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A força do microfone

Qual o poder de influência da mídia no dia-a-dia do esporte? Talvez a melhor resposta para essa pergunta seja a análise da cobertura da imprensa nos finais de semana após as decisões de títulos e vaga nas finais dos campeonatos estaduais pelo Brasil.

Começamos com a polêmica Leco-Ronaldo em São Paulo. Passamos pelo duelo verbal entre Palmeiras e Sport nas “decisões” da Copa Libertadores. E encerramos nas provocações baratas entre Cuca e a torcida do Botafogo no Rio de Janeiro.

O fato é que a mídia é a principal causadora de tanta polêmica. Em busca da “notícia”, muitas vezes um veículo exagera na dose e cria uma animosidade inexistente. Foi assim, por exemplo, quando deu-se grande cartaz para os 10% a que o Corinthians teria direito como visitante do primeiro jogo contra o São Paulo no ano.

A repercussão imediata da imprensa gerou um clima que, após a classificação alvinegra do último domingo, chega a beirar o insuportável. Porque a mídia inteira foi saber de Ronaldo o que o motivou tanto na decisão. E depois foi rebater com Leco, o dirigente são-paulino, a resposta atravessada na garganta do Fenômeno.

No caso de Palmeiras e Sport, a mesma história. Se não há conflito dentro de campo, vamos tratar de inventá-lo fora dele. Será que tudo correu bem na recepção ao Palmeiras? E o Sport, foi bem tratado no jogo em São Paulo? Sem novidades? Ok, então agora vamos nos preocupar em descobrir porque o Sport vence em Pernambuco e o Palmeiras patina em São Paulo…

O fato é que o microfone é gerador constante de polêmica. E o jornalista não consegue entender que, a cada vez que ele alimenta essa discussão, cria um clima beligerante para alguns duelos que acontecem sistematicamente no futebol.

São Paulo e Corinthians voltarão a se enfrentar. Como a imprensa vai se comportar às vésperas da partida? Qual o clima que ela vai criar para os atletas, dirigentes e torcedores que lá estarão?

Palmeiras e Sport têm, pelo menos, mais dois duelos agendados pelo Campeonato Brasileiro. Da mesma forma, Botafogo e Flamengo decidem nos próximos finais de semana o título estadual e posteriormente medirão forças no Nacional.

E, ao que tudo indica, a imprensa continuará a alimentar a discórdia. Para depois apontar o dedo atrás de culpados pela selvageria que se torna uma partida de futebol… O bom senso deveria ser matéria obrigatória nas faculdades de jornalismo e, mais do que isso, dentro das redações, ávidas por audiência e/ou vendas.

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br

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Auto-organização, a tática, a estratégia e a lógica do jogo

Tenho ultimamente dedicado uma boa parte do meu tempo em estudar e tentar desvendar os “mistérios” e “segredos” do fenômeno da auto-organização no jogo de futebol. Problemas novos e desafios grandiosos têm surgido por conta disso.
 
Percebo e me aproximo cada vez mais de um sem número de pensamentos sobre o jogo de futebol que rodeiam algo comum: “o distanciamento da lógica do jogo”.
 
Quanto mais me aprofundo nas questões que orientam a auto-organização de jogadores e equipes durante os jogos, maiores e mais claras as evidências de que têm se privilegiado o cumprimento de princípios (táticos, de ação, etc.) inerentes ao jogo em detrimento da lógica inexorável que ele apresenta.
 
Em outras palavras, decisões estratégicas estão sendo subordinadas ao cumprimento de princípios do jogo, e não da lógica do jogo.
 
Então resolvi compartilhar hoje um trecho de minha tese de doutorado na pretensa intenção de que esse texto possa se tornar um grande diálogo entre escritor e leitor:
 
Trecho retirado de Leitão (2009), p.183:
 
Durante um jogo de futebol muitos conflitos internos à lógica do jogo surgem continuamente. A cada ação com ou sem bola novos desequilíbrios são causados e o jogo se torna um sistema de permanente ordem e desordem.
 
