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Marcação zona, marcação individual e os sistemas de transição

Façamos hoje mais uma reflexão a partir de um tema que repercutiu consideravelmente quando foi apresentado neste espaço. Trata-se do “balanço defensivo”.
 
“Existe um conceito no futebol, também conhecido como “balanço defensivo”. Esse conceito reflete a estruturação geométrico-estratégica dentro do jogo, que permite aos jogadores raciocinarem defensivamente quando estão atacando. Então, enquanto um grupo de jogadores foca na construção ofensiva de uma jogada sem deixar de considerar a organização defensiva, outros jogadores da mesma equipe focam na organização defensiva sem deixar de considerar a estruturação da construção ofensiva”. Trecho da coluna “O mito dos laterais que não sobem ao mesmo tempo e o balanço defensivo”.
 
Em tese, no jogo de futebol, poderíamos didaticamente atestar a presença e relevância de três sub-sistemas (que chamarei de sistemas para facilitar o entendimento): o sistema defensivo; o sistema ofensivo; o sistema de transição.
 
O sistema defensivo é a organização que se estabelece dentro de uma equipe com a finalidade de proteger sua meta, dificultando ou destruindo a construção de seqüências de ataque por parte do adversário. O sistema ofensivo é a organização que se estabelece dentro de uma equipe para que ela possa chegar à meta protegida pelo adversário, de maneira segura, eficiente e eficaz.
 
Quando se está defendendo, sem a posse da bola, na tentativa de evitar a progressão do adversário ao seu campo de ataque, uma equipe busca na verdade, não somente evitar o gol adversário, mas também recuperar a posse da bola para buscar organizar um ataque efetivo. Por outro lado a equipe que ataca busca, além de chegar ao gol adversário, manter a posse da bola em segurança caso não seja possível fazê-lo rapidamente (chegar ao gol).
 
Assim, quando uma equipe que estava se defendendo passa a atacar, tem antes dessa mudança de objetivo principal, aquilo que podemos chamar de sistema de transição (em outras palavras, a alternância entre defender e atacar passa primeiro por uma transição). O mesmo vale para uma equipe que estava atacando e passa a se defender. Não ocorre uma mudança direta ataque/defesa, mas sim uma mudança ataque/transição/defesa.
 
Então, o momento que separa o “estar atacando” para o “estar defendendo” ou o “estar defendendo” para o “estar atacando” é chamado de “transição”. Da defesa para o ataque; transição ofensiva. Do ataque para a defesa, transição defensiva.
Muitas vezes a transição é deixada de lado. Então treina-se como atacar e como defender, mas não como alternar de um momento para o outro.
 
Isso é mais grave quando se confunde ataque com sistema ofensivo, defesa com sistema defensivo e transição com sistema de transição. Isso porque o “atacar”, o “defender” e o “transitar” podem ser situações visíveis do jogo destacadas em momentos diferentes.
 
Já os sistemas “ofensivo, defensivo e de transição” estão o tempo todo e ao mesmo tempo presentes na mesma equipe, interagindo. Essa interação não permite separar e definir “onde começa um e onde termina o outro”.
 
Bom, aí voltamos ao “balanço defensivo”. Ao olharmos para ele, conhecendo os conceitos de sistema “defensivo, ofensivo e de transição”, notaremos que o balanço defensivo é uma expressão do sistema defensivo quando há predomínio do sistema ofensivo, com a finalidade de impedir a eficácia da transição ofensiva do adversário quando ele é atacado e recupera a posse da bola (ao mesmo tempo em que tenta aumentar a eficácia da transição defensiva, se necessário for, quando se está atacando e a posse da bola é perdida).
 
Em outras palavras, o balanço defensivo é variável do sistema defensivo, ofensivo e de transição ao mesmo tempo, porém interage com cada um deles de forma diferente.
 
Pois bem, na perspectiva dessa discussão, pensemos no balanço defensivo e sua relação com a opção da forma a se marcar em um jogo.
 
