praticantes no mundo e a modalidade Seven é justamente a que o Brasil possui mais potencial e melhores resultados. O rugby tem crescido bastante no Brasil e segundo dados da International Rugby Board o país conta com 230 clubes e 10.130 atletas registrados. Portanto, após o início como um esporte para “universitários”, hoje atinge praticamente todo o país.

O caminho para popularizar o rugby é longo, porém, o primeiro grande passo, já foi dado, pois sediar o primeiro torneio olímpico traz imensa responsabilidade e uma oportunidade única para desenvolver definitivamente o esporte.

A todos os leitores desejo um Feliz Natal e que a noite deste sábado seja mais um momento de reflexão e confraternização e menos expressão do consumismo social.

Para interagir com o autor: gustavo@universidadedofutebol.com.br

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Efeito da temporada na composição corporal e na aptidão física em jogadores de futebol

Com o intervalo ou término dos principais campeonatos de futebol no mundo todo, já em clima natalino abordaremos os efeitos do treinamento durante o período competitivo ao longo de uma temporada.

Um estudo realizado na Grécia investigou a interferência de uma temporada nos parâmetros de composição corporal, consumo máximo de oxigênio, máxima velocidade aeróbica e velocidade do limiar de lactato (4mMol.L-1).

Os autores avaliaram 12 atletas da elite do futebol com idade de 25±5 anos no início da pré-temporada, no início do período competitivo e no meio do período competitivo.

Os resultados encontam-se resumidos na Tabela 01:

Tabela 01: Análise de variáveis antropométricas e fisiológicas durante uma temporada.

Ao longo da temporada, os resultados indicaram redução da gordura corporal e melhora de todas as variáveis fisiológicas máximas e submáximas em relação à pré-temporada, porém não houve diferença em nenhuma variável entre o início do primeiro turno e o início do segundo turno.

Apesar de algumas limitações como a realização dos testes de VO2 e de limiar de lactato serem realizados em esteira e a amostra ser pequena e não haver dados para variáveis de força/velocidade, esse estudo indica que a preparação realizada na pré-temporada parece ser importante e suficiente para garantir a manutenção da potência e da capacidade aeróbica ao longo do campeonato. Além disso, a melhora encontrada nesse estudo condiz com levantamentos científicos já realizados previamente; contudo, a maioria deles foi feita com jovens ou com atletas amadores.

Se faz necessária o acompanhamento das variáveis antropométricas, aeróbicas, de força e de velocidade, não somente ao longo da temporada, mas também entre um temporada e outra. Também seria importante obter esses dados de diferentes equipes com diferentes idades e nível técnico para sabermos se esse comportamento é um padrão nas equipes de futebol ou não.

Para finalizar, assumindo que os atletas terminam a temporada com o percentual de gordura baixo e iniciam a pré-temporada com ele aumentado, isso sugere que a interrupção dos treinamentos leva à redução da massa muscular e ao aumento da gordura corporal, já que o peso dos atletas não se alterou ao longo do campeonato.

Aproveitando que muitos de nós também estará com datas comemorativas e em fase de destreinamento, lembre-se: o que engorda é o que se consome entre o Ano Novo e o Natal e não entre o Natal e o Ano Novo.

Boas festas a todos!

Para interagir com o autor: cavinato@universidadedofutebol.com.br

Para saber mais:

Kalapotharakos VI, Ziogas G, Tokmakidis SP. Seasonal aerobic performance variations in elite soccer players. J Strength Cond Res. 2011 Jun;25(6):1502-7.

McMillan K, Helgerud J, Grant SJ, Newell J, Wilson J, Macdonald R, Hoff J. Lactate threshold responses to a season of professional British youth soccer. Br J Sports Med. 2005 Jul;39(7):432-6.

Miller DK, Kieffer HS, Kemp HE, Torres SE. Off-season physiological profiles of elite National Collegiate Athletic Association Division III male soccer players. J Strength Cond Res. 2011 Jun;25(6):1508-13.