Para cada situação-problema, decisões individuais e coletivas garantem ajustes (e por vezes desajustes) que se não observados pelas lentes da complexidade podem fazer do jogo, e nesse caso do jogo de futebol, um enigma difícil de ser desvendado.
 
Como um jogo típico de estratégias simultâneas, toda ação de um jogador no futebol desencadeia uma reavaliação situacional-posicional complexa, coletiva e individual, de companheiros e adversários no sentido de uma busca permanente a organização da equipe.
 
A configuração inicial dos jogadores no campo de jogo se modifica a todo o tempo no sentido de buscar um equilíbrio coletivo, e permanentemente se reajusta conforme necessidades individuais e coletivas vão surgindo. Essas modificações são reflexo inevitável da auto-organização da equipe no jogo e se manifestam intencionalmente nas ações para a ocupação do espaço do campo em que ele se desenvolve.
 
A ocupação do espaço de jogo pelos jogadores não é obra do acaso e está carregada de significados. Esses significados orientam e justificam a movimentação de companheiros e adversários simultaneamente a todo tempo e em qualquer que seja o contexto do jogo.
 
Diversos podem ser os “sistemas norteadores” para servirem de referência e compor significado à movimentação dos jogadores. Quanto mais bem estabelecidos esses sistemas mais eficazes podem ser as auto-organizações.
 
A plataforma tática (termo mais adequado do que “esquema tático”) é uma referência espacial importante. No “senso-comum” e para “pseudo-especialistas” serve por vezes para justificar o “defensivismo” ou “ofensividade” exagerada de treinadores e equipes; e por outras tantas é tida nada mais nada menos como uma imagem estática, uma fotografia de um momento que não existe no jogo. Se a ocupação inteligente do espaço no campo pode de alguma forma colaborar para a auto-organização de jogadores e equipes pode ser a plataforma tática um elemento de grande valia na estruturação do espaço de jogo.
 
Isso não quer dizer que esta ou aquela plataforma pode ser melhor ou pior para a organização espacial da equipe. Claro, a geometria da ocupação do espaço no campo pode acentuar desequilíbrios maiores ou menores quando em confronto com outra geometria específica. Claro também que tais desequilíbrios podem ser atenuados ou resolvidos a partir de outras referências (como melhor delineamento de um princípio estrutural ou alteração de um princípio operacional).
 
Fato é que a plataforma tática pode definir uma geometria orientadora para uma auto-organização mais adequada, especialmente e principalmente se as interações entre ela, os princípios operacionais, os princípios estruturais e outras referências inerentes a um modelo de jogo possibilitarem um desenvolvimento inteligente de jogo. Isso quer dizer em outras palavras que na perspectiva da complexidade a construção sistêmica do jogar é fractal, e portanto o delineamento de plataformas, princípios ou outras referências orientadoras em conjunto só faz sentido se as suas interações forem bem compreendidas.
 
A plataforma de jogo é apenas uma das variáveis da ocupação do espaço. Não adianta a plataforma de jogo, como estrutura básica para a construção das estratégias e táticas do jogo, prever uma distribuição harmoniosa e equilibrada dentro do campo se o entendimento da lógica que a norteia não der conta de mantê-la (a distribuição) harmoniosa e equilibrada na dinâmica das ações do jogo.

 
A orientação das dinâmicas de uma partida de futebol a partir de uma plataforma de jogo é norteada por uma estrutura sistêmica maior; a lógica do jogo”.

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A integridade do esporte e a verdade desportiva

Caros amigos da Universidade do Futebol,

Mais uma vez nos deparamos com rumores de manipulação de resultados no futebol, com a discussão gerada em torno da classificação do Santos Futebol Clube para as semifinais do campeonato paulista.

Não vamos nesta coluna discutir se houve ou não qualquer ato, consumado ou tentado, visando a alteração da verdade desportiva nas últimas partidas do campeonato paulista de 2009, de modo a promover o Santos à fase de semifinais. Até porque entendo não haver indícios suficientes até o momento para que se levante seriamente a suspeita.

