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Teoria Crítica e Desporto

Dois termos fundamentais ressaltam da Teoria Crítica (Escola de Francoforte): o esclarecimento e a emancipação. Há quem acuse os filósofos desta Escola de um pronunciado hegelianismo, hipervalorizando a ideia como elemento actuante na História e, assim, de retorno ao idealismo. O que se passava, porém, é que alguns filósofos, como Adorno, Horkheimer, Benjamim, Marcuse, Erich Fromm e o próprio Habermas, viam na emancipação da razão a emancipação da própria sociedade. Não viam na Filosofia tão-só um processo de compreensão, mas também um processo de atuação.

Eram todos “iluministas”, ao seu modo, mas paradoxalmente destacaram-se por uma crítica frontal a toda a herança cultural do projecto iluminista da modernidade, fundamentado na razão e na ciência e que, segundo eles, se transformou em força de opressão e de alienação. Theodor Adorno, no livro Educação e Emancipação (Paz e Terra, S.Paulo, l995) escreve, depois de sublinhar que a função do desporto ainda não foi devidamente analisada por uma psicologia social e crítica: “O desporto é ambíguo. Por um lado ele pode ter um efeito contrário à barbárie e ao racismo, por intermédio do fair-play, do cavalheirismo, do respeito pelo mais fraco. Por outro, em algumas das suas modalidades e procedimentos, ele pode estimular a agressão, a brutalidade, o retrocesso, principalmente no caso dos espectadores e até dirigentes, que não conhecem as grandes conquistas do processo histórico” (pp.l26).

Para este filósofo, a ausência de teoria e de reflexão é uma das características mais visíveis do nosso tempo e, por isso, do desporto. Para ele, “a formação cultural e desportiva converte-se agora numa semi-formação socializada, na omnipresença do espírito alienado” (p.389). Esta pseudo-formação decorre de um tempo que parece alfabetizar, mas… para que prevaleça o status quo! Um neo-liberalismo explorador, um sexualismo sem freios, uma violência omnipresente – parecem ser, hoje, coisas absolutamente normais.

Ora, alfabetizar é consciencializar. No próprio Direito do Desporto, esta modalidade (o futebol) deve entender-se, antes do mais, como cultura, como crítica radical ao que de incoerente e retrógrado apresenta a organização desportiva. As aulas, nos cursos universitários de desporto e nos cursos de treinadores, não podem resultar em mera “educação bancária” (Paulo Freire), mas em trabalho onde há prática e teoria, socialmente transformadoras; não podem ser apenas um processo biológico, mas também processo libertador.

O desporto, a dança, a ergonomia, a reabilitação hão-de ser uma provocação, visando o esclarecimento do mundo que nos rodeia. Hão-de ser, sobre o mais, consciencialização, decisão e compromisso. O futebol, ao alfabetizar corporalmente deve também transformar-se em crítica do mundo envolvente e recriação crítica do mundo a construir.

Pelo futebol (um exemplo, entre outros) o praticante, o técnico, o dirigente e o próprio espectador deverão sentir que se humanizam, num processo histórico de produção do homem pelo homem. A própria arquitectura jurídica do desporto deverá exprimir-se na combatividade do inconformado, diante da exploração, da opressão, da cobardia, da inércia, do absentismo.

Relembro aqui o que encontrei em Jurgen Habermas, no seu livro Pensamento Pós-Metafísico: “a racionalidade não tem tanto a ver com a posse do saber, mas com o modo como os sujeitos, capazes de falar e de agir, empregam esse mesmo saber” (p.69).

De que vale saber Anátomo-Fisiologia, Bioquímica, Psicologia, Sociologia, Direito, etc., etc., se a teoria não é esclarecimento e emancipação? Se o desporto não é educação problematizadora e transformadora? Não há desporto verdadeiro que não deva transformar-se em práxis, ou seja, teoria e prática, em acção empenhada! Embora o desporto, o mais publicitado e propagandeado, como o futebol, seja, muitas vezes, o que sabemos: um pretexto para abafar o pensamento crítico! Mesmo quando aplaudido por alguns políticos que se dizem progressistas, socialistas, ex-comunistas e ex-revolucionários.

Sou um apaixonado pelo futebol-espectáculo. Mas, como seria mais apaixonante ainda, numa sociedade mais justa, mais solidária, mais livre!

*Antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.

Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.

Esse texto foi mantido em seu formato original, escrito na língua portuguesa, de Portugal.

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Conflitos na equipe

Saudações a todos!

Após a coluna da semana passada, na qual abordei a importância de um líder nato, recebi e-mails de várias pessoas que lideram equipes com uma dúvida recorrente: “na minha equipe existem conflitos e tenho dificuldades em lidar com eles. O que devo fazer?”

Acreditem, seja no trabalho, na rotina social, no seu clube, na família, entre os amigos ou em qualquer lugar que exista convívio entre pessoas, sempre existirão conflitos, pois cada pessoa age de forma distinta e, portanto, tem opiniões diferentes sobre o mesmo tema.

Como lidar com essa miscelânea de opiniões e transformar esses conflitos em algo positivo para a equipe, em uma troca de opiniões saudável, de forma que todos adquiram conhecimentos e o que os conflitos não se transformem em brigas?

Tenho algumas dicas que ajudam a resolver essa questão:

1 – Seja transparente em relação às suas decisões e ações. Deixe clara a razão pela qual elas foram tomadas. Assim, descontentamentos serão evitados, uma vez que todos saberão o que aconteceu e os motivos pelos quais foi tomada a decisão, uma espécie de “ação e suas consequências”.

2 – Meritocracia: quem faz mais, ganha mais e quem faz menos, ganha menos. Todos são impactados positivamente ou negativamente de acordo com suas contribuições pessoais e todos devem conhecer bem essa “equação”.

3 – Educação e respeito pelo outro: troca de opiniões, divergência e conflitos são normais em ambientes onde existam pessoas. Educação e respeito são fundamentais para construção de relacionamentos saudáveis, devem existir sempre.

4 – Ouvir as pessoas: ouvir a opinião das pessoas envolvidas no conflito (de preferência todas juntas), olhando no olho e dando importância e atenção ao que estão narrando é fundamental para que as opiniões e os acontecimentos do dia a dia sejam conhecidos por você e consequentemente você possa agir.

5 – Críticas sempre construtivas: dicas e críticas devem ser expostas, mas sempre de maneira construtiva. Fale claramente sobre o problema, mas acima de tudo aponte o que pode ser melhorado. Desta maneira, as pessoas se sentem valorizadas e realmente refletem sobre o que podem melhorar.

6 – Todos devem ganhar: exija, solicite, cobre, mas valorize sempre, recompense, pois um ambiente só é bom quando todos sentem que saíram ganhando.

7 – Exemplo é tudo: transforme o discurso em prática, aja conforme fala.

8 – Reflita antes de agir: sempre que precisar fazer qualquer interferência, qualquer ação, pense, veja as consequências, planeje, só depois faça.

9 – Não deixe de resolver problemas: pode ser mais trabalhoso, mas não deixe de resolver nenhum problema imediatamente. Momentaneamente, deixar o problema no cantinho, quieto, pode parecer mais tranquilo, mas se transformará em algo maior e mais difícil de resolver no futuro. Às vezes, por um descuido ou por falta de ação, o conflito que era pequeno, fica intransponível e só é resolvido com ações radicais, o que na maioria das vezes não é bom para ninguém.

10 – Encerre o assunto: tenha certeza de que o assunto foi completamente resolvido, não deixe arestas.

Se na sua empresa ou no seu clube você está tendo a maioria das ações acima, tenha certeza de que está no caminho certo e transformará conflitos em conquistas, o que é fundamental para o sucesso do grupo, pois hoje, mais do que as competência técnicas e habilidade em jogar, as empresas e clubes valorizam muito os relacionamentos, a forma como as pessoas agem com as outras pessoas, com o grupo.

Portanto, saber lidar com as opiniões divergentes e com conflitos é fundamental para o desenvolvimento da carreira. Cabe ao bom líder evitar conflitos, antes mesmo de eles existirem e crescerem ao ponto de sair do controle.

No esporte, saber lidar com conflitos e aplicar as dicas que passei acima é ainda mais importante, pois a todo instante os profissionais estão competindo, seja em um treino, no jogo ou mesmo na concentração onde disputam partidas de videogame.

É isto pessoal. Agora, intervalo, vamos aos vestiários e nos vemos na próxima semana!

Abraços a todos!

Para interagir com o autor: ctegon@universidadedofutebol.com.br