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Um jogo

Bastou um jogo. Apenas 90 minutos determinaram uma mudança radical na percepção que a opinião pública tinha sobre o desenvolvimento do futebol brasileiro. De um ano eufórico, com o otimismo presente no rosto de dirigentes, treinadores e jogadores, para um final de ano de muitas e muitas reflexões.

Este foi o saldo do jogo Barcelona e Santos, realizado no último domingo no Japão. Apesar dos comentários gerais buscarem culpados, a lição mais importante está presente na coletividade. Mesmo que a imprensa credite os louros a Messi, vale reforçar que não existe em lugar nenhum do mundo um grande maestro sem uma banda competente.

Já vivenciei, há poucos anos, discussões para que os clubes brasileiros formem jogadores fortes e altos para servir ao mercado europeu. O que acontece é que o mercado europeu sentiu a necessidade de formar jogadores brasileiros, rápidos e habilidosos. Cada vez que nos distanciamos da nossa cultura, mais difícil é se aproximar de outras, ficando no meio do caminho entre o ser e o querer ser.

Mas a lição principal, novamente, é dar tempo ao tempo. O planejamento e a defesa irrestrita de um plano mais uma vez aparece como modelo a ser seguido, tal e qual fez o Barcelona há 30 anos. E não podemos jogar no lixo todo o bom trabalho que o Santos está implementando que, em seguindo nesta linha, tendem a dar frutos contínuos nos próximos anos.

Os espasmos de euforia são contraditórios em razão daquilo que se imagina de pensamento contínuo e estruturado, como ocorre no Brasil. A reflexão para 2012 é: qual a cultura do seu clube? Qual o perfil desejado de jogadores e treinadores? Quem deve se adaptar a quem (treinador ao clube ou clube ao treinador)? Quais as competências desejáveis do gestor e sua postura perante a opinião pública?

Enfim, a análise passa pelo trinômio básico de “missão, visão e valores”, existente em grande parte das organizações, mas tão difícil de ser aplicado nos clubes de futebol do país.

Para interagir com o autor: geraldo@universidadedofutebol.com.br

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O currículo de um atleta: o que o clube olha e o que o empresário vende

Olá, amigos!

No texto desta semana, trago à discussão novamente as questões que devem ser consideradas para a contratação de um jogador de futebol, analisando não somente o tão famoso DVD.

E coloco em pauta uma análise por mais de um viés. O primeiro e mais tradicionalmente discutido é relativo ao clube interessado em contratar. Como deve ser analisado o currículo de um atleta para decidir sobre sua aquisição?

Sabemos que é de suma importância agregarmos a maior quantidade de informações sobre o atleta e sobre o perfil de que o clube necessita.

Como se pudéssemos elaborar um checklist de fatos a considerar:

– condição física
– condição técnica
– capacidade tática e de leitura de jogo
– aspectos financeiros
– relacionamento pessoal e personalidade
– aspectos comportamentais
– carências da equipe
– projeção de encaixe e adaptação ao elenco

Enfim, eis alguns dos elementos que o clube deve observar. E será que dá para olhar isso tudo apenas com um DVD?

Com certeza não. É necessário que o clube lance mão de recursos tecnológicos, metodológicos e organizacionais para criar seu acervo de informações para tal fim.

Aí, esbarramos num outro aspecto que caracterizamos como o viés de quem quer vender o jogador. Quem vende um jogador e por que? Essa pergunta é chave para entender um pouco desse viés.

O empresário e o próprio atleta podem tentar fechar uma negociação por seus interesses ou ainda o clube pode desejar que o atleta seja negociado por diferentes motivos. Tanto num caso como no outro a parte interessada influencia diretamente no que é apresentado.

Ou vocês acham que um DVD de um empresário apresentará as fraquezas de seu jogador? Lógico que não. Um DVD é composto sempre pelos melhores momentos do atleta em diferentes funções, é verdade, mas nunca com suas falhas.

Concordo que seria ilógico tentar vender algo mostrando seus defeitos. Mas será que não é possível ser mais detalhista para valorizar o desempenho de seus atletas, e mesmo que esses detalhes exponham uma ou outra fraqueza, apresentar possibilidades de adaptação?