Será que haveria alguma diferença nos “nortes” ao se conceber o balanço defensivo utilizando-se de estratégias de marcação por zona ou individual? (em outras palavras, se uma equipe marca “zona”, teria ela que partir de caminhos diferentes daquela equipe que optou pela marcação “individual” ao organizar seu balanço defensivo?)
 
A marcação “zona” busca de forma racional otimizar a ocupação dos espaços quando uma equipe está se defendendo. Já mostrou seu valor diversas vezes, mesmo em momentos de aclamação pela marcação “individual” com a finalidade de se “anular um grande craque”. A melhor ocupação dos espaços leva a uma otimização das movimentações, o que interfere diretamente na economia de energia.
 
A de se destacar, no entanto, que a marcação por “zona” requer grande intensidade de concentração e isso às vezes é tomado como peso contra ela para os adeptos da marcação individual.
 
A marcação individual apresenta variáveis mais simples, porém de lógica peculiar, e que também requerem bom entendimento. Enquanto na primeira (por zona) a organização e distribuição se dão em função da movimentação da bola, essa (a individual) se organiza a partir da movimentação dos jogadores adversários. Em função disso, existem aqueles que apontam que é mais fácil se posicionar em função da movimentação do adversário porque essa é menos veloz do que a partir da movimentação da bola. Há, porém, que se ressaltar uma obviedade: bola só há uma; adversários, 11.
 
Na marcação por “zona”, o fato de se ter a bola como referência facilita a organização coletiva, pois todos sabem onde ela está e como deverão se movimentar em função disso.
 
Então, ao se optar pela marcação em zona será possível definir um “desenho” para o balanço defensivo, que independentemente dos jogadores que o preencham deverá estar geometricamente bem definido. Quando a opção é pela marcação individual, o balanço defensivo torna-se atrelado a movimentação do adversário.
 
Vejamos um exemplo gráfico:
 
 
Na figura “A” o desenho “congelado” de uma situação real de um jogo ocorrido em 2006. Notemos que a equipe amarela ataca sem deixar um jogador de “sobra” na defesa para marcar os atacantes e estrutura seu balanço defensivo em diagonal (atacando inclusive com os dois alas ao mesmo tempo).
 
Imaginemos hipoteticamente que o jogador “MD” da equipe vermelha resolva adotar o posicionamento apresentado na figura “B”. Como a estrutura defensiva da equipe amarela está organizada para marcar em “zona”, o jogador “S” da equipe amarela faz um sutil reajuste de posicionamento, porém continua mantendo a diagonal defensiva desenhada.
 
Vale lembrar que ao adotar novo posicionamento, o jogador vermelho “MD” está aparentemente livre (mas não fora do controle defensivo), mas permite que agora dois jogadores da equipe amarela (ME e AD) estejam sem marcação efetiva.
 
Caso a equipe amarela estivesse marcando individualmente, teríamos o que está representado no gráfico abaixo:

 
Notemos que na figura “C” temos o mesmo posicionamento inicial da figura “A”. No entanto, dessa vez, como o sistema defensivo está estruturado em uma marcação do tipo individual, ao se movimentar (hipoteticamente) como anteriormente o jogador “MD” da equipe vermelha é acompanhado pelo jogador “S” da equipe amarela (figura “D”).
 
Não estou aqui desconsiderando a possibilidade da marcação mista (na qual a marcação se inicia em zona e transita para a individual de acordo com a movimentação do adversário) nem a da marcação híbrida (que alterna, de acordo com a situação, as características da marcação zona e individual).
 
O fato é que ao se adotar uma ou outra, muda-se a lógica na qual todo o sistema defensivo, ofensivo e de transição é construído.
 
Para os amantes, especialistas e profissionais do futebol seria um “prato cheio” poder acompanhar equipes com propostas diferenciadas em sua estrutura de jogo.
No Brasil, não temos o privilégio de deliciar-nos com muitos times marcando em “zona”, o que é uma pena, pois valorizaria o trabalho tático das equipes. E como diria um dos notáveis do Café dos Notáveis, se o problema é ter a “zona” no jogo, não percamos as esperanças, pois deve ser difícil encontrar grande quantidade de jogos em que a marcação é uma “zona”.
 
