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Cadê a evolução, Felipão?!

Aprendo a cada dia estudando e analisando futebol que não há certo ou errado. E até o jogar bonito e o jogar feio são relativos. Vai depender do gosto. Do ponto de vista. O cumprimento da lógica pura e simples do jogo dita que você deve fazer mais gols que o seu adversário. E isso pode ser atingido de diversas maneiras.
O Palmeiras foi campeão brasileiro no ano passado com muitos méritos. O técnico Luiz Felipe Scolari foi cirúrgico e perspicaz em diversos pontos. Fora de campo trazendo paz, confiança e segurança para os atletas. E dentro das quatro linhas implementando ideias simples de jogo. Ideias de fácil assimilação. Que com muita conversa e pouco treino podem ser aplicadas. O Verdão se defendia, e ainda se defende, sempre com muitos jogadores – sempre de quatro a seis jogadores atrás da linha de bola. Dessa forma, dificilmente você vai levar contra-ataque, por exemplo. Para atacar, o padrão de comportamento é a verticalidade, o ataque direto e rápido. Está com a posse? Bola longa para o centroavante disputar a primeira bola e gerar alguma situação para os jogadores que vem de trás. E como o Palmeiras conta com jogadores de altíssimo nível como Dudu, Bruno Henrique, William (machucado) e agora Ricardo Goulart isso pode funcionar muito bem. Como já funcionou no ano passado na conquista do título nacional. E pode continuar funcionando.
O ponto, porém, é a falta de repertório da equipe. É claro que não tenho a pretensão de achar que Felipão, no auge dos seus 70 anos e já com um currículo extremamente vitorioso, vá trazer para sua equipe conceitos como terceiro-homem, viajar junto, mobilidade, amplitude e outros tantos que compõe o jogo de posição de Pep Guardiola. Ou então importar o gegenpressing de Klopp, que une pressão, pressing, temporização e outros conceitos para atacar o contra-ataque rival.
Mas acredito que esse Palmeiras pode mais. Para situações de desvantagem no placar, como contra o Corinthians no final de semana, aliada a desvantagem emocional como contra o Boca Juniors na Libertadores e Cruzeiro na Copa do Brasil, ambas no ano passado, o cruzamento na área não pode ser a única opção.
Insisto que não há certo ou errado no futebol. O Palmeiras jogar simples e objetivamente tem muito valor, sim senhor. Entretanto vejo uma equipe de futebol como algo sempre em construção. Em evolução. E se não há crescimento há queda. O mais do mesmo no futebol é perigoso porque seu adversário está crescendo e está te estudando. A estagnação no jogar é o primeiro e mais crucial passo para a queda.
 

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Sobre as ‘competências sociais’ de treinadores em geral

Julian Nagelsmann, treinador do Hoffenheim: as relações estão no centro do processo. (Divulgação: ZDF)

