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A união dos clubes brasileiros – Um desafio estratégico

Crédito imagem – CBF/Site

No FutTalks que foi ao ar ontem, conversamos com Rodrigo Caetano, diretor executivo de futebol do Atlético Mineiro. Entre muita coisa bacana discutida ao longo da entrevista, reflexões sobre a cultura e a gestão esportiva no Brasil, o executivo destacou a necessidade de união dos clubes brasileiros e como uma liga poderia ser benéfica para seu respectivo crescimento. Gravamos antes da notícia de que a formação de uma liga deve realmente sair do papel por aqui, já no ano que vem. Com a entrega de um documento assinado por 19 dos 20 clubes da série A do campeonato brasileiro masculino, o Sport não assinou por uma questão burocrática interna mas já comunicou apoio público ao movimento, na terça-feira da semana passada, as agremiações assumiram perante à CBF a intenção de organizar o campeonato brasileiro a partir de 2022.

Entre os pontos-chave que os clubes acreditam serem fundamentais e posteriormente trabalhados pela CBF ao longo do processo, está a articulação de uma nova tentativa de aprovação da lei do mandante, PL que acabou caducando no fim do ano passado, para dar a eles o direito sobre as transmissões televisivas de suas partidas. Atualmente esse direito é dividido igualmente entre o mandante e o visitante de modo que quem negocia com apenas uma das equipes envolvidas no jogo e não com a outra não pode transmitir a partida.

E se Rodrigo Caetano destacou a necessidade de união, essa volta à discussão sobre o direito do mandante pode ser um primeiro ponto para refletirmos sobre os desafios que a materialização da liga apresentará para os clubes envolvidos.

Especialistas apontam que, mais do que os direitos do mandante ou compartilhado, como funciona atualmente no país, a chave para aumentar as receitas e não desequilibrar a competividade de um campeonato nacional é que a negociação dos direitos de transmissão seja realizada em conjunto. O produto é a liga e todas as formas de explorar o seu conteúdo e marca. As negociações individuais costumam significar a criação ou alargamento de um abismo entre os gigantes do país e os outros, como no caso de Portugal.

Mesmo um eventual aumento total dos recursos provenientes dos direitos de transmissão, mas com uma maior disparidade, pode significar para os menores a inviabilização da competitividade já que o excesso de recursos concentrados com os gigantes inflaciona os salários e torna quase impossível a manutenção de elencos de qualidade pelos “mais pobres”.

É aí que começam os desafios. Flamengo e Palmeiras, clubes que despontam nos últimos anos como os mais saudáveis financeiramente e com potencial de crescimento, têm, atualmente, ambições continentais e até globais. Para clubes nessa situação cada real – ou euro – a mais na conta. Abrir mão de receitas em nome de uma liga forte talvez não seja o maior interesse desses e de outros clubes que ocupam o topo da cadeia alimentar do futebol brasileiro. Esse desafio não é exclusivo do Brasil, o movimento dos big 6 da Premier League na Inglaterra e da tentativa da criação da Superliga Europeia são exemplos de conflitos similares no mercado internacional.

Além disso há aquelas ocasiões nas quais as gestões dos clubes estão mais preocupadas com interesses alheios aos clubes, sejam por questões de política interna nos casos daqueles com modelo associativo ou pessoais, econômicas e política de seu dono ou executivos, no caso daqueles com modelo empresa.

Para finalizar, o que é, realmente, bom ou não, qual é realmente o melhor interesse de um clube? Para responder à essa pergunta vale recorrer ao exemplo da Superliga Europeia. Sua simples proposta pública mostrou que ganhar, estar no topo a qualquer custo, não é, necessariamente a razão de ser de um clube, os protestos dos torcedores da maioria dos organizadores mostram que o futebol, e a vida, são mais que isso.

Por tudo isso e muito mais, não seria possível aqui encerrar todo o contexto político e de gestão que envolve um clube de futebol, o desafio de compor uma liga que atenda satisfatoriamente o interesse de cada envolvido é gigante. Caso seja vencido, o futebol brasileiro tem tudo para crescer, como defendeu Rodrigo Caetano no FutTalks de ontem!

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Futebol – visão de futuro para melhorar o jogador

Crédito imagem: Lucas Figueiredo/CBF

Se busco neste espaço discutir o futebol de maneira sistêmica e integrada, sempre respeitando o viés analítico e cartesiano, porém buscando uma visão do todo, vale trazer para a discussão o aspecto mental do jogo.

Sei que o leque desse tema é gigantesco, por isso quero focar em algumas vertentes que se bem trabalhadas podem potencializar jogadores e consequentemente equipes. O treinador e/ou dirigente que souber incutir uma visão de futuro clara e positiva em cada membro do grupo sairá na frente dos demais. Cada tarefa proposta deve conter um resultado final motivante para ser atingido. Cada jogo disputado deve ser parte de uma jornada traçada com alvos e objetivos claros a serem alcançados. Isso pode parecer óbvio, já que todos querem ganhar, ainda mais no alto rendimento. Entretanto tenho observado muitos profissionais no ‘piloto automático’, trabalhando cada dia sem saber muito ao certo porque e para onde estão indo…

Outro ponto que pode ser levantado é o sucesso passado de cada um. Picos de performance são difíceis de serem mantidos, todavia todo atleta profissional tem pelo menos uma dezena de vitórias e conquistas que o fizeram chegar ao momento atual. Relembrar esses feitos gera não só emoções positivas como traz para o presente uma energia, um otimismo e uma confiança fundamentais para a resolução dos problemas atuais. 

Colocada a visão de futuro ideal e aguçada a confiança com base em conquistas já realizadas, cabe ao gestor compartilhar caminhos, tarefas e atividades que sejam percebidas por todos como de grande valor para se sair do ponto atual e chegar ao ponto desejado. Se esse profissional não apresentar meios práticos de melhorar a todos – individualmente e como equipe – qualquer discurso perderá força e não convencerá. Falta de conhecimento técnico, treinos monótonos e tomadas de decisão sem muita convicção ainda são frequentes…

Criar uma mentalidade vencedora não é fácil. Compreender e conduzir ao sucesso um grupo com vinte e poucos jogadores não é algo trivial. Por isso também não é trivial ser campeão. É algo para poucos.