Então, nos resta ajustar o olhar e descobrir no jogo de domingo ou do meio de semana, qual foi a “zona” que acabou aparecendo…

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Logo ali

Imagine um lugar em que os clubes de futebol estão com gravíssimos problemas financeiros. Acumulam dívidas fiscais, dívidas com fornecedores e, principalmente, dívidas com jogadores. Afinal, com um péssimo controle financeiro, gastam mais do que ganham. Tudo em nome da performance em campo. Nesse mesmo lugar, os estádios estão velhos e caindo aos pedaços, e não há nada que os clubes possam fazer, uma vez que a imensa maioria não é realmente dona do seu estádio, que em geral pertence ao governo local.
 
Com péssimos estádios, o público deixa de comparecer aos jogos, o que eventualmente favorece o violento confronto entre torcidas, em sua maioria caracterizada por facções organizadas, composta principalmente por jovens das classes mais populares. Tal comportamento é reprimido pela polícia de forma por vezes ainda mais violenta. Com isso, os estádios tornam-se imensos campos de batalha, o que faz com que uma boa parte dos torcedores prefira acompanhar o seu time de casa, na frente da televisão.
 
Dessa forma, os clubes ficam extremamente dependentes da receita proveniente da venda dos direitos televisivos do campeonato nacional. Entretanto, como o valor da venda não é dividido de forma igualitária, os principais clubes do país recebem muito mais dinheiro do que as equipes menores, e acabam se perpetuando no poder. Porém, não é incomum ver um clube pequeno se dando bem no campeonato nacional e conseguindo uma vaga para o principal torneio continental.
 
Os dirigentes, de um modo geral, tendem a não serem pessoas muito confiáveis e se perpetuam no poder, e muitos se valem da popularidade do futebol para almejar cargos públicos. Outros acabam gerenciando o clube de maneira não muito ética, o que eventualmente faz com que pipoquem na imprensa os escândalos de arbitragem e doping, e casos de subornos e lavagem de dinheiro.
 
Nesse lugar, tudo isso é de conhecimento público, o que não significa que o governo tome medidas enérgicas para coibir tal comportamento. Ele até faz uma coisinha aqui, outra ali, mas em geral tolera esse tipo de prática. Afinal, o país possui uma imensa tradição no mundo do futebol, e a sua seleção é uma das equipes mais vitoriosas da história, e está diretamente ligada ao orgulho e à identidade nacional.
 
Imaginou? Fácil, né? Afinal, parece o Brasil. Parece, mas não é.
 
A situação acima descrita mostra a atual situação do futebol italiano. Coisa de primeiro mundo.
 
Das cinco maiores ligas de futebol do planeta (Itália, Franca, Alemanha, Espanha e Inglaterra), a Itália é, de longe, a que se encontra em situação mais complicada. Nos dez últimos anos, os clubes da Serie A acumularam um prejuízo de cerca de 1,3 bilhões de euros, muito por culpa do pouco controle financeiro sobre salários e transferências.
 
O choque maior ocorreu no começo da década, quando os clubes italianos tentaram acompanhar a escalada do valor de salários e transferências pela Europa, puxada principalmente pela Inglaterra, mas não conseguiram honrar seus compromissos. Clubes importantes como Lazio, Roma e Fiorentina sofreram graves conseqüências por esse processo.
 
Não ajuda em nada o fato do futebol italiano ainda se sustentar em cima da estrutura criada para a Copa de 90, quando a indústria do futebol ainda não havia alcançado o estado atual de racionalidade, e acabaram sendo construídos enormes elefantes brancos, muitos dos quais ainda permanecem em poder do governo local. Por conta disso, poucos clubes conseguem reformar seus estádios, o que acaba afastando o torcedor. Nos últimos anos, a média de público da Serie A tem caído vertiginosamente.
 