Entretanto, é preciso atentar para a questão da credibilidade do futebol profissional no Brasil. Historicamente, temos visto um processo de “limpeza” da imagem do futebol, que sempre foi associada à má administração, calote fiscal, pouca transparência nas finanças, etc. Aliada a essa imagem, temos hoje uma crise mundial basicamente causada pela perda da credibilidade na economia mundial, fulcrada em atos de ganância e pouca responsabilidade.

Nesse processo de “limpeza”, as atividades preventivas são fundamentais para evitar-se que, não só sejam afastadas atitudes indesejáveis, como também sejam erradicadas suspeitas de irregularidades infundadas.

Em outras palavras, temos que elevar o negócio do futebol a um nível de credibilidade tal, para que qualquer rumor sobre manipulação de jogos seja encarado, de início, como improvável.

No âmbito dessas medidas preventivas, podemos mencionar um maior controle para os padrões irregulares na loteria esportiva, por exemplo, e um maior monitoramento dos diversos agentes envolvidos no esporte, tais como dirigentes, árbitros, jogadores, etc.

Isso somente é possível, evidentemente, através de uma mobilização e cooperação entre organizações desportivas e autoridades públicas (que hoje já existe predominantemente na fase de reação a um ato consumado, mas que pode ainda avançar muito no que diz respeito à prevenção).

Todas essas atividades deveriam ser abertas ao público em geral, dando ao processo um caráter de transparência necessário, e propiciando um grande alcance de repercussão, tanto para a mídia, como para potenciais investidores, apoiadores e patrocinadores.

Só assim conseguiremos efetivamente aumentar o valor do produto futebol, e atrair um maior número de investidores, processo fundamental para garantir uma continuidade da viabilidade econômica dos clubes.

A partir de então, teremos de volta o princípio fundamental do direito aplicado ao futebol, de acordo com o qual todos são inocentes até que se prove o contrário, respeitando-se o princípio do devido processo legal.

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Mudança de paradigmas

Eu ia escrever um artigo sobre os 20 anos da tragédia de Hillsborough. Imagino até que você estivesse esperando que eu escrevesse sobre isso.

Eu juro que eu ia. Tava tudo na cabeça. Mas deixei pra escrever de noite. E tudo mudou.

Acho que Hillsborough pode esperar. A história não irá mudar. Tem assunto mais interessante para se discutir.

Participei, ontem, de um debate sobre a Copa de 2014, promovido pelo Jornal Gazeta do Povo, aqui de Curitiba. No meio do debate, me veio à cabeça que talvez estejamos enxergando tudo pelo lado errado da coisa. Foi conversado muito sobre a infra-estrutura da Copa. Aliás, todos falam muito sobre as condições estruturais para a Copa. Esse, porém, é o menor dos desafios para o Brasil.

Muito mais complicado do que resolver os gargalos urbanos brasileiros, está em mudar a atitude dos serviços prestados no Brasil. Eu fiquei com isso na cabeça durante o debate. Quando estava assistindo o Jornal da Globo, em casa, tudo ficou mais evidente.

A reportagem sobre o tratamento ofertado pelos seguranças do sistema de trens do Rio de Janeiro foi exemplar. Mostra exatamente como muitos serviços no Brasil não estão preparados para tratar as pessoas com civilidade. E não é só no trem, tampouco apenas no futebol. É generalizado. E isso não é uma coisa que muda de um dia para o outro.

Mais difícil do que construir metrô do centro das cidades até o aeroporto será fazer com que a cultura dos serviços públicos e, por que não, privados, no Brasil, se transforme.

Podemos ter os melhores estádios do mundo. O trânsito pode ser excelente. Mas pode ter certeza de que, se algum torcedor estrangeiro for chicoteado para caber no metrô, todo o investimento feito pela Copa será jogado no lixo.

Ficaremos parecendo uma nação de selvagens. Resta saber se isso será uma mentira.

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Futebol em banda larga

Que navegar na internet é uma realidade na vida de boa parte dos indivíduos no Brasil e no mundo não é segredo nenhum.

