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As regras certas e a dinâmica do jogo: favoreça um treinar (jogar) de qualidade – parte I

Você tem sido assertivo na elaboração do seu planejamento semanal? As atividades que você e sua comissão técnica pensaram estão colaborando satisfatoriamente para a evolução do nível de jogo de sua equipe? A evolução tem incidido sobre as quatro vertentes do futebol ao mesmo tempo? O jogo que você joga em sua cabeça para cada uma das imprevisíveis situações de um jogo contra qualquer adversário, seus jogadores também o tem jogado?

A resposta afirmativa para estas questões introdutórias, de profissionais do futebol que trabalham a partir de uma perspectiva sistêmica, é difícil inclusive para quem já tem experiência em utilizar o jogo como método de ensino. Se respondeu positivamente, esteja certo de que você, sua comissão e, principalmente, sua equipe estarão à frente das demais.

Caso a resposta não seja afirmativa, mesmo que para somente uma das perguntas (apesar de acreditar que todas estão inter-relacionadas), um dos motivos pode ter origem nas regras das atividades criadas que, com as reflexões proporcionadas nas próximas linhas, terão possibilidades de solução.

Há alguns meses, publiquei sobre a importância do princípio das propensões na elaboração da sessão de treinamento. Na ocasião, mencionei, porém não me aprofundei, a importância da correta elaboração das regras dos jogos criados para o cumprimento deste princípio.

Mais recentemente, elaborei uma atividade de análise de jogo qualitativa para diferentes turmas de um curso de pós-graduação em futebol no qual sou professor. A avaliação consistia em, a partir da cópia digital do jogo em formato de DVD e determinados intervalos de tempo, analisar o comportamento de duas equipes em cada um dos momentos do jogo. Além disso, foram propostas duas questões finais que solicitavam a elaboração de uma síntese de um novo Modelo de Jogo da equipe derrotada e a criação de uma atividade que, pelas suas características, poderia levar a cabo o comportamento pretendido.

Digo “poderia”, pois, como afirmam alguns estudiosos da modalidade, os exercícios de futebol em situações de jogo são somente potencialmente específicos. Transformá-lo em jogo, garantir o estado de jogo por parte dos participantes e intervir didática e corretamente são questões indispensáveis para quem adota este método.

E ao analisar os inúmeros trabalhos, cerca de 40 dos mais de 60 que tenho para corrigir, percebi uma grande dificuldade dos alunos (daqueles que realmente fizeram e não dos que somente copiaram) em transformar determinado objetivo, mais especificamente algum exercício, em jogo. Ou seja, eu esperava mais!

Quem acompanha futebol de alto nível pode observar a manifestação de diversos princípios de jogo e ter o interesse despertado em criá-los em sua própria equipe. Bloco alto, pressing zonal, penetração, amplitude, compactação, flutuação, progressão com passes curtos, mobilidade são apenas alguns dos exemplos de comportamentos coletivos das grandes equipes do futebol mundial que muitos treinadores (dos mais variados segmentos e escalões) tentam reproduzir em seus liderados.

Todavia, na tentativa desta reprodução pode estar o grande equívoco na elaboração dos jogos. Como já abordei na coluna de tempos atrás, uma equipe não irá compactar adequadamente na sessão de treinamento se isto não for uma referência coletiva comum para dada situação-problema do jogo criado.

Uma equipe não irá progredir predominantemente com passes curtos se este comportamento não for hábito. Enfim, para cada atividade criada, não basta seu interesse em estimular determinado princípio de jogo. As regras, que formarão um exercício com uma lógica própria, devem convergir para aquilo que precisa ser treinado.

Como sabemos, no futebol, as regras e referências do jogo (alvos, terreno, bola) deixam claros que quem fizer mais gols será o vencedor da partida. Já nas sessões de treinamento, as regras e elementos do jogo podem (e devem) ser diferentes. E com o objetivo de auxiliar na elaboração/criação de regras que potencializem a ocorrência de determinados comportamentos coletivos, em colunas futuras sobre este tema, trocaremos discussões e sugestões que acelerem nosso processo de resposta afirmativa para os quatro questionamentos do início do texto.

Acredito que a eficácia na manipulação de todas as regras do jogo de futebol e a adequação para o nível de jogo atual além do pretendido são variáveis determinantes para o sucesso de sua equipe. Aqueles que nunca treinaram com jogos, com o norte de algumas regras como auxílio, poderão acelerar o processo de capacitação a aceitação do método. Aqueles com visão integrada poderão perceber se as regras que criam para atingirem determinados objetivos físicos (ou técnicos, ou táticos) estão em consonância com o Modelo de Jogo da equipe e com a Lógica do Jogo de futebol e, por fim, aqueles que dominam a utilização de jogos na perspectiva da complexidade poderão contribuir significativamente com novas possibilidades e comentários que serão publicados com os devidos créditos na coluna posterior que tratar do tema.

E quando muitos de nós estivermos respondendo afirmativamente para aquelas quatro questões do início do texto, provavelmente, teremos que rever nossos conceitos, pois os estudiosos do futebol (aqueles mesmos que afirmam que os exercícios são somente potencialmente específicos) também afirmam que o Modelo de Jogo deve ser utópico, inatingível e em constante evolução.

Coisas do (complexo) futebol!

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Lei Geral da Copa: bebida alcoólica não é a vilã

Após acalorado debate, na última terça-feira, o Relatório final da Lei Geral da Copa foi aprovado. Antes de virar lei, o texto irá ao plenário da Câmara e, posteriormente, ao Senado.

Dentre os pontos do Relatório merecem destaque:

a). Venda de Bebidas: Ponto de maior debate, houve liberação no estádios durante a Copa do Mundo.

b). Meia-Entrada: Serão disponibilizados trezentos mil ingressos como cota social e os idosos pagarão meia-entrada em todos os setores.

c). Feriados: Poderão ser decretados feriados nacionais em dias de jogos do Brasil e nas cidades em que ocorrerem partidas do Mundial.

d). Férias Escolares: As instituições de ensino deverão adequar seu calendário de forma que as férias ocorram durante a Copa do Mundo.

e). Responsabilidade Civil: A União somente ser responsabilizará por prejuízos causados à Fifa no casos de ação ou omissão.

Sem dúvidas, o ponto de maior discussão diz respeito à venda de bebidas alcoólicas. Muitos parlamentares pretendem combater a venda destes produtos no Plenário.

Destarte, não há motivos para tamanha discussão. Aliás, há pontos de maior relevância para o cidadão, como a revogação do artigo 19 do Estatuto do Torcedor durante a Copa do Mundo. Ora, a lei de proteção ao consumidor de atividades esportivas conferiu aos organizadores de eventos esportivos a responsabilidade objetiva por danos causados ao torcedor. Entretanto, durante o Mundial, caberá ao consumidor do evento provar a culpa do fornecedor.

