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Sobre o crepúsculo dos ídolos

José Mourinho, após um dos vários títulos europeus: é preciso ser especial? (Photo by Alex Livesey/Getty Images | Divulgação: Fox Sport)

 
Corria o ano de 2015, primeira metade da nova temporada, e eu assistia à uma entrevista de José Mourinho, então treinador do Chelsea, após uma derrota para o Liverpool, no Stamford Bridge. Mourinho passava por um momento particularmente difícil, defendendo o título inglês e o próprio emprego com menos forças do que o usual (ao menos na aparência), um cansaço inescapável aos nossos olhos e, como de costume, um relacionamento instável com a imprensa.
Na entrevista a que me refiro, lembro perfeitamente de ter tido uma espécie de epifania, que manifestou-se ali embora ameaçasse se manifestar há tempos, como se eu acordasse de uma hipnose acometia não apenas a mim, como a vários colegas treinadores ou postulantes à profissão. Quando Mourinho diz que não estava preocupado com o futuro, da maneira como disse, me admirou como não havia nenhuma verdade ali, como o corpo, ao seu modo, dizia exatamente o contrário. Ele me parecia visivelmente exausto, cansado, mas mesmo assim tentava sustentar o personagem confiante que sempre esteve ali.
Aos meus olhos, havia uma condição, em especial: Mourinho havia se humanizado.

***

Na literatura sobre futebol produzida neste século, a figura de José Mourinho é absolutamente central. Foram linhas e mais linhas dedicadas a entendê-lo, a interpretar suas práticas supostamente heterodoxas – destaque aqui para a descoberta guiada, que acabou se tornando uma espécie de mantra -, sua liderança (tida como) carismática, e tudo o que fazia dele único e especial. Mourinho tornou-se, principalmente após o título da UEFA Champions League com o FC Porto, uma espécie de personagem mainstream, a referência de uma série de profissionais que queriam se dedicar à arte do treinamento.
Simultaneamente, embora não nos tenha sido tão claro, sinto ter havido um outro fenômeno fundamental: este afã de admiração fez com que nos escapasse a humanidade do treinador. A partir de um dado momento, Mourinho deixou de ser humano para ser uma marca, um ícone praticamente inabalável e, especialmente (aqui reside minha maior crítica), um modelo que, se imitado, levaria inevitavelmente ao sucesso. Vários dos nossos colegas treinadores viam em Mourinho o dono de uma espécie de cartilha, cuja cópia seria a chave não apenas para as vitórias que moram nos sonhos de quaisquer treinadores e treinadoras, como o status que as acompanham, a figura quase que mitológica e reificada em que são transformados aqueles que têm sucesso no futebol.
Este movimento de transferência (de poder) é tão forte, tão recorrente, que fere de morte o nosso lugar. Treinadores como Mourinho, especialmente em um tempo de tamanha velocidade informacional, são colocados em um patamar que soa inalcançável, inatingível a nós, meros mortais, embora nós mesmos estivéssemos de olho na fórmula mágica que o próprio Mourinho havia revelado. Nesta relação, há uma parte cujas forças são vendidas para subversão absoluta de quaisquer fraquezas, enquanto a outra parte, aquela que nos cabe, parece estar na outra ponta, cheia de supostas fraquezas e distante de tamanhas qualidades. Não é preciso avançarmos muito para percebermos não apenas o quão ilusório é este processo, mas também os efeitos devastadores causados por ele.
Nas conversas a que tenho me detido nos últimos tempos, meu ponto é outro: é evidente que precisamos de referências nos sejam salutares, como treinadores e treinadoras que somos. Ao mesmo tempo, é imprescindível que o caminho escolhido por nós seja realmente o nosso, não o de outrem. A subjetividade humana permite que floresça uma inteireza e unicidade em cada ser, e desconfio que as tentativas de fuga de si, conscientes ou não, serão sempre meias verdades, atalhos que podem ser temporariamente saciadores, mas que não se sustentam no longo prazo, são indigestos, incompletos. O caminho de treinadores e treinadoras, aos meus olhos, é o caminho de si. É preciso olhar para fora, mas é duplamente preciso olhar para dentro.
Quem me parece ter feito isso muito bem (sem quaisquer comparações aqui), é Jurgen Klopp, treinador do Liverpool. Um momento que me parece absolutamente genial no ideário do futebol contemporâneo é sua apresentação no atual, dois meses antes da saída de Mourinho do Chelsea. Quando perguntado sobre como ele se descreveria (em clara referência à auto descrição feita por Mourinho onze anos antes), Klopp deu uma das tiradas mais espirituosas dos últimos tempos: se disse o Normal One. A despeito da piada, minha impressão naquele dia foi bastante clara: Klopp humanizou-se com uma habilidade ímpar – muito embora este pareça ser um trabalho de anos – e talvez ali resida uma das suas grandes qualidades como treinador: a de ser quem se é, genuína e alegremente.
O que parece ainda maior em tempos de crepúsculo dos ídolos.
Ou de aurora de si.
 

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Ideias e Ideais

Recentemente o FC Barcelona (Catalunha/Espanha) quis se desvincular de Ronaldinho Gaúcho como “Embaixador” da instituição, em repúdio à associação do atleta com candidato à presidência do Brasil, que não compartilha com os valores e princípios que o clube defende. Como justificativa, na condição de “Embaixador”, o ex-futebolista brasileiro não pode estar ao lado de ideais que contrariam as que a instituição que o emprega, acredita.

Podia ser Ronaldinho Gaúcho, podia ser qualquer outro futebolista ou pessoa de grande renome. Mais que os rendimentos financeiros, os ganhos institucionais para uma entidade como o clube catalão são importantes. Ademais, os princípios moldam quaisquer organizações, são os pilares da entidade e regem – pelo menos devem reger – quaisquer tomadas de decisão. O seu “Embaixador”, publicamente a posicionar-se alinhado a alguém estranho aos princípios da instituição é, no mínimo, incoerente.

Por isso o rompimento. Não é de se estranhar. Decisão, no mínimo, coerente.