Com efeito, o uso desta ferramenta/ meio de comunicação global tem crescido vertiginosamente, especialmente, a partir do desenvolvimento de novas tecnologias e do aumento da base de infra-estrutura, para que o conteúdo informativo da web chegue ao destinatário final.

No Brasil, 80% do acesso residencial à internet é realizado na chamada banda larga – meio de alto tráfego de informações no ambiente virtual das telecomunicações.

O país ainda sofre com limitações e problemas estruturais para uma verdadeira expansão e, porque não, democratização do acesso à rede mundial. Desde ataques de hackers aos servidores das operadoras de telefonia e dos provedores até a precariedade da rede de telefonia antiga (fios de cobre), e a falta de capilaridade das redes instaladas contribuem para esse quadro.

Por outro lado, iniciativas tecnológicas da engenharia surgem como aliadas do país rumo à inclusão digital. Wi-Fi, Wi-Max e 3G em celulares e computadores, bem como a recente aprovação da Anatel para exploração da internet via rede elétrica (presente em 99% do território nacional) possibilitam o desenvolvimento de um novo mercado virtual capaz de vivenciar taxas exponenciais de crescimento.

A descrição do panorama geral do ambiente web no Brasil, acima, evidencia uma importante faixa de transição para todos aqueles que realizam negócios por aqui. Inclusive os clubes de futebol.

O chamado e-commerce está a pleno vapor. Vale dizer que a internet já é um palco auspicioso para que os clubes a tenham como fonte de receitas a explorar.

Em especial, os clubes podem desenvolver canais de conteúdo exclusivo, pois a força de suas marcas, aliadas ao contingente de admiradores/ torcedores/ consumidores, e contando com uma plataforma tecnológica apropriada, possibilitará, por exemplo, gerar receitas diretas – por meio de assinaturas – e indiretas – via patrocínios lastreados pelo aumento contínuo de acessos. Sem contar com os efeitos colaterais positivos como, por exemplo, o apelo dos fãs por conteúdo de telefonia móvel gerado a partir da base da web TV.

Logicamente, uma questão delicada a contornar (renegociar) é a cessão de direitos às TV para exploração do conteúdo das competições, cujos atuais acordos determinam esta salvaguarda em favor das emissoras. O apelo para transmissões ao vivo dos jogos teria grande penetração junto aos consumidores. 

A WEB TV dos clubes delineia-se pois como uma inteligente plataforma de comunicação entre o clube e sua base de apoio, como geração de receitas, como ferramenta para angariar novos sócios, para valorizar os acordos comerciais com os patrocinadores e, sobretudo, para ampliar o relacionamento entre os stakeholders que orbitam ao seu redor.

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br

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A despedida do Fenômeno

Nem lhes conto! Um sonho terrível tirou-me o sono. Sufocava! Levantei-me e saí à procura de ar puro fora da caverna, era madrugada, o silêncio pesava, nem uma vivalma àquela hora, exceto Aurora, que, à minha direita, fitava o céu, de tal maneira absorta, que sequer me percebeu. A coruja admirava Dalva, a estrela, Vênus para alguns. Aguardei os clarões do sol apagarem o brilho da estrela da manhã, e chamei a atenção de Aurora; toquei-lhe o ombro. Ela, que não dormia, acordou. E disse:
 
– Pensava no Ronaldo, no que aconteceu naquele jogo do Corinthians com o Palmeiras. Inacreditável! Será o rapaz uma Fênix ressurgida? Três cirurgias depois, fintas, passes, bola na trave, e aquele gol, logo de cabeça, que não é seu forte. Mais parecia um programa do canal Z33, da TV da minha toca, aquele que só mostra o que a gente quer ver. Deu-me a sensação, quando ele pegava na bola, de estar misturando fantasia com realidade. Terá sido apenas um suspiro do Fenômeno, um raro momento em que ele acordou de um sonho? Ou posso continuar sonhando?
 
