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Barça e Real

Os últimos dias foram recheados de comentários sobre toda a repercussão gerada pelo clássico disputado entre Real Madrid e Barcelona no Santiago Bernabeu no último final de semana aqui no Brasil.

Para os que trabalham há algum tempo com os negócios relacionados ao esporte, nenhuma novidade. Não é surpresa nenhuma o fato do brasileiro dar mais atenção a um jogo disputado no Velho Continente em detrimento dos (bons ou ruins) jogos no Brasil.

A questão não é só o jogo mais qualificado ou o cenário (arenas lotadas) que é criado em cada disputa. A questão é a “unicidade” que se cria para cada evento, ou seja, a sua narrativa: cada jogo tem sua história e a rivalidade é reforçada em todos estes momentos. E esse é o grande viés do entretenimento.

Há tempos que não conseguimos dialogar de maneira efetiva com o torcedor. Muito porque negligenciamos sim a qualificação e o cenário das partidas, mas também porque deixamos de contar boas histórias contemporâneas sobre as grandes rivalidades. Quem são os heróis e os vilões de cada jogo decisivo?

O espaço ocupado pelos times estrangeiros não é só culpa do bom trabalho feito lá fora, mas sim do desserviço que é realizado há algum tempo em nosso futebol. E, repito, não se trata apenas da organização como um todo – que atrapalha e muito, como sistematicamente descrevemos aqui neste espaço.

Deixamos de pensar no intangível e no reforço dos melhores sentimentos que os torcedores possuem sobre os grandes e inesquecíveis clássicos!!!

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Lá e cá

Não é apenas dentro de campo que temos muito que aprender com o futebol europeu.

O mais recente clássico disputado entre Barcelona e Real Madrid é apenas uma – importante – mostra do nível de excelência do qual estamos muito distantes.

Os melhores jogadores do mundo disputando grandes jogos, com muita velocidade, poucas faltas, estádios com ótima ocupação e sem violência dentro ou fora das praças esportivas.

Em outras palavras, muito daquilo que veio embalado no “padrão Fifa”, expressão consagrada como sinônimo de excelência na realização da Copa do Mundo no Brasil.

Entretanto, a embalagem não corresponde ao conteúdo que o nosso futebol pode entregar.

Imaginou-se que, simplesmente, a Copa serviria para resolver todos os nossos problemas.

Serviu para escancará-los ao se evidenciar que nossa prática não anda junto com a teoria.

Na Espanha, vimos que o presidente do Barcelona renunciou em meio ao escândalo envolvendo a transferência de Neymar. Imediatamente, o novo presidente veio a público prestar contas à comunidade, bem como o clube pagou ao fisco espanhol um valor milionário referente aos tributos envolvidos no negócio.

Na Alemanha, o presidente do Bayern foi condenado à prisão por sonegação de impostos. Vai pagar – os impostos, a pena e com a destituição do cargo.

O “fair play” europeu não se restringiu a esses dois casos emblemáticos fora das quatro linhas.

Dentro delas, já havíamos visto a história do alemão Klose, que ao marcar um gol irregular, “entregou-se” e assumiu sua culpa e responsabilidade.

Noutro caso recente, um jogador alemão do Werder Bremen confessou que havia simulado um pênalti e o árbitro acatou seu gesto de honestidade.

Nestes tristes trópicos, temos muito a lamentar e pouco a celebrar. Aos olhos do douto juiz que julgou a invasão dos torcedores corintianos ao CT do clube, não foi nada além de uma expressão intensa de paixão…

Aos olhos da Conmebol, as manifestações hediondas de racismo contra o jogador Tinga, no Peru, não foram tão graves, uma vez que proferidas por “mal-educados sulamericanos”…

Aos olhos do Presidente do Comercial de Ribeirão Preto, não pagar salário de propósito e ameaçar os jogadores do clube com armas é uma ótima forma de incentivar o grupo a alcançar seus objetivos…

A gestão do futebol brasileiro tem usado a ginga, o lá e cá, pra driblar suas próprias responsabilidades quanto à própria evolução.

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Com todo respeito

O último fim de semana foi marcado pela última rodada da fase de classificação da maioria dos Estaduais de futebol pelo país. Mas também foi marcado por uma importante lição de gestão de eventos e por uma enorme quantidade de “com todo respeito” para justificar escolhas.

Dados sobre a audiência da TV fechada no fim de semana ainda não foram divulgados, mas uma base empírica aponta para um recorde do “com todo respeito”. Questionados sobre qual jogo pretendiam ver no domingo de decisões dos Estaduais, torcedores respondiam: “Com todo respeito ao meu time, hoje é dia de Real Madrid x Barcelona”.

O clássico espanhol é o principal jogo da temporada nacional deles, é verdade, mas não foi esse o único elemento que atraiu a atenção de torcedores brasileiros. As escolhas, “com todo respeito”, refletem o quanto os Estaduais perderam importância.

Uma das explicações para isso é a questão da promoção. Não há evento que sobreviva e mantenha sua força sem um trabalho adequado de promoção, e o futebol no brasil vive há muito tempo do potencial estabelecido.

