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Entre o registro e o jogo

Bom dia, e bem-vindos ao nosso Entre o Direito e o Esporte”! Hoje vamos fechar o mês de julho. Essa semana nós vamos conversar sobre o “recomeço” que é chegar em um novo time. Nessa coluna a gente vai ver o que fica “entre o registro e o jogo” nesse “passo-a-passo” das transferências no futebol profissional brasileiro.
E, para deixar tudo mais tranquilo, esse é o mapa de hoje: vamos começar dando uma olhada nas regras para o registro do atleta profissional; depois vamos ver alguns desafios na hora desse registro; e, depois, fechamos com… aquele tal do BID!
Bora lá?
A gente já viu que depois da negociação, tudo que vai para o papel tem que ser registrado. E por que isso? Fácil! Se não registrar o jogador, ele não pode jogar. Só que, como tudo no direito desportivo, aqui também tem umas regrinhas que é bom a gente saber – são as regras de registro.
É tipo quando a gente quer abrir uma conta no banco, sabe? Pode ter o dinheiro na mão e o que for… nada vale se não tiver um papel assinado que foi registrado lá no sistema que vai te gerar um número, te gerar uma conta, e te gerar um cartão. E tudo isso segue um “rito”, um “procedimento”… um caminho escrito por alguém em algum lugar em alguma hora.
E, no nosso caso, o caminho é o seguinte: aquele jogador que vai para o seu clube tem que ser registrado na Federação local (que faz parte da CBF, como aqui em São Paulo é o caso da Federação Paulista de Futebol) da qual o seu clube é filiado (tipo o Santos Futebol Clube aqui). Esse jogador tem que ser registrado para poder jogar qualquer partida oficial!
Simples assim? Quase lá! Pega o caso do Santos, imagina que o clube vai registrar um jogador brasileiro transferido de outro clube brasileiro. O “time da baixada” vai solicitar o registro do atleta na FPF. Essa solicitação tem que ter um monte de documentos. Documentos que vão desde o contrato de trabalho (CEDT) até a carteira de trabalho (CTPS). Isso sem contar todas as taxas (sim, trazer um jogador é caro) da Confederação Brasileira de Futebol, da Federação Paulista de Futebol (nesse caso) e da FAAP (Federação das Associações de Atletas Profissionais).
Esse registro é “efetivado” (começa) com a inclusão do contrato de trabalho no Sistema de Registro da CBF. E lá tudo isso vai ser analisado, e a Diretoria de Registro e Transferência pode pedir a complementação da documentação (“ops, faltou o exame médico”) e/ou a retificação de informações (“é Barracco com dois ‘c’”). E, acredite, isso acontece!
Agora, beleza, fez o registro e parou aí… né? Então é fácil, mesmo! Calma lá, como a gente sabe, tem sempre um desafio aqui e ali no caminho. Um dos documentos importantes é o tal do “passaporte desportivo” (PD) do atleta – lá que tem tudo, inclusive onde e por quanto tempo aquele atleta jogou. Esse PD tem que ser atualizado pelo clube novo… e, ah, aí tem chão!
Imagina que o jogador já tinha sido registrado por 3 clubes na mesma temporada, pode? Não e aí “dá ruim”. Imagina que o jogador já participou de competições nacionais por 2 outros clubes, pode? Não e aí dá ruim. Imagina que ninguém percebeu isso e “sem querer” o jogador foi inscrito e jogou uma partida pelo seu clube, pode? Não e aí dá ruim – e nesse caso muito ruim.
Respira, respira… nada disso aconteceu e está tudo certo, calma! Deu tudo certo, o pedido foi encaminhado, e não teve nenhuma surpresa… até que o seu rival disse que fechou com o mesmo jogador e “subiu” o contrato dele no sistema antes! É… deu chapéu e o que vale é o pedido que foi recebido em primeiro lugar (desde que esteja tudo em ordem).
Beleza, isso também não aconteceu. Só que o jogador (brasileiro) vinha de fora (Portugal?). É… então, precisa de mais um documento! O Certificado Internacional de Transferência ou CIT. Esse documento tem que ser recebido pela CBF para que o registro do jogador esteja em ordem – e isso pode demorar… bastante.
Mas… tranquilo! Veio o CTI e está tudo certo. Só que o jogador não é brasileiro no fim das contas! E aí, é só mandar os documentos de sempre e tudo certo? Pois é, não. Aí entra a “história do visto de trabalho” (é… precisa de uma “permissão” do nosso Governo) e de alguns outros documentos (como o RNE – o Registro Nacional de Estrangeiros, que é o R.G. dos “gringos brasileiros”). Se tiver tudo isso em ordem, está tudo certo!
Tudo certo? Quer dizer que, finalmente, aquele jogador vai poder estrear pelo meu time?! Quase! Ainda falta um último detalhe… aquele tal do BID!
O Boletim Informativo Diário da Confederação Brasileira de Futebol é como se fosse um “jornal de classificados”. Sabe? Lá a gente vê todas as transferências (na verdade, registros) de todos os clubes brasileiros. E só quando a carinha daquele jogador aparece lá é que ele pode jogar pelo seu time!