Para piorar, têm sido muito comum os escândalos de doping e manipulação de arbitragem, o que culminou com o rebaixamento da Juventus na temporada passada. Isso fez com que a já decrescente média de público caísse ainda mais. Para se ter uma idéia, a média de público da Serie A na temporada 97/98 foi de 31 mil pagantes por jogo. Na temporada 04/05, o número havia caído para 25 mil, uma redução de aproximadamente 20%. Por conta do recente escândalo envolvendo Juventus, Milan e afins, a temporada passada foi ainda pior, com uma média de apenas 19 mil pagantes por jogo. Uma redução de cerca de 24% em relação à temporada 04/05 e de quase 40% em relação à temporada 97/98. Das 5 maiores ligas mundiais, a italiana foi a pior em média de público.
 
Pouco público no estádio tende a significar muita dependência das receitas provenientes da televisão, o que no caso italiano significa cerca de 62%. Essa receita, entretanto, varia muito de clube para clube, uma vez que os direitos de televisão não são vendidos coletivamente. Clubes maiores, como Milan, Inter e Juventus, ganham muito, mas muito mais dinheiro do que o resto, o que eventualmente diminui a competitividade, o que fere o poder da Liga como um todo.
 
A situação do futebol italiano está bastante complicada e ninguém sabe dizer ao certo se existe alguma solução rápida e que não seja extremamente penosa para os clubes, principalmente para os maiores. Entretanto, alguns setores já começam a se mobilizar buscando a recuperação, notadamente o poder público, que contava com a Eurocopa de 2012 para dar uma revitalização geral no mercado. Ela acabou indo pra Polônia, mas ainda assim o governo disse que vai se mexer para modernizar o deficitário e problemático sistema atual. Caso consiga, será um grande exemplo para o mundo inteiro.

A Itália, de Totti, Zambrotta e Canavarro, não é logo ali – ao contrário da África do Sul. Entretanto, ela pode servir como um ótimo espelho para o futebol brasileiro. Estruturalmente, ela é mais parecida com o Brasil do que com seus vizinhos mais ricos.

É bom ficar de olho.
 

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Hora de agir

José Geraldo Couto chamou a atenção, em coluna publicada a semana passada na Folha de S. Paulo, para a barbárie que tem acometido o futebol mundial.
 
De Paulo Serdan a Vladimir Putin, parece que todos resolveram usar o esporte para extravasar a violência, para manifestar a revolta com o mundo.
 
O futebol, pela popularidade que tem, sempre foi e sempre será usado pelos governantes para se promoverem e/ou acalmar o povo sedentoçpor mudanças. Foi assim nos anos 70 com a seleção brasileira e com o Campeonato Brasileiro, ou com o time francês campeão mundial em 1998. Na ocasião, os Bleus mostraram uma França de todas as cores.
 
A Alemanha também aproveitou a Copa do Mundo no ano passado para espantar o passado nazista que acompanhou o país por mais de meio século.
 
Não é de se estranhar que o futebol continue a mover multidões e a formar o comportamento das pessoas. O que não é possível acreditar é como ainda vemos o esporte servir de escudo para a organização e formação de grupos extremistas.
 
O futebol, nos anos 30 e 40, não estava tão desenvolvido a ponto de brecar movimentos de extrema direita que eclodiam na Europa. Hoje, porém, a história é muito diferente.
 
Além de termos vivido e estudado os reflexos de ações de extrema-direita no mundo todo, sabemos o alcance de mídia que o futebol têm.
 
É hora de não ficar apenas na estratégia de marketing. Da Fifa ao Íbis, o mundo do futebol tem de se unir e começar a ser usado para propagar a união, a miscigenação, o convívio das diferentes raças em harmonia.
 
Os problemas do futebol já são em demasia. É preciso trabalhar desde já para que ele não se torne também um foco de ódio e segregação. Do contrário, sua falência será questão de tempo. Pouco tempo.
 
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A tática ou o talento: em que você apostaria para vencer o jogo?