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A Pedagogia da morte e a Copa América de futebol

É de 1971 o magnífico filme “Ensina-me a viver”. Harold, de 20 anos, apaixona-se por Maude, de 79. Harold, de família rica, simulava suicídios e frequentava funerais. Com Maude, ele aprende a viver.

                O Brasil vive episódios às avessas do filme. Uma espécie de “Ensina-me a morrer”. Uma pedagogia da morte. O método consiste em normalizar o que seria excepcional: a morte pelo Covid-19. Desde que o vírus aportou em nossas terras, o presidente do Brasil, contrário às teses do isolamento social e vacinação, escancarou as portas ao vírus. A mais recente declaração infeliz e genocida do atual presidente do Brasil recomenda que os vacinados, que representam menos de 13% da população brasileira com a segunda dose, não mais precisem usar máscaras. Seguidor da teoria da imunidade de rebanho, pretende Jair Bolsonaro salvar a economia brasileira contaminando três quartos de nosso povo. Contaminam-se, mas não param de produzir; morrem, mas os 95% que continuarão vivos, tocarão a economia. Para não sacrificar a economia, deliberadamente, uma parte considerável da população seria sacrificada. Como se nossa economia estivesse destinada ao sucesso caso não houvesse pandemia.

                Continuamos, no entanto, com o dilema da normalização da morte excepcional.

                O contingente daqueles dispostos a disseminar a ideia de que todos morrem, e daí, de que tudo não passa de uma gripezinha, de que a economia é mais importante que a vida, é enorme, milhões de “verdeamarelos”. “Verdeamarelos” que, não por coincidência, costumam ir às ruas protestar trajando a camisa da CBF, aquela que, supostamente, assemelha-se às usadas pelos craques da seleção. O traje cai como uma luva se considerarmos a relação estreita mantida entre CBF e o Governo brasileiro atual. 

Não há como nos mantermos indiferentes a mais esse absurdo proposto pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e prontamente aceito e apoiado pelo Governo genocida de Bolsonaro. Faltam adjetivos ruins para caracterizar a decisão de realizar a Copa América de Futebol no momento atual da pandemia. Lamentável, vergonhosa, absurda, revoltante, triste, desrespeitosa, irresponsável, interesseira, dentre outros adjetivos são bastante apropriados para esta situação.

Vamos nos ater, especificamente, ao último adjetivo: interesseira. Afinal, precisamos identificar e questionar os interesses que estão por trás desta decisão. A quem interessa a realização de uma competição esportiva desta grandeza em um país que está assolado por tantas mortes e sofrimento em decorrência da pandemia do coronavírus?

Ao capital, ao mercado financeiro e a todos que a ele servem, sobretudo, o Governo Federal. Pois é… o motivo para o não cancelamento desta competição, mesmo estando a América Latina em situação catastrófica, é o dinheiro que esta competição esportiva gera e faz circular. Pouco importa, ou importa bem menos, a saúde e a vida da população.

Permanecemos, há semanas, com mais de 2.000 mortes diárias. Permanecemos, há semanas, com os hospitais colapsados ou em vias de. Mas, o que importa à Conmebol, à CBF e ao Governo Federal é o dinheiro. É o mercado. É a economia. Nos aproximamos de 500.000 vítimas, mas “a economia não pode parar”. Em vez do isolamento social, o relaxamento e a volta ao trabalho, às escolas, aos shoppings e bares/restaurantes. No lugar do cancelamento desta competição, o aumento do número de pessoas (atletas, comissão técnica, dirigentes, staff, imprensa etc) circulando em nossos aeroportos, hotéis, ruas, bares e campos de futebol. Estima-se que mais de 10.000 pessoas, vindas de todos os cantos do mundo, passarão a circular em solo brasileiro, ampliando as possibilidades de um contágio que, só entre nós, não para de crescer. Somente a seleção venezuelana, primeira adversária da equipe brasileira, tem 13 integrantes (dois nem chegaram a viajar ao Brasil) contaminados com o Covid. Passados três dias do início da competição, já são, conforme dados do Ministério da Saúde, 52 pessoas contaminadas por Covid, entre jogadores, membros das delegações e prestadores de serviços contratados para o evento.

Ao Governo Federal, há outro interesse, talvez ainda mais forte que a própria questão financeira: o uso político do futebol, da seleção brasileira e, especificamente, desta competição. Sempre que atacado pela sociedade e mídia em virtude de suas condutas ou decisões prejudiciais ao povo brasileiro, Bolsonaro arruma um “fato novo”. O fato novo da vez é a Copa América.  

Concomitantemente à decisão da realização ou não da Copa América no Brasil, julgada, inclusive, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), há a denúncia de abuso moral e sexual contra o presidente da CBF e o aguardado manifesto dos jogadores da seleção. A respeito da denúncia contra o presidente, agora afastado, da CBF, nenhuma surpresa. É o quarto dirigente maior da CBF seguidamente afastado do cargo. Que sofra todas as consequências, conforme a lei.

Já em relação ao manifesto, chegamos a esperar um ato de consciência política. Chegamos a esperar que “suspiros de Afonsinho e Sócrates”, dentre outros (poucos, é verdade), “contaminassem” o grupo de jogadores e estes se negassem a participar da Copa América. Mas, infelizmente, não fomos surpreendidos. Como disse o Barão de Itararé, “de onde menos se espera, daí é que não sai nada”. Apresentaram um manifesto ridículo, evasivo, destituído de empatia, sem solidariedade com o povo nem compaixão com os quase meio milhão de pessoas vitimadas pelo vírus. Sequer citaram a pandemia, as faltas de vacinas e os milhares de mortos!

O comentarista da Rede Globo, Walter Casagrande, em tom bastante duro, disse que os jogadores tinham que ser homens e não covardes, ao trocarem atitudes por um manifesto. Concordamos que faltou coragem. Mas eles não tinham que ser homens. Tinham que ser como as mulheres! Fortes, corajosas, conscientes politicamente, tais como nossas atletas Carol Solberg, Joana Maranhão ou como as atletas da seleção brasileira feminina de futebol que protestaram contra toda e qualquer manifestação de assédio, especialmente contra mulheres. E vale ressaltar que nem de longe elas possuem o poder, os salários e a força politica, no âmbito do futebol e fora dele, que possuem os homens da nossa seleção. E nem por isso deixaram de se manifestar.   