E Aurora falava como se olhasse, dentro dela, num écran imaginário, Ronaldo e suas obras, pintadas nas telas verdes do mundo e gravadas para sempre na lembrança das pessoas. Assim é o futebol, dizia ela, arte para muitos, ricos e pobres, milionários e miseráveis; obras efêmeras, performances, pincéis de pernas suadas, bolas, corridas, carrinhos e canelas quebradas, saltos, composições inimagináveis até que surjam. Pelé e Garrincha, Ronaldo e Maradona, Monet, Matisse, Picasso e Gauguin, com a diferença que os da bola todo o povo os entende. Em seguida ela se calou um instante, respirou fundo, e disse:
 
– Eu gostaria que a gente promovesse uma despedida para o Ronaldo. Que ele se despeça, que nunca mais participe de jogo algum, que só reste a imagem do rei, do artista, a marca do raro jogador que sempre foi.  
 
Interrompi-a:
 
– Como faríamos isso, Aurora? Ele jamais aceitaria, muito menos o Corinthians ou a Nike.
 
Não importa – ela disse – com a ajuda de Oto e seus milhares de amigos morcegos, espalharíamos convites pelo país inteiro, anunciando que seria aqui, na entrada da caverna, no momento exato do pôr-do-sol, a cerimônia em que o craque daria seu derradeiro chute na bola. Faríamos como se fosse algo consolidado, irreversível, de forma que não seria possível ao Ronaldo ou a quem quer que fosse recuar.
 
– Discordo, Aurora, mesmo que conseguíssemos. Ronaldo deveria ter feito isso há quase sete anos, logo após a Copa de 2002. Quem sabe o desastre de 2006 não tivesse acontecido.
 
– Ainda que tardia, quero vê-lo se despedir dos gramados – insistiu a coruja.
 
– Você está impressionada, como todo mundo, pelo que aconteceu naquele clássico contra o Palmeiras – eu disse – mas aquilo foi um suspiro, e não mais. De resto, qualquer coisa que ele faça em campo, daqui por diante, por mais normal que seja, será proclamada pelos arautos da bola como façanha heróica… não mais um homem, mas um semi-deus, um titã.
 
– Sim, eu temo por ele, pelo que venha a acontecer daqui por diante. Não quero vê-lo como a última chama da vela que se extingue, aquela que cresce subitamente antes de se apagar para sempre – gemeu Aurora.
 
Prossegui com meu arsenal de razões contra os sentimentos da coruja.
 
– Você sabe como ele se excede; com as mulheres, com os carros, com a festa. Como se nada tivesse valor.
 
– Sim, Bernardo, Ronaldo é em excesso. Ou você queria que ele se excedesse só no futebol? Há homens e mulheres que são assim, e você os conhece na música, no cinema, no teatro, onde são todos perdoados. O futebol não é feito só de bons moços.
 
Meus argumentos eram vãos. Enfim, que são as idéias ante as emoções! Esgrimi meus últimos cartuchos. Ronaldo era só um garoto propaganda, um outdoor ambulante, um menino bobo que calçava chuteiras da Nike e que vendia qualquer coisa que mencionasse, porque seu número nove estava nas camisas dos meninos bobos do mundo inteiro, porque seus dentes à mostra ficaram na lembrança das pessoas bobas de todos os povos, e porque seu retrato estava nas paredes dos barracos, das mansões, e dos mosteiros tibetanos.
 
– Vamos perguntar ao Oto – sugeri, confiando que meu amigo morcego poderia ficar ao meu lado – quem sabe ele, que não é corintiano, muito menos palmeirense, possa nos ajudar.
 
Não foi preciso. O morcego ouvia atentamente nossa conversa, pendurado de cabeça para baixo no teto da entrada da caverna. Assim que Aurora se aproximou, ele fugiu alvoroçado. Alcancei-o pouco depois, mas já encontrei a confusão formada. Arnaldo, o bagre cego, vestia uma camisa amarela número nove e cabriolava nas águas do poço. Uma multidão de morceguinhos, liderados por Oto, meu morcego confidente, e traidor, de cabeça para baixo gritava em uníssono: Ronaldo, Ronaldo… Voltei à companhia de Aurora.
 