Na Espanha, em contrapartida, há um esforço para transformar os clássicos entre Real Madrid e Barcelona nos assuntos mais relevantes da temporada. Há um trabalho para que o jogo repercuta.

Esse trabalho envolve parceiros de transmissão e times, mas tem como principal alavanca os organizadores dos campeonatos. É fundamental que eles entendam como atingir o público-alvo e montem estratégias para isso.

Hoje em dia, o trabalho com o público é tendência entre especialistas em marketing e comunicação. O foco da estratégia migrou da fabricação e do produto para essa parte. Para isso, porém, é fundamental que o consumidor seja impactado.

Qual foi o impacto dos Estaduais? Quantas pessoas ficaram sabendo sobre o que aconteceu no fim de semana decisivo ou cancelaram compromissos para acompanhar a rodada derradeira dos torneios regionais?

Não é só uma questão de tamanho de jogo. Não é só uma questão de tamanho de jogadores. É uma questão que envolve todo o processo de comunicação da indústria do futebol.

Enquanto acharmos que a paixão espontânea que o brasileiro tem pelo futebol é suficiente para carregar o negócio, correremos sempre o risco de ouvir que, “com todo respeito”, há opções melhores de entretenimento. O clássico espanhol é concorrente direto pela atenção quando acontece como no último domingo – os jogos aconteceram quase no mesmo horário –, mas é um rival indireto mesmo quando as faixas de horário não batem.

Afinal, não é só pela audiência televisiva que os jogos duelam. Há uma briga pela atenção do consumidor, e essa atenção está cada vez mais restrita. As pessoas são bombardeadas por informações e opções de lazer. Escolher entre elas envolve um processo que vem desde o subconsciente, e ignorar tudo isso é confiar demais na força de marcas estabelecidas.

Parte do problema que os nossos Estaduais têm está no próprio discurso de jogadores e treinadores. Não há sentido de promoção ou coletividade nas falas públicas. Ao contrário: o tom é quase sempre de crítica.

Gestores das competições precisam perceber o quanto jogadores, treinadores e dirigentes repercutem. E têm de entender que essa repercussão instantânea é uma das formas mais eficazes de atingir o torcedor.

Há o exemplo claro do Corinthians, eliminado do Campeonato Paulista uma rodada antes do término da primeira fase. A queda precoce do time foi sacramentada em um empate por 0 a 0 com o Penapolense – graças, também, a um revés do São Paulo por 1 a 0 para o Ituano em pleno Morumbi.

Depois do término dos jogos, o técnico do Corinthians, Mano Menezes, questionou a dedicação do São Paulo ao duelo com o Ituano. O atacante Romarinho fez ainda pior. “Eles entregaram”, acusou o jogador alvinegro.

As declarações serviram para mudar o foco após a eliminação do Corinthians, e essa é até uma estratégia válida para Mano Menezes. O problema é que essa mudança de foco colocou em xeque o modelo de disputa e a lisura do campeonato.

Depois de passagens frustradas pela seleção brasileira e pelo Flamengo, Mano Menezes voltou ao Corinthians no início de 2014. E desde então, o técnico tem sido responsável por umas série de entrevistas que responsabilizam regulamentos, árbitros e até rivais por tropeços da equipe que ele comanda.

Na primeira passagem pelo Corinthians e até durante o tempo em que comandou a seleção brasileira, Mano Menezes era tratado por muitos como um fenômeno de comunicação. Havia até um senso comum de que ele dava entrevistas muito melhores do que as convocações ou atuações da equipe que ele dirigia.

A eficácia dele nesse aspecto era tão grande que incensou a filha do técnico, Camila, que era responsável pelo planejamento de comunicação de Mano Menezes. Foi um período em que a influência de um profissional com potencial para esse trabalho ficou extremamente clara.

Desde que saiu da seleção, porém, Mano parece ter abandoando a cartilha montada pela filha dele. O técnico tornou-se mais ranzinza, mais ácido, e até a relação dele com a imprensa foi um pouco deteriorada por isso.

Esse é um aspecto que deve gerar muita preocupação ao estafe de Mano Menezes. Talvez até à diretoria do Corinthians. Mas quando ele começa a atacar o campeonato, isso precisa ser preocupação de quem o organiza.

A Federação Paulista de Futebol (FPF) não pode tolerar que os próprios participantes do Estadual detonem publicamente o produto. Não é uma questão de censura, mas de planejar o que é dito e o que repercute sobre o campeonato. Tudo isso faz parte de um enorme trabalho para que o consumidor se aproxime.

Se a FPF não se preocupar com nível técnico, promoção de eventos e comunicação, o caminho está muito claro. Com todo respeito, mas eu vou deixar de ir ao estádio, trocar de canal ou desligar a TV. O futebol brasileiro está perdendo essa batalha.

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Brasil muda de lado na guerra global por talentos

Nos últimos 15 anos temos ouvido e lido sobre a guerra global por talentos e o papel de fornecedor de profissionais mais qualificados que o Brasil vem tendo neste cenário.