Ainda assim, não podemos nos abster de refletir sobre as aparentes contradições que se apresentam em relação à realização desta competição. Alguns, como disse o atual Vice-Presidente da República, devem estar pensando: por que cancelar a Copa América, se o Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil e Copa Libertadores estão em pleno andamento? Verdade. Mas a resolução deste impasse não passa por trazer mais uma competição esportiva para o Brasil e sim paralisar, imediatamente, todas as demais. Todas são danosas. A Copa América será um considerável acréscimo de peso ao dano.

Entretanto, há de se considerar que as circunstâncias para uma possível defesa ou crítica à realização da Copa América em comparação aos nossos campeonatos nacionais, são distintas. Primeiro, porque estamos falando dos atletas de futebol mais bem sucedidos e remunerados da América Latina. Daquele grupo de jogadores que provavelmente, juntos, ganham mais do que os salários somados de todos os demais jogadores do futebol brasileiro. Em defesa destes, e de toda a massa trabalhadora do futebol brasileiro (comissão técnica, roupeiros, funcionários dos clubes, massagistas, imprensa esportiva etc.), poderíamos pensar em apoiar a realização dos campeonatos nacionais – contra os quais já nos manifestamos -, mas não há defesa para a realização da Copa América.  Os que defendem os campeonatos nacionais, que o façam em defesa dos trabalhadores do futebol, a maioria, pessimamente remunerados. Quanto à Copa América, só beneficia os já privilegiados, incluindo aí jogadores, CBF, mídia, empresários etc. 

Há ainda outro grupo que pode estar pensando: por que a mídia, leia-se a Rede Globo, tem feito esse “estardalhaço” quanto à realização da Copa América, se o mesmo não acontece com as demais competições? Porque, caros leitores, a Globo não possui os direitos de transmissão da Copa América, mas do Brasileiro e Copa do Brasil, sim. Novamente o argumento de que “a economia não pode parar” prevalece.

Que o futebol segue movido pela lógica do mercado e do capital, nos parece filme repetido. Que o grupo de jogadores da seleção brasileira perdeu a oportunidade de retomar a admiração de grande parte da população, o orgulho de vestir a “verde amarela” e de salvar vidas, nos parece aquele filme de romance cujo desfecho é previsível.  Mas nada é tão cruel e motivo de indignação e revolta do que o filme de terror que este Governo federal nos apresenta, tendo a morte como inspiradora de uma pedagogia e o futebol como um de seus protagonistas. 

*A opinião e visão de nossos colunistas e parceiros não refletem, necessariamente, o posicionamento da Universidade do Futebol.

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A construção social de um jogador – o enganche argentino

Crédito imagem – FIFA.com

“… un pibe de cara sucia, con una cabellera que le protestó al peine el derecho de ser rebelde; con los ojos inteligentes, revoloteadores, engañadores y persuasivos, de miradas chispeantes que suelen dar la sensación de la risa pícara que no consigue expresar esa boca de dientes pequeños, como gastados de morder el pan ‘de ayer’. Unos remiendos unidos con poco arte servirán de pantalón. Una camiseta a rayas argentinas, demasiado decotada y con muchos agujeros hechos por los invisibles ratones del uso. Una tira atada a la cintura, cruzando el pecho a manera de banda, sirve de tirador. Las rodillas cubiertas de cascarones de lastimaduras que desinfectó el destino; descalzo, o con alpargatas cuyas roturas sobre los dedos grandes dejan entrever que se han efectuado de tanto shotear. Su actitud debe ser característica, dando la impresión de que está realizando un dribbling con la pelota de trapo. Eso sí: la pelota no puede ser otra. De trapo, y con preferencia forrada con una media vieja. Si algún día llegara a instalarse este monumento seríamos muchos los que ante él nos descubriríamos como ante un altar.” (El Gráfico Nº 480, 1928, p. 11)

Esta é a descrição do jornalista Ricardo Lorenzo do que seria o monumento do jogo argentino. Borocotó, como Ricardo Lorenzo era conhecido, está para o imaginário argentino como os irmãos Nelson Rodrigues e Mário Filho estão para o Brasil. Era o editor do El Gráfico, que foi possivelmente a revista esportiva mais influente do mundo. Passada as brevíssimas apresentações, quando falamos de um “pibe”, moleque de cara suja, com cabeleira rebelde, olhos inteligentes, etc. quem vem em sua mente? Chegaremos lá.

Os anos 1920 no futebol argentino foram anos de afirmação de sua identidade nacional, depois das primeiras décadas de domínio britânico. No final do século XIX eram 45 mil britânicos em Buenos Aires, em um período de colonização mundial por parte dos ingleses, seja territorial, como na Índia, mas também econômica, com dívidas externas e controle de mercados estratégicos nos outros países. Bancos, ferrovias e comércio argentino, em especial na capital, eram de controle inglês. Organizada por quinze britânicos e um nascido em Santa Lúcia, a primeira partida registrada em solo argentino acontece no dia 20 de junho de 1867, próximo de onde hoje é o estádio Monumental de Núñez. Apenas quatro anos após a padronização das primeiras regras da Football Association em 1863.

Até 1912 a Argentina viveu seu primeiro nascimento no futebol. Um nascimento inglês, com o objetivo de “jogar bem e sem paixão” (Iwanczuk, 1995). A grande equipe desta época é o Alumni, formado em 1898 por alunos e ex-alunos de escolas inglesas de Buenos Aires com o objetivo de defender valores britânicos diante da popularização do futebol na Argentina. Pouco antes da fundação do Alumni o Ministério da Justiça e Educação Pública, por influência britânica, tornara obrigatórias as aulas de Educação Física nas escolas e proibindo que instituições de ensino tivessem seus nomes em competições, o quê favoreceu o surgimento de clubes ingleses como o Alumni.

Entre os anos de 1900 e 1911 o Alumni ganhou 10 campeonatos nacionais. Mas foram anos de grandes transformações sociais no país, com muitos imigrantes desembarcando nos portos argentinos, principalmente em Buenos Aires.

Entre 1895 e 1914 a população de imigrantes nascidos em outro país subiu de 25% para pouco mais de 30% na Argentina, sendo aproximadamente 75% deles vindos de Espanha ou Itália. Na capital os imigrantes eram 67% dos comerciantes, 76% dos artistas e eram maioria em outras classes trabalhistas como engenheiros e arquitetos. A população de Buenos Aires cresceu de 260,000 em 1880 para 1,576,000 em 1914, com quase metade da população formada por imigrantes, vindos principalmente de Espanha e Itália. No mesmo ano, 80% daqueles nascidos na Argentina eram descendentes de imigrantes que haviam chegado no país desde 1860 (Archetti, 2003).