Fonte: BID/CBF

Como a gente viu todo esse mês, tem um monte de coisa entre a primeira notícia na internet de que o seu clube quer trazer aquele jogador do outro time e a estreia daquele jogador pelo seu time. E esse “monte de coisa” está “Entre o Direito e o Esporte”.
Por hoje é isso, pessoal! Deixo um bom final de semana para todos e convido vocês a continuar aqui comigo na semana que vem quando vamos começar um novo mês. Um novo mês em que vamos conversar sobre a Justiça Desportiva. Até sexta-feira! Enquanto isso, é  só falar comigo por aqui, pelo meu LinkedIn ou pelo meu Twitter. Abraço e fui!

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Tempo de trabalho e organização ofensiva

O futebol brasileiro retornou após a pausa da Copa do Mundo e não consegui ver muita coisa diferente do que vinha acontecendo antes. É claro que eu não esperava ver, por exemplo, um jogo de posição executado brilhantemente como o do Barcelona de Guardiola. Até porque ideias complexas levam anos para serem bem entendidas e bem executadas. Porém, no fundo eu tinha uma esperança de ver algo mais elaborado, principalmente em termos de organização ofensiva que é hoje o maior desafio dos técnicos brasileiros. Até aqui me decepcionei.
Tenho em mente que pela lógica básica do jogo de futebol é muito mais fácil defender do que atacar. Para simplificar, uma equipe pode ter quase cem ações ofensivas e terminar o jogo sem marcar nenhum gol, ou no máximo marcar dois, três gols. Ou seja, a defesa se sobressai quase sempre em mais de noventa por cento das oportunidades. Por essa evidente dificuldade, os conceitos ofensivos devem ser muito bem trabalhados. Mas aqui no Brasil ainda vemos muitos treinadores usarem o fraco e simples expediente de ‘deixar o talento decidir’.
Com mais de um mês sem jogos oficiais, com os jogadores mentalmente frescos, era a oportunidade ideal dos treinadores buscarem evoluir no jogo com a posse de bola. Reconheço que melhoramos aqui no cenário nacional em conceitos defensivos. Hoje no Brasil as equipes marcam de maneira muito mais compacta, organizada e conceitual. Mas precisamos evoluir no que mais importa, que é no momento que nosso time tem a posse de bola.
O coletivo deve potencializar o indivíduo. Para atacar bem é necessário ter boas ideias. Há diferentes formas de atacar no futebol: ataque direto, ataque posicional, contra-ataque…em todos eles há conceitos por trás: ultrapassagem, profundidade, amplitude, apoio, etc. Passou da hora de os nossos profissionais mostrarem mais resultados ofensivos. Capacidade e conhecimento metodológico eles têm. O próximo passo é a operacionalização. O pretexto de que não houve tempo de trabalho não cola dessa vez.
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O futebol entre o saber, o não-saber e o saber que não se sabe

Fonte: Iniesta Surrounded

 