A venda de bebidas alcoólicas tem recebido atenção desproporcional à sua relevância. Incialmente, urge destacar que em sendo o Brasil um Estado laico, não cabem justificativas religiosas. Ademais, o Estatuto do Torcedor em nenhum momento proibe a venda das bebidas, mas, veda o fornecimento de produtos prejudiciais aos torcedores.

Outro argumento utilizado pelos que defendem a proibição à venda de bebidas diz respeito à violência nos estádios.

As causas da violência no esporte tem sido estudadas há alguns anos na Europa por dois dos nomes de maior importância: Norbert Elias e Eric Dunning.

Há um autor espanhol, Isidre Ramón Madir, que abarca de maneira bem interessante o tema. Aqui no Brasil, a Prof. Heloisa Helena Baldy dos Reis possui bons estudos a respeito.

Segundo a doutrina, podemos dizer que a violência é fruto de um conjunto de fatores, a saber:

1. Os efeitos da despersonificação – atitudes e emoções despertadas pelos gritos.

2. A diminuição do controle social – a sensação de anonimato pelo fato de o torcedor estar em uma massa de pessoas.

3. A ilusão de universalidade – a ilusão de atuar corretamente já que todos do grupo fazem e não são punidos.

4. Os mecanismos de irritação – o comportamento de um interfere nos outros.

5. Acomodação dos Torcedores – o fato de estar de pé aumenta o risco de violência, eis que os movimentos são mais difíceis quando se está sentado.

6. A presença emocional – as diversas emoções sentidas durante a partida.

7. As condições da vítima – pertencentes a outra equipe.

8. A influência do alcool e das drogas – potencializam atitudes agressivas.

9. Respeito aos direitos dos consumidores dos eventos esportivos – o mau serviço prestado pelos organizadores de eventos esportivos desperta sensação de revolta e traz como resposta atos hostis e violentos.

Dos itens acima, percebe-se que alguns como os de n. 5 e 7 não estarão presentes na Copa do Mundo.

Ademais, penso que tratar o alcool como um vilão da violência corresponde a uma saída simplória para um problema maior, qual seja, propiciar melhor atenção e respeito aos direitos do torcedor.

O Relatório Taylor, na Inglaterra, concluiu isso no início da década de 1990. Resultado: de torcida mais violenta, a Premier League se tornou a liga de futebol mais valiosa do mundo. E tudo isso com venda de bebidas alcoólicas e sem alambrado. Ademais, vende-se cerveja em todas as Ligas Norte-Americanas. E lá não há violência.

Enfim, há muito alarde por pouca coisa e, confirmando-se a redação aprovada pela Comissão Especial, a Lei Geral da Copa pode não ser a ideal, mas, sem dúvidas, o saldo é positivo.

Para interagir com o autor: gustavo@universidadedofutebol.com.br
 

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Esporte e Mulher em perspectiva*

*Este texto reflete conclusões de estudos realizados pelo autor, já publicados em outras ocasiões. Nesta ocasião – como nas outras – traz adequações no propósito de fazê-lo dialogar com fatos atuais.

Motivados pelo dia 8 de março – Dia Internacional da Mulher – assumimos o desafio de tecermos considerações acerca da relação da Mulher com o Esporte, prática social alvo de nossa intervenção profissional.

Ao aceitarmos fazê-lo, tivemos a percepção de que estaríamos nos comprometendo a refletir sobre uma das facetas da história da luta da Mulher pela sua emancipação social. Isto porque entendemos o Esporte como um dos fenômenos culturais mais significativos do mundo contemporâneo2. E quando falamos de cultura, nos referimos ao espaço vital que os seres humanos constroem; ao locus onde projetam suas aspirações, num constante esforço de perceberem-se no mundo, relacionando-se com aquilo que os rodeiam. Deste modo, podemos conceber a atividade humana externada através do Esporte, como uma das formas que se colocam para nós de nos apropriarmos do mundo.

Mas em que medida o estudo das relações entre a Mulher e Esporte pode refletir um pedaço da luta por ela travada na busca da construção de um outro arquétipo que a desvencilhe do estigma da imagem feminina caracterizada pelo comportamento inexpressivo, apático, submisso e servil?3 A resposta para esta e outras perguntas da mesma natureza encontra-se, a nosso ver, no desafio de buscarmos dar conta do entendimento da dimensão sócio-antropológica de Consciência Corporal liberta das amarras reducionistas relativas à sua definição bio-psicologizante4.

Busquemos explicitar melhor o já dito. Para nós, Consciência Corporal não significa saber tão somente a respeito da anatomia do corpo humano. Nem tampouco se prender unicamente ao estudo de sua biomecânica. Mas sim, e essencialmente, entendermos que aquilo que a define, é a nossa compreensão a respeito dos signos tatuados em nosso corpo pelos aspectos sócio-culturais de momentos históricos determinados. É sabermos que nosso corpo sempre estará expressando o discurso hegemônico de uma época, e que a compreensão do significado desses ‘discursos’, bem como dos seus determinantes, é condição essencial para que possamos vir a participar do processo de construção do nosso tempo e, por conseguinte, da elaboração dos signos que serão gravados em nosso corpo. Quem nos abre a perspectiva para esta construção do conceito de Consciência Corporal é o antropólogo francês Marcel Mauss, citado por Sueli Kofes quando diz que “… o corpo aprende e é cada sociedade específica, em seus diferentes momentos históricos e com sua experiência acumulada que o ensina (…) nele marcando as diferenças que ela reconhece e/ou estabelece…” 5.

Notem que dissemos não se tratar “… tão somente de saber a respeito da anatomia do corpo humano…” “Tão somente” significa dizer que não descartamos a necessidade de darmos conta de tal entendimento. O mesmo queremos dizer quando falamos “… nem tampouco nos prendermos unicamente ao estudo de sua biomecânica…” Trata-se de um convite a extrapolarmos os limites de tais enfoques. Percebam ainda que a nossa compreensão “… a respeito dos signos tatuados em nosso corpo pelos aspectos sócio – culturais de momentos históricos determinados…”, bem como da idéia de que ele “… sempre estará expressando o discurso hegemônico de uma época…”, não é por nós considerado Ponto de Chegada, fim último a ser alcançado. Pelo contrário, constitui-se em Ponto de Partida para que possamos vir, de posse dessa consciência, “… a participar do processo de construção do nosso tempo e, por conseguinte, da elaboração dos signos a serem gravados em nosso corpo”.

Nessa direção é correto dizer que, em última instância, é a correlação de forças presente num momento histórico determinado que definirá a quem caberá identificar os sinais a serem gravados nos corpos, cabendo esta tarefa àquele segmento social que se estabelecer hegemonicamente.

Isto posto, podemos agora voltar nossos olhos para a análise das concepções de corpo construídas ao longo da história da sociedade brasileira — é este o nível de totalidade que pretendemos abarcar — em seus diferentes momentos históricos, buscando com este proceder, identificarmos relações entre essas concepções e a história de como vem se dando a presença da Mulher no Esporte.