O que é mais importante para o sistema, o jogador ou as interconexões (dinâmicas, estratégias e táticas) do próprio sistema?
 
O que vence o jogo, o jogador ou o sistema?
 
O que pode ser mais determinante para o resultado do jogo, o talento ou a tática?
 
Polêmicas, essas perguntas torneiam aparentemente as mesmas idéias, mas certamente poderiam ser respondidas de maneiras diferentes.
 
O tema inserido nessas indagações foi e ainda continua sendo muito discutido toda vez que a ocasião e a falta de memória se fazem valer. Hargreaves, especialista que em suas obras discorre sobre conceitos e idéias no contexto do futebol, não teve dúvidas em afirmar que quem vence as partidas são os jogadores e não o sistema, e que portanto, importantes são os jogadores. Outros autores e especialistas defendem o mesmo ponto de vista.
 
Antes de mais nada devemos lembrar que SISTEMA não é (apesar de ser tratado assim) uma simples representação numérica sobre a disposição dos jogadores em campo. O SISTEMA de jogo no futebol compõe todas as estruturas funcionais que se relacionam durante o jogo (atletas, estratégias, táticas, adversários, árbitro, gramado, bola, torcida, etc.).
 
É importante notarmos então, que ao se relacionarem bilateralmente (uma interfere na outra e sofre interferência dela ao mesmo tempo) em uma teia de interações teremos a óbvia constatação de que, dentre outras coisas, a boa performance tática depende da inteligência de jogo do jogador (ou do talento). Da mesma óbvia forma a tática bem estruturada e desenvolvida potencializará a performance do jogador.
 
São muitos os exemplos de jogadores que jogam bem em determinadas equipes ou com determinados treinadores mas que não apresentam mesmo desempenho em outras situações distintas (outras equipes ou treinadores).
 
Infelizmente a percepção dos “especialistas” na maioria das vezes estaciona em apontamentos “mesmíticos” (traduzindo: sempre o mesmo tipo de apontamento para situações distintas; o que transforma na maioria das vezes o apontamento em mito). Então, por exemplo, a explicação comum para o fato de um jogador ir bem em um clube e não ir bem na seleção do seu país é o “peso” da camisa. É claro que isso também é um fator a ser considerado. Mas a “culpa” não pode ser sempre atribuída a ele. Arriscaria dizer que do jeito que o futebol rompeu fronteiras, esse seria o motivo menos incidente.
 
Equipes com grandes talentos que não se engajam no “sistema de jogo” não terão sucesso. Grandes talentos sem uma tática coletiva ou estratégia definida; sem um norte que oriente a “metacomunicação” entre jogadores ou que interaja com a inteligência de jogo serão sucumbidos.
 
Grandes táticas, com estratégias bem claras e definidas precisam considerar a capacidade dos jogadores, ou então não será possível ter um sistema equilibrado.
 
Assim só é possível validar a afirmação de que quem vence a partida são os jogadores ao validarmos a idéia de que isso só é possível se houver um sistema norteador para tornar a equipe vencedora. Jogadores são estruturas variáveis do sistema de jogo, assim como são a tática, a estratégia e outras dinâmicas que contextualizam o jogo.
 
A história das guerras nos traz inúmeras demonstrações de situações onde a tática e a estratégia adequada ao sistema levou a vitória exércitos tidos como menores ou mais fracos.
 
Os grandes generais (os talentos) venciam sim as guerras. Mas não com a boa pontaria de suas armas de fogo ou pelas habilidades com suas espadas. Os grandes generais venciam a guerra compreendendo como equilibrar as variáveis do seu SISTEMA.
 
Momento de reflexão
 
O que você faria se tivesse 60 dias para preparar um grupo ainda não formado de jogadores para uma importante competição de 15 dias (um torneio), e depois de 55 dias de trabalho aparecesse um “talento” para se juntar a equipe?
Para integrá-lo ao seu então formado grupo, um dos seus jogadores precisaria ser “cortado”.
 