Embora alguns ainda duvidem, temos falta de gente qualificada e isso é um dos principais fatores de risco para o crescimento do País nos próximos anos. As previsões mostravam que o Brasil seria um dos grandes fornecedores de profissionais qualificados no mercado global por pura incapacidade de gerar empregos de qualidade para manter esses profissionais no país.

Este fenômeno, se fosse confirmado, teria um enorme impacto para o Brasil, já que com a falta de capital humano qualificado é impossível o avanço da economia, sendo então o nosso futuro a estagnação.

A realidade é menos catastrófica! A economia mundial mudou de sintonia e por este motivo vivemos hoje uma transformação na esfera do emprego mundial, principalmente quando falamos em evasão e invasão de mão de obra qualificada no Brasil.

Gostaria de dividir com vocês minha visão sobre o tema.

Há pouco tempo atrás, os profissionais que se especializavam em determinadas áreas ou atividades tinham como objetivo principal terminar a formação e migrar para outros países, onde viam mais chances e oportunidades de desenvolverem suas carreiras.

Esse fenômeno acontecia por alguns fatores, sendo os de maior influência, não necessariamente nessa ordem:

1) Falta de oportunidades no Brasil dentro do campo escolhido.
2) Remuneração maior no exterior.
3) Economia mais estável nos países desenvolvidos.
4) Possibilidade de adquirir novos conhecimentos em seu campo se atuação.
5) Dominar um novo idioma, principalmente o inglês.
6) Conhecer novas culturas.

Esses tempos já se foram e o Brasil de hoje oferece uma infinidade de oportunidades para profissionais qualificados, até mesmo para estrangeiros. Claro que ainda existem profissionais que sonham em se formar e trabalhar fora do Brasil, mas já é possível afirmar que isso é muito mais por uma vontade íntima. Esses estão mais focados em conhecer outras culturas, adquirir novos conhecimentos e aprimorar um idioma, não é necessariamente um motivo macroeconômico.

Essa mudança nos profissionais brasileiros pode ser explicada por alguns fatores. Destaco alguns deles:

1) Nossa economia, mesmo com pequenas oscilações, se tornou forte e confiável.
2) Abertura de novos campos de trabalho em áreas antes inexistentes no mercado.
3) Crescimento do setor da construção civil.
4) Mega eventos como Copa do Mundo e Olimpíadas que aceleram o progresso.
4) Pré-sal saindo do papel e virando realidade.
5) Programas do governo com apoio de empresas privadas que incentivam e subsidiam a formação em áreas específicas.
6) Economia mundial instável, principalmente na Europa, que diminui oportunidades fora do país.

Além de todos estes fatores, permanecer no Brasil significa não ter que adaptar-se à novas culturas e principalmente climas.

Esse conjunto de mudanças no Brasil e no mundo não só afetou a evasão de profissionais como fez surgir um fenômeno novo no Brasil – a invasão de profissionais qualificados e especializados.

Esta invasão de mão de obra é uma realidade em todas as profissões, segmentos e níveis hierárquicos. Importamos de pedreiros a engenheiros, de trabalhadores portuários a médicos, de operadores de máquinas a diretores de produção. Enfim, existe espaço e oportunidade de sobra no Brasil para mão de obra qualificada.

E, como acontecia com os brasileiros, os estrangeiros vêm para o Brasil não só em busca de oportunidades de crescimento, mas pela remuneração maior, para adquirir novas culturas e conhecer um novo idioma. O momento atual sugere: Você é um profissional especializado? Então venha trabalhar no Brasil!

Esse novo fenômeno que agrada os estrangeiros abre uma janela de oportunidades para os brasileiros, pois temos vantagens sobre quem vem de fora, uma vez que conhecemos a cultura, dominamos o idioma, estamos adaptados ao clima e etc.

Penso que este novo panorama não deve ser visto como uma ameaça aos brasileiros, pelo menos a curto e médio prazo. Existe espaço para todos e hoje arrisco afirmar que o progresso do Brasil depende e necessita de profissionais qualificados, independentemente de sua nacionalidade.

Vejam alguns dados que coletei que colaboram com esta visão:

23/09/2013 – Estado de São Paulo – Indústria sente falta de mão de obra qualificada. Segmentos de bebidas e construção temem pela qualidade da mão de obra atual.

28/10/2013 – Folha de São Paulo – Dificuldade para encontrar mão de obra qualificada atinge 65% da indústria, dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

07/11/2013 – UOL Economia – Falta mão de obra qualificada para o agronegócio, dizem especialistas.

08/11/2013 – DCI – Falta de mão de obra qualificada deve persistir por no mínimo cinco anos, diz especialista. Estudo elaborado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).

É a hora de você profissional brasileiro usufruir desse momento, que pelas projeções conservadoras ainda perdurará pelo menos nos próximos 5 a 10 anos.

Portanto, se você é um profissional qualificado, mantenha-se atualizado e se você está em formação e quer aproveitar as oportunidades de um mercado em expansão, não perca tempo e invista no seu desenvolvimento e qualificação profissional.