É de 1941 o primeiro documento legal a sistematizar o Esporte em nível nacional, em nosso país. Vivíamos então, desde 1937, sob a égide do Estado Novo, regime político de índole ditatorial implementado sob o jugo da batuta do caudilho Getúlio Vargas. Conjugaram-se naquele período histórico dois arquétipos de corpo: o primeiro deles — o Corpo Higiênico — construído pela classe dirigente das primeiras décadas do século passado, quando dele lançaram mão para consolidar o processo de reordenamento social implementado a partir do assumir da posição de ex-colônia portuguesa — contando para tanto com a ajuda dos médicos higienistas —, tão logo se deram conta de que o projeto de sociedade arquitetado pelos portugueses para o Brasil, não atendia aos interesses dos brasileiros. O protótipo do Corpo Higiênico foi então vinculado ao projeto de higienização e eugenização da raça brasileira, que tinha na política de seu embranquecimento o principal trunfo para o estabelecimento de outra correlação de forças que viesse a impedir os portugueses com vocação recolonizadora, de manipularem o contingente populacional de negros cativos — que em 1950 atingia a casa dos dois milhões e meio, quase a metade da população de então — no sentido de alcançarem seus objetivos colonialistas.

O segundo modelo, o do Corpo Produtivo, teve incorporado aos valores ético-políticos mencionados, tatuadores do corpo do brasileiro, outros tantos que fizeram por reforçar sua relação com a questão da eugenia da raça, à medida que o colocaram a serviço da defesa da pátria frente aos denominados inimigos internos, questionadores do ordenamento social vigente (lembram-se do movimento batizado pelos governantes de intentona comunista?), e aos inimigos externos, face à eminência da eclosão da segunda guerra mundial e do envolvimento brasileiro naquele conflito bélico. Passaram também, os que detinham os meios de produção, a nele, corpo, tatuarem outra marca, qual seja, aquela que o concebia como instrumento de produção — em razão do processo de industrialização que se dava em nosso modelo econômico —, buscando no trabalhador brasileiro a sua capacidade produtiva, sua força de trabalho que, se melhor preparada fisicamente, renderia mais e melhor.

Bem… A esta altura, certamente muitos de vocês estarão pensando: “E agora? O que isso tem a ver com a Mulher e o Esporte?” Ah! Tudo, diríamos. Pois a história da Mulher no Esporte reflete, no seu interior, a maneira como ela, Mulher, era concebida nos mais distintos momentos históricos nos quais o Esporte foi pensado, construído, organizado e praticado.

Foi assim em 1882. Naquela ocasião, Rui Barbosa foi o relator do projeto nº 224, que tratava da Reforma do Ensino Primário e várias instituições complementares da Instrução Pública. Em seu parecer, Rui deixou patente sua assimilação dos princípios defendidos pelos higienistas com relação à definição dos papéis destinados aos homens e às mulheres, na sociedade em construção. Referia-se tal Parecer, (1) à instituição de uma sessão especial de Ginástica em cada Escola Normal e (2) à sua extensão obrigatória a ambos os sexos, na formação do professorado e nas Escolas primárias de todos os graus, tendo em vista, em relação à Mulher (atenção, aí vem!) a harmonia das formas feminis e as exigências da maternidade futura.

Configurava-se, portanto — no tratamento
dado à prática, pelas mulheres, da Educação Física e do Esporte —, o reforço ao pensamento dominante a respeito do papel da Mulher na sociedade brasileira, preparando-a fisicamente para a maternidade, concebendo a idéia de Mulher quase que somente associada à de Mãe.

Indo ao encontro das afirmações acima mencionadas, Fernando de Azevedo, 24 anos após aquele Parecer, como que atendendo ao enunciado por Rui Barbosa e seguindo a trilha por ele traçada, alude à maneira através da qual a Educação Física deveria incorporar-se aos hábitos de vida da Mulher:

“… A educação Física da Mulher deve ser, portanto, integral, higiênica e plástica, e, abrangendo com os trabalhos manuais os jogos infantis, a ginástica educativa e os esportes, cingir-se exclusivamente aos jogos e esportes menos violentos e de todos compatíveis com a delicadeza do organismo das mães…” 6.

Proféticas palavras as suas! Em 1941, é promulgado o Decreto-lei nº 3.199, que até o ano de 1975 estabeleceu as Bases de Organização dos Desportos em todo o país. Em seu artigo 54o, encontramos referências à prática do Esporte pelas Mulheres. Preceituava o referido artigo:

“… Às mulheres não se permitirá a prática dos esportes incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo para este efeito, o Conselho Nacional dos Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país…”.

Anos mais tarde, em 1965, o CND baixou através da Deliberação nº 7, instruções às entidades desportivas do país sobre a prática de Esporte pelas mulheres:

“… Nº 1 – Às mulheres se permitirá (!) a prática de desportos na forma, modalidade e condições estabelecidas pelas entidades internacionais dirigentes de cada desporto, inclusive em competições, observado o disposto na presente deliberação”.

“Nº 2 – Não é permitida a prática de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, pólo, halterofilismo e baseball…”.

Não resta a menor dúvida que a simples leitura desses documentos nos conduz à constatação de que tal legislação explicitava uma distinção entre as atividades físicas a serem praticadas pelos homens daquelas a serem executadas pelas mulheres, culminando por viabilizar aos primeiros, maiores oportunidades de desenvolverem-se em destrezas físicas. Leva-nos ainda, tal leitura, a detectar a intenção, nele contida, de se adaptar nossa juventude ao padrão de masculinidade e feminilidade vigente em nossa sociedade, vindo dessa forma ratificar a expectativa da nossa cultura no que concerne à suposta superioridade do sexo masculino sobre o feminino.

Como decorrência dessa forma de pensar evidenciou-se em outro documento legal concernente à Educação Física, o transparecer do entendimento da existência de determinadas tarefas a serem desincumbidas exclusivamente pelas mulheres e outras pelos homens. É assim que interpretamos o preceituado na lei nº 6.503/77 que dispõe sobre a Educação Física em todos os graus e ramos de ensino, ao lermos em seu artigo 1o, letra F:

Art. 1º – É facultativa a prática da Educação Física em todos os graus e ramos de Ensino (…).

Letra F – à aluna que tenha prole.

Ao facultar à mulher com prole o direto de isentar-se da prática da Educação Física, obrigatória em todos os níveis e ramos de escolaridade por força do Decreto-Lei n º 705/69, deixa transparecer o pensamento de que a educação da prole é de responsabilidade única e exclusiva das mães. Caso o entendimento fosse outro, homem com prole também deveria merecer o mesmo tratamento oferecido à mulher. Acontece que a ele é imputada outra tarefa que não a de cuidar dos afazeres domésticos (a educação dos filhos aí incluída). Seria dele a responsabilidade de garantir o sustento da família. É dele a incumbência de dar conta da atividade produtiva.