O atleta precisa criar uma espécie de currículo, com seu histórico profissional e de desempenho, baseado em informações padronizadas, pois não tem cabimento – e isso ocorre no cenário do futebol – manipular informações para dar destaque para um jogador e escondê-las de outros para evitar expor suas fraquezas. Que credibilidade tem o empresário que usa métodos diferentes? Por isso o DVD é mais fácil e acaba se tornando uma ferramenta universal? Mas será que isso não está mudando?

É complicado, porém o atleta tem de criar um currículo. Não basta ficar apenas no DVD, mas, mais do que isso, é necessário que quem avalia também tenha critérios e conhecimento para analisar tal currículo, pois caso contrário as imagens dirão mais que mil palavras e os fiascos poderão ocorrer.

Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br

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Sem bola

O FC Barcelona atropela seus adversários – na Espanha, na Europa e no Japão – porque sabe jogar muito bem sem a bola em seus pés.

Esqueça a referência das estatísticas de TV que vinculam o êxito do clube à posse de bola.

Sim, é verdade, ela fica 70% do tempo nos pés dos jogadores da equipe a cada jogo.

Isso aumenta as chances de gols e vitórias, é verdade.

Mas ouso enxergar e defender o outro lado dessa percepção.

Já que o futebol é coletivo, penso que não é a soma dos poucos segundos em que a bola passa por todo jogador da equipe – que no fim do jogo se traduz em 60 minutos em 90 minutos jogados – que faz a diferença.

A diferença está na movimentação da equipe toda sem a bola, quando um dos seus jogadores está com a bola ou, até mesmo, quando ela está com o adversário e se faz pressão para lhe provocar o erro e recuperá-la.

Ainda mais pelo fato de que, hoje, quando muito, o jogador fica com a bola em sua posse por 2 minutos.

E nos outros 88 minutos?

A bola é o centro do carrossel catalão em torno do qual orbitam os muito bem entrosados jogadores.

Mas apenas um dele está com a bola.

Logo, o que fazem os demais?

Jogam sem ela. Procuram espaços livres. Pressionam a saída de jogo do adversário. Dão opção ofensiva e defensiva para os companheiros.

Até o goleiro já se acostumou a isso, ao ser acionado a jogar com os pés.

Diferenças históricas de estilo, o futebol brasileiro se acomodou em termos de evolução tática, assim como favorece o comodismo dos jogadores em jogar longe uns dos outros, com movimentação intensa, troca de passes, posse de bola e, acima de tudo, ocupação do campo todo sem a bola.

Nisso, Tostão, ídolo e comentarista, vaticina com o que concordo: já não existe mais jogador de meio-campo apenas defensivo ou apenas ofensivo.

Existe (deveria existir) jogador inteligente em sentido amplo, para exercitar essa nova maneira de se enxergar o jogo.

Se ainda não chegou ao Brasil, que iniciativas como a Footecon sirvam para discussão e propagação dessa linha evolutiva para o futebol no Brasil.

A conquista do bicampeonato mundial do Barça sobre o Santos prova que o bom futebol é um esporte solidário e coletivo, de muita movimentação.

Sem a bola.

Futebol operário, sem show. Com efeito, esse é o próprio show dado pelo Barcelona.

Mesmo porque o jogo se joga com uma bola para 22 jogadores.

Não uma para cada um dos jogadores.

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br

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Santos FC vs FC Barcelona: choque de realidade

Desde que a equipe do Santos FC conquistou a “Taça Libertadores da América”, o Brasil do futebol passou a alimentar e dar fermento a uma expectativa sobre o jogo (que até então era a “provável final do Mundial de Clubes”) entre a equipe brasileira e o time do Barcelona.

Para os que já, por algum tempo, vinham acompanhando os jogos da equipe catalã, talvez o maior interesse – além é claro de assistir a um espetáculo de futebol – estivesse concentrado em uma imaginativa dúvida: será que o Santos conseguiria, com sua velocidade e futebol envolvente apresentado no Brasil, superar o FC Barcelona? (afinal, Neymar “estava voando” – ficaria difícil para os “lentos” (lentos?) Puyol e Piqué).