Feliz 2014!!

 

*Cezar Antonio Tegon é graduado em Estudos Sociais, Administração de Empresas e Direito. É Presidente da Elancers, Presidente do conselho da Click@Gestão e Sócio Diretor da Consultants Group by Tegon. Com experiência de 30 anos na área de RH, é pioneiro no Brasil em construção e implementação de soluções informatizadas para RH. Palestrante em vários congressos e universidades sobre temas relacionados à Gestão de Pessoas, Tecnologia da Informação e Perfil Comportamental.

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A tática, o coletivo e o José Mourinho: antes, uma questão de(o) português, agora, uma questão de tempo…

Hoje vou postar algo nada habitual (nem habitual da minha parte, nem por parte da Universidade do Futebol).

No entanto, dadas as estatísticas e os números, vou, eu mesmo, me conceder uma licença.

Em julho de 2007 publiquei na Universidade do Futebol (na época Cidade do Futebol) um texto debatendo a utilização ou não, a validade ou não, dos “coletivos” realizados pelos treinadores de futebol no treinamento e “apronto” de seus jogadores e equipes.

Em 2008 passei a utilizar esse texto em um momento específico das disciplinas de “Treinamento em Futebol” e “Treinamento nos Esportes Coletivos” das Faculdades onde atuava como professor de graduação.

Em 2009 postei-o, com pequenas alterações em um dos meus blogs.
Essa semana – já em 2014 – o texto em questão atingiu em um deles (dos blogs) 500 mil acessos – isso sem contar os acessos na Universidade do Futebol.

Realmente para mim, nos meus controles de acessos (levando em conta apenas os “acessos únicos” para não ter a falsa ideia de que o número é maior do que parece) é um número muito expressivo.

Então hoje vou “republicar” (licença poética) o texto. Não é só pelo número de acessos. É também e principalmente pelo fato de que ele, mesmo escrito e publicado em 2007, parece feito para hoje…

E eu me pergunto “como ainda pode?”…

Mas, vamos lá.

O texto é: “A tática, o coletivo e o José Mourinho: uma questão de(o) português!”

Vejamos…

Nas teorias do treinamento desportivo, um dos princípios mais discutidos e pontuados é o da SOBRECARGA. Ele rege que para o organismo (integral) do atleta continuar se desenvolvendo e fazendo evoluir sua performance, é necessário que haja um "agente estressor" que possa gerar esse desenvolvimento.

Esse "agente estressor" no caso do atleta é o treinamento desportivo. Para conseguir o "estresse" que vai provocar uma REAÇÃO do organismo (para o seu desenvolvimento) é necessária uma carga de magnitude superior àquela que ele está "acostumado"; uma SOBRECARGA.

Pois bem. Uma questão que tem intrigado e rondado a cabeça de cientistas do desporto, treinadores e amantes do futebol é a que diz respeito à importância do "Coletivo" nos treinamentos de uma equipe de futebol.

Quando pensamos em "Coletivo" imaginamos um jogo (reservas e titulares, titulares e equipe B, etc. e tal) próximo ao jogo competitivo formal, com o objetivo de preparar ou observar uma equipe para uma partida oficial de campeonato. O fato, é que temos hoje treinadores em evidência na mídia defendendo o menor número possível de coletivos; priorizando jogos reduzidos e treinamentos técnico-táticos.

Na "contramão" temos José Mourinho (na época do texto, já vitorioso técnico do Porto e do Chelsea) e um grupo crescente de Estudiosos e Cientistas do Desporto que defendem a ideia de que se deve treinar o jogo, jogando (só se consegue andar de bicicleta melhor, andando de bicicleta; só se aprende a dançar melhor, dançando; só se consegue jogar melhor, jogando).

Nessa perspectiva, não há nada mais real para criar situações que se assemelhem ao jogo do que o tal "Coletivo".

Mas e o treino técnico-tático ou os jogos reduzidos?

Temos aí um problema a se resolver. Um corredor treina corridas para melhorar sua performance. Não corre, porém sempre na mesma velocidade, na mesma distância. Corre em velocidades próximas aquelas de sua competição, às vezes menores, às vezes maiores; o que é verdadeiro (ou deveria ser) também para as distâncias percorridas. Em outras palavras ele tem no seu treinamento uma alteração de cargas que exigem do seu organismo (integral) respostas que permitem seu desenvolvimento (SOBRECARGA).

Talvez seja fácil pensar em sobrecarga imaginando adaptações físicas. Mas como imaginarmos uma sobrecarga técnico-tática, ou melhor, uma sobrecarga "técnico-tática-fisico-mental"? Como abstrairmos a idéia de um "agente estressor" que provoque respostas integrais e integradas no jogador de futebol, que o permita se desenvolver, aumentando sua performance de jogo?

Certamente nos jogos em campo reduzido o volume de passes, finalizações, desarmes, coberturas, marcações duplas (e as mais diversas e inusitadas situações-problema de jogo) ocorrem em maior escala. Em outras palavras, no campo reduzido a sobrecarga parece maior. Ao se manipular as regras do jogo nesses treinamentos, é possível ainda priorizar esse ou aquele princípio do jogo, amplificando ainda mais a sobrecarga para determinada variável.