Parece-nos ter sido a indevida utilização do equivocado princípio da naturalização do fato social — sob o qual se apóia a compreensão de que as atitudes femininas são determinadas pela influência de suas características biológicas —, o anteparo à idéia dominante da superioridade do sexo masculino sobre o feminino, sendo, por conta dele, afastada qualquer alusão ao fato de estar tal superioridade calcada essencialmente em determinantes sócio-culturais e não bio-fisiológicos.

Pois é dentro de um quadro mais amplo da luta travada pela Mulher, de se livrar do estigma de naturalmente inferior ao homem, vinculado às alterações substantivas ocorridas no campo econômico brasileiro no final dos anos 50, início dos 60, que vamos encontrar as bases para a gradativa alteração da forma de se perceber a participação da mulher no fenômeno cultural chamado Esporte.

Reflete essa alteração, a luta da mulher pela sua emancipação, de passar a ser considerada um ser social que pudesse vir a ter, em síntese, na maternidade, uma opção e não uma fatalidade — pela qual teria necessariamente que passar — que tatuava naquela que não se tornasse mãe, o signo da anormalidade. Passou ela a buscar ocupar — aproximadamente a partir da segunda metade deste século — outro lugar na sociedade que a identificasse como um ser capaz de — em condições de igualdade em relação ao homem — se envolver em tarefas que até então somente a ele pertencia.

O quadro para este feito era ideal. O modelo nacional-desenvolvimentista do final dos anos 50, início dos 60, acelerava o processo de industrialização do país, construindo as condições materiais objetivas para que ela viesse a se inserir no mercado de trabalho, ávido por um maior contingente de mão-de-obra.

Para tanto, foi preciso pensar outro padrão estético para seu corpo, distante daquele que a identificava com o protótipo da Mulher-mãe. O corpo rechonchudo, símbolo da fertilidade7, padrão de beleza feminina até as primeiras décadas deste século, se confundia com a imagem da mulher protetora de sua família, de seus filhos, dos filhos de todos, ao mesmo tempo em que significava também corpo bonachão, sinônimo de corpo indolente, incapaz de produzir. Era preciso um modelo de corpo que a identificasse com os valores inerentes à sociedade industrial. O corpo ágil, lépido, dinâmico, com plena capacidade de rendimento, produção. Eis o arquétipo de corpo a construir. E assim foi.

Os documentos legais pertinentes à Educação Física e o Esporte refletem esse quadro. Em 1979, o CND revogou a Deliberação nº 7/65, colocando em seu lugar a de nº 10. Num primeiro momento a permissão — contida na resolução 10/79 — para a mulher praticar modalidades esportivas até então a ela coibidas, deu-se por conta de um caso fortuito, mas que já espelhava em seu interior a mulher em luta. 8 Nove anos depois, porém, em 1986, o CND baixou a Recomendação Nº 2, na qual dizia reconhecer “… a necessidade do estímulo à participação da mulher nas diversas modalidades desportivas no país…”. Para entendermos o porquê de tal recomendação, citamos, en passant, um dos pontos mencionados na exposição de motivos que a acompanha: “… o papel determinante que cabe a mulher desempenhar nos programas nacionais de desenvolvimento econômico, social, cultural e desportivo…” Preponderava, até então — segundo essa Recomendação — como impedimento de acesso a esse último (esportivo), “… as restrições dos costumes e do convencionalismo, e as rotinas dos afazeres domésticos e familiares…”

Vinte e cinco anos depois daquela recomendação normativa, temos nosso país presidido por uma mulher, Dilma Roussef, ao lado de outras quatro presidentas de países latinoamericanos, a saber, Argentina, Costa Rica, Jamaica e Trinidad e Tobago. No início deste ano de 2012 vimos ascender à condição de presidenta da Petrobrás, — 34ª, dentre 500, maior empresa do planeta — de outra mulher, Graça Foster, fato a ser festejado
, embora seja diminuta — na casa dos 5% — a presença feminina à frente dos negócios em nosso país…

Já no campo esportivo o quadro é desolador… Basta um rápido olhar nas nossas (?) entidades nacionais, estaduais e municipais de administração do esporte (Comitê Olímpico e Paraolímpico, Confederações, Federações, Ligas e Clubes) para constatarmos a ausência da mulher, embora a presença delas na condição de atletas tenha crescido substantivamente em nossas delegações esportivas de competições nacionais e internacionais, o que faz por reforçar a tese da submissão feminina ao mando masculino em um dos setores mais retrógrado e conservador de nossa sociedade.

No Futebol, se temos Marta, uma “camisa 10” parelha ao “10” do “esporte bretão” conclamado atleta do século (XX), temos a inexistência de uma política esportiva para o futebol feminino, por conta do descaso da CBF para com ele, hoje mais do que nunca preocupada com a Copa 2014 e a esperada saída de cena de seu presidente quase que vitalício, numa típica estratégia de deixar ir os anéis para não perder os dedos…

Por sua vez, matéria assinada por Gustavo Fransceschini e Vinicius Konchinski9 nos dá notícias de uma mulher a frente de uma federação de futebol, mas de forma nada merecedora de ser festejada pois eivada dos mesmíssimos defeitos de seus colegas dirigentes, incluindo o da longevidade do tempo de mando…10

… Fiquemos por aqui com o sincero desejo de que em outros “8 de Março” possamos ter mais motivos para festejar a presença da Mulher no cenário esportivo brasileiro, somando esforços ao lado de homens que defendem o Esporte como prática social possível de se colocar a serviço do processo de emancipação humana.

Um Esporte – nas palavras de nosso mestre amigo Manuel Sergio em seu “Manifesto para o Desporto do Futuro” – “com apurada consciência moral e um razoável grau de maturidade cultural e cívica, como forma de as pessoas terem consciência e exercitarem sua dignidade, os seus direitos e obrigações, (e que) rejeite o pensamento e a política do totalitarismo e do individualismo, os dois grandes elos da opressão…”.

Salve o dia 8 de Março!

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1 – Segundo Aurélio Buarque de Holanda, reduzir significa “o ato ou efeito de subjugar…”. Reducionismo psicologizante significa reduzir, subjugar o estudo do ser humano à sua parte bio-psicológica, dissociando-a da totalidade na qual se integra, como se o ‘todo’ significasse a soma das partes e não a sua interação.

2 – Entendemos que Educação Física e Esporte se constituem em dois fenômenos culturais distintos, porém não antagônicos. Por isso mesmo, em muitos momentos, suas histórias se confundem e se interpenetram, tornando-se impossível dar conta da compreensão de um fenômeno, ignorando o outro. Tentativas de análises distintas de um e outro fenômeno têm se afigurado artificial, ahistórica. É por causa desse entendimento que, embora o cerne da questão presente neste Artigo seja a relação Mulher / Esporte, nos sentimos bastante a vontade para passearmos de um fenômeno a outro.

