Cada vez mais temos ouvido falar da relação entre o futebol e o futsal, especialmente da importância do futsal na formação de jogadores. O que mais tem chamado atenção é que outros paralelos vêm sendo comentados na atualidade sobre a transferência de conceitos. Além da importância da vivência do jovem jogador na modalidade da bola pesada precocemente para aumentar seu engrama motor, juntamente com a qualidade individual do jogador pelo excesso positivo de relação com a bola e a inteligência funcional do jogador devido às tomadas de decisão, ouve-se falar muito que a fluidez do jogo sem separar ataque e defesa, o jogo a dois toques, as quebras de pressão e linhas, as manobras, os triângulos, as diagonais e paralelas, as posturas defensivas, e outros transferes qualitativos do dinamismo funcional peculiares ao futsal estão cada vez mais presentes no futebol.
E realmente, tudo isso, atualmente, está muito presente no futebol. Uma pena que tradicionalmente as modalidades são entendidas isoladamente, perdendo essa oportunidade de interação por meio de um fluxo intenso de transferência de conceitos, informações e conhecimentos. Claro que alguns profissionais procuram beber das duas fontes e inter-relacionar cada vez mais as modalidades, devido a tudo isso acima e suas características peculiares como jogos esportivos coletivos de progressão (JECP), atentando-se a lógica interna, a característica organizacional-funcional e a condição de jogo-complexo.
E é nisso que quero chegar. Sabendo que o futebol é distinto do futsal devido as suas dimensões do campo, regras e outros aspectos, a sua evolução permite afirmar, cada vez mais, que nesse momento existe uma circunvizinhança maior.
Bem, o que mais se observa no futsal é a constante busca por espaços livres permitindo que a interação entre os jogadores crie superioridade qualitativa, cinética, posicional ou numérica. Essa é uma constante disputa durante toda a partida e exige tomada de decisões instantâneas por parte dos jogadores, tendo em vista o espaço reduzido da quadra de jogo. No futebol atual, presenciamos cada vez mais isso devido à intensidade organizacional que o jogo desenvolveu. A primazia pela compactação horizontal e vertical, pelos perfis distintos de organização defensiva e ofensiva e pela valorização das transições (troca rápida de atitude), exige uma mudança de perspectiva no jogo atual, obrigando os jogadores a encontrar soluções cada vez mais rápidas, tecnicamente eficazes e imprevisíveis também.
Nesse contexto, o futebol precisa cada vez mais de jogadores técnicos e inteligentes? A busca pelo domínio do espaço e o ganho de espaço que no futsal sempre foi uma questão vital, e claro, no futebol também, mas sem tanta velocidade, relações curtas, geométricas e estruturadas, nesse momento da evolução do jogo torna-se preponderante?
É aí que entra nossa sensibilidade como treinadores. Para que exista realmente uma conexão respeitando a natureza desses dois jogos, é condição importante um mergulho profundo no ambiente complexo dessa relação sobre as bases da essencialidade do jogo, a criatividade, as mutações individuais, grupais e coletivas interacionando qualitativamente com as dimensões organizacionais, emocionais e fisiológicas.
Mas, como em qualquer jogo esportivo coletivo de progressão (JECP), apesar das similaridades estruturais e funcionais, muitas são as possibilidades de jogo acendidas palas relações dos jogadores relacionadas com as ideias de jogo a fim de buscar o efeito final: a vitória. Assim, infinitas possibilidades podem acontecer com diferentes perfis de jogo existentes. Isso também repercute na formação de jogadores, por isso, como treinadores temos que ter essa sensibilidade apesar de apresentarmos as nossas preferências. O que não podemos é castrar os jogadores e criar paradigmas.
Para Lewis Maté Weschenfelder Heineck, treinador de futsal formativo no município de Pinhalzinho-SC, “O futebol sempre foi o palco de grandes atletas com comportamentos de futsal, muitos deles oriundos da referida modalidade. Ofensivamente percebe-se mais essa similitude, devido à necessidade de tomadas de decisão rápidas e interações com ou sem bola em caráter agressivo. Penso que o que diferencia as duas modalidades está no terreno de jogo, na relação com a bola, espaços maiores-menores e a regra do impedimento. As aproximações conceituais relativas a rupturas, fintas sem bola e orientações corporais são semelhantes, para não dizer idênticas. Penso que os conceitos e princípios básicos (ofensivos e defensivos) são os mesmos para todas as modalidades coletivas. Controle de amplitude, profundidade e triangulações. Manipular a defesa para gerar superioridade quantitativa ou qualitativa em determinados setores, visando a entrada em zona de finalização, e a defesa tentando neutralizar ao máximo as zonas fortes do adversário. O fato de vermos cada vez mais as equipes de futebol jogando em compactações verticais e próximas ou idênticas em distância ao futsal, equipes com densidade defensiva em amplitude, tentando ao máximo evitar o jogo interior, valoriza bastante os profissionais de nossa área. Aqueles que dominam esses conceitos, e os trabalham na formação, podem fazer com que o futsal seja sim um berço formador de atletas para o futebol, respeitando sempre as suas peculiaridades.”
Já o treinador da Associação Female Futsal, Eder Popiolski e ex-coordenador das Categorias de Base da Associação Chapecoense de Futebol: “Creio que a relação do futsal com o futebol formativo esteja um pouco explorada talvez pela dificuldade de relacionamento dos treinadores entre as duas modalidades ou pelo baixo entendimento processual. Contudo, muitos jogadores de futebol tem sua formação iniciada no futsal pela facilidade de acesso e isso pode ajudar a nos entender que a quadra tem influências positivas. O ponto crucial favorável ao uso do futsal é a frequente participação do jogador no jogo, seja devido à quantidade de ações de relação com a bola ou nos aspectos cognitivos nas tomadas de decisões, pois o espaço reduzido requer bastantes movimentos intencionais à procura de posicionamento, já que o menor número de participantes exige maior quantidade de busca de espaços com e sem a bola e a marcação próxima reduz o tempo para a realização das interações entre os jogadores. Tudo isso, resulta num processo de leituras muito rápidas, acelerando o processo de raciocínio tático do jogo”.
O mais marcante dessa relação é que em cada zona do campo de futebol, e são muitas, muitos futsais podem acontecer e ganhar vida. O problema está no desentendimento de oito leis vitais, mais claras no futsal, mas que também estão presentes no futebol, e negligenciadas algumas vezes por acreditarmos que o glamour do jogo de futebol e as coisas acessórias são mais importantes que a essência básica: qualidade dos jogadores, inteligência de jogo, tempo, espaço, engano, pausa, velocidade e precisão.
Abraços e até a próxima quarta!