Já foi escrito aqui diversas vezes, sobre as características de uma organização (esportiva ou não), sua missão e visão. A repetir. Atentos à missão e visão: qual a missão que seu clube possui? Qual o legado quer deixar para o público? Dentro de uma visão (enquanto organização), onde o clube quer estar, ou como quer ser visto daqui vinte, trinta anos…ou seja, qual a visão enquanto instituição, o futuro a ele projetado e perseguido?

Ronaldinho Gaúcho, ex-futebolista do FC Barcelona. (Foto: iG Esporte)

 

Com tudo isso percebe-se o extremo cuidado mundo afora no que diz respeito a estes temas. Clubes que dispensam seus atletas acusados de doping, manipulação de resultados; envolvimento em violência doméstica ou outros crimes. Tudo isso interfere na imagem da instituição vinculada aos atletas. Não à toa temos exemplos de clubes com ligações com a extrema-direita, à esquerda, a grupos étnicos e, em alguns casos, religiosos.

É toda uma história em xeque. E isso não tem preço.

 

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Criando vantagens em cobranças de escanteios ofensivos com dois cobradores

O futebol está em constante evolução, seja no que se refere ao processo de treino, bem como ao nível da ideia de jogo. A necessidade permanente de aumentar a qualidade de jogo para obter vantagem sobre os adversários e vencer os jogos, leva a que novos conceitos, variantes e estratégias sejam frequentemente desenvolvidas.
As bolas paradas – cada vez mais valorizadas no futebol – não fogem à regra. De fato, esta é uma questão tão valorizada que alguns clubes já possuem um treinador exclusivo para as bolas paradas. O italiano Gianni Vio, com passagens por Leeds, Al Nasr, Fiorentina, Milan, e autor do livro Palla Inativa: un ataccante da 15 reti, é um exemplo.
Analisando o que tem sido feito de uns anos para cá, me chama a atenção algumas equipes que organizam suas cobranças de escanteio ofensivo de uma maneira um pouco diferente do que tradicionalmente se faz.
O que habitualmente vemos é a presença de um único cobrador nos escanteios. Porém o que acontece quando posicionamos dois jogadores ao invés de um?
Eis algumas vantagens que penso que a equipe poderá obter sobre seu adversário com este posicionamento inicial[1]:
1)  Normalmente a equipe que ataca, posiciona um jogador a mais no equilíbrio defensivo, para garantir vantagem numérica em um possível contra-ataque do rival (exemplo: se o adversário posiciona dois jogadores na linha do meio campo, a equipe que cobra posiciona três). Conforme ilustrado no exemplo da figura “A”, tendo em conta esta vantagem numérica no “equilíbrio defensivo”, e o cobrador (quando há apenas um), a defesa adversária possui vantagem numérica na zona da grande área de 2 + goleiro.

Neste exemplo, com 1 jogador (equipe vermelha) na cobrança, a defesa (azuis) tem vantagem numérica de 2 jogadores (de linha) + goleiro dentro da área.

Porém, conforme vemos na figura “B”, se seguirmos a mesma lógica de raciocínio, ao colocar dois jogadores na cobrança, a tendência é que o adversário seja “obrigado” a levar dois jogadores para neutralizar qualquer tentativa da equipe vermelha em levar vantagem numa cobrança curta.

Isso fará com que a vantagem numérica que levavam dentro da área se reduza, e se a equipe que cobra tiver jogadores com bom jogo aéreo, colocar dois jogadores para cobrar é vantajoso, pois há mais espaço de manobra para esses jogadores atuarem.

Seguindo a lógica anterior, agora o vermelho possui 2 cobradores, obrigando o azul a retirar 2 jogadores de dentro da área. Agora, a vantagem numérica do azul é de apenas 1 jogador (de linha) + goleiro dentro da área.

Exemplo prático da imagem anterior – Campeonato Brasileiro 2018: América Mineiro com 2 cobradores, reduz a superioridade numérica gremista dentro da área, já que o Grêmio evita a cobrança curta colocando 2 jogadores na zona da bola.

Existe ainda a possibilidade do treinador da equipe que está realizando a cobrança, optar por deixar o equilíbrio defensivo no “mano-a-mano”. Neste caso, a vantagem ofensiva aumenta ainda mais (comparando com a situação “A”), uma vez que dentro da área passará a haver igualdade numérica (excluindo o goleiro), conforme ilustra a figura “C”.

2) Se o adversário estiver desconcentrado e demorar para ajustar, não enviando ninguém para neutralizar os 2 na cobrança, a equipe poderá jogar curto e provocar desordem no posicionamento do adversário. Equipes que defendem os escanteios em zona, em jogadas curtas, podem cometer o erro de todos saírem em direção à bola, desprotegendo a zona do segundo poste, o que poderá ser aproveitado a partir de uma saída curta.

3) Se o adversário enviar apenas um jogador, a equipe que ataca, poderá fazer 2×1 e obter vantagem na ação ofensiva subsequente.

Na imagem acima, De Bruyne e Silva fazem 2×1 sobre Mané, em função da superioridade numérica criada em torno da bola (Manchester City 2018 – Pep Guardiola).

Neymar e Messi se aproveitam da desatenção do Roma para realizarem uma situação inicial de 2v1. É a partir deste lance que Luís Suarez marca o terceiro gol do jogo, pela Champions League (Barcelona 2015 – Luis Enrique).

4) Existem equipes que organizam seu posicionamento defensivo a partir do conhecimento do pé que cobrador utiliza para realizar a cobrança. Por exemplo, equipes que defendem um escanteio cobrado com o “pé aberto” se posicionam de maneira diferente de quando a cobrança vem de “pé fechado”. Tendo dois jogadores na mesma bola, poderá causar perturbação e confusão no posicionamento da equipe que defende.

Na imagem acima, em virtude do posicionamento do corpo de Rakitiće Messi, verificamos a presença de dois cobradores em potencial. Quem irá cobrar? Pé aberto ou fechado? (Barcelona 2015 – Luis Enrique)

5) Tendencialmente, este posicionamento gera facilidades para sair jogando curto, caso a equipe – pelos mais variados motivos – não queira arriscar perder a posse da bola, lançando-a diretamente para a área.