– Vamos fazer a despedida – falei.
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Geração perdida

Adriano decidiu parar. Numa atitude inusitada, talvez uma das mais corajosas já vistas nos últimos tempos, o craque da Internazionale e da seleção brasileira afirmou que “vai dar um tempo” na carreira como jogador de futebol, apesar de ter só 27 anos de idade.

Como pode um cara jovem, com alguns milhões na conta bancária, atleta com grande sucesso profissional, mais de uma vez artilheiro do Campeonato Italiano, campeão de Copas Américas e das Confederações pela seleção brasileira, dizer que quer “dar um tempo”?

“Num dia eu era apenas um garoto da Vila Cruzeiro, aí virei o Adriano e depois o Imperador. Tudo isso foi demais para mim”.

Essa foi uma das frases para explicar o inexplicável. Mas que deixa claro, nas entrelinhas, o quanto é difícil uma pessoa estar preparada para ser um jogador de futebol de sucesso.

Adriano não resistiu ao baque e teve a coragem de tornar público esse sentimento. 

Massacre da mídia, assédio de boas e más pessoas, estresse para manter o alto rendimento dentro de campo. Tudo isso ajuda para um jogador “pirar” quando começa a se tornar famoso. Para piorar, faltou a Adriano o que falta à maioria das pessoas, ainda mais quando pensamos em jogador de futebol vindo de uma realidade de muita pobreza: amparo familiar.

A falta de estrutura familiar é um problema cada vez maior no mundo todo. Aquela família bem constituída, com força para superar grandes traumas, é rara de se encontrar. É um problema social, fruto de uma pretensa “evolução” do relacionamento humano, em que a individualidade se transforma muitas vezes em sinônimo de dificuldade de se viver como casal, com filhos, etc.

Adriano sofreu pela falta de um amparo familiar nesse vertiginoso crescimento de sua carreira. 

Num dia garoto da favela que sonhava em jogar pelo Flamengo. No outro, após poucos meses no Rubro Negro, o Imperador da Itália, com toda a mídia em cima, os dólares no bolso e os 20 e poucos anos para curtir tudo isso.

E o futebol? 

A cada gol, mais farra. 

E a evolução da carreira?

A cada farra, menos gols.

E por aí Adriano foi deixando de lado os gols para se envolver nas polêmicas. Tornou-se alvo fácil dos fãs e da mídia. Descuidou-se, deixou-se fotografar em festas, caiu no arrependimento, voltou ao Brasil, jogou no São Paulo e já voltou para a Itália. Onde a rotina de farra voltou a tirar o foco do grande atleta que um dia tinha sido.

Adriano não teve, em nenhum momento de sua meteórica ascensão, um psicólogo a tiracolo, que observasse o seu comportamento e suas reações a tantas mudanças. Não é “tratamento”, muito menos “doença”. É simplesmente amparo para uma das mais desgastantes profissões que existem, que é a do atleta profissional, ainda mais do futebol.

Adriano está se tornando o ícone de uma geração perdida. Que pode ainda envolver Robinho e Ronaldinho, outros craques da bola nos pés, mas que pelo visto estão perdendo o controle do que mais sabiam fazer por conta da mudança brusca que é a vida da pessoa a partir do sucesso de mídia e de público.

Que o ato de Adriano encoraje o futebol a entender a importância da psicologia no seu dia-a-dia. E que tente dar à mídia mais cérebro para compreender o seu papel na formação e, cada vez mais, na destruição de ídolos.

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Futebol: um jogo também de ocupação de espaço

Com 22 jogadores em um campo e medidas que em média representam aproximadamente 7000 m2 de terreno de jogo, a estruturação inteligente do espaço para criar condições favoráveis durante uma partida e futebol é necessidade básica para bom desenvolvimento de uma equipe.