 
Quando o Hoffenheim anunciou a efetivação de Julian Nagelsmann (hoje, já acertado com o Red Bull Leipzig), há quase três anos, houve uma espécie de surpresa, uma incredulidade epidêmica. Na época, Nagelsmann tinha apenas 28 anos – o mais jovem treinador da história da Bundesliga. Naqueles dias, por sinal, lembro-me bem de ter enviado um e-mail para o Hoffenheim, claro que não para falar da nova contratação, mas para saber um pouco sobre as categorias de base: Alexander Rosen, diretor de futebol à época, disse algo neste sentido, que a confiança em um treinador jovem de Nagelsmann refletia uma espécie de filosofia do clube, de investimento em talentos próprios e etc. É interessante lembrar (embora não seja meu foco aqui), que apesar de muito jovem, Nagelsmann só não era mais velho do que dois atletas daquele grupo.
Além de nos impressionar como treinador – já premiado, trabalho absolutamente elogiável – Nagelsmann também nos trouxe algumas declarações bastante interessantes. Uma delas parece ter ressado especialmente: em linhas gerais, Nagelsmann disse que treinadores precisam dominar 30% de competências táticas e 70% de ‘competências sociais’. Deixo abaixo, em tradução livre, um comentário do próprio Julian (numa ótima entrevista, por sinal) quando perguntado sobre a declaração:
“Se você é o melhor treinador do ponto de vista técnico, mas não tão bom com personalidades, então você não terá o sucesso necessário. Você será bem-sucedido, mas não estará no topo do jogo. Se você é ótimo com personalidades, mas não tem nada para oferecer tecnicamente, então também será difícil. Mas se você tem um nível básico de compreensão técnica e suas competências sociais são muito boas, então você será muito bem sucedido. Uma boa compreensão técnica e apenas o suficiente sobre personalidades também funciona durante um certo período de tempo, mas quanto mais tempo você trabalha com um time, mais importante se torna o relacionamento com seus jogadores.
Se você quer sucesso a curto prazo, o conhecimento técnico é suficiente, mas para o sucesso a longo prazo, você tem que ter uma ideia de como lidar com pessoas, como fazê-las trabalhar em conjunto, como lidar com questões particulares dos jogadores – clarear suas mentes, ser empático é muito importante. Usei a porcentagem de 30 a 70, mas também pode ser de 40 a 60, e isso depende da situação. Quanto pior é um clube, mais empatia você tem que ter. Quanto mais bem sucedido for todo o clube e melhor for a atmosfera, então você poderá se concentrar mais no material. É sempre uma relação em favor da competência social, no entanto.”
Pensando como treinador, meu sentimento lendo este trecho é sempre ambivalente: de um lado, acho admirável a lucidez de Nagelsmann, especialmente sobre um tema que até hoje é escanteado (especialmente na prática, a despeito da retórica). Por outro lado, me causa uma certa surpresa que fiquemos tão impressionados com algo que, no fim das contas, é óbvio: para além de todos os saberes, o futebol se faz por pessoas. O estudo, o refinamento racional diligente são necessários, mas eles, sozinhos, têm um alcance limitado do humano. O cultivo de relações saudáveis ao longo do tempo é um desafio que enevoa a atividade de treinadores, treinadoras e quaisquer profissionais que se dedicam ao esporte, independentemente do contexto.
Mas no que pensamos quando pensamos em relações saudáveis? Veja bem, este é um ponto importante: cultivar boas relações não é sinônimo de idealismo ou submissão, por exemplo. Não significa ser bonzinho ao longo do tempo (aliás, a perfeição moral, como busca humana, não parece uma ideia exatamente interessante). Significa outra coisa: se olharmos para a história, para um sujeito como Maquiavel, por exemplo, encontramos um pensamento bastante interessante sobre as fragilidades de ser moralmente estável ao longo do tempo (algo próximo do que ele chamaria de virtu, ainda que em uma outra conotação, essencialmente política). Para treinadores e treinadoras que desejam construir bons vínculos é preciso repensar os reais benefícios de uma única roupagem moral ao longo do tempo. Quem é moralmente uno, é previsível. E quem é previsível se afasta da sorte (da fortuna, se você preferir).
Evidente que isso não nos autoriza à ignorância gratuita. Não, é claro que é preciso apoiar-se no respeito mútuo, na construção de firmes laços de confiança com jogadores e todo o clube, só que isso não se faz pela docilidade perene (menos ainda no esporte): daí a importância de subjetivar as relações. Assim como os princípios do treinamento nos alertam para a individualidade biológica, também é preciso atentar-se para uma espécie de individualidade relacional, as nuances próprias das personalidades envolvidas em cada relação, o que exige grande necessidade de observação (muitas vezes discreta), diversas experiências na vida vivida e, como bem observou Nagelsmann, uma enorme dose de empatia. Para humanizar as relações, é preciso colocar-se rotineiramente no lugar do outro.
Humanizar as relações sem romantizá-las é um desafio feroz. Maria Lúcia Homem, neste excelente vídeo, faz um comentário bastante pertinente (que indico especialmente aos papais e mamães) sobre a natureza da maternidade: as relações entre pais e filhos estão cercadas de ambivalência. Ou seja, não existe amor puro, nem ódio puro. Existem diversos espectros, lugares que ocupamos e que nos ocupam a cada momento, muitas vezes para além do nosso controle racional. A mesma ambivalência (ainda que em intensidades diferentes) acontece nas nossas relações profissionais, acontece no futebol. Haverá momentos de alegria e proximidade, outros de profunda frustração, solidão ou raiva. Mediar todos esses laços, ao mesmo tempo em que se é parte deles, é um dos grandes mistérios a serem descobertos, sentidos por treinadores e treinadoras. Não bastasse a complexidade da tarefa em si, lembre-se ainda de que esses laços não são visíveis.
Tornar-se treinador ou treinadora não é uma equação, não se faz a partir de 70/30 ou 60/40: se faz aberto, lançado em um turbilhão relacional. É uma participação observante, um campo minado capaz de lindas recompensas quando atravessado, mas que, evidentemente, exige absoluto zelo. Principalmente, é um desafio que não se concretiza em teorias previamente lidas ou pela retórica isolada. É algo que se faz, fortemente, a partir da experiência. Experiência de vida – que, como nos sugere Nagelsmann, independe da idade!
O que exige, além de olhar para fora, um profundo olhar para si.
 

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Camisa Pesa

O Corinthians acertou patrocínios de milhões de reais, o principal deles por dezenas de milhões. O Palmeiras renovou o seu por mais dezenas de milhões. Também do ramo financeiro, um banco deixou de patrocinar o futebol profissional nesta temporada. A modalidade em seu alto nível é cada dia mais cara e precisa destas receitas como nunca antes. As receitas proporcionam, obviamente, equipes mais competitivas, que é o que a torcida quer. É por isso o tema bastante abordado pela imprensa, sobretudo neste início de temporada.

Nos clubes, os departamentos responsáveis correm atrás de anunciantes, mas nada é muito simples. A espontaneidade no acordo e a ativação dos patrocínios somente é situação distante. Há interesses econômicos e comerciais nisso tudo. E, claro, também políticos. De um lado, as organizações esportivas com um bom produto a ser oferecido. Do outro, os patrocinadores que enxergam um leque com inúmeras possibilidades. Entre os dois, a quantificação do valor do mercado: qual a credibilidade das partes envolvidas, dos torneios e o real tamanho destas possibilidades.