Ocorre, porém, que ao mesmo tempo em que se exige mais de determinadas variáveis, corre-se o risco de "desprestigiar" outras. Por isso, a condução de um treinamento com prevalência de um objetivo tático precisa ter regras bem ajustadas, para que ao se buscar de forma específica a sobrecarga do jogo não ocorra um indesejável distanciamento do próprio jogo.

Por outro lado, os coletivos são "exercícios" que se aproximam do jogo e que podem trazer situações-problema altamente especializadas. Talvez a carga do coletivo não seja a SOBRECARGA desejada para o desenvolvimento integral do atleta em sua preparação para o jogo, mas é inegável que ele exige o que mais próximo de um jogo um exercício pode exigir.

No entanto, mesmo o coletivo por si só pode não representar as exigências que proporcionem o desenvolvimento da equipe. Se uma equipe joga no 1-4-4-2 em linha e no coletivo enfrenta invariavelmente um 1-4-4-2 em losango, estará ela exercitando situações-problema restritas às possibilidades desse confronto. Então, mesmo no coletivo, deve-se buscar um maior número de situações que permitam a equipe uma melhor compreensão sobre o jogo.

Certamente, se fossem os coletivos a solução para a preparação de uma equipe, talvez melhor fosse buscar algo mais específico ainda: ao invés de treinar para o jogo através do coletivo, dever-se-ia treinar para o jogo jogando sempre formalmente de forma competitiva (por exemplo participando de competições paralelas de menor expressão ou fazendo amistosos contra equipes de nível).

Então, a melhor solução é quebrarmos paradigmas (como tem feito o português José Mourinho). Os jogos em campo reduzido, os jogos adaptados, os treinamentos de ataque contra defesa ou os "Coletivos" devem ser etapas de um processo que se completa jogando o jogo. O coletivo não deve ser entendido como um jogo sem pretensões de melhora tática.

É óbvio, mas ainda se alardeia que treino tático é uma coisa, treino técnico é outra e coletivo… (Então um coletivo onde
há uma regra que diz que a equipe de posse da bola, ao ultrapassar a linha do meio-campo, tenha 4 segundos para ter todos os jogadores (exceto o goleiro) posicionados dessa linha para frente, deixa de ser coletivo porque tem uma regra que taticamente "exige" rápida compactação?).

Da mesma forma, um jogo usando metade do campo, trabalhando ataque contra defesa deixa de ser jogo "coletivo" porque é chamado de treino tático?

Certa vez um treinador viu seu time sofrer um gol logo após ter um de seus jogadores expulsos. Após o jogo disse que sua equipe sofrera o gol porque não houve tempo hábil para orientá-la para aquela situação (de um jogador a menos em dada posição). Qual a relação disso com o texto acima? Certamente os jogadores, condicionados à tutela do comando técnico, não foram capazes de, naquela situação-problema, resolver, a partir de rápida leitura do jogo, àquela nova exigência tática.

Então vos pergunto, caros amigos: o que faltou para o rápido re-arranjo tático da equipe? Mais "coletivos" ou mais "treinamentos táticos" (didaticamente falando)?

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Fair Play: devemos seguir o exemplo europeu

Em Setembro de 2009, o Comité Executivo da Uefa aprovou medidas de "fair play" (jogo limpo) financeiro para, segundo a entidade, o bem-estar do futebol.

O “fair play” financeiro da Uefa tem por objetivo introduzir mais disciplina e racionalidade nas finanças dos clubes de futebol; diminuir a pressão sobre salários e verbas de transferências e limitar o efeito inflacionário; encorajar os clubes a competir apenas com valores das suas receitas; encorajar investimentos a longo prazo no futebol juvenil e em infra-estruturas; proteger a viabilidade a longo prazo do futebol europeu e assegurar que os clubes resolvem os seus problemas financeiros a tempo e horas.

Sabe-se que muitos clubes têm operado com prejuízo financeiro o que os leva a problemas de liquidez, levando, por exemplo, ao atraso no pagamento a outros clubes, empregados e autoridades sociais e dos impostos.

Dessa forma, a Uefa tem utilizado medidas para que os clubes sejam obrigados a, durante um determinado período de tempo, equilibrarem as suas contas. Assim, os clubes não podem repetidamente gastar mais do que as receitas que geram e estão obrigados a respeitar todos os compromissos relacionados com pagamentos de transferências e de empregados.

Três anos depois, em junho de 2012, o Comitê Executivo da Uefa aprovou a criação do Órgão de Controle Financeiro de Clubes (CFCB) para monitorar os orçamentos dos clubes e impor medidas disciplinares no caso de endividamento e atrasos nos pagamentos podendo, inclusive, excluir clubes das competições.

Aqui no Brasil, o Bom Senso FC tem trazido o “fair play” financeiro ao debate . A intenção do movimento é que, conforme o modelo europeu, seja criada uma entidade para controle e implementação de alguns pontos, a saber:

– Os clubes não poderiam exceder o déficit em 10% nos dois primeiros anos. No terceiro e no quarto, 5%. A partir do quinto, não poderia haver déficit.