“Só sei que nada sei”
Sócrates

 
Muito se falou, durante o último mês, sobre a importância da assim chamada dimensão mental para futebolistas em geral, especialmente no alto rendimento. Por algum motivo (talvez pela persuasiva aparência do chamado moderno), parece haver aqui uma leve camada de ineditismo, como se a relevância do treinamento da mente fosse uma descoberta recente (o que soa assustador, aliás). Da mesma forma, percebo um viés razoavelmente reducionista neste discurso. Por isso, proponho aqui um outro debate, mais humanizado. Vejamos.
Por uma série de razões (alguma delas pretendo tratar em breve), temos uma tendência a organizar nosso conhecimento por áreas, dividi-las em caixas muito bem delimitadas. No futebol, parece razoável afirmar que, em linhas gerais, nos acostumamos a quatro grandes caixas: tática, técnica, física e mental (incluo aqui os respectivos sinônimos). Os leitores e leitoras concordarão comigo que avançamos consideravelmente no entendimento das três primeiras caixas, mas talvez não exatamente na última. Duas breves justificativas seriam: I) o rendimento é utilitário, de modo que um determinado saber será valorizado na mesma medida da sua ‘utilidade’, pensando no resultado; e II) o futebol ainda convive com os resquícios da ruptura mente/corpo que, neste caso, enfatiza o segundo em detrimento do primeiro.
Aqui, temos um problema: ainda que esgotemos as possibilidades epistemológicas de cada uma das áreas, poucos serão os progressos se elas não dialogarem entre si. Quando se fala que é preciso trabalhar apenas a dimensão mental, interpreto que é preciso trabalhar em uma das caixas, a parte que falta. Mas talvez o ponto não esteja ali, pois para além de cada parte, estão as relações entre elas. É bem verdade que essas relações, possivelmente, escapem ao conhecimento humano (uma vez que a racionalidade é limitada). Mas, ao mesmo tempo,, enfatizar uma das áreas de um ser, pouco acrescenta à sua percepção, porque ele só existe integrado, uno.
É por isso que defendo, ao invés de somente uma preparação mental, mergulharmos em uma preparação humana. Em um futuro próximo, imagino clubes e federações investindo fortemente na contratação de mais e mais psicólogos. Veja bem, é evidente que psicólogos devem ser parte essencial do corpo técnico de qualquer clube que trabalhe com formação/rendimento, e quaisquer atletas, desde a mais tenra idade, em muito se beneficiariam de um bom acompanhamento psicoterápico (ainda que muitos o recusem, baseados em uma virilidade questionável). Mas nosso problema não se resolve somente contratando profissionais da área. Há mais trabalho a ser feito.
Este trabalho está personificado em Sócrates, que promoveu uma verdadeira revolução moral em Atenas quando instituiu o seu método de investigação da realidade. Em um período dominado pelos sofistas – os artistas da retórica, que julgavam ser possível ensinar o que não se sabe -, o método socrático não parte da retórica, mas da dialética, do diálogo. Ao invés de responder, Sócrates pergunta. Assim como Fenarete, mãe do filósofo, fora uma parteira de corpos, Sócrates desejava ser um parteiro de almas. Através das perguntas certas, com um método rigoroso (exortação, indagação, ironia, maiêutica) ele permite ao interlocutor descobrir a verdade por si próprio, a partir da contemplação interior. Assim como quem dá à luz é a parturiente (e não o obstetra), quem gera a verdade é o próprio sujeito, mais ninguém.
O grande ponto, leitores e leitoras, é aqui temos uma subversão absoluta do locus da verdade. A partir daqui, a verdade não mais estará no objeto, mas sim no próprio sujeito, razão pela qual todas as tentativas de imposição de um dado conhecimento são vistas não apenas como inverídicas (pois o sábio é aquele que sabe que não sabe), como também violentas, pois castram, em absoluto, a autonomia do sujeito. A função do educador (leia-se, do treinador) seria outra: seria induzir o educando (atleta) a descobrir as próprias soluções, seja através do diálogo, seja através de cada uma das sessões de treino, por exemplo. Enquanto o atleta não for convidado à visitação de si, dentro e fora do jogo, ele ainda será vítima das próprias amarras e será, no jogo, apenas uma ou mais partes de si mesmo, não será inteiro. Várias caixas preenchidas não formam um ser integrado.
Isso significa que talvez seja urgente repensar o lugar da pergunta no processo de treino e de jogo, ao longo do tempo. Processos que se alimentam das perguntas (ao invés de respostas pasteurizadas) podem ser o combustível que falta para que o atleta, na sua inteireza, investigue as soluções por si mesmo, seja um exímio resolvedor de problemas, através das suas próprias ferramentas (que são únicas e complementares às de jogadores e treinadores). Talvez este processo nos permita avançar em uma das nossas grandes platitudes: formar indivíduos, ao invés de meros atletas. Nós, treinadores, devemos ser artistas dos problemas. Os jogadores são os artistas das resoluções.
Assim, caminhamos para uma formação muito mais humanizada, que dá ao humano o que lhe pertence, e que lhe permita ser mais do que é. Atletas não são, atletas estão: mudam ao longo do tempo, assim como todos nós e as próprias coisas. Cabe a nós decidirmos se seremos espectadores passivos da mudança, meros sofistas da bola, ou se seremos parteiros, que dão aos atletas, ao invés de meras instruções, o direito de gerarem a vida e o jogo por si próprios, o que não apenas não invalida, como potencializa os resultados em campo.
Me parece um caminho irresistível.

 

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Brasileirão com tudo! Teve Copa?

O futebol nacional da Série A voltou das “férias” e mexeu com os corações dos brasileiros no meio e no final da semana passada. Paixão, intrigas, xingamentos, dissimulações, tragédias, surpresas e glórias. Novela mexicana? Não! Teve inclusive a Copa do Brasil com o inusitado fato da invasão de campo de uma ratazana no gramado de São Januário. É o futebol do Brasil em graça e essência.

O retorno foi bastante intenso, recheado de clássicos entre clubes de dois grandes centros do Brasil: Rio de Janeiro e São Paulo, mais o Ba-Vi. Isso dentro de uma semana que começou com muita reclamação da torcida, inquieta e irritada com a volta do antijogo característico daqui (simulações, brigas, provocações), algo que o torcedor brasileiro havia esquecido após acompanhar a Copa do Mundo.

Entretanto não teria sido esse retorno, recheado de clássicos, proposital? Um calendário pós-Copa do Mundo, com interessantes confrontos, justamente para que o público retome rapidamente a empolgação com a Série A do Campeonato Brasileiro? Pode não ter sido de propósito, mas que foi uma feliz coincidência, foi. Nada melhor para uma retomada do que se ter grandes clássicos, com tradição e imprevisibilidade dos resultados. Leva público aos estádios e gera audiência no rádio e na TV. Condição perfeita para que o torcedor volte a “viver” o futebol do Brasil na primeira divisão. A repercussão foi tanta que a impressão que se tem é que a Copa do Mundo aconteceu há muito tempo.

Bahia x Vitória, o “Ba-Vi”, um dos clássicos no retorno do Brasileirão pós-intervalo de Copa do Mundo. (Foto: UOL Esporte)

 

Com tudo isso, é vantagem competitiva do Campeonato Brasileiro ter vários clássicos. Se de fato esta foi uma estratégia para reconquistar o interesse do torcedor pelo Brasileirão, ela foi muito bem sucedida. Critica-se muito o antijogo característico do futebol do Brasil e que, a prazo, desvaloriza o espetáculo e é capaz de afastar o torcedor. No entanto, passada uma semana, parece até que nos “reacostumamos” com o que está nivelado por baixo. Só que isso não pode parar por aqui. É preciso trabalhar incessantemente para que este tipo de conduta seja erradicada, pelo bom serviço do esporte no Brasil.