Na montagem, à esquerda Leila Pereira (Crefisa) e Maurício Galiote, Presidente do Palmeiras; à direita, Andrés Sánchez, Presidente do Corinthians e Ricardo Guimarães (BMG) (foto: Twitter Palmeiras e Sergio Barzagui/Gazeta Press)

 

Atualmente os títulos de um clube não garantem exclusivamente a credibilidade de uma organização esportiva. Antes deles, considera-se a idoneidade dos membros envolvidos na sua direção, a responsabilidade social que possui (as causas da sociedade em que o clube atua) e a quantidade de pessoas alcançadas (não em número de torcedores, mas de torcedores envolvidos com as causas do clube). Sem falar da identidade e em como o clube a comunica.  

Uma das análises sobre a importância na discussão do tema é que, além de o futebol ter ficado caro, os clubes brasileiros não possuem marcas mercadologicamente fortes e precisam muito destas receitas vindas com anunciantes nas camisas. Essa desvalorização é resultado de décadas de gastos irresponsáveis e ações nem um pouco profissionais por parte dos gestores do esporte. Entretanto, isso começa a querer mudar. Tal mudança só será observada através de profissionalismo e transparência. Por profissionalismo entende-se não apenas remunerar alguém, mas este alguém ser ético nas ações; atuar em equipe que trabalha com método para atingir os resultados a serem alcançados. Simultaneamente a credibilidade é concedida à instituição e, com isso, a marca tende a ser forte, capaz de atrair muito mais recursos, não apenas anunciantes de camisas.

Portanto, a camisa vai ser muito mais pesada quando o trabalho do clube tiver propósito e valor, método e transparência na execução do que fora proposto para cumprir com o objetivo dele. Já que, convenhamos, o esporte e a instituição são muito maiores do que um departamento – que opera sob enorme pressão – para arrumar patrocinadores.

 

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A defesa de faltas laterais: vantagens e desvantagens da altura do posicionamento da linha defensiva – Parte 1: defesa posicionada na linha/dentro da área

Em uma das publicações anteriores, levantamos uma discussão a respeito de escanteios ofensivos e sobre a constante evolução que o futebol vive, fruto da necessidade dos treinadores de criarem conceitos e variantes à sua ideia de jogo que lhes permita obter vantagem significativa sobre o adversário.
Desta vez o tema é a falta lateral/central defensiva e suas diferentes possibilidades de posicionamento da defesa, o que obviamente, irá gerar diferentes repercussões e interações, as quais sem dúvida vale a pena pensar à respeito.
Fazendo uma análise sobre o modo como as equipes no futebol mundial vêm defendendo cobranças de falta lateral/central, podemos afirmar que a maioria das equipes do mundo (da categoria de base ao profissional) posicionam seus jogadores em cima da linha da grande área. Essa tendência se aplica tanto para equipes que defendem homem-a-homem como por zona, como podemos ver na imagem abaixo.

França, campeã do mundo, defendendo uma falta lateral.

 

Embora seja comum posicionar os jogadores assim, trata-se de um conceito pouco debatido. Parece-me, inclusive, que as bolas paradas além de serem pouco discutidas, sofrem de certo preconceito no mundo do futebol, sendo raramente valorizadas. Prova disto é o pouco tempo de treino destinado durante a semana (normalmente treinada apenas na véspera do jogo), pela maioria dos treinadores.

Fato é que, quer queira ou quer não se queira, elas fazem parte do jogo e, mais do que isso, as bolas paradas decidem jogos e campeonatos. Simplesmente por este motivo elas merecem valorização e aprofundamento teórico e prático.

Por isso, analisaremos este tema de maneira mais aprofundada para saber se realmente a estratégia de posicionar a equipe na linha (ou dentro) da área é a mais adequada para se sobrepor ao rival, já que algumas equipes, há alguns anos vêm adotando um posicionamento diferente do habitual. Minha análise se baseará apenas no posicionamento, excluindo parâmetros fundamentais como disciplina, agressividade, ataque à bola, imposição no duelo defensivo, coragem, sincronismo, velocidade no preenchimento dos espaços, etc.

As vantagens associadas ao posicionamento defensivo na linha da área:

– Facilita a organização e disposição dos jogadores, uma vez que a linha da grande área serve como referência de posicionamento, proporcionando fácil visualização e ajuste;

– Proteção da profundidade, teoricamente fazendo com que a defesa dificilmente tome uma bola nas costas, já que estando mais próxima do gol, diminui o campo para o adversário;

– Devido a estar facilmente em linha, a defesa pode utilizar a regra do impedimento ao seu favor.

Compilação de lances positivos em que a defesa, posicionada na linha/dentro da área apresenta solidez defensiva.