3 – Tal imagem foi detectada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, na análise dos livros didáticos. Conforme matéria publicada à página a-24 da Folha de São Paulo de 24 de Agosto de 1987.

4 – Segundo Aurélio Buarque de Holanda, reduzir significa “o ato ou efeito de subjugar…”. Reducionismo psicologizante significa reduzir, subjugar o estudo do ser humano à sua parte bio-psicológica, dissociando-a da totalidade na qual se integra, como se o ‘todo’ significasse a soma das partes e não a sua interação.

5 – Esta fala de Sueli Kofes está publicada na coletânea “Conversando sobre o corpo”, sob o título “E sobre o corpo não é próprio corpo que fala? Ou o discurso deste corpo sobre o qual se fala”, à p.47.

6 – Fernando de Azevedo, “Da Educação Physica”, p.96 da edição de 1920, a segunda de uma série de três. A primeira edição data de 1916, 24 anos após, portanto, o Parecer de Rui Barbosa ao Projeto nº 224/1882. A terceira é de 1960.

7 – Sob o título “Gordura pode determinar fertilidade”, a Folha de São Paulo publicou em 1º de Abril de 1988, matéria segundo a qual “… cientistas norte-americanos descobriram que existe uma ligação entre a porcentagem de gordura no corpo de uma mulher e sua fertilidade…”.

8 – Segundo a matéria “Mulheres neste esporte (judô) só há oito anos” (Folha de São Paulo, caderno de esportes, 21/9/87, p. A-17), “… foi uma atitude insólida ousada do carioca Joaquim Mamed, então diretor da Confederação Brasileira de Judô, que provocou a liberação…”. Segundo a reportagem, “… Mamed trocou os nomes de quatro meninas, relacionando-as como homens na comunicação que fez ao CND para assegurar passagens à Delegação que disputaria um campeonato sul-americano na Argentina em 1979. Sua trama foi descoberta depois, mais ele saiu-se vitorioso”.
“… Quando voltei ao Brasil — disse Mamed, ainda conforme a reportagem — já havia uma intimação para que comparecesse no CND. Fui lá com as meninas, todas de quimono (…) e de medalhas no peito. Houve discussão, mas o CND acabou aprovando a entrada da Mulher no judô…”.

9 – “Envoltos por irregularidades, presidentes de federações decidem futuro de Teixeira na CBF”. Do UOL em São Paulo, 29/02/12.

10 – Trata-se de Rosilene de Araújo Gomes (Paraíba). Primeira mulher a presidir uma federação de futebol, está no poder desde 1989. Conhecida como “Dama de ferro” do esporte local, enfrentou acusações de nepotismo e desvios de verbas. Foi investigada pela CPI CBF-Nike em 2001, onde admitiu favorecimento à sua família na entidade. Recentemente enfrentou manifestações para que fosse destituída da função, mas permaneceu no cargo.

Referências Bibliográficas

Azevedo, Fernando de. Da Educação Pysica; o que ela é; o que tem sido; o que deveria ser. 2ª edição, Rio de Janeiro, edição Weiszflog, 1920.

Castellani Filho, Lino. Educação Física no Brasil : A história que não se conta. 19ª edição, Campinas, Papirus, 2011.

__________________Diretrizes Gerais Para o Ensino de 2º Grau – Núcleo Comum – Educação Física. Projeto SESG/MEC-PUC/SP, MEC, 1988.
__________________Ensaio sobre a Mulher Brasileira face a Legislação da Educação Física e do Desporto. In Desporto & Lazer, ( 8): 18 –21, 1982.

Kofes, Sueli. E sobre o corpo não é o próprio corpo que fala? Ou o discurso desse corpo sobre o qual se fala. In Bruhns, Heloisa Turini ( org), Conversando sobre o corpo, 4 ª edição, Campinas, Papirus, 1992.

Sérgio Manuel. Manifesto para o Desporto do Futuro. In Corpo & Movimento, ano 1 (4), 1985.

Documentos Legais

BRASIL. Parecer nº 224/1882 – Reforma do Ensino Primário e várias Instituições Complementares da Instrução Pública.

BRASIL. Decreto Lei nº 3.199 de 14/4/41 – Estabelece as Bases de Organização dos Desportos em todo o país.

BRASIL. Deliberação CND nº 7/65 – Baixa instruções às Entidades Desportivas do país sobre a prática de desportos pelas mulheres.

BRASIL. Decreto-lei no 705/69 – Torna obrigatória a Educação Física em todos os graus e ramos de ensino.

BRASIL. Lei nº 6.503 de 13/12/77 – Dispõe sobre a Educação Física em todos os graus e ramos de ensino.

BRASIL. Deliberação CND nº 10/79 – Baixa instruções a entidades desportivas do país para a prática de desportos pelas mulheres.

BRASIL. Recomendação CND nº 02/86 – Reconhece a necessidade de estímulo à participação da mulher nas diversas modalidades desportivas no país.
 

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O que o país perderia se a Fifa tirasse a Copa de 2014

Esta semana, o assunto mais comentado foi a possibilidade de a Copa do Mundo 2014 ser tirada do país tanto pela aprovação da Lei da Copa quanto pelas desavenças com Jérôme Valcke. E, sim, isto é possível.

A Fifa oferece um evento, os países interessados se apresentam e ficam sabendo de todas as regras e exigências antes de assinar o “contrato”. O evento é da Fifa e ela tem seus padrões de qualidade e segurança. Cada país, portanto, fica responsável por respeitar esse padrão e achar a sua forma de lucrar com o evento, seja com a mídia internacional, com negócios ou com investimentos no país.

No entanto, o padrão da entidade é o mínimo a ser feito – afinal, o Brasil também se voluntariou para hospedar o evento disputando com outros países interessados.

A Fifa nunca tirou uma Copa do Mundo de um país, mas sempre tem uma “carta na manga”, como opção, caso isso seja necessário pelo descumprimento das normas fornecidas em uma brochura assim que o país é escolhido. O único caso em que se teve de trocar de país foi em 1986, quando a Colômbia desistiu e o evento foi realizado no México.

É muito improvável que a Fifa tire a Copa do Mundo daqui, mas caso tirasse, o Brasil não iria perder tanto como se imagina. O país deixaria de lucrar, mas não perderia muito. Atualmente, o que estamos investindo é permanente para o futebol, com estádios modernos e infraestrutura urbana. Poderia estar investindo em conscientização social como, por exemplo, limpeza urbana, contra o vandalismo e violência nos estádios. Mas, ainda temos investimentos concretos e projetos, antes engavetados, que a Copa trouxe à tona.

São 12 cidades-sede contando com novos projetos urbanos e de estádios. No entanto, são 18 estádios em reformulações e reformas: o das 12 cidades-sede (Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador, ‘Recife’, Fortaleza, Natal, Manaus e Cuiabá), somados ao estádio do Grêmio (RS), Ponte Nova Arena, Morumbi e Arena Palestra (SP), Arena da Floresta (AC) e Arena América (RN).