Diversos estudiosos e treinadores de futebol apontam caminhos, no que diz respeito a ocupação do espaço, para que ela (a ocupação) ocorra de forma satisfatória. Muitos deles comungam idéias que se completam, mas evidenciam também uma emergente confusão em estabelecer critérios para determinação do que efetivamente apontam como conceitos.

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Isso quer dizer que algumas das idéias e critérios utilizados na intenção de promover ocupações de espaço mais inteligentes por jogadores e equipes, se confundem em nortear por vezes regras de ação e por vezes organização de estruturas no espaço.

A todo o tempo durante jogos de futebol jogadores e equipes necessitam tomar decisões. Como ele (o futebol) é um jogo de estratégias simultâneas, é preciso que cada um de seus dos jogadores possam ser orientados a todo instante por uma mesma leitura coletiva de jogo.

No que diz respeito a ocupação dos espaços é necessário que existam referências que possam ser identificadas pelos jogadores e que norteiem suas ações (ao mesmo tempo e o tempo todo). Essas referências devem se complementar, ser subordinadas a lógica do jogo e subordinar as estratégias de treinadores e equipes.

Nessa perspectiva, algumas referências podem ser apontadas como princípios estruturais de ataque, princípios estruturais de defesa, princípios estruturais de transição ofensiva e princípios estruturais de transição defensiva.

Cada um desses princípios estruturais serve como orientação para a ocupação do jogo em seus quatro grandes momentos (que são indissociáveis, e aparecem separados aqui apenas por questões didáticas).

Os princípios estruturais de ataque são aqueles que norteiam a equipe na estruturação da ocupação do espaço no campo de jogo quando ela ataca. Eles independem da plataforma tática utilizada pela equipe no jogo para existir, mas interagem diretamente com ela.

Eles são:

1)           amplitude, ou abertura;
2)           penetração;
3)           profundidade;
4)           mobilidade;
5)           apoio;
6)           ultrapassagem
7)           compactação ofensiva

E se os princípios estruturais de ataque são aqueles que norteiam a equipe na estruturação da ocupação do espaço de jogo quando ela ataca, os princípios estruturais de defesa se referem àqueles que a norteiam estruturalmente quando ela defende.

Os princípios estruturais de defesa são:

1)           retardamento, desaceleração ou temporização;
2)           cobertura;
3)           equilíbrio;
4)           basculação ou flutuação;
5)           recuperação;
6)           compactação;
7)           bloco;
8)           direcionamento.

Os princípios estruturais de transição se referem àqueles que norteiam estruturalmente a equipe quando ela transiciona da fase de ataque para a fase de defesa, ou da fase de defesa para a fase de ataque.

Quando se refere a transição defesa-ataque, diz-se princípios estruturais de transição ofensiva. Quando se refere a transição ataque-defesa, diz-se princípios estruturais de transição defensiva.

Assim como os princípios estruturais de ataque e os de defesa, os princípios estruturais de transição se relacionam e interagem com as plataformas táticas das equipes, mas independem quais sejam elas, para existir.

Os princípios estruturais de transição ofensiva são:

1)           densidade ofensiva, ou de ataque;
2)           balanço ofensivo, ou de ataque;
3)           proporção ou equilíbrio vertical de ataque.

Os princípios estruturais de transição defensiva são:

1)           densidade defensiva, ou de defesa;
2)           balanço defensivo, ou de defesa;
3)           proporção ou equilíbrio vertical de defesa.

É possível encontrar nomes diferentes para cada um desses princípios e até mesmo sub-divisões dos mesmos, de acordo com fontes bibliográficas distintas.

O importante, independente de nomes (ou desse ou aquele conceito), é que treinadores, jogadores e equipes tenham efetivamente referências norteadoras da ocupação do espaço e que elas se complementem e possam propiciar um jogo mais consistente, inteligente, enfim, mais elaborado.

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C-40, por favor

 

O conflito apenas evidencia o funcionamento do macro-sistema administrativo do futebol brasileiro. Ao contrário dos mercados mais desenvolvidos e regulamentados, aqui ninguém manda mais do que a federação.