Talvez seja por isso que assistimos a tantas equipes defendendo desta forma. Contudo, por mais que as equipes tenham disciplina, boa agressividade no ataque à bola e entrada na área no tempo correto (conseguindo afastá-la), também é verdade que, semanalmente, assistimos gols e chances perigosas criadas principalmente a partir de faltas laterais/centrais. Para além da qualidade ofensiva da equipe que ataca, a criação de chances de gol pode estar associada à algumas repercussões que o posicionamento na linha, ou dentro da área gera.

As desvantagens associadas ao posicionamento defensivo na linha/dentro da área:

Inevitavelmente quando a defesa está posicionada na linha da grande área (de forma intencional, mesmo tendo a possibilidade de adiantá-la) leva a que, com a “viagem” da bola a defesa termine a jogada dentro da grande área, produzindo uma aglomeração de jogadores (defensores e atacantes) que limitam/restringem a ação do goleiro neste tipo de bola, impedindo de socá-la, ou agarrá-la, enfim, intervir de maneira direta.

Simplesmente, se cria a possibilidade dele ficar “vendido” no lance, a espera de algum desvio, ou acontecimento para reagir.

Talvez por isso ouvimos por aí orientações do tipo “cobra em direção ao gol porque se ninguém desviar ela entra” ou até mesmo “joga na área e espera pela confusão”, pois realmente nestes casos a bola fica muito “viva” e como o goleiro tem (em vários casos) sua ação limitada, qualquer desvio, cabeceio, rebote pode significar gol.

Atlético de Madrid dentro da área muito antes do apito, na defesa de uma falta lateral, contra o Real Madrid. Uma falta lateral que custou a primeira Champions para Simeone (2015/2016)

 

Se esta desvantagem vale para equipes que fazem a “invasão” da área apenas no momento da batida, ela aumenta significativamente para equipes que invadem antes, ou marcam já dentro da área, antes mesmo do apito do árbitro.

Compilação de gols sofridos e chances criadas a partir de faltas laterais, com equipes posicionando a defesa em cima da linha, ou, dentro da área.

 

Como vimos, o posicionamento na linha/dentro da área (tal como tudo no futebol) tem seus pontos positivos e negativos, cabendo ao treinador refletir se os riscos compensam os benefícios e optar por esta estratégia, ou por outra.

Nesse sentido, no próximo artigo trarei outra possibilidade de posicionamento na defesa das faltas laterais, que irão gerar outras repercussões, tanto positivas como negativas. Ideias que igualmente visam obter maior solidez defensiva e, por consequência, reduzir significativamente a margem de risco associada às faltas laterais.
 

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Sobre os defensores que (ousam) jogar bem futebol

Segundo consta (e não há motivos para descrença), a língua portuguesa tem cerca de 400.000 palavras. Neste número, imagino, estão contempladas as gírias, os neologismos, as palavras arcaicas, enfim… quaisquer unidades lexicais possíveis. Aqui entre nós, é um número bastante razoável. Que me faz imaginar duas coisas: primeiro, ainda que nenhum de nós domine o idioma nativo na sua inteireza – muito pelo contrário – todos nós nos consideramos fluentes. Ao mesmo tempo, repare que as palavras, isoladas, são pequenas: os significados maiores nascem da relação e, poeticamente, do espaço entre as palavras. Daquilo que se vê, mas também daquilo que não é visto.
Nas últimas semanas, vários colegas do meio do futebol mostraram-se embasbacados por um motivo quase que banal, expresso em duas situações diferentes. A discussão é sobre a necessidade de zagueiros e goleiros (defensores em geral) sentirem-se confortáveis e jogarem com a bola nos pés. As situações foram a Copa São Paulo de Futebol Júnior – onde houve quem criticasse ferozmente os zagueiros e goleiros que se esforçavam para jogar bem futebol – e, ao mesmo tempo, os expressos desejos de Jorge Sampaoli, treinador do Santos, cuja predileção por goleiros que saibam jogar com os pés é notória.
Vejamos.

***

Talvez o passe esteja para o futebol como as palavras estão para um idioma. É claro que não existem 400.000 tipos de passes (Marcelo Bielsa, certa vez, disse haver 34), e não é esse o ponto. O ponto é que, sem uma fluência razoável no passe, não se pode falar bem o idioma do futebol. Isso não significa, repare bem, que o passe deva ser percebido a priori ou praticado de forma isolada – primeiro, porque não mais queremos uma tecnocracia e depois porque, assim como as palavras, o passe só faz sentido quando imerso no todo. É na arte de passar no momento, na velocidade, no espaço e na intenção adequadas que um jogador de futebol se faz diante do jogo.

Mas repare que coisa interessante: várias das críticas dirigidas aos zagueiros e goleiros que se esforçam para jogar bem futebol estão diretamente relacionadas com a posição por eles ocupada no campo. Por esse raciocínio, zagueiros e goleiros deveriam ter preocupações anteriores ao fato de, por exemplo, saber jogar com a bola nos pés. Das várias objeções que me ocorrem, começo com a mais simples: antes de zagueiros ou goleiros, os leitores e leitoras haverão de convir comigo que estamos falando de jogadores de futebol. Não se é ginecologista antes de ser médico: é preciso sê-lo para então especializar-se. Da mesma forma, não se é zagueiro ou goleiro sem, antes, tornar-se jogador. E se o passe é o alicerce para um léxico adequado, como pensamos acima, então qualquer jogador ou jogadora, independentemente da posição, precisa carregá-lo consigo – e bem. Isso, aliás, atinge em cheio os nossos processos formativos.