O dinheiro da Copa do Mundo para o país sede não vem da bilheteria dos estádios e nem, tampouco, seria o lucro do evento que manteria qualquer um destes equipamentos. Portanto, a existência do evento ou não, depois de construídos os estádios, é irrelevante para a manutenção dos mesmos.

O capital que vem com a Copa do Mundo é em grande parte pelo turismo, com a marca Brasil sendo vendida fora do país, em negócios e reputação. O resto é investimento que fica para o país. O máximo que um estádio perderia com a retirada do evento no país seria uma minimização da visibilidade através da mídia, tornando-os menos um marco, uma referência turística, mas, novamente, voltamos ao turismo.

O futebol já ganha muito, o esporte ganharia mais se nos programas dos estádios constassem mais equipamentos de outros esportes, mas o Brasil passará por uma revolução esportiva, com ou sem Copa do Mundo. Basta saber aproveitar os investimentos e fazer o máximo, e não o mínimo, neste período. Com respeito ou não, com má tradução de suas palavras ou não, Jérôme Valcke está correto. Precisamos mesmo de um pé na bunda (ou ‘acelerar o ritmo’, se preferirem).

Para interagir com o autor: lilian@universidadedofutebol.com.br
 

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Seu chefe, imigrante

Sim, o sugestivo título pode ser o futuro de muitos de nós que trabalham com esporte em um futuro não muito distante (aliás, o presente já vem registrando casos do tipo). A nova dinâmica de formatação do mercado esportivo brasileiro, com um desenvolvimento a galopes vislumbrando os megaeventos de 2014 e 2016, somado à desqualificação da mão-de-obra do segmento no Brasil e a crise percebida nos países “ricos” são os principais fatores apontados para que tal fato venha a ocorrer com certa frequência nos próximos anos.

Aquele antigo clamor para que as pessoas se preparem e dominem outras línguas se reforça. A preparação contínua, experiência internacional e formação básica podem se tornar fatores limiares de sucesso neste novo cenário.

E, sobretudo, os brasileiros tenderão a pagar um preço caro pela desqualificação e pela baixa qualidade do ensino nas diversas áreas que a Indústria do Esporte abrange. A negligência dos educadores físicos para a área de gestão do esporte e a percepção deturpada de esporte por parte de administradores (e outras qualificações análogas) devem se tornar os principais entraves para ascender cargos em nível maior na nova dinâmica desta indústria.

Portanto, fica o registro de alerta para que possamos nos preparar e nos qualificar para a próxima década, com cursos de maior qualidade na área de gestão do esporte a serem ofertados em nosso território. E não se assustem se em um belo dia de trabalho tiver que cumprimentar seu chefe com um “Guten Morgen”, um “Good Morning”, um “Buenos Días” ou até mesmo um “Bom dia, gajo”.

Para interagir com o autor: geraldo@universidadedofutebol.com.br

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Os descendentes

Sou fascinado por biografias.

Não apenas no sentido literal da coisa – gostar de livros ou filmes sobre a história de vida das pessoas.

Sempre que possível, fiquei próximo das pessoas para aprender com suas experiências e, também, entender as razões e causas que as movem em direção a uma vida bem vivida.

Além disso, também me atraem as venturas e desventuras de empresas e instituições que, quando bem contadas e desveladas dos exageros, costumam ser valiosas doses de aprendizado.

Naturalmente, muita coisa se perde nas entrelinhas da realidade experimentada pelos protagonistas, e cai no campo das memorias embaçadas, reminiscências distantes, ou, por outro lado, de cores carregadas, por vezes romantizadas, que não expressam com fidelidade a essência da pessoa ou da instituição.

Como sempre se diz, somos a soma de todas as nossas coisas, de toda nossa história e estórias.

Família, amigos, escola, relacionamentos, trabalho, consistem na forja de quem somos e o que fazemos.

Se apenas quisermos, como disse, saber a respeito de uma pessoa, ou de uma instituição, não é difícil termos acesso a informações relevantes.

Entretanto, para as conhecermos e entendermos, efetivamente, devemos “subir o rio”, cada vez mais em direção à nascente e, ali, a compreensão fica mais clara e limpa.

A acomodação do dia a dia nos impede de exercitar essa caminhada, essa observação atenta.

Apenas nos damos conta de como é importante, e bom, conhecer que nos cerca, quando já estão longe.

Fui ao lançamento do livro do meu amigo Paulo André, intitulado “O Jogo da Minha Vida – Histórias e reflexões de um atleta”, na semana passada.

Foi um evento altamente prestigiado, em que compareceram jornalistas, jogadores, gestores esportivos, celebridades e, também, amigos e familiares.

PA, como é conhecido por quem é próximo, cultiva com muita afeição o circulo de amizades e, principalmente, com a família.

A família comunga dos mesmos propósitos e valores, o que faz ficar nítida a contribuição havida na formação de vida e na biografia do PA.

Aliás, muito bacana que tenha lançado em vida – que segue e, seguramente, dará ensejo à atualização da obra daqui a uns anos.

Nós mesmos “escrevemos” nossas biografias todos os dias, ainda que, apenas, na energia compartilhada com o cenário que nos cerca.

Portanto, também devemos percorrer nossos rios em direção à nascente, assim como percorrer os rios das pessoas que nos são valiosas na vida.

Não mudaremos o seu curso, mas saberemos como se formou e como descendeu até a foz.

Como afirma Gabriel Garcia Marquez: “Converte-te numa pessoa melhor e assegura-te de saber quem és antes de conhecer mais alguém e esperar que essa pessoa saiba quem és”.

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br
 

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A estratégia Disney e a elaboração do Modelo de Jogo

O Modelo de Jogo, como sabemos, deve ser o norte balizador de todo o processo de treino. Dentro dele são definidas as referências que nortearão a ação dos jogadores nos diferentes momentos do jogo.

Até aí nada de novo.

Mas, como defini-lo?

Recebo alguns e-mails justamente com a pergunta acima.

Como não temos receitas prontas para isso, peço sempre que o leitor faça uma reflexão e adéque os conceitos e conteúdos do modelo à realidade de sua equipe.

Nada de novo também.

O que fazer, então?

Buscar outras teorias que auxiliarão na definição de modelo, pois definir bem o modelo é o primeiro passo para o êxito ou para o fracasso.

A fim de auxiliar nesse momento decisivo do planejamento trago um conceito muito aplicado no ambiente corporativo: “A estratégia Disney”.

Essa estratégia foi elaborada e muito utilizada pelo próprio Walt Disney para idealizar os seus filmes e desenhos.

A mesma se baseia em três passos relativamente simples que se aplicam muito bem à elaboração do Modelo de Jogo.

O primeiro passo é chamado de “o sonhador”.