Entre 1885 e 1915 houve ainda um “boom” de clubes sendo fundados. Para se ter noção, todos os 24 participantes do campeonato argentino de 2019/20 são desta época. O campeonato argentino, iniciado em 1893, ganha a segunda divisão em 1895; a terceira em 1899; a quarta em 1902 e em 1907 ainda existiam cerca de 300 clubes sem divisão. Ainda hoje podemos observar a popularização ao constatar que Buenos Aires tem 36 estádios com pelo menos 10 mil lugares, a número um do mundo neste quesito.

E assim, pelo alto crescimento urbano, populacional e principalmente em Buenos Aires com a chegada de imigrantes que a Argentina forma o seu estilo argento e tem o seu segundo nascimento no futebol, desta vez criollo, que vem da sua terra. E para fundar seu estilo, o velho deve morrer para dar lugar ao novo. Agora o futebol deve-se “jogar bem e com paixão”.

O estilo da La Nuestra se daria pela mistura da cultura gaucha com a dos pampas. Daí viriam muitas metáforas apropriadas pelo futebol argento, como o drible ser a gambeta (nome que se dá à corrida de um avestruz) e os potreros. A noção dos potreros é especial por vir dos largos pastos onde os cavalos – animal que simboliza a liberdade na cultura gaucha – podem ser livres. Um pibe em um potrero tem o potencial de simbolizar a máxima liberdade, mas para isso deve ter a liberdade de expressão corporal como em uma dança de tango. Aí surge o monumento daquele que seria o pibe de oro, descrita por Borocotó e que todos nós lemos é impossível não pensar em Diego Armando Maradona.

O também jornalista Hugo Asch, escreveu sobre o papel do camisa 10 argentino, chamado lá de enganche: “Estamos falando de um número, o 10 é uma condição para poucos: ser o criativo da equipe, o ideólogo. […] um invento muito argentino, quase uma necessidade. O gênio incompreendido que com um gesto, um toque, um arranque sempre mais mágico do que lógico, consegue o espaço exato, o passe genial, o caminho para o gol e para a vitória” (Asch, 2007).

O enganche é o jogador total argento, pelo qual é possível compreender toda uma cultura do país e sua história, que carrega valores, necessidades e mitos. A narrativa mitológica que El Gráfico fez por muitos anos ajuda a pensar este jogador total por um âmbito, mas proponho aqui para você que está lendo a pensar a influência do rápido crescimento urbano, do uso dos espaços públicos, do pertencimento à cidade, dos encontros das diferenças, da encruzilhada (lembrando Luiz Antônio Simas) e por fim, da liberdade do futebol de rua nos potreros para formar organicamente estes pibes capazes de fazer mágica.

Bibliografia

Archetti, E. (2003). Transforming Argentina: sport, modernity and national building in the periphery. Antropolítica : Revista Contemporânea de Antropologia e Ciência Política, 41-61.

Asch, H. (12 de Agosto de 2007). Una bala para el enganche. Fonte: Perfil: https://www.perfil.com/noticias/columnistas/una-bala-para-el-enganche-20070812-0007.phtml

Iwanczuk, J. (1995). Historia del fútbol amateur em la Argentina. Buenos Aires: Autores Editores.

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O olhar se volta para o jogador de futebol

Crédito imagem – Dinho Zanotto/AGIF/CBF.com

O futebol é cíclico e muda constantemente. O jogo que se pratica hoje é bem diferente se comparado ao de cinco, dez anos atrás. A nossa própria vida tem registrado uma evolução colossal: por exemplo, tenho certeza que você utiliza hoje aplicativos de celular que nem existiam na década passada.

No futebol, se antes falávamos de tática achando que a discussão já deixava de ser rasa argumentando que o 4-4-2 era mais efetivo que o 3-5-2 e vice-versa, houve uma evolução ao colocarmos na mesa conceitos do modelo de jogo, tema amplamente difundido pela literatura portuguesa. Claro que é mais relevante falar de princípios operacionais como amplitude, profundidade, compactação, flutuação e etc do que quantos zagueiros ocupam a primeira linha defensiva de uma equipe.

Mas o próximo passo, que já vem sendo dado por muitos profissionais brasileiros, é trazer a discussão para o aprimoramento tático e técnico do jogador. E quando me refiro que tudo é cíclico, criar mecanismos focados primeiro no crescimento individual e depois no coletivo não deixa de ser um retorno às origens.

Jogadores melhores formarão equipes melhores. Quanto mais atletas com alta capacidade de resolução de problemas, mais chances de êxito. O bom treino hoje estimula o jogador a ampliar o repertório de percepção e ação com e sem a bola. O gesto técnico é só o resultado final de um rápido entendimento da ‘situação problema’ que o jogo impõe e a eficaz tomada de decisão de qual a melhor forma de resolver. 

Todo jogador de alto nível carrega uma bagagem muito grande de conhecimentos prévios sobre o jogo. O ambiente vencedor será aquele que potencializar o que cada atleta já faz bem e apresentar a ele novas formas de ação diante o caos aleatório que é um jogo de futebol. 

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Entendendo o perfil de trabalho no futebol

Crédito imagem – Ricardo Duarte/SC Internacional

A graça da vida é a diferença entre as pessoas. O que seria de nós se todos fossemos iguais?! 

E o ambiente é quem tem a maior participação na moldagem do nosso caráter. Estímulos, contextos e exemplos próximos são os que mais influenciam nossa personalidade. Mas, claro, há uma carga genética que também tem alí o seu papel. Entretanto nunca vou para o lado do inatismo – “isso nasceu comigo e nada pode mudar”. Negativo.

Trazendo para o futebol o chavão mais próximo seria: “tenho o dom de jogar. Para que então treinar?!”. Não, mil vezes não!!!