Tamanha preocupação com as posições ocupadas pelos jogadores em campo me parece refletir um duplo problema. O primeiro é uma dificuldade, ainda bastante presente, de contemplarmos o jogo como um sistema. As posições, as linhas horizontais/verticais, mesmo os momentos/fases do jogo, todos eles têm uma função importante, mas meramente didática: são bússolas que nos guiam em meio aos sucessivos distúrbios inerentes ao jogo. Mas isso não significa que aquelas referências não dialoguem entre si. Assim como no teatro grego, em que tragédia e comédia se faziam juntas, ataque e defesa são faces interligadas que, em um instante (que nos habituamos a chamar de transição), se alteram, mas não existem separadamente. Zagueiros não são apenas zagueiros, goleiros idem: o jogo não é um amontoado de pedaços que se encaixam entre si quando nos convém, mas está mais próximo de um rizoma, um emaranhado de eventos sucessivos que se conectam para muito além da nossa compreensão. O jogo não se faz de partes isoladas. O jogo é uno e múltiplo.

Mas ainda há o outro problema, talvez mais grave: nele, reside a crença de que as coisas e as pessoas são estáveis ao longo do tempo. Ou seja, nada muda. Isso é particularmente assustador quando falamos da modalidade que talvez melhor demonstre o movimento e a impermanência, infinitos problemas requerendo respostas imediatas e sempre abertas, temporárias. No jogo, nada é: tudo está. Assim, zagueiros e goleiros (estão nessas posições) que supostamente carecem da fluência necessária para resolver um determinado problema (que pode ser participar da organização ofensiva), são portanto os mais disponíveis para mudança – os mais treináveis, diria alguém. Nada é, tudo flui e ao invés de se perceberem como imutáveis, os atletas podem expandir seus limites, descobrir a si mesmos através do modelo, do método, das ideias do treinador – Vanderlei já é um exemplo disso.

Mesmo no futebol profissional, é importante termos claro que o processo formativo do atleta só termina ao fim da carreira. Por isso, aos treinadores e treinadoras, cabe assumir suas responsabilidades neste sentido. O ato de treinar é um ato educativo.

A função dos treinadores é particularmente importante porque embora os alvos explícitos sejam os zagueiros e goleiros, a crítica, na verdade, visa o banco de reservas. Houve quem dissesse, durante a recém-encerrada Copinha, que os treinadores das categorias de base não deixam mais os zagueiros darem chutões, apenas passinhos para o lado. Não pretendo me estender aqui: basta dizer que não se trata disso. O que se quer, ao menos o que percebo, é jogar bem futebol, cada vez melhor. E isso implica desconforto, desencantamento, incômodo – ainda que isso não seja exatamente reflexo do jogo, mas sim do nosso olhar. Repare que contradição interessante: fala-se muito que o jogo apoiado só é possível com jogadores de ‘qualidade’. Mas, para o jogo apoiado, os passes tendem a ser curtos/médios, digamos aqui entre 5 e 15 metros. No jogo direto, por sua vez, é preciso passar longe. Pensemos em um lançamento de quarenta metros, por exemplo. É mais fácil um passe de cinco metros ou um de quarenta? Curiosamente, não vejo a mesma denúncia sobre a ‘qualidade’ quando se joga direto… Não se joga curto por modismo. Se joga curto por eficiência.

Dar aos zagueiros e goleiros a possibilidade de serem fluentes na organização ofensiva não tem apenas uma função de jogo, têm uma função moral: jogar bem futebol é um ato de coragem. Assim como um baixo domínio lexical não nos deixa confortáveis em determinados ambientes, um domínio limitado dos conteúdos de jogo também nos faz menores como pessoas, mais estreitos. Aos treinadores e treinadoras, não nos cabe o conformismo: é preciso ir além. É preciso ultrapassar o jogo através das ideias e, então, através do treino. É preciso criar situações para que nossos defensores (e nossos atletas) encontrem, em si mesmos, as respostas que lhes façam jogar curto, quebrar linhas, circular a bola, criar apoios, jogar bem futebol. Alguns deles, talvez todos, até já saibam fazê-lo. Mas será que eles sabem que sabem?

***

Por fim, assim como dissemos que zagueiros e goleiros, antes de tudo, são jogadores, há uma outra camada a ser descoberta: jogadores e jogadoras, antes disso, são humanos. Só podem se realizar na sua humanidade. Se não têm uma essência, se fazem na existência. Logo, estão obras inacabadas. Querendo se tornar fluentes no idioma da vida.
Querendo jogar bem futebol.
Cada vez mais.