Acúmulo de jogadores em torno da cobrança para manter a posse da bola no campo de ataque. “Queimar tempo” durante os minutos finais do jogo (Palmeiras 2018 – Felipão)

6) Algumas equipes que posicionam 2 na cobrança, tão logo a bola rola, propositalmente acumulam de 3 à 5 jogadores em torno da cobrança, realizando um pequeno rondo antes de terminar a jogada, algo que pode ser muito bom em caso de possuir jogadores capacitados para realizar este tipo de jogada, dada a superioridade numérica/posicional criada e, principalmente, pela dificuldade do adversário conseguir realizar rapidamente os ajustes de marcação.

Diante do cenário atual, penso que posicionar mais de um cobrador é uma ideia que veio para ficar, mas não no sentido de se sobrepor ao que é habitual (lançar a bola diretamente para a área com apenas 1 cobrador), mas para possibilitar variabilidade, enriquecendo e aumentando as possibilidades ofensivas nas cobranças de escanteio, sempre com o intuito de criar vantagem sobre o adversário e alcançar a vitória.

Vale lembrar que no futebol não existe “fórmula secreta”, nem certo e errado. Tudo tem suas vantagens e desvantagens, cabendo ao treinador saber a característica dos seus jogadores e do adversário para criar situações benéficas à sua equipe

 
[1]Posicionamento inicial vs “elemento surpresa”: Sublinho a palavra posicionamento inicial, para diferenciar equipes que tem como um padrão a colocação de 2 jogadores próximos a bola antes do apito do árbitro, das equipes que circunstancialmente aproximam um jogador para próximo da bola com a finalidade de realizar uma jogada curta distraindo momentaneamente o adversário.

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Entre o Futebol e o Doping

Bem-vindos ao nosso Entre o Direito e o Esporte” dessa sexta-feira! Nesse mês a gente deu uma olhada no que a gente acha “Entre o Esporte e o Doping”. Nesse mês a gente passou “Entre o Direito e o Doping” para ver um pouco mais sobre a AMA ou Agência Mundial Antidopagem. Nesse mês a gente conversou sobre o controle antidopagem que fica “Entre o Atleta e o Doping”. E hoje a gente fecha o nosso mês de outubro com o que a gente acha entre o futebol e o doping: a Justiça Desportiva Antidopagem no Brasil.
E para deixar tudo mais direto, esse é o nosso passo a passo dessa coluna que fecha o nosso “mês antidopagem” aqui na Universidade do Futebol: vamos começar com o “início” de um processo disciplinar antidopagem; depois vamos dar uma olhada no “meio” que é o julgamento dessa violação à regra antidopagem por aqui; e daí fechamos com o “fim” que fala de um tal de “julgamento de novo” só que dessa vez lá fora!
Fechou?

Fonte: Pexels, Vural Yavas

 
E… valendo! Lembra que semana passada a gente viu sobre o controle antidopagem? Exato, aqui é a continuação desse controle. Aqui é quando esse controle vira processo. Aqui esse controle é o início da nossa história de hoje.
Imagina que você voltou para a sua infância. Imagina que você quer assistir uma partida do time da sua cidade. Imagina que você foi… sozinho. E aí, pode? Não. Criança tem que estar acompanhada – ou deveria. Sem um responsável (pai, mãe, avó… peixinho dourado, sei lá), não vai entrar. E isso por que? Porque você teve um “resultado analítico adverso”, ou seja, foi demonstrado que você não cumpriu uma regra geral (a de ir acompanhado).
No controle antidopagem é a mesma coisa! Esse procedimento administrativo da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD) que segue o Código Brasileiro Antidopagem (CBA) começa quando (alguém) “testa positivo” – em outras palavras, um resultado analítico adverso. Essa análise preliminar de violação de regra antidopagem (leia-se: não seguiu a “regra x”) é repassada pela ABCD à Justiça Desportiva Antidopagem que pode suspender preventivamente a pessoa (no nosso caso, isso significa que você não entrou no estádio).
Tranquilo, faz sentido e até aqui parece que a “Justiça” faz sentido – #choquei. Agora quando a gente vai do começo para o meio continua assim? Aí a pergunta vai para a Justiça Desportiva Antidopagem que fica em Brasília!
Imagina que você foi sozinho nesse jogo. Imagina que não querem te deixar entrar porque você é uma criança e foi sem um “responsável”. Imagina que você chamou o supervisor responsável pela entrada dos torcedores no estádio. Você tem duas opções: aceita o “resultado analítico adverso” ou pede a abertura de uma amostra B. Em outras palavras, chama o seu “peixinho dourado” para assistir essa partida com você – ah, te falei que esse é o apelido do seu primo mais velho que por acaso é advogado? Assim o supervisor pode te deixar passar, se o “responsável” não tiver um “ir” na frente.
Aqui é a mesma coisa! A Justiça Desportiva Antidopagem vai aparecer daí para frente para decidir o que vai acontecer com o seu caso quando você não aceita o “resultado analítico adverso” e chama o seu advogado para te defender lá em Brasília em um Tribunal formado por 09 pessoas que ficam em 03 câmaras cada uma com 03 pessoas caso você tenha sido denunciado pela Procuradoria por uma violação a uma regra antidopagem.
Lembra da Justiça Desportiva Disciplinar? Pois é, aqui a história é bem parecida – é quase que o “outro lado da moeda” só que com duas exceções (quem faz parte e o fato de ser um tribunal único para todas as modalidades esportivas no Brasil todo). Esse Tribunal de Justiça Disciplinar Antidopagem (TJD-AD) foi criado com o objetivo de julgar esse tipo de caso e decidir o que acontece com quem “não segue as regras”. O TJD-AD fica no Conselho Nacional do Esporte (CNE) que faz parte do Ministério do Esporte (ME) em Brasília (BSB), então se vocês virem algo do tipo: TJD-AD/CNE/ME/BSB. Bom, já sabem que no fundo até faz sentido!
Agora, o que o TJD-AD falar “tá falado”? É… quase. Como falei o TJD-AD é o meio (e muitas vezes o fim) desses processos disciplinares antidopagem que vem de um controle antidopagem dentro do sistema mundial antidopagem da AMA. E… [“se você falar antidopagem de novo eu paro de ler!”] ah, melhor ir para a nossa analogia direto então!
Imagina que chegou o seu “peixinho dourado”. Imagina que ele explicou que vai entrar com você na partida. Imagina que mesmo assim o supervisor disse que não pode. E aí? Exato, você vai no Juizado Especial de Defesa do Torcedor que (talvez) tem (tenha) ali no estádio na hora do jogo e fala: “tenho ingresso, meu peixinho dourado também tem ingresso, nós queremos entrar no estádio para assistir essa partida com os nossos ingressos que a gente comprou”. E você, o seu peixinho dourado, e o seu time entram em campo finalmente!
Nos casos de doping tem uma situação curiosa bem parecida. Essa decisão imposta pelo Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem aqui no Brasil pode ser “apelada” (pedir uma nova decisão) “lá fora” no Tribunal Arbitral do Esporte (CAS/TAS) que fica em Lausana na Suíça! Pois é, tudo isso porque estamos conversando sobre o sistema mundial antidopagem – então vale para o “mundo todo” (ou quase). Esse “STF” do esporte mundial vai rever a decisão e decidir o que acontece com quem descumpriu uma regra antidopagem, esse julgamento chama “julgamento de novo” (juro).
Depois de todo esse caminho a gente vai saber o que acontece: se a (pessoa) realmente descumpriu uma regra antidopagem e todas as outras regras foram cumpridas ao longo desse caminho (os IS, o CMA e o CBA que vimos nas outras semanas), aí é game over e ela vai ser punida (leia-se suspensa, entre uns extras como perder medalha). Único lembrete que eu deixo é que estamos conversando sobre o que acontece no Brasil, e não na Libertadores (CONMEBOL), na Copa do Mundo (FIFA), ou nos Hermanos (AFA)… afinal, se a gente muda de competição ou de país tudo pode mudar – como tudo no esporte.
Fico por aqui hoje e desejo a todos vocês uma ótima convocação da seleção brasileira! Convido a ficarem comigo no “Entre o Direito e o Esporte” nesse próximo mês quando vamos conversar sobre o “eFutebol” na Universidade do Futebol. Combinado? Deixo meu convite para falarem comigo por aqui, pelo meu LinkedIn ou pelo meu Twitter. Obrigado e até novembro!
 