Neste momento, você deve “sonhar”. Pense no modelo de jogo e não se preocupe se os conceitos são realistas ou não; apenas tente entrar em um mundo de criatividade sem inibições. Pense em como sua equipe pode jogar de forma livre, imagine ela jogando com um modelo muito elaborado (como o Barcelona, por exemplo) e imagine a mesma com referências próprias “fora do quadrado”.

O segundo passo é chamado de “realista”.

Neste passo, você precisa analisar todos os seus sonhos em relação ao Modelo de Jogo de uma forma cuidadosa e organizá-los. Aqui deve ser feita a transferência do imaginário para o mundo real. A pergunta a ser respondida neste momento é: “como minha equipe pode jogar de uma forma realista e ideal?”.

Para isso, devem-se considerar os sonhos e refletir sobre todos eles e pensar naquilo que posso e devo definir como referências para o meu Modelo de Jogo. Neste passo, o modelo já deve ganhar corpo.

O terceiro passo é chamado de “crítico” ou “avaliador”.

As referências definidas no momento anterior, o “realista”, devem ser vistas e criticadas de uma forma construtiva. Neste passo, devo identificar o que está faltando e o que mais precisa ser analisado. Pense nos pontos fortes e fracos do modelo e tente refletir em como a equipe se sairá em cada um dos momentos do jogo. Imagine a equipe no jogo e pense no que pode ser melhorado para o êxito dentro do processo.

Os três passos foram resumidos da seguinte maneira por Joseph O’Connor e John Seymour:

“O sonhador tem ideias criativas”.

“O realista pensa na maneira de colocá-las em prática”.

“O crítico observa como elas podem ser aperfeiçoadas”.

Faça os três passos diversas vezes, pois em cada uma delas novas ideias surgirão e o modelo ficará cada vez mais elaborado e adequado às necessidades do clube em questão.

Além do mais, ninguém trabalha sozinho no futebol. Todo esse processo pode ser feito por toda a comissão, em que cada membro pode dar uma contribuição diferente e auxiliar, assim, na elaboração de um modelo adequado.

Pense de uma maneira diferente e use a estratégia Disney para elaborar um modelo próprio.

Para terminar, fica uma reflexão retirada do livro “Treinando com a PNL”, sobre Einstein.

“Sonhar acordado pode ser uma maneira útil e agradável de passar o tempo. O melhor exemplo disso foi quando um jovem físico chamado Albert Einstein imaginou como seria viajar na ponta de um raio de luz. As suas especulações revolucionaram a Física moderna, a mais “difícil” e, aparentemente, a mais objetiva das ciências, e criaram a Teoria da Relatividade.”

Até a próxima!

Para interagir com o colunista: bruno@universidadedofutebol.com.br


Bibliografia

O’Connor J., Seymour J. Treinando com a PNL. Summus Editorial. São Paulo, 1994.
 

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Aos preparadores físicos (e aos demais profissionais também) – parte I

Gestores de campo,

há algumas semanas, encerrei a coluna semanal com um questionamento sobre a utilização de quaisquer meios de treinamento que privilegiem o desenvolvimento de somente uma vertente do jogo.

Em questão estava envolvida a vertente “física” do futebol e os seus treinamentos realizados em “caixas de areia”, com tração, salas de musculação, circuitos, plataformas de salto, pesos livres, etc. Na ocasião, afirmei que desconsiderava a parte física do jogo pensada (e treinada) de forma isolada e que colunas futuras tratariam deste tema.

Chegado o momento e confesso que estou com receio de escrever. Abordar, num portal referência nacional, o aspecto físico da modalidade sem ser especialista no tema implica muita responsabilidade.

Como é de praxe nas publicações da Universidade do Futebol, estejam certos que apesar das limitações de conhecimento para a produção desta sequência de colunas, baseei-me em muitos conteúdos científicos que abordam o tema, além de longas horas de discussão com um profissional pós-graduado em bioquímica e fisiologia do exercício que vos apresentarei ao longo do material.

As inquietações e ideias a que esta coluna se propõe tiveram início em meados de 2010 quando tive a oportunidade de representar o clube que trabalho num curso de pós-graduação em Futebol, mais precisamente com a disciplina Categorias de Base, na cidade de Porto Alegre. O conteúdo da disciplina era composto pela bem sucedida Metodologia de Treinamento aplicada no Paulínia FC e o Currículo de Formação do mesmo. Durante o fim de semana de aula, tive a oportunidade de conhecer profissionais que dominavam a Periodização Tática, criada pelo português Vítor Frade, modelo este que conhecia apenas superficialmente.

Após a aula, junto com minhas bagagens, trouxe muito material a respeito desta periodização e, imediatamente, aprofundei as leituras. Leituras que, hoje, permitem-me um significativo posicionamento em relação ao que aplico, identificando as semelhanças (muitas) e diferenças (algumas) com a Periodização Tática e me instigando para novas discussões que não tenho condições de fazê-las sozinho.

É sabido que a evolução da metodologia de treinamento em futebol aponta para a preparação das equipes a partir de uma perspectiva sistêmica. Sob este viés, os treinamentos devem ter um caráter técnico-tático-físico-mental, com grande auto-semelhança com o jogo de futebol, a todo o momento.

Com estes breves argumentos, exemplificando, especialistas desatualizados da vertente técnico-tática da modalidade se assustam ao serem informados que a busca pelo gesto técnico perfeito em treinos de fundamento, ou então, o conhecido tático-sombra, são atividades superadas quando pensadas e aplicadas isoladamente na sessão de treinamento.

Assombramento semelhante ocorre com os preparadores físicos quando leem materiais, especialmente da Periodização Tática, que preveem a extinção desta função nas comissões técnicas do futuro. Porém, quando os preparadores físicos se aprofundam (ao menos um pouco) nas leituras sobre o referido modelo de periodização, fazem a seguinte constatação: o controle de carga da Periodização Tática é demasiado subjetivo.

Para os preparadores físicos, a Alternância Horizontal em Especificidade (um princípio metodológico da PT), que apresenta um morfociclo padrão constituído pelo dia competitivo, dias recuperativos e dias aquisitivos (que em relação à “parte física” do jogo varia, com estímulo e pausa, em regime de tensão, duração e velocidade de contração), é um argumento facilmente questionável pelas Ciências Biológicas dadas às poucas informações quantitativas que podem ser adquiridas.

O Novo Preparador Físico do Futebol: faça agora mesmo o curso online desenvolvido pela equipe da Universidade do Futebol. A primeira aula é gratuita!

 

Pois bem! O objetivo desta coluna não é defender a Periodização Tática (que possui embasamento teórico que em muito fundamenta minha intervenção prática) e tampouco prever a extinção dos preparadores físicos (que sempre enriquecem minhas reflexões sobre o planejamento de treinamento), lembrando que não serão extintos e terão função ressignificada carregada de complexidade.