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A inovação como parte importante da indústria do futebol

É fato que o desenvolvimento de qualquer país ou setor da economia passa pela pesquisa e inovação. Há alguns dias em conversa com um amigo, ele disse que o laboratório de inovação do FC Barcelona (Espanha) está no mesmo prédio onde trabalha. Apesar de já ter ouvido falar sobre estes laboratórios, esta coluna é uma reflexão sobre a importância da inovação na indústria do esporte e, especificamente, no futebol.

Um laboratório de inovação funciona como sendo espaço para a troca de informação e conhecimento, a fim de gerar novas ideias para repensar processos da organização, bem como auxiliar na criação de novos produtos e serviços. Isso tudo para aumentar a produtividade da instituição e melhorar a experiência do cliente (consumidor). Não atua diretamente no plantel ou na comissão técnica, mas trabalha no sentido de estabelecer como os colaboradores do futebol profissional ou de base podem render esportivamente mais e aproximá-los do público torcedor sem, ao mesmo tempo, prejudicar-lhes a rotina. É também parte do processo de entender e atender a necessidade das pessoas, quer seja do público interno ou externo.

Falando de inovação, a loja de produtos oficiais do Grêmio disponibilizou em um dos saguões do aeroporto internacional de Porto Alegre (Salgado Filho) uma vending machine (uma máquina automática de venda) de camisas do clube. Está estrategicamente situada pouco antes da área do embarque, para que qualquer torcedor apaixonado, desavisado, sem tempo ou esquecido não dar desculpas de que não teve acesso a nenhuma loja que vendesse o manto tricolor antes de tomar voo. Na ausência de espaço físico e com a realidade dos altos preços de aluguel de lojas nos aeroportos, esta ideia é excelente saída.

Máquina de venda de camisas do Grêmio no aeroporto de Porto Alegre. (Foto: Acervo Pessoal)

 

Inovação não é simplesmente providenciar uma vending machine em área de grande circulação de pessoas. É sim um trabalho diário e constante para fugir de velhas e amadoras práticas de gestão que não são nada saudáveis. É pensar na cultura da organização, sustentabilidade e envolvimento com a comunidade. Ações inovadoras potencializam a presença da organização, são capazes de retornar algo à sociedade, conferem credibilidade e criam um legado.

Com tudo isso, inovação é, antes de tudo, estar voltado ao mercado, criar e trabalhar em longo prazo para que as organizações coexistam e se desenvolvam.

 

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Palmeiras e Flamengo: são mesmo os melhores?

Neste período pré-competição o debate no futebol dificilmente vai se voltar para ideias de jogo, complexidade, sinergia entre jogadores, complementaridade de características dentro das posições/funções de uma equipe, etc. Se nem quando estamos com os jogos acontecendo de quarta e domingo conseguimos discutir o jogo com muita profundidade, nos perdendo em polêmicas e fofocas vazias, agora muito menos.
E aí mora um perigo muito grande: como analisar uma equipe sem vê-la jogando? Ponderar sobre um time “no papel” é algo fiel a realidade? Pouco provável.
É claro que Palmeiras e Flamengo, por méritos de suas respectivas administrações, têm mais poderio financeiro para fazer melhores contratações. Não vou entrar no mérito se os valores pagos são compatíveis e justos. Mas é inegável que foram contratados bons jogadores e que atletas de mais qualidade, que resolvem melhor os problemas do jogo, aumentam a probabilidade de você ter uma melhor equipe.
Porém, estamos falando de um jogo em que a imprevisibilidade domina. Quando falo em aumentar a probabilidade de vitória, estou passando longe de garantia de vitória. No ambiente caótico do futebol muitas vezes não vai vencer a equipe que tem os melhores jogadores. Vai vencer o time que tem: o melhor ambiente de grupo, a melhor ideia de jogo adaptada ao que cada peça tem de melhor, a que sabe lidar com mais inteligência tanto com vitórias como com derrotas, a que cria elos de ligações tão forte entre os jogadores que ao invés de onze parece que tem quatorze em campo, a que o treinador tem mais respaldo e tranquilidade para trabalhar.
Enfim, poderia aqui enumerar centenas de situações que extrapolam olhar para um campograma com nomes de atletas e dizer se essa equipe terá ou não sucesso.
Nossa cultura futebolística sempre foi muito individualista. Tivemos sucesso tendo os melhores jogadores. Conceitos coletivos nunca foram nosso forte. Apenas quero lembrar que o mundo e, consequentemente o futebol, não é mais o mesmo. O olhar que tivemos no passado não nos garante vitórias no presente. Pelo contrário. Nos cega e nos deixa parados no tempo.
 