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O choro lamentável após Palmeiras x Ceará

Quem trabalha no futebol deveria pensar sempre em como melhorar tudo o que envolve o jogo: as ideias com e sem a bola, os comportamentos táticos, os gestos técnicos dos atletas, o marketing, a gestão fora de campo, a condição dos gramados, enfim, tudo que compõe o futebol como um produto. Especialmente aqui no Brasil, vemos uma fuga das novas gerações para o futebol europeu onde realmente o esporte é visto de uma maneira ampla e plural. Sem complexo de vira-latas, amigos. Lá fora, cada ‘player’ da indústria trabalha para um avanço coletivo onde todos ganham. Aqui somos individualistas e lutamos não só para ganhar, mas também para o outro perder. Por isso, nosso futebol está na segunda, quase caindo para a terceira divisão na escala mundial.
Na última rodada do Campeonato Brasileiro, tivemos um grande jogo entre Palmeiras e Ceará. Foi interessante demais ver o líder da competição tendo um embate duro contra uma equipe que luta contra o rebaixamento. Porém, após a partida, ao invés de debaterem as ideias, as ações que foram determinantes para o resultado final, o que se viu foram acusações de ambos os lados sobre o comportamento da arbitragem. O técnico do Palmeiras, Luis Felipe Scolari, respaldado pelo diretor do clube, Alexandre Mattos, levantou suspeitas sobre os cartões amarelos recebidos pelos seus jogadores que estavam pendurados, insinuando algo premeditado para o jogo seguinte diante do Flamengo. Do outro lado, o técnico do Ceará, Lisca Doido, jurou de pé junto que houve interferência externa na marcação do pênalti que resultou no primeiro gol palmeirense. Com que prova ele disse isso publicamente, em sua entrevista coletiva? Nenhuma.
Não quero aqui entrar no mérito de quem está certo e quem está errado. Apenas busco refletir que será difícil evoluirmos como modalidade esportiva enquanto ficarmos discutindo sobre erros dos árbitros – que absurdamente não são profissionais. Não se busca nesse tipo de discussão uma proposta de melhorias e avanços e sim jogar pressão na arbitragem visando as próximas rodadas.
Felipão faz um trabalho espetacular no Palmeiras. Sua equipe tem uma identidade de jogo que é ao mesmo tempo simples, porém eficaz. É muito difícil hoje bater essa equipe palmeirense. Já o Ceará vem em uma recuperação fantástica, com uma equipe muito bem organizada nos quatro momentos do jogo e intensa com e sem a bola.
Mas para que falar de jogo se o que vale é usar o microfone pensando no efeito que cada palavra pronunciada irá gerar no arbitragem para o próximo jogo? Quem deveria enaltecer apenas empobrece o nosso produto futebol.
 

 

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Sobre os ajustes do talento raro

Lionel Messi: o talento se encerra em si? (Divulgação: Site Oficial FC Barcelona)

 
Em algum momento, pretendo me deter mais atentamente à ótima Six Dreams (Amazon Prime), série recém-lançada que acompanha a temporada de seis personagens importantes do futebol espanhol de elite durante todo o último ano. Um deles é Saúl Ñiguez, do Atletico de Madrid.
Na reta final da última temporada, o Atletico estava a cinco pontos do então líder Barcelona, quando foi visitá-lo no Camp Nou. Como têm sido os confrontos recentes entre as equipes (grande mérito de Diego Simeone neste sentido, diga-se), o jogo foi absolutamente equilibrado. A vitória do Barcelona se deu pelo placar mínimo, com um gol obsceno de Messi. Depois do jogo, conversando com seu pai, Saúl ainda estava indignado. A fala dele, já no final do diálogo, me chamou a atenção:
– O pior é que ele nem treina. (…) Ele não treina! Ele é tão bom que não precisa treinar. É muito fácil para ele.