Ainda que desconsiderássemos (inadequado!) o possível abalo ao sistema, motivado por alguma frustração dos demais jogadores, você levaria o “talento” mesmo sabendo não haver tempo hábil para integrá-lo harmonicamente e equilibradamente às variáveis táticas e estratégicas do sistema? Você apostaria na premissa de que bons jogadores estão sempre preparados para participar de qualquer equipe e que um “talento” não deve ser desperdiçado independente da situação? (vale lembrar – para te confundir ou ajudar – que o jogador Raí em uma ocasião quando não mais jogava no Brasil, veio para a equipe do São Paulo para jogar apenas uma final de campeonato)
 
A lenda do relógio
 
“Um velho sábio deu de presente ao seu filho um relógio muito bonito e antigo, ao qual, as pessoas da família chamavam de “relógio das onze engrenagens”. O relógio era grande e bastante valioso, mas não funcionava mais.
 
Não demorou muito e logo o filho curioso já estava desmontando o seu estranho presente. Ao fazê-lo pela primeira vez percebera que o defeito estava em apenas uma das engrenagens (ela tinha um dos “dentes” quebrados). Contente, foi logo procurar uma nova engrenagem para colocar no lugar. Procurou nas lojas do vilarejo e vizinhanças, mas a única engrenagem que acabou encontrando era maior do que a original. Resolveu tentar com ela mesmo. Como temia e imaginava, o relógio não funcionou. Sem desistir, procurou novamente em todas as lojas que conhecia.
Quando estava perdendo as esperanças encontrou em uma joalheria um pingente de ouro no formato de engrenagem (ou melhor no formato e no tamanho da engrenagem quebrada do relógio). Feliz e quase sem acreditar não pestanejou (nem ao saber do grande custo) e comprou o “pingente”.
 
Voltou para casa, pegou o relógio, limpou as engrenagens (que eram de cerâmica) e encaixou a de ouro no devido lugar. Fechou, deu corda e… por alguns segundos o relógio funcionou perfeitamente, até que após um estalo parou novamente. Apressadamente o jovem abriu o relógio e para sua surpresa notou que outra engrenagem havia se quebrado.
 
O tempo foi passando e por mais dez vezes ao longo de alguns meses, gastando todas as suas economias, o fato foi se repetindo: bastava colocar uma nova engrenagem de ouro para que uma de cerâmica se quebrasse. Quando completou a 11ª engrenagem de ouro imaginando que finalmente teria o relógio funcionando, nada aconteceu (os eixos que rodavam as engrenagens de cerâmica não conseguiam fazer girar as engrenagens de ouro)”.
 
O relógio já não era mais o mesmo relógio e mesmo assim, com todas as engrenagens novas o problema não se resolvia.
 
Sem irmos até o final do conto e sem que a “moral da história” precise ser discutida é importante percebermos que se não entendermos o conceito de SISTEMA não seremos capazes de compreender porque o relógio não funcionou depois de todas as engrenagens serem trocadas (vamos achar que a culpa está nos “eixos” que deveriam movê-las). Se não entendermos que as engrenagens são variáveis desse sistema não compreenderemos porque as de “ouro” ocasionaram a quebra das de “cerâmica” e tão pouco os motivos responsáveis pela primeira já estar quebrada.
 
Por que o relógio não funcionou? Você se arriscaria em dizer?
 
Pensamento rápido
 
Bom, e se bastou uma flechada no “tendão” para derrubar o invencível Aquiles (estratégia? talento? sistema?), espero que nossos “especialistas” não achem dispensável um cavalo de Tróia para tentar vencer uma batalha (e também a guerra).
 
Então como meu relógio não está quebrado, já vou me preparando, porque está quase na hora do jogo começar…

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Solução Demorada

Incomoda-me um pouco quando dizem que o futebol brasileiro só está no estado que atual por causa da incompetência dos dirigentes. Minto. Incomoda muito.
 