Trazendo a discussão para a classe de treinadores é muito interessante observar a diferença de perfis. Por mais que todos estejam inseridos na mesma (dura!) realidade do mercado, cada um reage de uma maneira. E fora esse aspecto emocional, temos as ideias: todos estão passando pelos mesmos cursos da CBF, com acesso aos mesmos conteúdos. Porém cada um vai interpretar de uma forma e levar a cabo, nos treinos e campos de jogo, de uma maneira singular, baseado nas experiências prévias, forças de caráter e etc e etc…

Por tudo isso, toda e qualquer análise sobre determinado profissional deve ser criteriosa. Digo por parte de imprensa e torcida, mas fundamentalmente por quem tem a “caneta” nas mãos. Dirigentes devem ter muito conhecimento e sensibilidade para entender determinada estratégia para um jogo, qual o modelo, quais as metodologias de treinos, quais os pilares humanos do trabalho e várias outras coisas que são simples se olhadas de maneira pontual, mas que combinadas formam uma complexa e sistêmica rede, que não pode ser avaliada de forma rasa e passional.

Ainda estamos engatinhando nesse aspecto no Brasil. Se contrata um treinador por uma “embalagem”, por um “rótulo”, mas sem a real noção dos meandros do trabalho, e sem saber ao certo o que ele tem como filosofia. E para demitir o processo é o mesmo, porém com os traumas inevitáveis que todo desligamento carrega. Estudo e conhecimento são as chaves para bem avaliar. A parte da paixão deixamos para o torcedor!

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O futebol de rua e a literatura

Em textos anteriores abordamos as contribuições da Pedagogia da Rua para a educação e, sobretudo, debatemos o que a Rua tem a nos ensinar, para o bem ou para o mal, para uma prática que seja mais significativa e prazerosa para os meninos e meninas que praticam o futebol em nosso país. 

Como beneficiar-se da Pedagogia da Rua em aulas de Educação Física nas escolas, ou aulas de esporte em clubes e escolas de futebol, quando há impedimentos de aulas práticas provocados pela chuva ou, como ocorre atualmente, pela necessidade de isolamento social causada pela pandemia? Entre outras providências, podemos nos apropriar de uma extraordinária riqueza cultural da sociedade brasileira: nossa literatura, rica em textos sobre o esporte. Neste artigo, tomaremos como referência um de seus maiores expoentes: Luís Fernando Veríssimo.

Veríssimo pincelou em prosa o Futebol de Rua. Nossa proposta para este texto é abordar a crônica de Luís Fernando Veríssimo sobre o Futebol de Rua, discutindo-a à luz da Pedagogia. Não apresentaremos a crônica em sua totalidade, mas trechos dela para estabelecer com eles um diálogo.

Em uma aula de Educação Física na escola, em dias de chuva, se não podemos ocupar os espaços abertos (quadra, campo, pátio, ou até as praças e ruas, se necessário), o lugar, por vocação, da Educação Física, ficaríamos em sala, entre outras coisas, lendo as palavras do escritor gaúcho com nossos alunos e refletindo sobre elas. Por que nos causa tanto desassossego a chuva, quando temos um lugar abrigado para ler, escrever, contar histórias? Não somos “Veríssimos”, mas nós e nossos alunos vivemos nossas histórias, as que passaram e as que estão acontecendo. Sala de aula serve à Educação Física nessas ocasiões. Não é o nosso nicho, seguramente, e não é para a preferirmos ao espaço aberto, pois que o espaço aberto da Educação Física rompe com a arquitetura tradicional de salas e carteiras e poderia servir a uma revolução pedagógica. Não vamos à sala de aula por um motivo qualquer, mas vamos por Veríssimo! E, quando a chuva passar, certamente teremos muito gosto em sair da sala e bater nossa bola lá fora, riscando a quadra para que vire rua, e fazendo nossos pés correrem atrás de alguma coisa que role.

Logo no início de sua crônica, Veríssimo diz: “…existe um tipo de futebol ainda mais rudimentar do que a pelada. É o futebol de rua. Perto do futebol de rua qualquer pelada é luxo e qualquer terreno baldio é o Maracanã em jogo noturno”. A Rua, no seu significado mais amplo, coloca-nos em pleno exercício do desenvolvimento da criatividade, da vivência do lúdico e do próprio gesto motor. Jogadores criativos se desenvolvem no ambiente da Rua e não nos clubes onde, cada vez mais, são privados de se divertir e improvisar com as bolas nos pés.

Ao ler com os alunos passagens como esta: “Futebol de rua é tão humilde que chama pelada de senhora”, começamos por aprender sobre a humildade, se visitamos a Rua. A Rua não tem compromisso com a educação formal, nem mesmo com formar para a vida, ela não se importa com o que vai acontecer no futuro. A pedagogia sim, é que deveria ser sábia o suficiente para ir à Rua aprender tudo o que ela tem a ensinar.  

Veríssimo se dedica, então, a descrever como seriam as “regras oficiais” do Futebol de Rua, caso elas existissem. Com alta dose de ironia, versa sobre a bola, as traves, o campo de jogo, o tempo das partidas, a formação dos times, o juiz, as interrupções, as penalidades, a tática, o intervalo, a justiça esportiva… cada “regra” traz inúmeros aprendizados do ponto de vista pedagógico, dentre os quais explicitaremos alguns.

 A bola é o elemento central de um jogo de futebol, certo? Errado! A bola oficial, para alguns, indispensável na escola ou nos clubes, é apenas um dos elementos que propiciam a materialização do jogo. Para Luís Fernando Veríssimo, “A bola pode ser qualquer coisa remotamente esférica. Até uma bola de futebol serve. No desespero, usa-se qualquer coisa que role, como uma pedra, uma lata vazia ou a merendeira do seu irmão menor”. Essa diversificação de objetos seria, ou não, fundamental para a construção de um maior e mais qualificado repertório motor?

Na mesma passagem há outro aspecto importante, típico do Futebol de Rua: a disputa de forças e o modo como ela é resolvida. Se não há bola, mas há a merendeira do irmão menor, por que não chutá-la? Ao falar das traves, apesar de destacar que elas podem ser feitas com o que estiver às mãos (na maioria das vezes com chinelos ou tijolos), o cronista ironiza dizendo que podem também ser feitas com as merendeiras do irmão menor ou até mesmo com ele próprio. Se a bola vai para debaixo do carro, quem busca? O irmão menor.  É isso mesmo; a Rua educa para o bem ou para o mal. Pode ser injusta, como na opressão sobre o irmão menor, sobre os mais fracos, mas deixa a lição de que há um jogo de forças em questão, que a Pedagogia da Rua tem que reconhecer e saber como tratar. A Rua nos apresenta cotidianamente uma disputa de forças que se traduz no espaço a ser utilizado para o jogo, na escolha dos times, nos equipamentos, nos acordos, enfim, em quase tudo que se refere ao Futebol de Rua. Já que no Futebol de Rua não há juiz, como se resolvem as discussões e discordâncias durante o jogo? Não raramente, como dito nesta crônica, “os casos de litígio serão resolvidos no tapa”. E os mais fracos, os menores, com frequência levam desvantagem.     