– O custo do futebol não poderia ser superior a 70% da renda total do clube.

– Haveria incentivo para os clubes equilibrarem suas fontes de receita.

– Garantias aos cumprimentos de contrato de trabalho com funcionários do clube, sob pena de não poderem contratar atletas e outros funcionários.

– Responsabilização dos dirigentes durante seu período de gestão.

– Padronização das demonstrações financeiras dos clubes.

– Reavaliação de endividamento realizada por auditoria independente.

– Criação de cursos de profissionalização.

Segundo a proposta do Bom Senso FC, somente os clubes com faturamento superior a R$ 5 milhões entrariam em todas regras do “fair play financeiro”.

De fato, o endividamento dos clubes brasileiros é um grande problema e que merece ser objeto de medidas efetivas, sob pena de se tornar ainda mais insustentável.

O futebol europeu iniciou esse processo em 2009 e 5 anos depois o futebol de seus clubes permanece pujante, portanto, não o que temer, o momento é de ação.

Que venha o “fair play” financeiros para os clubes brasileiros.

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Como equilibrar o lado pessoal e profissional?

Treinamentos intensos, concentração e jogos decisivos. Esta rotina está presente na carreira de todo profissional de futebol, seja este um atleta ou um profissional de qualquer outra função no futebol.

No caso do atleta, principalmente, sabemos o quanto é necessário estar em equilíbrio no lado profissional e pessoal de sua vida, e que este equilíbrio está diretamente relacionado com o desempenho deste dentro das quatro linhas.

Partindo deste princípio, quero te convidar para uma reflexão: alguma vez você já teve um problema de ordem pessoal que afetou diretamente no seu desempenho profissional? Acredito que a resposta seja sim, pois afinal de contas todos nós passamos por situações como esta, pelo menos uma vez em nossas vidas.

Agora pense no caso específico que vivenciou, havia várias partes interessadas tais como meios de comunicação, torcedores e vários outros profissionais acompanhando detalhadamente seu desempenho e fornecendo uma avaliação em tempo real sobre sua performance? Seria complicado não é mesmo? Então, este é o cenário que o atleta profissional de futebol, com algum tipo de problema no lado pessoal vive.

Diante das exigências de desempenho profissional ditadas pelo esporte de algo rendimento, este equilíbrio entre o lado pessoal e a profissional necessita cada vez mais de atenção. São comuns situações de estresse decorrente das pressões do dia a dia no futebol e como já abordamos anteriormente o estresse pode levar os atletas a terem lesões e até, em alguns casos extremos, ao Burnout (uma forma mais severa de estresse ou estado de esgotamento).

No Brasil, devido a nossa origem latina, temos mais dificuldade em separar razão de emoção e com isso os problemas pessoais podem sim afetar a produtividade do atleta em campo.

Desta forma, penso que os clubes podem pensar em formas de como elaborar algum tipo de programa de qualidade de vida que forneça algo além de um tradicional programa que contaria com algumas orientações que o atleta já recebe, como por exemplo, a orientação nutricional. Poderia o clube ir além, pensando na contratação de profissionais específicos para orientar na gestão de carreira e nesse sentido o Coaching pode servir como um serviço que agregue valor a esta necessidade do futebol. Além disso, neste programa seriam adequadamente cabíveis orientações financeiras para os atletas, pois em muitos casos a falta do conhecimento em gerir suas próprias finanças pode ser um fato gerador de desequilíbrio entre o lado pessoal e profissional do atleta, levado ao estresse.

Por fim compartilho com você, profissional do futebol ou não, três pequenas sugestões práticas de como se comportar diante de alguns conflitos:

• Compartilhe o seu problema com as pessoas mais próximas; isso pode aliviar a pressão;

• Relate sua situação ao superior hierárquico na comissão técnica, mesmo que de maneira superficial, torne-o ciente do que está acontecendo, converse sobre como pensa a respeito do problema, como pretende lidar com ela e resolvê-la;

• Procure agir com cautela e evite os extremos, ou seja, não se isole e nem se exponha demais.

Até a próxima!

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A interessante percepção sobre o futebol

É impressionante como a percepção da sociedade sobre o futebol é completamente deturpada pelo viés da paixão. Ou melhor, percebe-se, mais das vezes, uma apropriação grotesca de algumas instituições como se estas não fossem organizações privadas.

A última da lista, que tende a entrar para os anais dos absurdos que se cometem ao avaliar a relação entre clubes e torcedores, está no parecer do Exmo. Sr. Juiz Gilberto Azevedo Morais Costa, que colocou em liberdade os 12 corintianos presos pela invasão ao CT do clube, há pouco mais de um mês, com o seguinte argumento (conforme noticiado pelos veículos especializados):

“Em suma, tudo não passou de um ato (nada abonador) de revolta dos torcedores. Fiéis que são – e disso a própria equipe se vangloria –, queriam apenas chamar a atenção: fazer com que os jogadores honrassem os salários que ganham; mostrando um futebol verdadeiramente brasileiro. Isto posto, com fundamento no artigo 395, III, do CPP, rejeito a denúncia. Expeçam-se alvarás de soltura clausulados e contramandado de prisão – escreveu o juiz no despacho.” (Fonte: http://globoesporte.globo.com/futebol/times/corinthians/noticia/2014/03/juiz-manda-soltar-corintianos-presos-por-invasao-ao-ct-joaquim-grava.html).