Até porque, se fosse pra dizer que a culpa é apenas da incompetência dos dirigentes, dava pra dizer que a culpa é de todos os conselheiros dos clubes, que são quem elege os dirigentes. Ou melhor, dava pra dizer que a culpa é dos sócios, que são quem vota nos conselheiros e que eventualmente escolhem os dirigentes. No fim das contas, dava pra dizer que a culpa é do próprio torcedor, que pode virar sócio, eleger seu conselheiro e indiretamente nomear os dirigentes.
 
Dizer que a culpa pelo estado atual do futebol é unicamente culpa dos dirigentes é mais ou menos como dizer que a culpa do estado atual do Brasil é culpa única e exclusiva dos políticos. Esqueça a desigualdade social histórica, os vizinhos estranhos e o passado de militarização. A culpa é unicamente dos políticos. Se trocar de político, o país melhora. É? Não, não é. E o mesmo vale para o futebol.
 
O futebol brasileiro é subdesenvolvido por uma série de fatores, inclusive por incompetência dos seus dirigentes. Esses, na verdade, parecem-me ser mais uma conseqüência do que propriamente uma causa. E o principal fator é, de longe, o peculiar cenário midiático brasileiro.
 
A estrutura do futebol moderno se desenvolveu no começo da década de 90 na Inglaterra. Isso porque, resumidamente, tinha um cara que queria vender televisão por satélite, e para isso resolveu comprar os direitos exclusivos sobre filmes, futebol e pornografia. Se algum inglês quisesse assistir um bom filme, um bom jogo de futebol ou uma boa pornografia, ele teria que comprar o pacote de televisão oferecido pelo indivíduo. Esse indivíduo era Rupert Murdoch, hoje dono d’Os Simpsons, do The Sun e do Wall Street Journal, entre outros, muitos outros.
 
Como na Inglaterra não tem lá muito o que se fazer além de assistir filmes, futebol e pornografia, e eventualmente beber e sair na porrada com alguém, as pessoas acabaram comprando a televisão por satélite do rapaz. Hoje, a Sky domina mais ou menos 50% do mercado de televisão por satélite inglês, e é encontrada em aproximadamente 10 milhões de casas.
 
Foi principalmente por causa do dinheiro da Sky que o futebol inglês deslanchou. Dinheiro que veio a partir da grande concorrência existente no mercado midiático inglês. E esse modelo acabou sendo replicado pelos principais mercados europeus: quer vender televisão por satélite? Adquira os dinheiros exclusivos sobre o futebol.
 
Pois bem. Isso foi o que aconteceu por lá. Agora cabe a pergunta se isso pode acontecer por aqui. E a resposta é provavelmente não. Afinal, que manda há tempos na televisão brasileira é a Rede Globo. E isso sem o futebol.
 
Aliás, o futebol não é o principal produto da Globo. Por vezes, eu até acho que a Globo presta um favor em transmitir o futebol. Ela não precisa. Suas maiores audiências são as novelas, o jornal e o Big Brother. Não por acaso, é o futebol que vem depois da novela, e não a novela que vem depois do futebol.

Pois bem. Surge agora uma especulação de que a Record está disposta a pagar R$ 1 bilhão por ano pelo Campeonato Brasileiro. Sem questionar de onde vem o dinheiro, é certo que tamanha injeção de capital poderia eventualmente dar uma guinada na estrutura do futebol como um todo. Entretanto, é possível que os clubes brasileiros acabassem fazendo a mesma coisa que um monte de clube europeu fez no fim da década de 90 e no início da década de 00, e injetassem toda a grana em jogadores, o que nunca dá certo e eventualmente quebra todo mundo, como aconteceu no Campeonato Italiano em 2002. Mas isso é assunto pra outro dia.
 
Porém, se eu tivesse R$ 1 bilhão, eu nunca investiria nos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro. Inclusive, acho que dá pra contratar todos os jogadores do país por esse montante, e é possível que esse último investimento acabe dando mais retorno. De qualquer maneira, é uma aposta arriscada da Record. Se ela eventualmente criar uma rede de canais fechados e quiser apostar no futebol como atrativo para alavancar as vendas do seu pacote de assinaturas, como tem sido praxe na Europa, é provável que ela vá perder dinheiro, muito dinheiro.
 