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Sobre o preço da imortalidade

Andy Murray, um dos maiores atletas britânicos da história, segurando o trofeu de Wimbledon, em 2016. (Foto: Diário AS)

 
Há duas semanas, o mundo do esporte – do tênis, em particular – amanheceu entristecido tão logo Andy Murray, apenas 31 anos, anunciou sua aposentadoria do esporte profissional. Murray pretende retirar-se em Wimbledon, onde escreveu linda história como o primeiro britânico a vencer em casa em 77 anos, mas na entrevista coletiva em que anunciou sua retirada, deu a entender que não sabe se terá condições de suportar até lá as terríveis dores no quadril que o perseguem há alguns anos.
Peço licença aos leitores e leitoras para iniciar a conversa pelo tênis. Como os mais próximos sabem, além de praticante atualmente esporádico, sou grandíssimo admirador da modalidade. Filho da geração que cresceu assistindo Gustavo Kuerten (também vencido pelo quadril, diga-se), me apaixonei pela multiplicidade do jogo, pela sintonia tão fina e pelos gestos tão bonitos – na minha modesta opinião, é no tênis que reside o mais belo gesto humano de todas as modalidades esportivas: o backhand de uma mão. Quem já praticou, por diversão ou mais seriamente, sabe o quanto o tênis pode ser uma modalidade prazerosa e desafiadora de se jogar, ao mesmo tempo em que terrivelmente cruel para o corpo e para a mente – o que torna ainda mais elogiável o nível e os feitos dos atletas de rendimento. Murray, é importante lembrar, tornou-se número um do mundo na mesma geração de Roger Federer, Rafael Nadal e Novak Djokovic, três dos maiores adversários que qualquer atleta profissional poderia encontrar.
Quando Murray chegou ao topo do ranking, em 2016, viralizou este vídeo, que ilustrava parte do sacrifício oculto naquela conquista. Ao contrário de Federer, a quem se atribui uma espécie de talento raro, e de Nadal e Djokovic, que já haviam acumulado longas semanas como melhores do mundo, Murray talvez convivesse com a necessidade de fazer esforços ainda maiores, de superar-se obsessivamente a si mesmo para, talvez assim, superar os colegas sobrehumanos. No game que definiu seu primeiro título de Wimbledon, em 2013, Murray tinha grandes dificuldades para confirmar o serviço que lhe faria campeão. No vídeo que você pode assistir aqui, aos 20:40, o narrador aproveita o intervalo entre dois pontos para fazer uma observação absolutamente perspicaz, que cito abaixo, em tradução livre:
“A imortalidade no esporte não chega com facilidade…”
Para além de poética, é uma frase absolutamente precisa, não? Talvez ainda mais se pensarmos nas novas gerações – nas quais eu me incluo – de treinadores, atletas e profissionais do futebol em geral, talvez um pouco inebriadas pelos exemplos de sucesso (entre aspas) que nos cercam e ligeiramente distantes dos inúmeros casos de colegas que passam despercebidos, ainda que profundamente talentosos e trabalhadores. Nas nossas profissões, como já observamos anteriormente, não há problema algum em reconhecer que existe uma face autocentrada, um capricho do ego (não no sentido freudiano) que nos motiva a fazer o que fazemos. E talvez um dos nossos desejos, ainda que ocultos, seja exatamente alcançar a imortalidade citada pelo nosso colega narrador. O futebol, afinal, é um dos caminhos para tal: por ele é possível dissolver barreiras espaço-temporais, morar nas memórias e no coração dos outros, ainda que não como atletas. Isso, afinal, parece ser razoavelmente agradável.
Neste bom artigo da New Yorker, sobre a arte das tomadas de decisão, Joshua Rothman faz uma provocação interessante: há uma diferença importante entre querer alguma coisa e querer querer alguma coisa. Por diversas vezes, embora afirmemos o contrário, talvez nós apenas queiramos querer, e não exatamente queiramos algo, de fato. A barreira que separa uma coisa da outra pode estar exatamente naquele vídeo, dos treinamentos de Murray: até que ponto nós estamos dispostos a suportar a dor? Até onde toleramos a rejeição e o autossacrifício? Como treinadores e treinadoras, por exemplo, não nos é exigido um esforço análogo ao dos nossos melhores atletas, uma espécie de ascetismo, ainda que expresso por uma outra via? Será que estamos maduros para as privações, os custos e o preço de um sonho?
Ainda que digamos que sim, é preciso caminhar com esmero. Os gregos nos trouxeram os riscos dos sonhos elevados pela fábula de Ìcaro e Dédalo: ainda que nos sejam dadas asas, não podemos voar tão próximos do Sol. Se o fizermos, nos será exigida uma força moral e física enorme, grande como aquela que Murray parece fazer, todos os dias, para simplesmente ter uma ‘qualidade de vida melhor’. Se você preferir, outros exemplos não faltam: Pep Guardiola, faz poucos dias, disse ‘não ter amigos’, Marcelo Bielsa é simultaneamente tido como gênio e obsessivo, Mourinho já disse odiar sua vida social. Para voos altos, afinal, as quedas também podem ser dolorosas.
O que, repare bem, não nos impede de voar.
 

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A Libertadores ainda mais longe das “raízes” e de ser “raiz”

Em relação à temporada passada, a CONMEBOL promete ser mais rigorosa com o comportamento do torcedor nas bancadas da nossa querida América do Sul. O número de itens proibidos aumentou, e o padrão de tamanho das faixas e bandeiras adota medidas internacionais: 1m x 1,5m. Acabariam, com isso, os bandeirões e as enormes faixas que as torcidas levam aos estádios. De imediato veio em mente a dos “Los de Abajo”, da La U, estendida no Estádio Nacional, em Santiago. Também se proíbem os assentos provisórios e é exigido wi-fi nos recintos esportivos, quer seja para uso da imprensa quanto da torcida.