Ou seja, não se entende o Centro de Treinamento de um clube de futebol como uma propriedade privada e, pior, como ambiente de trabalho dos atletas, onde se preconiza um mínimo de segurança e tranquilidade para o exercício de suas funções.

O referido magistrado não compreende a atividade de “atleta de futebol profissional” como uma profissão como tantas outras. Ou pior, admite que profissionais com funções ditas “públicas” sejam alvo de protestos dentro de seu ambiente de trabalho, mesmo que isto reflita na segurança destes profissionais, uma vez que, por esta teoria, “devem resposta a um determinado grupo de pessoas”.

Enfim, o parecer do magistrado é um pouco do retrato daquilo que precisa ser mudado culturalmente quando pensamos e debatemos veementemente a gestão do produto futebol a partir de uma visão holística e de negócios. De um modo geral, percebe-se que existe ainda uma enorme resistência e confusão sobre o significado de profissionalização no esporte e entrega de entretenimento para os consumidores deste mercado, que impacta diretamente na forma de relacionamento com estes…

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Rivaldo sem rival

Um dos três melhores jogadores da Copa de 98, quando ele foi vice.

Um dos três melhores jogadores da Copa de 2002, quando ele foi penta.

Poderia ter sido tetra, em 1994, não fosse um mau semestre pelo Corinthians.

Coisa que aconteceu na vida dele, de qualquer brasileiro comum, simples, modesto, humilde. Como ele foi mal em 96, na Olimpíada, em Atlanta. Depois de ralar a bola pelo espetacular Palmeiras do primeiro semestre daquele ano.

Quando se criou a bobagem de que ele não era na Seleção o craque que foi pelos clubes onde passou.

Melhor do mundo em 1999 pelo Barcelona, era detonado mesmo brilhando pelo Brasil, como nos 4 a 2 contra a Argentina, em Porto Alegre.

Quando não vinha bem, era cobrado mais que o normal. Como foi xingado no Morumbi, em 2000, na estreia de Leão na Seleção. Ele não foi vaiado. Foi xingado! No estádio onde brilhou pelo Mogi Mirim, de 1992 a 1993. Pelo Corintthians no segundo semestre daquele ano, onde até de libero atuou.

Como venceria quase tudo pelo Palmelras, de 1994 a 1996. Quando foi para o La Coruña fazer temporada tão boa que fez com o Barça por ele pagasse a multa rescisória e ganhasse um jogador especial. Como centroavante do Santa Cruz na Copa SP de 1992. Como meia, quase ponta do ótimo Mogi de Vadão. Como tudo pelo Palmeiras e pelo Barcelona. Pelo Brasil de 98 e 02. Trocando de posição. Nem sempre jogando na dele. Mas sempre na dele. Impondo-se pela bola. Mais que pela boca.

Como disse meu amigo Menon: muitos têm carisma. Nem todos têm caráter.

Rivaldo tem. Craque de caráter. Homem de palavra. Humildade como deve ser – virtude. Vontade de jogar bola admirável como a técnica, a capacidade tática, a superação física.

Não conseguia parar. Não conseguia fazer o que anunciou neste sábado. Parou de jogar como profissional. Porque um cara de espírito amador jamais vai parar. Ele ama. Nunca será esquecido.

Rivaldo, obrigado pelos dribles, lançamentos e gols.

Rivaldo, obrigado por resolver jogos difíceis. Dinamarca-98. Bélgica-02. Inglaterra-02.

Obrigado por simplificá-los.

Obrigador por me fazer gostar ainda mais de futebol. Da Seleção. Do Palmeiras.

Nestes 24 anos de jornalismo esportivo, foi ótimo conhecer pessoas mais que ídolos como você.

O mesmo magrelo que vi no Sub-20 do Santa Cruz é o mesmo craque que está no Top-10 das Copas.

É você, Rivaldo.

Sem rival.

 

*Texto publicado originalmente no blog do Mauro Beting, no portal Lancenet.
 

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Memória afetiva – as lendas que o futebol conta

O esporte tem uma capacidade incrível de criar lendas. É um traço fundamental do segmento, e talvez isso não seja igualado por nenhuma outra seara. A literatura e o cinema, por exemplo, mais se apoderam de feitos do que os disseminam.

Basta pensar no primeiro treino de Garrincha no Botafogo, em 1953. O ponta direita acabou com Nilton Santos, lateral esquerdo que já era um dos maiores do país, e o desempenho fantástico foi visto por milhões de pessoas. Duvida? Basta perguntar a qualquer um que era vivo na época e ver quantos vão dizer que estavam lá.