A finalidade é criar um ambiente de discussão que permita a aproximação entre os preparadores físicos e profissionais que aplicam a Periodização Tática (ou então, alguma periodização que tenha fundamentação sistêmica) e nos direcione para a resolução da seguinte questão-problema: ao longo de um microciclo de treinamento no planejamento de atividades na preparação de uma equipe, o quanto é possível ser realizado em total especificidade, portanto, jogando futebol?

No cenário atual, quem não é adepto da Periodização Tática simplesmente a critica e a nega como possibilidade de evolução do nosso futebol. Negá-la é um comportamento comum inclusive em Portugal, pois, segundo informações de companheiros de profissão que lá estiveram, até nos corredores da Universidade do Porto ela é questionada pela falta de elementos científicos quantitativos.

Já quem aplica a Periodização Tática, muitas vezes, se coloca “acima do bem e do mal” e se prende em argumentos para justificar esta periodização que não seduzem ou convencem os preparadores físicos e demais assistentes e treinadores.

Pergunto: será que existe algum ponto da “linha” de desenvolvimento da Periodização em Futebol que a Periodização Tática e Periodização Física possam se aproximar? Estou enganado ou o objetivo das duas correntes é elaborar treinos de qualidade e montar grandes equipes?

Se os objetivos são comuns, um ambiente sadio de discussão não poderia ser mais frequente? Para elaborar treinos de qualidade e montar grandes equipes, existe um melhor caminho? Por enquanto, faço somente estas perguntas.

Quanto à questão-problema (em negrito), ainda estou buscando a resposta perfeita. Para isso, leio, estudo, acerto, erro, escrevo, apago, pergunto, pratico, sempre com um único objetivo: melhorar o inquestionável estacionado futebol brasileiro!

Espero que um dia a resposta com todas as comprovações científicas possíveis seja 100%. Sem considerar, é claro, o papel das assessorias como a de fisioterapia, psicologia, nutrição, saúde, fundamentais numa atuação interdisciplinar.

Não deixe de me escrever sobre suas indagações. Elas fomentarão discussões e reflexões para minhas próximas publicações.

Na sequência, além dos meus questionamentos e também os dos leitores, apresentarei o objetivo da pesquisa de Cristian Lizana (mencionado no início da coluna), treinador adjunto do Paulínia FC, mestrando em Pedagogia do Esporte pela Unicamp e que pode ser um catalisador do processo de aproximação do preparador físico e adeptos de uma periodização sistêmica.

Abraços e até a próxima semana!

Para interagir com o autor: eduardo@universidadedofutebol.com.br
 

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Estatuto do Torcedor é constitucional

Os últimos dias foram extremamente movimentados para o Direito Desportivo. Enquanto o relatório final da Lei Geral da Copa está em debate na Câmara dos Deputados, o STF julgou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que pretendia fossem declarados inconstitucionais 29 artigos do Estatuto do Torcedor.

A Constituição Brasileira é a “Lei Maior” e nenhum ato ou norma pode contrariá-la. Quando um ato ou norma são editados de forma dissonante do texto constitucional o meio processual cabível é uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, conhecida como ADIN.

Assim, entendendo serem inconstitucionais alguns artigos do Estatuto do Torcedor, o Partigo Progressista (PP) interpôs perante o Supremo Tribunal Federal (STF) uma ADIN sob o fundamento de que existia violação aos dispositivos da Constituição Brasileira atinentes à distribuição de competências entre os entes federativos (União, Estados, DF e Municípios) e à liberdade de associação.

O STF, em decisão unânime, com muita propriedade, entendeu que a União agiu corretamente ao fixar regras gerais para o tratamento do consumidor de atividades esportivas e, ainda, que o Estatuto do Torcedor não interfere no funcionamento das associações, mas, apenas exige medidas que assegurem os direitos dos aficcionados.

Esta decisão fortalece o Estatuto do Torcedor e traz maior legitimidade para sua aplicação. Legitimidade esta que deve ser corroborada por cada cidadão diante de fatos que atentem contra seus direitos durante os eventos esportivos.

Portanto, o apoio institucional está aprimorado; resta ao apelo popular fazer a sua parte.

Para interagir com o autor: gustavo@universidadedofutebol.com.br
 

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O investimento nos estádios e a elitização do futebol

Estádios caríssimos, materiais excelentes e múltiplas tecnologias de ponta são desculpas para o aumento do ingresso para assistir a uma partida. Já se sabe que um estádio não sobrevive de bilheteria, portanto, este não deve ser o motivo para o aumento nos custos. Além disso, os valores de manutenção e sua frequência diminuem muito os gastos do estádio. Por isso, se fosse este o critério do valor do bilhete, seria justificável a diminuição dele.

O futebol tem um enorme potencial social, pois une várias classes, idades e cores sem discriminação. Ao menos, era para ser assim, até começarem com as separações de geral, numerada, inúmeros camarotes. Toda a formulação do estádio, hoje, valoriza a elitização. Desde os valores dos ingressos, quantos os benefícios de sócio-torcedores, que possuem privilégios de compra antecipada de bilhetes, entre outros.

Não necessariamente faz perder público, mas segrega dentro do equipamento, sendo que poderia ser muito saudável à sociedade realmente misturar. Para isso, seria muito interessante um estádio mais modesto, onde até os camarotes sejam mais simples, sem luxos desnecessários. Bonito, esteticamente agradável, mas ainda simples. Isso deve ser cumprido em todo o estádio, da cadeira ao material do piso.

Acima, dois setores, esteticamente adequados, de confortos diferentes – devido à inclinação, mas sem exageros (no Allianz Arena, em Munique, Alemanha). Eu, particularmente, gostaria muito de ver um estádio com assentos iguais a todos, independente de ser camarote.

Por que quem paga menos tem que ter assento pior? Já não bastaria ter uma visibilidade não tão privilegiada?

Nós, brasileiros, mas não só nós, temos o hábito de valorizar o luxo por costume, como demonstração de status, e, como mencionei acima, o estádio poderia trabalhar bem o comportamento oposto. Acredito que teríamos eventos muito mais tranquilos sem perder nada no futebol que conhecemos e vivemos.

Ainda no mesmo estádio vemos alguns exageros:



Fontes: À esquerda, Blog do Joaquim, e, à direita, Flickr Daveybot

 

Acima, à esquerda, área sem assentos, para a torcida organizada – prevendo violência dos membros, mas indo contra a segurança e direitos. À direita, a sala de conferências com cadeiras extremamente caras e confortáveis em um local de menos tempo de permanência.

Seria muito melhor fazer como a Inglaterra contra o hooliganismo a fazer escadas sem assentos em um estádio tão moderno. Punir, conscientizar e policiar; não oprimir e induzir, fazendo deste espaço um local próprio para o vandalismo, onde tudo pode. Não seria mais justo um estádio mais igualitário, com alguns diferenciais, mas baseando os ingressos na visibilidade ao conforto? Desta forma, não se segrega tanto a sociedade como temos feito cada vez mais.

Para interagir com o autor: lilian@universidadedofutebol.com.br