***

Messi não é o primeiro e nem será o último jogador que nos parece ser tão bom que não precisa treinar (mesmo que seja um fundamento, apenas). Jogadores como ele, na nossa visão, foram agraciados com um tipo especial daquilo que nos habituamos a chamar de talento. Sabemos muito bem, ao menos são as informações que nos chegam, que Messi é um excelente profissional, responsável, cuida de si e do grupo, e que há um longo trabalho oculto na magia daquele pé esquerdo. Ao mesmo tempo, parece haver alguma coisa nele que não há nos outros.
Enquanto isso, ainda nos degladiamos para saber qual é a real proporção deste talento na performance de um jogador como ele. Sabemos que, por um lado, ainda é latente a ideia de que o talento basta: não há trabalho que possa afiná-lo. Por outro, há uma vertente que acredita na ideia de que através do trabalho absolutamente tudo é possível. Não nego que me soa uma ideia bastante perigosa, mas é fato que jogadores e equipes não são, eles estão: podem ir para o alto e adiante. É disso, afinal, que cuidamos na Pedagogia do Esporte. De toda forma, há uma espécie de dualidade, que talvez possamos dissolver aqui.
Para isso, acho importante uma lembrança filosófica.
Quando falamos de talento, falamos basicamente do assim chamado inatismo. O talento, para além da parábola bíblica, seria uma habilidade inata, um traço distintivo do indivíduo desde o seu nascimento. No inatismo a que estamos habituados, parece comum entender que o talento basta: quem nasceu com ele, está dispensado do trabalho duro. Mas será mesmo assim? Bom, como bem sabemos, a paternidade do inatismo pode ser dada a Platão. Platão foi discípulo de Sócrates que, décadas antes, havia entrado em um jogo duro com um grupo de filósofos que migrara da Ásia Menor em direção à Ática: os sofistas.
As diferenças básicas entre Sócrates e os sofistas eram duas: Sócrates acreditava na verdade; os sofistas, não. Por isso, os sofistas eram tidos como relativistas, ou céticos. Além disso, havia uma divergência metodológica. Enquanto os sofistas acreditavam na retórica (eloquência individual com o objetivo de persuadir), Sócrates acreditava na dialética, no diálogo entre sujeitos, que permitia que o ouvinte chegasse à verdade por si mesmo, através das rigorosas perguntas feitas pelo interlocutor. Assim como a mãe fora uma parteira de corpos, Sócrates queria ser um parteiro de almas. O conhecimento, assim como um trabalho de parto, era doloroso e deveria vir do próprio indivíduo.
Pois bem, o mais notório herdeiro do pensamento socrático é exatamente Platão. Mas ele (de forma ligeiramente religiosa) acredita que existem dois mundos: um mundo das ideias (ou inteligível), onde está a verdade, e um mundo sensível, este em que vivemos, um mundo das ilusões (pois os sentidos nos enganam). No olhar platônico, repare bem, não se pode aprender nada: todos nascemos sabendo. A explicação está no Mito de Er: no mundo das ideias, prestes a reencarnar neste mundo sensível (Platão acreditava na imortalidade da alma), nós mergulhamos em um rio, o rio Lethe. O rio Lethe é o rio do esquecimento. Quanto mais profundo o mergulho no Lethe, maior o esquecimento, ou seja: mais distante estará a verdade no mundo sensível. Quanto menor o mergulho, mais próximo. A intensidade do mergulho está diretamente relacionada com o tipo de atividade intelectual que o sujeito realizará no mundo sensível. Os filósofos, por exemplo, mergulhavam apenas brevemente no Lethe. Qual seria, aliás, a intensidade do nosso mergulho como treinadores?
Isso significa que Platão não entende o conhecimento como contemplação (como fará Aristóteles mais tarde), mas como reminiscência. Conhecimento é lembrança: é lembrar-se de algo que se sabe, sem saber que se sabe! Assim, o talento, em si, não seria suficiente, pois estaria adormecido, à espera de um parteiro/obstetra de (um treinador ou treinadora, por exemplo), que possa despertá-lo e trazê-lo à vida.

***

Na fala de Saúl sobre Messi, imagino que os leitores e leitoras também percebam um certo descompasso em relação ao que escrevi nos parágrafos anteriores. Saúl (ainda sob efeito do jogo, compreensível) dá a entender que, para Messi, o talento basta. Mas, nas linhas que escrevi acima, me parece que não: qual foi a quantidade e a qualidade dos estímulos a que Messi esteve submetido desde a mais tenra idade? Qual é o seu envolvimento afetivo com o clube, em todas as suas dimensões? Em que nível está enraizado o DNA do clube e o modelo de jogo nas suas estruturas cognitivas? Assim como o mais belo instrumento não toca as melhores notas se não estiver corretamente afinado, Messi poderia ser menos genial, talvez fosse comum, se não estivesse em um ambiente frutífero, sob estímulos adequados. Talvez o talento não baste. É preciso afinação.
A afinação, aliás, não ocorre no excesso, nem na falta. A afinação é precisa! A afinação do atleta e da equipe passam, evidentemente, pela inteligência e pela sensibilidade do treinador, que pode tanto lidar com um talento evidente, como o de Messi, quanto com o talento escondido, adormecido, daqueles atletas que sabem sem saber que sabem (me lembro aqui de Guimarães Rosa). Não somos inatistas, somos prudentes: quanto talento não se perde por mau treino? Quanto talento não se perde porque damos ao humano um tratamento de coisa? Despertar o que já está desperto não é necessariamente simples, mas despertar o que está silenciado, ver o que não é normalmente visto, iluminar a escuridão, são tarefas das mais sofisticadas, e que exigem de nós, treinadores e treinadoras, o mesmo afinamento que queremos dos nossos atletas e da equipe.
O que, evidente, não é fácil.
Mas é possível.

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Esporte e Política (Internacional) se misturam?