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Entre o acordo e o registro

Bem-vindos ao nosso Entre o Direito e o Esporte”! Nessa terceira semana de julho vamos continuar a nossa conversa sobre aquele tema que a gente vê toda hora no jornal nessa época do ano, aquele assunto que a gente passa o dia fofocando, aquele tal de mercado de transferência do nosso futebol.
Hoje a gente vai continuar o caminho da nossa história da semana passada. Hoje a gente vai sair da negociação para dar os próximos passos nesse mito que é a transferência de um jogador. Hoje a gente vai dar uma olhada no que acontece “entre o acordo e o registro”. E o caminho da nossa história passa por esses passos nessa semana: I.) o acordo e o que vem com esse acordo depois da negociação da transferência de um atleta profissional de futebol; II.) o que é a tal da janela de “transferência” (janela de registro, por favor); e III.) esse tal de sistema de registro.
Bora lá?
A negociação deu certo. Deu tão certo que virou um acordo. E esse acordo… esse acordo é o que no fim do dia? Fácil, esse acordo é nada mais do que um “pedaço de papel”. Só que um pedaço de papel com muito valor! É tipo um cheque, é uma folha com um monte de coisa escrita que significa mais um monte de outra coisa e que não tem a menor importância se, no fim do dia, quem assinou não podia assinar ou não tinha o tal do dinheiro lá.
Esse acordo acontece quando o seu clube acerta o valor da transferência daquele jogador com o outro clube, e depois que o seu clube chegou em um salário com aquele jogador (e também em como pagar a comissão de quem mais estivesse envolvido nessa transferência – como um intermediário). Aí todo esse acerto vira uma folha de papel onde vai ter um monte de coisa escrita: quem são os clubes, os intermediários, o jogador; o valor, como vai ser pago, e quando isso vai acontecer; o tipo de transferência, quando ela passa a valer, e o que acontece se “der ruim” – entre outros detalhes extras dependendo do caso.
É um pedaço de papel. Só que é um pedaço de papel bem importante! E um pedaço de papel bem importante que vem junto com um monte de outros papéis (vários documentos e várias siglas que vão desde os documentos pessoais do jogador até as “garantias bancárias” – tipo o tal do “fiador” quando a gente aluga um apartamento, sabe?). E tudo isso sem contar o exame médico e a assinatura de todo esse calhamaço!
Só que mais importante que tudo isso… é que é um papel importante e sem nenhum valor se ele não for registrado. Beleza, agora “tá tudo certo” e o amigo vem para o seu clube! Né? “Bão”, quase lá! Como eu falei, tudo precisa ser registrado… só que para ser registrado a janela precisa estar aberta (não, não a da sala – aliás, fecha que tá frio!).
De novo, pensa no tal do cheque… aliás, pensa no seu cartão de débito – já que quase ninguém mais usa cheque, né? Você foi no mercado comprar um pão. No mercado você foi pagar esse pão. Esse pão custava uns reais que você não tinha na carteira, mas… tudo bem – você ia pagar no cartão mesmo! O cartão mesmo não tem nenhum valor. Isso até você enfiar na maquininha, colocar uns números mágicos e a aparecer o tal do “transação autorizada”. Certo?
Esse tempo entre digitar a senha e “autorizar a transação” se dá em uma “janela” (uns segundos). Essa janela registra a transferência de um valor para a conta do mercado pela venda feito em troca do seu dinheiro no seu banco usado para a sua compra. No outro mercado, o de transferência do futebol, acontece quase que a mesma coisa!
Essa é a tal da “janela de transferência” (por favor, daqui para frente sempre janela de registro. Promete?). Essa janela é quando a ida de um jogador de outro time para o seu é registrada– ou seja, a transferência pode ser programada para acontecer em qualquer momento (débito programado?) só que ela vai ser registrada em um período específico – e é aí que ela vai passar a valer.
Esse registro, aqui no Brasil, se dá na Federação local que o seu clube é filiado (como aqui na Federação Paulista de Futebol). Esse registro é o passo necessário para que aquele jogador possa estar em campo na partida do final de semana pelo seu time. E esse registro é feito em um (ou dois) sistema (sistemas?) específico (cadê o “s” nesse teclado?).
Pronto, acordo feito e janela aberta! Agora sim, é a época certa e o seu clube pode registrar aquele jogador – finalmente vai jogar! Só que… o que raios é esse tal de sistema de registro?
Cara, esquece isso de cheque e cartão agora. Pensa mais simples! Imagina que a gente voltou no tempo umas semanas e tem o tal do “bolão da Copa” (#quemnunca). Cada aposta sua era feita em um “sistema” – folha de papel, aplicativo no celular, computador. E esse sistema tinha suas regras próprias (até 48h antes da partida, só o vencedor, número de gols…). No nosso futebol é a mesma coisa!
O registro é feito em um sistema de registro eletrônico da Confederação Brasileira de Futebol (ou da FIFA). Esse registro são dois (só para complicar). Um registro que serve para jogadores vindos de fora (ou indo) e outro para jogadores vindos de um clube brasileiro para outro (ou). Aquele lá é o sistema “FIFA TMS” (transfer matching system), enquanto esse é o “CBF PTA” (pedido de transferência de atleta).
Esses sistemas de registro são o ponto de virada da transferência daquele atleta para o seu time. E é ali que a negociação que virou acordo é registrada na “janela de registro”! (ahá!) Só que, como sempre, nem tudo são flores… e aí temos algumas regras! Regras que vamos dar uma olhada na semana que vem quando formos ver como a negociação que virou acordo se transforma em… uma linda borboleta?