Isso não é algo necessariamente ruim, mas fica claro que os clubes, de um modo geral, tem pouco poder de barganha frente à confederação e, consequentemente, às federações.

Quando isso acontece, as políticas traçadas para o desenvolvimento do mercado interno ficam fundamentadas em variáveis menos racionais, o que pode ser significativamente prejudicial em termos financeiros.

É fato que, no Brasil, as ligas não cumprem com o seu potencial. Também pudera. A Liga Brasileira deve ser uma das poucas no mundo que possui membros fixos dentro de um sistema aberto (com troca de clubes entre divisões). Normalmente, uma liga fica responsável por uma ou duas divisões, e os membros são aqueles clubes que fazem parte desse campeonato. Quando um clube muda para uma divisão fora da abrangência da liga, esse clube é automaticamente substituído pelo clube que vier a fazer parte do campeonato.

No Brasil, não. Tanto a FBA quanto o C13 possuem membros fixos, independente do campeonato que ele esteja disputando. Isso manifesta uma ação baseada em critérios não racionais e dificulta o cumprimento de outras atribuições da liga, como a criação e supervisão de premissas comerciais e procedimentos administrativos.

A idéia da criação de um C-40, como foi publicamente cogitado, parece bastante interessante. Naturalmente, o ideal é que os clubes presentes nessa entidade possuam o mesmo grau de importância em termos políticos e comerciais.

A tendência é que isso não aconteça.

E que ninguém dê muita bola para isso.

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Copa do Mundo de 2014 – Lição de cidadania

O futebol será o catalisador de uma belíssima iniciativa visando a inclusão de pessoas que passaram parte de suas vidas à margem da sociedade.

É o que promete o acordo firmado entre Fifa, CBF e Conselho Nacional de Justiça, no último dia 3 de abril.

Basicamente, ex-presidiários se juntarão ao contingente de trabalhadores envolvidos na execução de obras públicas referentes à realização da Copa do Mundo em 2014 no Brasil. 

Gilmar Mendes, que preside o CNJ e também o Supremo Tribunal Federal, destacou esta importante medida de ressocialização de pessoas que já cumpriram com suas obrigações perante o Judiciário em todo o país. 

O Ministro-Presidente também fez questão de mencionar o exemplo dado pela casa que comanda, na qual cerca de 50 ex-apenados fazem parte do seu rol de funcionários, sendo dois deles em seu gabinete. Fruto de um programa lançado em 2008, o “Começar de Novo”.

Já se tinha conhecimento de iniciativas de envolvimento de detentos nos presídios brasileiros na confecção de bolas de futebol, especialmente voltada para projetos sociais esportivos. No Paquistão, maior produtor mundial de bolas oficiais de futebol, os apenados formam a maioria do quadro de pessoas envolvidas na produção deste artigo esportivo, sendo até mesmo exportados para o mundo desenvolvido.

A idéia é extremamente bem-vinda num país como o Brasil, carente de projetos de inclusão social, não só de ex-presidiários, como também portadores de necessidades especiais e idosos. Ainda mais porque ultrapassa os muros dos cárceres abarrotados de pessoas que vivem em condições desumanas.  

Além disso, a iniciativa privada torce o nariz para ex-detentos. Questão realmente delicada de se contornar no mercado de trabalho competitivo. 

Se bem conduzido o projeto pelo poder público brasileiro, CBF e Fifa, inclusive no período pós-Copa 2014, envolvendo a gestão do legado esportivo para o país, teremos um grande avanço social, com o futebol como alavanca desta verdadeira ação afirmativa de igualdade de oportunidade para todos.

Seguramente, o número de pessoas beneficiadas no país é significativo – e isso representa, infelizmente, o grande universo da população egressa dos presídios e penitenciárias.

Méritos para o governo brasileiro se conseguir canalizar parte das verbas do PAC destinada às obras de infra-estrutura e melhoria das sedes da Copa de 2014 para consolidar esta idéia e, porque não, esperar que seja encampada pelo Ministério do Esporte na construção, reforma e manutenção de praças esportivas espalhadas pelo país.

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br