Nada indica que as pessoas no Brasil estejam tão dispostas a assistir ao futebol nacional para comprar um pacote de televisão a cabo ou por satélite. E caso a Record queira transmitir o futebol na televisão aberta e tentar recuperar esse R$ 1 bilhão em receitas de patrocínio, ela certamente também vai perder dinheiro. Eu tenho a sincera impressão que uma boa maioria dos patrocinadores do futebol brasileiro só patrocina os clubes para poder aparecer na Globo, uma vez que todo mundo quer aparecer na Globo. Qual seria o valor de reajuste do patrocínio caso o patrocinador deixasse de aparecer no principal canal do país?
 
Uma das principais razões para a debilidade financeira dos clubes de futebol no país é certamente o baixíssimo poder de barganha que ele tem em relação à Rede Globo. E o equilíbrio dessa balança dificilmente vai ser alterado tão cedo. Enquanto o futebol não for mais importante que o canal de televisão para o público em geral, não tem como a estrutura do esporte se desenvolver de maneira mais acentuada. Por melhor que seja o dirigente.

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Mulheres independentes

Agora elas estão na moda. Vai ter campeonato, patrocínio, elas são guerreiras, mulheres de fibra, talentos natos, já que a aptidão não se desenvolve sem treino. Os jornais, até domingo, reservaram a elas seu espaço mais nobre, a manchete da primeira página do caderno de Esporte. As TVs abriram caminho para falar das mulheres no esporte de marmanjo. Os jogos delas na semifinal e na final renderam liderança na audiência.
 
Mas será que hoje elas serão manchete? Nada supera a virada do cada vez mais campeão São Paulo. Ou seria a causa do sumiço da capa do jornal uma derrota numa final de Copa do Mundo com direito a pênalti perdido pela melhor jogadora do mundo quando o placar marcava 0 a 1?
 
O fato é que, na terça-feira, ninguém mais se lembrará delas. As promessas de campeonato, patrocínio e afins devem virar cinzas, ou então se transformarão em barganhas políticas como sempre ocorre, principalmente desde 2004, quando pela primeira vez “descobriram” que havia futebol de qualidade praticado pelas brasileiras.
 
Do esboço com o Paulistana (lá em 1996), com Sissi e Kátia Cilene dando alegrias a um torcedor são-paulino arrasado pelas péssimas gestões pós-bi Mundial, até hoje, nada foi feito. Depois de o sonho se esvair pelas mudanças de leis, pela crise de investimentos, etc. chegou a hora de retomar a conversa sobre o futebol feminino.
 
Com a mesma hipocrisia que os presidentes da República de todo o mundo usam o esporte para se promover, as mulheres se tornaram alvo da falácia oportunista, da promessa vazia e do desespero de quem quer exercer uma profissão, mas não tem mercado de trabalho, não consegue emprego fora e não tem qualquer amparo de qualquer pessoa.
 
A solução para o futebol feminino passa, imediatamente, pela constituição de uma confederação própria, que não fique na sombra do time masculino da CBF. Afinal, são tantos jogadores sub-15 e sub-17 para revelar e negociar no exterior nos torneios caça-níqueis da Fifa que não sobra tempo para pensar nelas.
 
Não existe problema em criar uma confederação além da do futebol masculino. O futsal e o futebol de areia possuem confederações próprias e são subjugados à Fifa. Uma confederação de futebol feminino permitirá, num primeiro momento, que as mulheres recebam verba da Lei Piva para se estruturarem e depois terem condições de criar uma liga, buscar patrocínio, pagar salários decentes a suas jogadoras e coisas do gênero. Só para ficar no superficial.
 
As mulheres do Brasil precisam de independência. Do contrário, estarão fadadas à falência, numa rima tão pobre quanto as pseudo-ajudas que elas recebem hoje.

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