Recentemente a seleção brasileira de futebol realizou dois amistosos na Arábia Saudita: dia 12 de Outubro, contra a Arábia Saudita, vitória por 2 a 0 na capital, Riad. Dia 16, em Jidá, triunfo sobre a Argentina (!?!?) por 1 a 0. Durante a presença da equipe em solo saudita, um renomado jornalista daquele país, Jamal Khashoggi, que trabalha para o jornal norte-americano “The Washington Post”, desaparece. Fora visto pela última vez no consulado da Arábia Saudita em Istambul, na Turquia. Ademais, vem à tona os paradoxos e incoerências das políticas interna e externa do país saudita, que afetam direta e indiretamente todo o povo árabe espalhado pelo mundo, ou seja, atinge o Brasil também.

Desde já, temas delicados. Existem os que defendem que o esporte não se mistura com a política, que esporte não é política, e que o futebol é isento destas iniciativas. Nunca foi, não é e não será. Sem exageros, não há dúvidas de que hoje, depois destes jogos, a Arábia Saudita seja percebida por muitos como um país que existe no planeta. Por outros, como um ator importante da geopolítica internacional. Vários tantos podem considerar o futebol local saudita como importante na modalidade, por haver disputado uma partida contra os brasileiros e, ademais, Brasil e Argentina terem disputado um jogo de seleções entre si em pleno território do país. Estes eventos oficializam gestos, ações e, diante disso, dão margem a inúmeras interpretações por parte da opinião pública.

De que o Brasil é conivente com as polêmicas que envolvem a Arábia Saudita. Sim. Claro que não é isso, mas permite esta interpretação. Por mais que uma seleção esportiva nacional não represente a linha política de seu país, o esporte e, neste caso, o futebol, por si só é um fato social total. Por ele se entende uma sociedade: a economia, a estrutura e sua organização política. É, portanto, o reconhecimento informal da sua similar (a seleção adversária) e, dentro de um ‘pacote’, o reconhecimento de todos os valores, princípios e orientações que o outro país compartilha. A França por pouco deixou de participar do Mundial FIFA de 1978 em função da ausência de Direitos Humanos na Argentina, país-sede do torneio. Johan Cruijff não viajou com a seleção holandesa para aquela Copa, sob a mesma alegação.

Neymar cumprimenta membros do governo saudita (foto: Lucas Figueiredo/CBF)

 

Com tudo isso, não é de se estranhar – e de se esquivar de – pergunta feita por um jornalista ao futebolista Neymar, antes do jogo contra a Argentina, sobre o desaparecimento do jornalista saudita. Pode não haver relação com o jogo. Entretanto, tem com tudo aquilo com que o jogo se relaciona. Por conta disso, esporte e política internacional sim, se relacionam. É preciso cuidado nestes temas, porque a organização esportiva pode arrastar questões consigo que sequer sabia que existiam! Querer dissociar esporte da política internacional é negar, por exemplo, a importância da seleção brasileira de futebol para o reconhecimento internacional do Brasil.

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Entre o Atleta e o Doping

Bem-vindos ao nosso Entre o Direito e o Esporte” dessa sexta-feira! Na nossa terceira coluna desse mês de outubro nós vamos dar uma olhada sobre como o que a gente acha “Entre o Esporte e o Doping” e “Entre o Direito e o Doping” acontece na prática. Na nossa conversa de hoje a gente vai ver um pouco mais sobre o tal do “controle antidopagem”.
E quando a gente pensa em qualquer tipo de controle já vem 3 perguntas na cabeça: começando por “quem?”, passando por “onde?” e chegando em “quando?”. É bem esse o mapa da nossa coluna dessa sexta-feira de outubro quando vamos ver como o “sistema mundial antidopagem” cuida do que a gente acha entre o atleta e o doping.
Bora lá?
A AMA e as suas ANAs. Como já dá para imaginar pelo próprio nome, o controle antidopagem serve para “pegar” aqueles que não seguem as regras (antidopagem). Aí a gente tem um pouco de tudo: atletas, técnicos, médicos… governos, digo Agências Nacionais Antidopagem (não tão) independentes (quanto a maioria).
Imagina que você estuda em uma escola bem conservadora. Imagina que nessa escola bem conservadora você não podia nem entrar se usasse uma meia vermelha. Imagina que você foi um dia nessa escola bem conservadora com essa tal da meia vermelha. E aí? Pois é, um bedel te parava e mandava tirar a meia (parar de usar) ou ir para casa (suspensão).