Fonte: fStop

 
Não! Como tudo isso vira uma transferência de verdade! Valeu?
Deixo um bom final de semana para todos! E convido vocês a continuar no “Entre o Direito e o Esporte” nesse nosso especial sobre o mercado de transferência dos atletas profissionais de futebol por aqui! Nos vemos semana que vem, feito? Enquanto isso, só falar comigo por aqui, pelo meu LinkedIn ou pelo meu Twitter. Até dia 27 de julho para o nosso fechamento do mês!

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Formação de times campeões

O sucesso no futebol pode ser conquistado e explicado de várias formas. Uma delas é a continuidade. Continuidade e sequência de ideias, conceitos e jogadores costuma funcionar bem – evidentemente, desde que haja qualidade no que é feito, já que sequência de más ideias e jogadores ruins não levará ninguém a conquistas.
O jogo de futebol é complexo, caótico e sistêmico. Algumas variáveis que interferem no resultado são muito subjetivas. Quando popularmente falamos que uma equipe ‘deu liga’, está ‘azeitada’ e ‘encaixou’, normalmente estamos nos referindo a complementaridade de qualidades dos membros do time. Um completa o outro, potencializando o que há de melhor e minimizando os elos fracos.
Me refiro aqui a relação ‘eu-companheiro’. Para contextualizar, em qualquer jogo coletivo existe as relações: ‘eu-bola’, ‘eu-companheiro’, ‘eu-bola-alvo’ dentre outras. A interação ‘eu-companheiro’, só chegará a excelência com tempo. Jogadores se comunicam de maneira não verbal o tempo todo. Como o companheiro gosta de receber um passe, no pé ou no espaço? Em uma jogada sem a bola, quem dá o bote e quem faz a cobertura, tudo isso no timing preciso? Isso só se faz em alta performance com treino e mais treino e com jogo e mais jogo.
Por isso, quando vejo o Corinthians perder dois de quatro jogadores da linha defensiva me preocupo. Ou quando o São Paulo no começo do ano vendeu uma baciada e contratou outra baciada de atletas também não prevejo troféus. Ou até o Santos que trocou todo o seu ataque com relação ao ano passado também fatalmente terá dificuldade.
Formar um elenco requer inteligência, conhecimento e tato. Entendo a necessidade dos clubes brasileiros venderem jogadores. Mas até essas vendas podem ser feitas com critério pensando no sucesso do time. Vender um jogador e contratar outro melhor tecnicamente não é garantia de sucesso.
 

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No futebol, o moderno é atemporal