Para os apaixonados por futebol, que conheciam pouco o Barcelona, e tinham acesso apenas a informações trazidas pela “mídia do grande público”, talvez a maior expectativa estivesse em ver o Santos “atropelar” o time catalão – afinal o Barcelona só parecia bom por que enfrentava equipes fracas no seu campeonato nacional (o único bom desafio era o Real Madrid FC), e além do mais, não haviam ainda se deparado com uma equipe tão talentosa, tão veloz, tão brasileira.

Pois bem. Chegou o dia do jogo, e vimos o que vimos.

O Barcelona não tomou conhecimento do Santos.

No dia anterior a partida, as declarações dos jogadores da equipe catalã respondendo aos jornalistas brasileiros sobre como conseguiriam “parar” Neymar, deram bem o tom do que seria o jogo: “faremos o que sempre fazemos, jogaremos como Barcelona – se tivermos a bola, o Neymar não vai jogar”.

Arrogância? Não, apenas uma boa noção sobre a realidade.

Dois dias antes do jogo, mais noção sobre realidade.

Quando perguntado na entrevista coletiva sobre o por quê de não ter ido assistir no estádio ao jogo do seu próximo adversário (o Santos), Pep Guardiola sorrriu, deu um ou dois motivos, e depois deu luz ao aparente (e não real) menosprezo pelo adversário brasileiro, dizendo que havia uma equipe de profissionais do Barcelona (equipe do departamento de análise de desempenho do clube) captando imagens e coletando informações sobre Santos no jogo contra a equipe do Kashiwa (e que, então, ele não precisava estar lá pessoalmente).

Preguiça? Arrogância? Menosprezo? Não, apenas uma boa noção sobre a realidade.

O jogo foi o que foi.

Culpas e culpados não pararam e não param de surgir.

Sobrou para o treinador santista, sobrou para Neymar, sobrou para Ganso, sobrou para os treinadores das categorias de base no Brasil (que não sabem formar!?)…

Senhores, não nos deixemos iludir.

Claro, a responsabilidade precisa ser dividida entre muitas pessoas (porque vencer o Barcelona é possível, sim! – e então é preciso entender como). Mas que não percamos de vista o principal: os clubes não podem ser reféns de seus elementos constituintes (jogadores, treinadores, etc.) ou de uma falta de conhecimento ou preparo (em qualquer nível de sua organização).

Jogadores, treinadores ou empresários, por exemplo, são elementos importantes do universo fantástico e particular que é o futebol. O clube porém deve ser, e é maior do que qualquer outra coisa.

 


 

O que quero dizer com isso?

Quero dizer que antes de uma exaltação à posse de bola, ao jogo bonito e ao talento individual dos jogadores do Barcelona, deveríamos, nós, entendermos toda a mudança estrutural e filosófica que sustenta a organização de dentro e de fora do clube catalão.

Só para que se tenha uma ideia, em 2010, um de seus treinadores das categorias de base (Sergi Barjuan) disse que se um talentoso jogador, com potencial para ser tão bom quanto o Messi, não cumprir com suas obrigações escolares e com normas de conduta do clube, será convidado a sair do Barcelona.

“Confiamos no nosso trabalho de formação e sabemos bem quais valores queremos construir e transmitir”, disse ele.

Antes da Copa do Mundo de 2010, o ex-atleta Roque Jr., participava de um programa esportivo na TV, e foi, quase unanimemente, combatido, quando disse que a forma de jogar e o conhecimento sobre o jogo, de jogadores e treinadores no Brasil, estava aquém dos europeus de forma geral, e que quando os brasileiros iam jogar na Europa tomavam um banho de informação.

Disse que precisávamos aprender a desenvolver o jogador brasileiro aproveitando seu talento e capacidade de improvisar.

E de novo: isso não é só uma questão de “posse de bola”, de “jogo bonito”, de “talento individual”.

Temos que transcender meios, métodos, modelos – superar paradigmas…

Precisamos nos desprender da ideia de que nossas brasileiras verdades são as verdadeiras verdades quando o assunto é o futebol.

O Barcelona não venceu a final do Mundial de Clubes da Fifa no dia do jogo contra o Santos. Isso foi bem antes, e é bom que nossos olhos se abram para o fato…

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

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