Fonte: Pexels, Susanne Jutzeler

 
A ideia aqui é a mesma, e nesse primeiro momento a gente vai conversar sobre esse bedel. Quem é o bedel que cuida dessa “investigação de quem quebra as regras” no caso do sistema mundial antidopagem? Isso mesmo, uma Agência Antidopagem!
Na “família AMA/WADA” nós temos a Agência Mundial Antidopagem e muitas Agências Nacionais Antidopagem (ou ONA, Organização Nacional Antidopagem, em português “mais correto”), e como a gente lembra da primeira semana… aqui no Brasil é a ABCD, que é a Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem que faz parte da estrutural regimental do Ministério do Esporte lá em Brasília.
Agora você me fala: “tranquilo e favorável. Mas… e isso vale pra tudo e o nosso futebol é a mesma coisa que corrida de cavalo quando a gente fala em doping?”. Ufa, essa foi uma pergunta longa e o melhor jeito de responder é lembrando as sábias palavras de Caetano Veloso e Gilberto Gil: “Cho chuá, cada macaco no seu galho. Cho chuá, eu não me canso de falar”.
Afinal, aqui a regra geral é que cada um tem suas especificidades (regras) e esse controle antidopagem acontece de um jeito dependendo da competição que o atleta disputa e da modalidade que ele faz parte.
Lembra de novo dessa escola que a gente falou aí em cima. Imagina agora que você tem cabelo que cai no olho. Imagina que é dia de futebol na educação física e você quer colocar uma faixa para ajudar no jogo. Imagina que a escola não deixa você usar essa faixa porque é durante o campeonato interno e não num torneio com outros colégios – é, a vida lá não era fácil!
É a mesma ideia nos casos de doping, as regras variam de acordo com a Federação Internacional responsável pela modalidade (como a FIFA), pela Entidade Organizadora da Competição (como a CONMEBOL na Libertadores), e pela Agência Antidopagem responsável pela testagem (como a ABCD na Copa do Brasil – doping e não VAR).
Seja como for, esse procedimento de controle antidopagem segue o IS (parâmetro internacional da AMA) sobre Testagem e Investigação (ISTI) e aí inclui tudo isso aqui: a seleção do atleta que passa pelo exame antidopagem (Guerrero naquele jogo), a notificação do atleta (quem foi avisar o Guerrero naquele jogo), a coleta da amostra (urina e/ou sangue, e sempre 2 amostras de cada “material biológico”), o envio dessa amostra aos laboratórios credenciados da AMA (como o Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem por aqui – pelo menos quando a AMA não suspende o LBCD).
“Legal, agora… isso quer dizer que alguma dessas sopas de letrinhas aí só pode me testar durante uma competição e eu posso tomar (neosaldina) quando quiser se eu estiver de férias. Né?”. Amigo… desculpa, mas não. É sempre bom seguir as regras, ainda mais que esse “quando” pode ser a qualquer momento– principalmente se você for bom mesmo, tipo um atleta “bolsa-pódio” ou “bolsa-atleta”.
As Agências Antidopagem podem fazer esses testes parte do controle antidopagem tanto em competição, quanto fora de competição. E mais! O atleta tem o deverde informar (whereabouts) todo e qualquer detalhe que ajude aos oficiais de controle de dopagem (“agente de controle”) a achar esse atleta em qualquer hora e lugar ao longo do ano.
Advinha? Isso mesmo! Imagina que você vai jogar um torneio por aquela escola. Imagina que logo antes de pegar a carona para ir jogar “fora de casa” você tinha aula – e, logo, deveria estar em sala. Imagina que você faltou por (escolha o motivo e coloque aqui) e não avisou. É… tomou gancho, deveria ter avisado a escola. E é assim que funciona no whereabouts, se o atleta não avisa… pode (quase que um vai, na verdade) dar ruim para ele ou ela.
Em outras palavras, tem sempre que avisar a Agência Nacional Antidopagem do país que o atleta representa (ABCD por aqui) ou da Federação Internacional da modalidade na qual o atleta é registrado (FIFA se for do futebol). É claro, não é todo e qualquer atleta que tem que fazer isso… são alguns atletas de elite, como os que ganham bolsas federais para treinar e competir pelo Brasil ou que são “atletas de nível internacional” (ou seja, que representam o nosso Brasil lá fora).
Resumindo: o sistema mundial antidopagem tem seu próprio mecanismo de controle que conta com a participação direta dos atletas numa “cooperação obrigatória”. E quem não segue essas regras só corre risco… e o risco aqui é não pode mais ser atleta, por um tempo ou até “para sempre”. Por isso que é importante saber mais sobre o que a gente acha entre o atleta e o doping.
É isso gente, fico por aqui e desejo a todos vocês um final de semana tranquilo e favorável! Convido a ficarem comigo no “Entre o Direito e o Esporte” nessa próxima sexta-feira para continuar a nossa conversa sobre o doping aqui na Universidade do Futebol. Fechamos o mês falando sobre o que vem depois do controle antidopagem. Feito? Deixo meu convite para falarem comigo por aqui, pelo meu LinkedIn ou pelo meu Twitter. Obrigado e até semana que vem!
 

 

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A queda do São Paulo

A cultura do oito ou oitenta ainda prevalece no futebol brasileiro. Se ganhar é o melhor do mundo, mas se perder não serve nem para o time do bairro. Sem falar na famigerada cultura dos ‘três jogos de prazo’ que aniquila a ousadia dos treinadores por aqui.
Diego Aguirre está indo do céu ao inferno como técnico do São Paulo. Da inesperada liderança, que veio acompanhada da comemorada não ida para a seleção uruguaia, ao amargo quarto lugar de agora, após perder – jogando mal – para o líder Palmeiras e para o vice-líder Inter, ele tem sentido na pele como muitas vezes a superficialidade da análise apenas do resultado pode ser perigosa e cruel.
O Tricolor chegou a liderança do Brasileirão tendo um modelo de jogo muito claro e definido. Defendendo, a equipe marcava por zona, buscando sempre diminuir o campo de ação do adversário. Isso exige muita velocidade, tanto física como de raciocínio e, empiricamente, é visto como raça. O torcedor adora.
Nas transições, essa intensidade também era muito bem executada. Tanto para retomar a bola após a perda, como para contra-atacar quando recuperava a posse. Para atacar, porém, quando enfrentava equipes bem postadas, havia uma dificuldade em propor o jogo. Mas logo após a Copa vieram alguns bons resultados mesmo com essa dificuldade, muito por conta da intensidade e volúpia que já citei.
E vale aqui também uma análise do ambiente – a chegada de Felipão no Palmeiras é um grande exemplo de como as relações interpessoais internas podem aparecer e influenciar o resultado dentro de campo. E, por mais que não tenhamos acesso a maior parte do que acontece de fato nos bastidores, era possível ver um grupo de atletas bem harmônico no São Paulo. Comemorações de gol, matérias e fotos dos próprios atletas retratava um grupo bem coeso. Tudo claro sustentado pelas vitórias.
Vamos agora então a queda tricolor, que pode ser explicada por vários fatores – em uma visão sistêmica nunca é apenas uma parte que desestabiliza o todo. A saída de Eder Militão e as constantes lesões de Everton tiraram duas referências importantes do modelo de jogo. Por mais que Bruno Peres e Liziero (que foi quem mais jogou pela esquerda) sejam bons jogadores, a questão nunca é trocar um jogador por outro com a mesma ou até com mais qualidade. É questão de ajuste, de característica, de entrosamento. E com um elenco curto, muitas vezes quando houve necessidade de outras trocas a qualidade caiu demais.
As ideias de jogo de Diego Aguirre também não evoluíram. O São Paulo jogou com os mesmos conceitos, mas sem criar novas variações, novos comportamentos. Os adversários aprenderam a neutralizar os pontos fortes da equipe, por isso a impressão de queda individual de Nenê, Diego Souza, Reinaldo e outros jogadores que antes eram tido como destaques.
E como efeito dominó, se o resultado positivo sustenta um bom ambiente, o contrário também acontece. Uma sequência ruim tira a confiança, a segurança e apresenta algumas mazelas dos relacionamentos entre jogadores e comissão técnica que antes ou não existiam ou não vinham a tona.
Restam nove rodadas para o término do Brasileirão. É claro que se trata de um jogo imprevisível e caótico. Entretanto, não vejo potencial de crescimento para uma reviravolta no São Paulo visando a conquista do título. A realidade será segurar uma vaga na Libertadores do ano que vem.
 