 Isso tudo se relaciona à autogestão do jogo, que a Rua nos ensina. Chega a nos impressionar a dificuldade que nossos alunos de hoje apresentam quando se trata de jogar sem a presença de um professor ou de um árbitro à beira da quadra/campo. Quando Veríssimo descreve as diversas ocasiões em que os jogadores, na Rua, resolvem facilmente os litígios, como entram em acordo com facilidade, como tornam desnecessária a presença de um juiz, ele desvela uma sabedoria que deveria servir de exemplo aos que praticam as pedagogias oficiais.

Outro aspecto que vale ser destacado na bela crônica de Veríssimo, é a Rua ser um espaço de todos, ainda que não livre das disputas que já mencionamos. “O número de jogadores em cada equipe varia, de um a 70 para cada lado”. Cabem todos, desde que o espaço permita. Cabem todos, mas não sem que, mais uma vez, a disputa de forças se manifeste. “Algumas convenções devem ser respeitadas. Ruim vai para o golo. Perneta joga na ponta, a esquerda ou a direita dependendo da perna que faltar. De óculos é meia-armador, para evitar os choques. Gordo é beque”.

 Como esperamos ter explicitado, a educação da Rua é tão rica, e, por outro lado, tão subaproveitada, quanto as possibilidades de sua apropriação no ensino e prática do futebol são imensas. E a nossa literatura, em crônicas, prosas e versos – Veríssimo é somente um exemplo dentre tantos outros que temos disponíveis -, fortalece nosso entendimento acerca da importância da Rua, e daquilo que ela nos ensina para a prática do futebol nas escolas, clubes e “escolinhas”. 

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Caso Sunderland AFC e a má gestão no futebol

Você acha que a má gestão nos clubes de futebol é um problema exclusivo do futebol brasileiro? Times que acabam por ficar endividados, acumular problemas na justiça, sofrer com o rebaixamento e decepcionar a sua grande legião de fãs, também é uma realidade para grandes e tradicionais clubes do velho continente. Hoje, vou dar um exemplo bastante recente de como a má gestão e administração pode rapidamente arruinar um grande clube, que disputou por muitos anos a liga que é considerada por muitos como a melhor do mundo, a Premier League.

A série ‘’Sunderland Till I Die’’, disponível na plataforma Netflix, relata os bastidores da meteórica decadência deste tradicional clube do norte da Inglaterra. Fundado por professores  em 1879, o  Sunderland AFC é um dos clubes mais tradicionais e históricos do país – com 6 títulos ingleses a equipe dominou as competições nacionais entre o final dos anos 1890 e início dos anos 1900. No entanto, o futebol atual não mostra paciência ou respeito à história de qualquer clube, já não há como dizer que a instituição é “muito grande” e “tradicional demais” para cair no abismo. Arrisco a dizer, que a dramática série vai fazer o amante do futebol criar uma empatia quase que automática com os Black Cats e seus aficionados. Além dos bastidores internos, a série também dá uma voz especial aos torcedores e mostra as suas rotinas para acompanhar o clube que tanto veneram. Fica difícil não se colocar no lugar destes torcedores apaixonados, que seguem o Sunderland há décadas e estão vivenciando possivelmente o pior momento de sua história. O desânimo, a indignação e a esperança andam de mãos dadas com cada fanático alvirrubro.

A derrocada começa quando o milionário americano, Ellis Short, adquire o clube, ainda disputando a Premier League. Os problemas de falta de gestão profissional e má administração do clube logo começam a ficar nítidos, visto que o clube do norte inglês conta com um alto investimento financeiro mas não corresponde dentro de campo. Desta forma, acaba caindo de divisão e ingressa na disputa da segundona inglesa (Championship). O Sunderland é um dos grandes casos comprovados, de que apenas o alto investimento financeiro não resolve todos os problemas de um clube de futebol. Além do mais, se mal administrado, este investimento pode gerar ainda mais problemas, por vezes irreversíveis ao  clube – também atingindo diretamente patrocinadores, investidores, funcionários e os torcedores. A má administração no Sunderland fica ainda mais evidente quando o clube, que possui uma estrutura digna de um grande clube europeu, com um estádio e centro de treinamento de primeira linha, acaba por ser novamente rebaixado para disputar a terceira divisão inglesa (Football League I) – onde permanece até os dias de hoje. Foram 2 rebaixamentos em sequência e um corte profundo na alma de cada torcedor do Sunderland, que certamente irá demorar para cicatrizar.

Podemos elencar diversos fatores que podem ter contribuído para o fracasso recente dos Black Cats. Falta de planejamento estratégico, falta de organização dos núcleos, ausência de processos de trabalho, falta de profissionais devidamente qualificados, falta de filosofia de jogo do clube e de integração dessa filosofia com as categorias de base. Exemplos não faltam… Entre 2010 e 2018, o Sunderland contratou mais de 70 atletas, e conseguiu lucrar futuramente na transferência de apenas 3 deles. Fez investimentos milionários em equipamentos altamente tecnológicos para ter dentro de seu CT, os quais não tem utilidade nem mesmo para os funcionários responsáveis. Sem contar com os milhões de libras investidos em jogadores que acabaram atuando em menos de 10 partidas pelo clube, contratações e transferências claramente equivocadas e sem um planejamento adequado. Uma sucessão de erros graves, que poderiam ter sido evitados caso os gestores do clube tivessem uma visão sistêmica sobre a gestão, execução, liderança e avaliação de processos relacionados a um clube de futebol profissional – enxergando todos as áreas e suas interconexões com um olhar sistêmico. 

A Universidade do Futebol capacita profissionais para atuar no mundo do futebol com o fomento da visão sistêmica, da gestão profissional e organizada dentro dos clubes de futebol, buscando integrar de forma harmônica as dimensões política, administrativa e técnica presentes no ecossistema dos clubes de futebol. 

Você também acredita que se os gestores do Sunderland na época, houvessem se apossado de conhecimentos sobre a visão sistêmica, a qual o nosso curso de Gestão Técnica no Futebol aborda amplamente, os Black Cats estariam em uma situação menos caótica hoje? Fica a reflexão!