Certamente muitos pensarão que com estas medidas o futebol sul-americano perderá a sua identidade, a festa e a alegria das bancadas. Dissociar estes detalhes da modalidade como é vivida neste canto do mundo é algo muito forte. Nas nações desta região, os clubes são importantíssimos na constituição da sociedade, quer seja local, regional ou nacionalmente. Ademais, o risco de perder o brilho é alto, bem como o da atmosfera, que quem joga diz ser única. 

Entretanto, há um outro risco pelo qual a CONMEBOL não quer passar novamente, acredita-se. A ‘novela’ da decisão da Taça Libertadores, no ano passado. Momentos antes do segundo jogo que deveria ter sido disputado no campo do River Plate, os futebolistas do Boca Juniors foram ameaçados, alvos de violência, vítimas de agressões físicas que – sem exagero – poderiam ter levado à morte. Para não mencionar os erros da segurança e se lembrar que o jogo era de torcida única, justo motivo para conter a violência. 

Os episódios de violência nos estádios da América do Sul são problemas bem antigos. (Foto: r7.com)

 

Desta maneira entende-se o porquê de medidas tão drásticas. Uma hora ou outra isso aconteceria porque o futebol sul-americano é sempre teatro das situações mais extremas do futebol mundial. Uma hora vê-se o maior espetáculo do futebol, com o perigo de, no mesmo jogo, viver ou ver um episódio de violência que pode te marcar para sempre.

Portanto, estas medidas – com punição imediata e eficaz (não a como aconteceu com Marcelo Gallardo, treinador do CA River Plate, depois do jogo contra o Grêmio, pela semi-final da Libertadores) – são justamente para conter esta visível escalada da violência nos estádios dos principais clubes da América do Sul. Existe um sistema corruptor e corruptível difícil neste momento de ser mudado. Tal mudança só ocorrerá a partir do momento em que a instituição for atingida financeira e esportivamente, além de adotar uma cultura de mercado a fim de atender os interesses e necessidades dos torcedores que consomem ou são potenciais consumidores.

Recintos seguros e confortáveis são capazes de atrair mais público, gerar mais rendimentos para parte dele ser investido na equipe, a fim de proporcionar melhores espetáculos esportivos. Um bom jogo de ser visto em um lugar bacana, faz o torcedor ter vontade de estar lá e dizer ao mundo que lá está.

E, para isso, vai ser preciso wi-fi.

 

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Cadê o meu camisa 10?! Sumiu!

Não sei se você, meu amigo leitor, percebeu mas o mundo mudou. Você ouve música como antes? Cheguei a pegar aquela época da Fita K7, em que precisávamos rebobinar com uma canetinha Bic o rolo da fita quando queríamos ouvir alguma música novamente. Hoje temos pen drive, aplicativos e outras inúmeras formas de ouvirmos nossas canções preferidas. Outro exemplo: quando eu queria falar com a minha então namorada, hoje esposa, tinha que recorrer a um orelhão. Falar no celular era muito caro. Não havia tantos planos como hoje.
Atualmente, acredito que nem tenhamos mais orelhões espalhados pelas ruas. Enfim, poderia ficar aqui falando mil coisas que evoluíram no nosso planeta, mas esse não é o foco. Porém, acredito ser imprescindível, mesmo que brevemente, exemplificar isso porque vejo muitas pessoas não aceitando que o futebol, assim como tudo, também evoluiu e já não é mais o mesmo.
Sinto calafrios quando ouço alguém reclamando da falta de produtividade ofensiva de uma equipe alegando ser a ausência de um clássico camisa 10 o motivo. Poxa, que camisa 10?! Hoje dentro de uma estratégia de ataque, incluindo contra-ataque e ataque rápido que também são estratégias, todos têm sua parcela de contribuição na criação de situações que levem à finalização. Incluindo o goleiro. Assim como sem a bola o centroavante também tem responsabilidades no bloco defensivo. E não me venham com o preguiçoso argumento de que atacante não pode ter responsabilidade defensiva porque senão ele não tem “pique” para cumprir seu papel com a bola. Isso é balela. Bem condicionado, qualquer jogador pode contribuir com a equipe em todos os momentos do jogo.
É claro que cada posição terá uma incidência maior de comportamentos durante uma partida. Evidentemente, um zagueiro tem mais funções defensivas do que ofensivas. Mas nada impede, por exemplo, que um defensor tenha uma boa relação com a bola, permitindo que ele execute com qualidade um passe em profundidade quebrando as linhas adversárias. Ou então imagine como uma equipe ganha em opções se o seu atacante tem noção de tempo e espaço para interceptar um passe ou fazer um desarme? Quantas situações de gol em transições ofensivas essa qualidade não pode gerar?
Diante desse ‘novo’ futebol que acompanha esse ‘novo’ mundo que vivemos todos defendem e todos atacam. E todos podem dar uma assistência para o gol. Não só aquele velho camisa 10, que hoje não temos mais, viu amigo saudosista?!