Reprodução: Youtube

 
Períodos como este, em que nos deleitamos com o mais alto nível do futebol mundial, costumam também ser períodos das mais diversas teorias, algumas delas elogiáveis, outras nem tanto.
Neste segundo caso, me chama a atenção um discurso bastante evidente, muito repetido nas últimas semanas, embora não exatamente detalhado, que diz que somos testemunhas do nascimento de algo novo no futebol contemporâneo, uma nova ordemum novo jeito de se jogar e, consequentemente, de um futuro próspero e irrefreável, que deveria ser seguido à risca por nós, profissionais do futebol brasileiro, sob risco de vivermos atrasados.
Da minha parte, admito que tenho enorme cuidado com tudo aquilo que se apresenta como novo. Os leitores e leitoras haverão de concordar que uma das premissas do novo é associar-se, ainda que implicitamente, à ideia de progresso: o novo sempre surge como uma ruptura do velho, mas não é uma ruptura qualquer. É uma ruptura marcante, decisiva, uma negação do passado travestida de passaporte para o futuro, que deve ser comprado rapidamente, ainda que o itinerário não seja exatamente claro para os compradores e, inclusive, para os próprios vendedores. Como bem sabemos, uma das nossas atribuições, em favor da melhora do futebol (e da sociedade), é olhar para além das aparências, olhar em busca da essência, da natureza de um determinado objeto. Há várias formas de se fazer isso. Mas todas elas demandam tempo.
Nessas horas, me lembro imediatamente de dois autores. O primeiro é Heráclito, que advogava em favor da percepção do ser como devir, como movimento, ou seja: as coisas não são estáticas, perenes, elas estão em mudança constante. É por isso que um homem nunca se banha duas vezes no mesmo rio: porque o homem é diferente e porque o rio é diferente. Sendo mudança constante, perceba que as coisas não podem ser novas por muito tempo. Elas só podem ser novas por um instante, mas logo depois dele, o novos e dissolve.
Ao mesmo tempo, me lembro de Jean-Jacques Rousseau, que no auge do Iluminismo, na flagrante influência das luzes sobre o pensamento ocidental (tendo na razão, diga-se, uma grande aposta para a felicidade humana – o que não parece ter se confirmado), questionou se o progresso das ciências e das artes seria sinônimo de progresso moral. A resposta? Não
Neste sentido, mantendo aqui nossa estreita relação com o futebol, me parece absolutamente importante que sejamos cautelosos nas nossas incursões relativas ao novo. Veja bem, existe alguém mais moderno do que Óscar Tabárez? As rugas sob a pele e a moléstia que agora lhe acompanha representam um passado a ser negado ou uma rara sabedoria conferida pelo tempo? Tabárez e o Uruguai não se apoiaram em um modelo de jogo inédito, não parecem vítimas de dispositivos tecnológicos mirabolantes, não estão, em absoluto, interessados em prescindir de um certo tipo de ideal uruguaio descrito em quatro linhas. O Uruguai, neste sentido, é uma espécie de contracultura do futebol contemporâneo: um treinador em nada jovem, mas absolutamente respeitado, uma estrutura tática rara de ser vista (que outra equipe de alto nível joga, em uma base regular, com um losango no meio-campo?), dois atacantes consagrados ao lado meias ainda muito jovens, mas absolutamente confiáveis, um zagueiro gigante que chora, mesmo antes do apito final, pelo jogo e pelo seu povo. A contracultura pode ser absolutamente competitiva. E não há nada mais moderno do que a competitividade. O espírito é atemporal, os valores também.
Me parece necessário questionar seriamente o que significa dizer que o futebol brasileiro (e o Brasil, como um todo) estaria atrasado com relação ao que se pratica em outros lugares. Este pode ser um exemplo de um discurso que soa moderno, mas que, na essência, talvez não seja. Dizer que uma determinada manifestação cultural estaria atrasada em relação a outra significaria dizer (e me lembro aqui de Carlos Walter Porto-Gonçalves), que é como se houvesse um relógio universal, que determina a correta passagem do tempo para todos os povos, e que as culturas que não acompanham este relógio são simplesmente defasadas, retardatárias, atrasadas. Mas o tempo não é absoluto, o tempo passa de maneiras diferentes para povos, culturas e pessoas diferentes. Aliás, poucas coisas serão mais modernas do que a arte de trabalhar com a duração do tempo alheio.
Voltando ao exemplo anterior, se existe um relógio universal, quem dita o seu ritmo? Para descobrir a resposta, basta olharmos para o grande relógio futebolístico mundial. O tempo deste relógio é o tempo do capital. Time is money– ainda que, no futebol, essa afirmação seja feita em vários outros idiomas. A narrativa que guia o futebol contemporâneo é eurocêntrica, e talvez aqui esteja uma das razões que nos fazem crer que há uma nova ordem no futebol mundial. Talvez não seja, em absoluto, porque eles são melhores do que nós. Mas sim porque é lá que se escreve o enredo do futebol contemporâneo (especialmente a partir da imposição econômica) e, mais do que isso, porque talvez nós aceitemos, com alguma passividade, um discurso inclusive violento, que parece emular, no futebol, um sentimento colonialista razoavelmente familiar. Nós somos atrasados ou somos diferentes?
Assim, convido a todas e a todos os treinadores, treinadores assistentes, preparadores físicos, analistas de desempenho, gestores e afins a pensarmos com absoluto cuidado sobre o novo. Nós seremos meros importadores de ideais alheios, adequados para aqueles povos, naqueles contextos, ou nós seremos observadores mais tenazes da realidade, que reconhecem a evolução alheia e as nossas lacunas, e que lutam por um futebol maior e melhor, mas sem prescindir, em hipótese alguma, do nosso povo e do nosso tempo?
Pois nosso sangue é brasileiro e o nosso futebol também precisa sê-lo.
Diferente, sem deixar de ser moderno.

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Neymar embalado e embolado pelo “cai-cai”

Motivo de piada. Infelizmente é como o gesto de dissimulação do Neymar durante esta Copa do Mundo. O rolamento no chão sem motivos aparentes de lesão ou falta de condições no jogo, a fim de confundir a arbitragem e o adversário, faz com que os torcedores de futebol pelo mundo encarem a atitude como antijogo e, assim, reagem com ironia, a tratar isso como piada. Consequentemente, o futebolista acaba sendo assim reconhecido e tem sua credibilidade colocada em xeque.

Um dos atributos mais importantes para um profissional, independente do ramo de atividade, é o estabelecimento de uma relação de confiança. Obtê-la leva tempo e reconquistá-la, muito mais. O repetido gesto, popularmente conhecido como “cai-cai” e a teatralização do fato, muitas vezes por motivos nulos, acaba por irritar o torcedor, que considera-se enganado pelo “cai-cai”. Ou seja, ele não pagou para ser trapaceado e, portanto, não quer a trapaça (enganar o árbitro e potencializar uma falta aparentemente inofensiva). A lembrar que os elementos mais importantes do esporte são: o atleta e o torcedor. O torcedor não quer ser enganado: por isso as campanhas contra a dopagem, o firme trabalho contra as apostas ilegais e manipulação de resultados, contra a violência nos estádios, manifestações de racismo, e, também, de valorização do “fair-play”. Por “fair-play”, em tradução literal, entende-se como sendo “jogo limpo”. Dentro deste jogo limpo, consideramos: a ética, a honradez, a probidade, a disciplina, o respeito e o caráter.

Em todos estes pontos supracitados a dissimulação vai contra.

São milhões de “memes” alusivos a Neymar e o gesto de queda e rolamento. Muitos de vocês leitores já devem ter recebido vários. Torcedores do mundo todo simulam cair e rolar ao ouvirem falar o nome dele ou simplesmente ao encontrarem um brasileiro qualquer na rua. Por associação, o futebol brasileiro também fica assim associado, pela tentativa de dissimulação, pela trapaça (prática comum no futebol do Brasil) e incoerência (ser campeão tentando enganar). O mundo não perdoa.