O mesmo acontece com um gol de Pelé contra o Juventus, marcado na Rua Javari, que o próprio Rei considera o mais bonito da carreira. O jogo não foi sequer televisionado, e o documentário “Pelé Eterno” precisou reconstituir digitalmente o lance. Ainda assim, considerando a quantidade de gente que diz ter visto in loco, o acanhado estádio da capital paulista devia ter mais gente nas arquibancadas do que o Maracanã na decisão da Copa do Mundo de 1950.

O mais curioso é que essas “testemunhas” têm uma memória afetiva extremamente exagerada. Já ouvi relatos de que o treino de Garrincha foi “uma das maiores exibições de um jogador na história do futebol” e “um dos maiores bailes que um lateral já levou”. E isso foi contado, é claro, por pessoas que estavam lá no dia.

Essas lendas que o esporte cria afetam diretamente algumas análises sobre o jogo. No último fim de semana, por exemplo, ouvi de quatro comentaristas diferentes a mesma história. Todos eles usaram a seleção brasileira de 1970 para questionar a escalação de times atuais.

A história que eles contaram é que o técnico da equipe brasileira na Copa do Mundo daquele ano, Mário Jorge Lobo Zagallo, ousou encaixar Gerson, Jairzinho, Pelé, Tostão e Rivellino no time, a despeito de eles estarem acostumados a desempenhar funções parecidas em seus clubes.

O recado que Zagallo passou, segundo os comentaristas, é que craques sempre têm espaço e que sempre é possível aglutiná-los na equipe. Essa tese foi usada por comentaristas de São Paulo no fim de semana para falar sobre Palmeiras, Santos, São Paulo e até o Barcelona.

No Palmeiras, Bruno Cesar e Valdivia estiveram juntos pela primeira vez na formação titular. Eles foram armadores em um time que teve Leandro e Alan Kardec como atacantes. O Santos improvisou Gabriel como meia em uma equipe que teve Rildo, Geuvânio e Leandro Damião na frente. A discussão no São Paulo é sobre qual a posição ideal para Alexandre Pato, contratado neste ano. No Barcelona, questiona-se a viabilidade de Messi e Neymar como dupla ofensiva.

A resposta dos comentaristas para todos os casos é que sempre é possível acumular craques. Afinal, Zagallo fez isso em 1970.

Sempre que eu ouço esse tipo de ilação, penso em uma frase atribuída a Albert Einstein: “Loucura é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”.

Há três aspectos fundamentais que devem ser considerados na decisão de Zagallo: o perfil dos jogadores que ele reuniu, o quanto eles estavam dispostos a sacrificar individualidades pelo time e a realidade do futebol daquela época. O esporte praticado em 1970 simplesmente não existe mais.

Usar o passado como forma de explicar o presente é um artifício válido em muitos momentos. Em algumas situações, e esse é um caso, trata-se de uma muleta rasa e que acaba desviando o foco das reais discussões.

As “posições de origem” dos jogadores são apenas dados para preencher fichas. O mais importante é saber o que eles podem fazer e o que eles estão dispostos a fazer pelo time.

O técnico Pep Guardiola dá exemplos constantes disso. No Bayern de Munique que ele comanda, Philipp Lahm é lateral direito, lateral esquerdo, primeiro volante ou armador. Thiago Alcántara e Bastian Schweinsteiger também passeiam por várias posições do meio, e Thomas Müller pode ser armador central, meia pela lateral ou até centroavante.

Quando Guardiola coloca Thiago em campo, portanto, ele pode fazer uma alteração defensiva, uma mudança ofensiva ou até ambos. O meio-campista da seleção espanhola é um símbolo perfeito do quanto é possível adaptar uma peça a diferentes funções do jogo.

No Barcelona, é impossível recorrer a Zagallo de 1970 para dizer que o time é obrigado a encaixar Messi e Neymar. Os dois são finalizadores de jogadas, agudos, e qualquer discussão precisa considerar fatores como esse. Quando estão juntos no setor ofensivo catalão, ambos precisam mudar um pouco o estilo e dividir as conclusões de lances.

Isso não quer dizer que os dois tenham de disputar um mesmo espaço no Barcelona. Usar a goleada dos catalães por 7 a 0 sobre o Osasuna, com três gols de Messi e Neymar afundado no banco de reservas, seria simplista e “resultadista”.

O ponto é que não existe uma resposta pronta para o problema do técnico Gerardo “Tata” Martino. É impossível ter como único parâmetro o Zagallo de 1970 ou a goleada do último domingo.

Futebol, como cansa de dizer o gênio Tostão, é uma síntese da vida. É um jogo complexo, sobretudo porque envolve gente. E nós temos uma tendência impressionante de simplificar comportamentos, ideias e atitudes. Isso vale também para o esporte.

O esporte cria lendas, como o primeiro treino de Garrincha, o maior gol de Pelé ou a seleção de 1970. Na memória afetiva das pessoas, tudo isso tem valor maior do que o real. A questão é que quem analisa futebol não pode ser guiado por coisas como a memória afetiva.