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Sobre o jogo invisível

Johan Cruyff: como atleta e treinador, enxergou para além do vísivel | Divulgação: the18.com

 
Pensemos aqui, para começo de conversa, em uma situação absolutamente comum para quem já mergulhou no processo de treino: depois de fazer o melhor planejamento, estabelecer o mais correto modelo de jogo e materializar um processo elogiável, sua equipe enfrenta um adversário sabidamente mais forte. Independentemente do resultado, faz um jogo equânime e a impressão, para atletas e comissão técnica, é absolutamente positiva. No jogo seguinte, após uma semana de treinamentos ainda melhor, um profundo estudo do adversário, talvez uma estratégia até mais detalhada, sua equipe enfrenta um dos mais fracos adversários do campeonato. E faz um jogo péssimo, para desgosto de atletas, comissão, diretoria, torcida, imprensa. Ora, qual é a sua equipe, de fato: a do primeiro jogo ou a do segundo?
Nenhuma das duas, evidente. Especialmente em momentos de crise – no futebol, não são poucos – é mais do que comum desenvolvermos teorias racionalmente aceitas para explicar os fenômenos que se materializam no jogo. Mas o meu ponto aqui é outro: há uma face do jogo, de tamanho bastante razoável, que é absolutamente invisível. Assim como a psicologia nos mostra que existe uma (pequena) mente consciente e uma (imensa) mente subconsciente – onde costuma residir o essencial -, também parece haver, no jogo, uma dimensão visível, alcançável aos olhos, mas também um outro lugar, uma face absolutamente relevante que está ali, nós sabemos, mas que não pode ser vista. E talvez não possa sê-lo porque o jogo opera sob regras muito particulares, diferentes daquelas que regem o nosso próprio funcionamento como indivíduos. O jogo tem vida própria, e uma das grandes potências do jogar é exatamente a imersão em um lugar que não é nosso: uma espécie de locação, um empréstimo de nós mesmos aos outros e ao jogo. Durante aquele tempo, estamos a ele submetidos.
Aqui, leitores e leitoras, me parece inegável um importante golpe no positivismo. Quanto mais reduzirmos o jogo aos fenômenos que nos são visíveis (lembrando aqui que os olhos nunca são neutros, pois carregam as paixões de quem os têm), provavelmente andaremos em círculos, uma vez que as nossas explicações, quando confrontadas com a natureza do jogo, podem soar belas na aparência, mas são limitadas na episteme. Repare então como é complexo nosso desafio: ao mesmo tempo em que precisamos aprimorar, cada vez mais, nosso olhar sobre o visível (nossos colegas analistas de desempenho não nos deixam mentir), também é preciso não apenas reconhecer, como perscrutar aquilo que não nos é dado aos olhos. Mas como enxergamos no escuro?
Evidente que não é simples, mas há um caminho. Os olhos só enxergam na presença da luz. Se ela não nos é dada, é preciso então que nós mesmos a façamos. A face visível do jogo está ali, iluminada, nos dizendo que faltam linhas de passe disponíveis no corredor central quando a bola está no flanco esquerdo do primeiro terço. Mas quando a luz não nos estiver dada – e talvez aqui esteja um dos grandes desafios na formação de treinadores e treinadoras -, é preciso trazê-la sob outras formas: para além do exercício da racionalidade (que não se encerra na ciência, diga-se), é preciso também ter os sentidos apurados. Assim como o bloqueio da visão estimula o desenvolvimento dos outros sentidos, a face invisível do jogo nos obriga a procurar uma outra face de nós mesmos. É preciso desenvolver enorme sensibilidade, dos sentidos e sentimentos, é preciso trazê-las, ao lado da razão, para o campo das interações, é preciso viver para muito além do jogo, reconhecer que o jogo não é linear, é preciso esgotar os limites do ato de treinar (e tentar superá-los), ao lado da modéstia de aceitar quando o jogo for maior, quando a racionalidade não der conta da sua inteireza. O filósofo, disse alguém, é aquele que enxerga bem à noite. Quantos de nós, treinadores e treinadoras, estamos nos preparando para enxergar no escuro?
Outro dia, conversando com os amigos do Terra, pontuei que um dos problemas que me parecem centrais na alta taxa de trocas de treinadores do futebol braslieiro (90% dos clubes da Série A trocaram de treinador em 2018) reside exatamente em um descompasso entre o que se espera dos treinadores e o que os treinadores, de fato, podem entregar. Ora, nós treinadores não somos mágicos (o mágico controla a própria magia, o treinador está sob o domínio do jogo), menos ainda nas condições estruturais que nos estão postas. Ao mesmo tempo, é preciso que nós, treinadores, não nos coloquemos como mágicos: por maiores que sejam os nossos saberes, o jogo tem sabores próprios, tem razões que escapam à nossa razãos. Em alguma medida, me parece que pegamos emprestado do liberalismo econômico uma manca espécie de meritocracia, que coloca sob treinadores e treinadoras uma crença incorrigível de que o trabalho, maior e melhor, tende a ser incorrigivelmente recompensado pelo jogo. O problema é que o mérito, na ausência de igualdade, vira adorno. E pior: há uma série de forças, várias delas invisíveis, agindo sobre o nosso trabalho, agindo dentro do próprio jogo. Quanto mais tentarmos confrontá-las, com os nossos limitados poderes, me parecem maiores as chances de insucesso.
Por outro lado, se tentarmos entendê-las, o jogo vira.
Mas é preciso enxergar no escuro.