É preciso um trabalho de comunicação incansável para melhorar a imagem de Neymar. Simultaneamente, o atleta também precisa mudar de atitude. Os olhos do mundo estarão ainda mais atentos a partir de agora quando ele tocar na bola. Ele não vai poder mais cair, literalmente. Terá que tomar atitudes mais profissionais, em respeito às instituições que lhe proporcionam as condições que permitem com que ele faça o que sabe de melhor fazer e para isso é pago: jogar futebol e, num esforço coletivo com toda a equipe, proporcionar um bom jogo a fim de satisfazer seus torcedores, que são consumidores e pagam por todos os produtos relacionados ao clube. E isso é parte do soldo de um futebolista.

Neymar em jogo da seleção brasileira em jogo do Mundial da Rússia 2018. (Foto: AP)

 

Com tudo isso, é importantíssimo neste momento que haja este tipo de trabalho para melhorar a imagem dele, desde que sua postura também mude. Este esforço ganhará mais fundamento assim que títulos de expressão apareçam, quer seja pelo clube e pela seleção brasileira. Tratado com todos os mimos no Brasil e aparentemente por onde passa, é preciso humildade para reconhecer o que acontece e encarar a realidade. No seu tempo, o mundo vai reconhecer e irá aplaudi-lo.

Em tempo: este é o meu texto número 50 nesta coluna da Universidade do Futebol. Obrigado a esta casa pela confiança nos artigos e a vocês, leitores, pelas visitas e leituras. Mais uma vez, o meu muito obrigado!

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Neymar embalado e embolado pelo “cai-cai"

Motivo de piada. Infelizmente é como o gesto de dissimulação do Neymar durante esta Copa do Mundo. O rolamento no chão sem motivos aparentes de lesão ou falta de condições no jogo, a fim de confundir a arbitragem e o adversário, faz com que os torcedores de futebol pelo mundo encarem a atitude como antijogo e, assim, reagem com ironia, a tratar isso como piada. Consequentemente, o futebolista acaba sendo assim reconhecido e tem sua credibilidade colocada em xeque.

Um dos atributos mais importantes para um profissional, independente do ramo de atividade, é o estabelecimento de uma relação de confiança. Obtê-la leva tempo e reconquistá-la, muito mais. O repetido gesto, popularmente conhecido como “cai-cai” e a teatralização do fato, muitas vezes por motivos nulos, acaba por irritar o torcedor, que considera-se enganado pelo “cai-cai”. Ou seja, ele não pagou para ser trapaceado e, portanto, não quer a trapaça (enganar o árbitro e potencializar uma falta aparentemente inofensiva). A lembrar que os elementos mais importantes do esporte são: o atleta e o torcedor. O torcedor não quer ser enganado: por isso as campanhas contra a dopagem, o firme trabalho contra as apostas ilegais e manipulação de resultados, contra a violência nos estádios, manifestações de racismo, e, também, de valorização do “fair-play”. Por “fair-play”, em tradução literal, entende-se como sendo “jogo limpo”. Dentro deste jogo limpo, consideramos: a ética, a honradez, a probidade, a disciplina, o respeito e o caráter.

Em todos estes pontos supracitados a dissimulação vai contra.

São milhões de “memes” alusivos a Neymar e o gesto de queda e rolamento. Muitos de vocês leitores já devem ter recebido vários. Torcedores do mundo todo simulam cair e rolar ao ouvirem falar o nome dele ou simplesmente ao encontrarem um brasileiro qualquer na rua. Por associação, o futebol brasileiro também fica assim associado, pela tentativa de dissimulação, pela trapaça (prática comum no futebol do Brasil) e incoerência (ser campeão tentando enganar). O mundo não perdoa.

É preciso um trabalho de comunicação incansável para melhorar a imagem de Neymar. Simultaneamente, o atleta também precisa mudar de atitude. Os olhos do mundo estarão ainda mais atentos a partir de agora quando ele tocar na bola. Ele não vai poder mais cair, literalmente. Terá que tomar atitudes mais profissionais, em respeito às instituições que lhe proporcionam as condições que permitem com que ele faça o que sabe de melhor fazer e para isso é pago: jogar futebol e, num esforço coletivo com toda a equipe, proporcionar um bom jogo a fim de satisfazer seus torcedores, que são consumidores e pagam por todos os produtos relacionados ao clube. E isso é parte do soldo de um futebolista.

Neymar em jogo da seleção brasileira em jogo do Mundial da Rússia 2018. (Foto: AP)

 

Com tudo isso, é importantíssimo neste momento que haja este tipo de trabalho para melhorar a imagem dele, desde que sua postura também mude. Este esforço ganhará mais fundamento assim que títulos de expressão apareçam, quer seja pelo clube e pela seleção brasileira. Tratado com todos os mimos no Brasil e aparentemente por onde passa, é preciso humildade para reconhecer o que acontece e encarar a realidade. No seu tempo, o mundo vai reconhecer e irá aplaudi-lo.

Em tempo: este é o meu texto número 50 nesta coluna da Universidade do Futebol. Obrigado a esta casa pela confiança nos artigos e a vocês, leitores, pelas visitas e leituras. Mais uma vez, o meu muito obrigado!