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A visão do torcedor no novo cenário de mídia do futebol brasileiro

Onde vai passar o jogo do meu time? Há alguns anos, esta pergunta não era necessária no futebol brasileiro. Os torcedores sabiam que poderiam ver a partida dos seu clube nos canais da Rede Globo, seja televisão aberta, fechada ou pay-per-view, de acordo com o horário e competição. Dependendo da importância do jogo, também era de conhecimento dos fãs que não haveria transmissão e a saída seria recorrer ao rádio.

Para 2021, o cenário está totalmente diferente e aqui mesmo no site da Universidade do Futebol, o Wilson Júnior destacou essa variedade de canais de transmissão, com a mais recente entrada do TikTok no caminho. A rede social de vídeos curtos transmitiu nos últimos meses partidas da Copa do Nordeste e do Campeonato Carioca. Mas como fica o torcedor nisso tudo?

Por parte dos clubes e dos campeonatos, esta grande quantidade de canais pode ser muito positiva. Cada meio de transmissão possui suas características próprias, que devem ser direcionadas para cada um dos diferentes públicos existentes em uma torcida. A Copa do Nordeste, por exemplo, oferecia transmissões focadas no torcedor mais apaixonado, em parceira com influenciadores digitais, direto da Twitch. Para quem preferisse uma opção mais neutra, os canais de televisão cumpriam bem este objetivo.

Para o torcedor, nem tudo são flores. Utilizando o exemplo da Libertadores e Copa Sul-Americana, vemos que quando existe exclusividade por parte dos canais de transmissão, acompanhar o jogo do seu time vira uma missão muito difícil de ser atingida. As competições da Conmebol são transmitidas, desde 2020, via  Conmebol TV, um canal de pay-per-view cujo valor de assinatura mensal é R$ 40,00, para acompanhar alguns jogos que passam única e exclusivamente na Conmebol TV.

O crescimento de plataformas piratas, mostra que este mercado ainda não está em seu nível ideal. O Campeonato Carioca de 2021, que também contou com seu sistema de ppv, passou por diversos problemas com canais ilegais, com diversos sites, perfis de redes sociais e canais no YouTube sendo derrubados por transmitirem as partidas sem autorização. Este fenômeno apenas confirma que os desejos dos torcedores ainda estão longe de serem atingidos quando o assunto são as transmissões das partidas.

A indústria da música passou por um problema semelhante. Foram diversas décadas de programas sendo utilizados para baixar as canções de maior sucesso nacional e internacional. Apenas nos últimos anos que soluções vem sendo encontradas para diminuir este número. A Federação Internacional da Indústria Fonográfica divulgou que em 2019, 27% das pessoas consumiam músicas de forma ilegal. Apesar do número ainda alto, foi a primeira vez que ele esteve abaixo dos 30%.

As plataformas de streaming esportivo ainda tem muito espaço para crescer. Entender a necessidade de consumo dos torcedores e quanto eles estão dispostos a pagar por isso são dois aspectos que precisam ser entendidos por quem trabalha com estas novas mídias. O DAZN, por exemplo, passou por isso em sua chegada ao Brasil, quando precisou diminuir o valor da mensalidade, que caiu de R$ 37,90 para R$ 19,90.

O Facebook foi mais uma rede a passar por mudanças. Seu acordo de transmissão da Copa Libertadores era de exclusividade no Brasil para as partidas de quinta-feira. Em 2021 isso teve de ser alterado, com uma parceria entre a rede social e a Fox Sports para transmissão de algumas partidas em ambas as plataformas. Isso já acontece na Liga dos Campeões com transmissões da TNT Sports e do próprio Facebook da mesma partida. Como o público é distinto, a rede social consegue apresentar boa audiência com as finais atingindo números na casa do milhão de espectadores.

Dificultar o torcedor de ver seu clube pode ser péssimo para o futuro, ainda mais com tantos concorrentes na disputa pela atenção. Abrir o YouTube é uma tarefa que as crianças aprendem cada vez mais cedo. Se o jogo de futebol estiver escondido em um canal de mensalidade alta, certamente o jogo vai perder alguns fãs. Sem contar todas as plataformas de streaming e vídeo games disponíveis.

Para finalizar o texto, gostaria de ter uma conclusão bem estruturada para passar aos leitores. No entanto, este mercado vive uma série de transformações que tendem a continuar por algum tempo. Aos gestores do esporte, cabe considerar alguns dos tópicos listados aqui no momento de negociar os direitos de transmissão dos próximos campeonatos. Que não pensem apenas nos valores do contrato, mas lembrem da importância de seu torcedor para o futuro do esporte.

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Multi, inter e transdisciplinaridade – Os caminhos da produção de conhecimentos no futebol

Devemos considerar o futebol como um fenômeno complexo, no mesmo grau de complexidade que nos permite entender e interpretar a própria natureza humana. Se compreender seus processos fosse algo simples, como afirmam alguns, o ser humano não estaria levando milênios para entender a si mesmo.

(João Paulo S. Medina)

Estamos perdendo a noção do todo. A simples soma dos saberes especializados já não nos conduz satisfatoriamente aos resultados almejados. E é bom lembrar que não se trata de negar a especialização, mas sim de entender que é preciso muito mais do que apenas ela. Precisamos promover urgentemente a interação, a integração e a sinergia entre todas as áreas do conhecimento humano se quisermos dar conta dos problemas complexos que nos afligem. Mas como a forma de produzirmos o conhecimento pode contribuir para o desenvolvimento humano e, por extensão, para o desenvolvimento do futebol? É o que vamos tentar responder aqui ou, ao menos, contribuir para uma reflexão crítica a respeito do assunto.

Em princípio, podemos reconhecer quatro tipos básicos de conhecimento: vulgar ou empírico, científico, filosófico e teológico. O conhecimento vulgar ou empírico é aquele que adquirimos através de nossas experiências vividas. O conhecimento científico é aquele sustentado por métodos, investigações, pesquisas e conclusões, e que deve ser comprovado e reconhecido pela própria comunidade científica. Já o conhecimento filosófico é o resultado das reflexões críticas, rigorosas, radicais e de conjunto sobre a realidade em que vivemos, e que se distingue do conhecimento científico por apresentar maior dificuldade em termos de comprovação e objetividade, sem deixar de ser relevante. E, finalmente, temos o conhecimento teológico ou religioso, que se fundamenta na fé, na crença em determinados textos considerados sagrados ou divinos por seus adeptos (Bíblia, Alcorão, Torá, Vedas etc.), contendo explicações para os mistérios da vida, as quais objetivam promover certo conforto espiritual aos seus devotos. De uma maneira ou de outra, e dependendo da nossa visão de mundo, todos estes tipos de conhecimento nos influenciam na forma como interpretamos a realidade e nela intervimos.