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O maior perdedor da Copa

A Copa do Mundo não indica necessariamente o melhor time do planeta. Disputada em tiro curto, a competição está mais para um recorte de qual é a melhor equipe do mês em questão. Contudo, a relevância do evento é tão grande que ele acaba provocando marcas que são muito mais longevas. A Espanha de 2010, por exemplo, incutiu em qualquer discussão sobre futebol o assunto “posse de bola”; a Alemanha de 2014 fez com que vários países repensassem noções de organização e longo prazo. Essa revisão demanda tempo, é claro, e ainda é impossível dizer, horas depois do título da França na Rússia, quais conceitos serão influenciados no futuro. O certo é que o Mundial de 2018 vai influenciar de forma contundente a sequência do maior jogador brasileiro da atualidade. Com o certame ainda quente, já é possível dizer que Neymar está em xeque.
Protagonista antes mesmo de se tornar profissional, Neymar sempre conviveu com pressão. O sarrafo de cobranças foi gradualmente sendo elevado, acompanhando o nível dos feitos de um jogador que é titular da seleção brasileira desde o início do ciclo passado e que já se transformou no terceiro maior artilheiro da equipe nacional. Sobretudo porque o camisa 10 escapou de ter sua imagem arranhada pelo 7 a 1 de 2014 – acometido por uma lesão nas costas, não participou daquele revés. Existia, portanto, um altíssimo grau de expectativas em torno dele antes do Mundial da Rússia.
A primeira discussão sobre esse caso, contudo, é o perfil dessas expectativas. Neymar foi duramente cobrado por dar pouca – ou nenhuma – atenção à mídia tradicional. Não conversou com jornalistas depois da derrota para a Bélgica nas quartas de final da Copa de 2018, por exemplo. Quase todas as interações dele com microfones na Rússia foram em tom de desabafo ou de reclamação sobre as críticas que vinha recebendo.
Neymar não foi à Globo para desabafar, como dizia a cartilha de seus antecessores na seleção. Ronaldo Nazário, por exemplo, alicerçou-se na emissora carioca sempre que teve crises de imagem ou de carreira. Usou como pôde o potencial de comunicação e a janela para transmitir ao público a imagem que ele queria.
Só que a geração de Neymar não fala com a Globo. Aliás, a geração de Neymar sequer conversa com a mídia tradicional. O atacante do Paris Saint-Germain é um dos primeiros grandes ícones do esporte brasileiro a ter sido forjado já na era da internet, com a capacidade de criar seus próprios canais de comunicação e lidar apenas com sua bolha. O resultado: desde que a Copa de 2018 acabou, a única mensagem do camisa 10 foi um post em seu Instagram. Nada mais sintomático.
É curioso notar que Neymar recebe cobranças de comportamento de uma geração que simplesmente não se comporta como ele. Por seu desempenho esportivo expressivo e pela ausência de uma liderança clara, o camisa 10 da seleção é constantemente alvo de expectativa sobre suas atitudes. E aí entra uma incapacidade que a mídia nacional revelou (novamente) durante a Copa: entender que os atletas são seres humanos falíveis e que não podem tomar caminhos que não os deles.
Em outras palavras: não adianta exigir que Neymar seja o líder que ele não é. Não adianta esperar que ele tenha um comportamento linear durante os jogos – ao contrário, o atacante tem desempenho baseado em provocações e em levar seus rivais ao limite em diferentes níveis. Todo o teatro condenado pelo mundo é parte essencial do que Neymar é como atleta e de como ele entende o jogo. Todo o descaso de Neymar com a mídia é parte essencial do que ele é e de como enxerga a comunicação.
A questão é que Neymar viralizou. O camisa 10 é, sem qualquer dúvida, o grande perdedor da Copa de 2018. Além de ter saído do Mundial muito menor do que entrou, tornou-se um símbolo do teatro, do exagero e do antijogo. Virou tema de desafios e piadas pelas redes sociais sobre suas quedas expressivas.
Aí entra o ponto nevrálgico da questão Neymar: ele sempre cultivou um estilo de exageros e extremos e nunca fez questão de se comunicar com um público que não é o dele. Viveu durante anos numa bolha de parças e comentários mediados nas redes sociais. Passou um tempão achando estar imune a todas as críticas ou cobranças, desde que respondesse em campo. De certa forma, as avaliações negativas eram combustível para o camisa 10. Basta ver o comportamento dele nos Jogos Olímpicos de 2016, quando o “todos contra mim” foi um de seus principais esteios emocionais até o título.
É impossível que Neymar siga pensando que o mundo o persegue. É impossível que siga falando apenas com sua bolha ou pensando apenas em seu mundo constituído. A Copa de 2018 serviu para mostrar a ele que os gols e os títulos nem sempre são resposta. A narrativa importa, e um olhar mais minucioso para quem consome a informação também é fundamental numa era em que há muito mais oferta disponível.
A grande discussão sobre Neymar depois da Copa não é se ele vai ser melhor do mundo um dia, se vai para o Real Madrid ou se vai continuar sendo o principal jogador da seleção brasileira. O ponto de interrogação em torno do atacante agora é como ele vai repensar sua relação com a mídia. E isso vale até para as mídias próprias.
PS: A decisão da Copa de 2018 reservou para os brasileiros um dos grandes momentos do evento. O desabafo do comentarista Walter Casagrande Júnior na TV Globo foi coisa de quem tem grandeza de espírito e de quem não está preocupado apenas com o próprio umbigo. Foi emocionante e digno de todos os aplausos. Também foi uma lição de humanidade e de humildade que o próprio Neymar deveria ver com bastante carinho.