Por outro lado, quando analisamos a capacidade que cada área especializada do saber tem para compreender os fenômenos em toda a sua complexidade, podemos identificar igualmente quatro formas de abordagem da realidade. São elas: a disciplinaridade, a multidisciplinaridade, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, que representam, na verdade, quatro modos distintos de produção do conhecimento.

Antes, porém, de entrarmos nos conceitos desses termos, gostaria de fazer algumas considerações preliminares. Até pouco tempo, vínhamos nos contentando, sem maiores questionamentos, com as abordagens detalhadas que os diferentes especialistas nos davam sobre os distintos fenômenos naturais ou humanos, através das diferentes áreas do saber. Aliás, este ainda é um princípio que adotamos em muitas situações mais pragmáticas. Se tivermos, por exemplo, uma grave lesão no joelho, nossa tendência não é a de procurar um clínico médico (generalista), mas sim o melhor especialista existente ou disponível. E para muitos de nós, não basta um especialista qualquer que cuide indistintamente de todo tipo de lesão. Tendo condições, gostaríamos de ser assistidos pelo melhor especialista para aquele tipo específico de lesão (ligamento, menisco, patela etc.). Este simples exemplo mostra-nos que, em certos aspectos, ainda adotamos na prática o paradigma da especialização.

Aos poucos, entretanto, esse modelo vai se mostrando inadequado para as novas exigências e novas realidades que a dinâmica da vida, através de sua história, nos impõe. Essa tendência obriga-nos a pensar em novas formas de produzir conhecimentos, permitindo intervenções práticas mais compatíveis com nossas necessidades.

Neste sentido é que queremos introduzir os conceitos de multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, procurando entender seus impactos na produção de conhecimentos que nos auxiliem nas soluções dos problemas que se apresentam em nossas profissões e em nossas vidas. Embora não exista total uniformidade na conceituação desses termos, vamos adotar aqui as noções mais prevalentes nos trabalhos realizados por aqueles que estudam estas questões relativas à produção do conhecimento e suas aplicações, tais como Basarab Nicolescu, Guy Berger, Georges Gusdorf, Jean Piaget, Edgar Morin, Ilya Prigogine entre outros.

Mas antes de falarmos sobre multi, inter e transdisciplinaridade, vamos considerar o que entendemos por “disciplinaridade”.

DISCIPLINARIDADE

O termo “disciplina” pode representar tanto uma determinada matéria em uma instituição de ensino como também uma área específica do conhecimento humano de uma especialização profissional qualquer. Desta forma, chamamos de “disciplinaridade” a abordagem que agrega o conhecimento especializado de uma disciplina ou ramo da ciência. A disciplinaridade refere-se, portanto, a um conjunto específico de conhecimentos, com seus objetos, características e métodos próprios, sem relações aparentes com outras áreas do saber. Cada uma dessas áreas busca a compreensão dos fenômenos ou fatos através de sua leitura de mundo, própria, exclusiva e particular.

É sempre bom frisar que foi dentro deste modelo paradigmático que o conhecimento evoluiu na grande maioria das áreas do saber, em especial durante o século 20. As conquistas e a evolução científica e tecnológica devem muito a este modelo. Através dele, as diferentes especializações desenvolveram-se amplamente, de forma rigorosa e tendendo à sua autossuficiência. Entretanto, esse modelo paradigmático de produção do conhecimento que, como já destacamos, tanto progresso trouxe à humanidade, começou a apresentar sinais de esgotamento, exigindo-se novas abordagens para a compreensão da realidade. A visão especialista, por si só, já não é suficiente para entendermos a complexidade dos problemas que nos afligem.

Neste contexto é que surge a necessidade de buscarmos outros modos de produção do conhecimento, e a partir daí surgem os conceitos e as abordagens multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar.     

MULTIDISCIPLINARIDADE (ou PLURIDISCIPLINARIDADE)

É a abordagem que faz a justaposição de duas ou mais disciplinas na busca de uma melhor compreensão dos fatos ou fenômenos. Entretanto, esta aproximação entre as diferentes áreas mantém, em essência, a natureza própria da especificidade de cada uma delas. Isto significa que um assunto pode ser trabalhado em várias disciplinas, mas cada uma delas continua seguindo seus próprios objetos, características e métodos. Não há uma tentativa de síntese entre as diferentes áreas do conhecimento. Por isso que é muito comum, nas “reuniões multidisciplinares”, no esporte ou fora dele, a utilização de adágios tais como “se cada um fizer bem a sua parte, tudo funcionará perfeitamente” ou ainda “para um bom entendimento entre nós – especialistas em áreas específicas do saber – é preciso que cada um respeite a área do outro”. A multidisciplinaridade é uma primeira manifestação ou reação às limitações do conhecimento disciplinar superespecializado (disciplinaridade), mas, como podemos deduzir, esta é também uma abordagem que apresenta limitações no sentido de uma compreensão mais ampliada da realidade.

É preciso destacar que, apesar de suas limitações, esta perspectiva é ainda muito utilizada no futebol. Embora haja um esforço para a realização de um trabalho mais integrado entre as diferentes atividades profissionais (das comissões técnicas, por exemplo), o que se observa, na prática, é certo distanciamento entre as diferentes áreas do conhecimento, impedindo ou restringindo uma maior evolução na realização de um autêntico trabalho em equipe.

INTERDISCIPLINARIDADE

É a abordagem que busca a interação e a cooperação entre duas ou mais disciplinas. Diferentemente da multidisciplinaridade, existe aqui um fator de coesão entre saberes distintos. No ambiente interdisciplinar, não há, por parte de cada um dos profissionais das diferentes áreas do conhecimento, uma atitude com o objetivo – explícito ou velado – de “proteger” a sua própria área de conhecimento. É bem verdade que, na prática, às vezes se torna difícil saber se estamos adotando uma postura multidisciplinar ou interdisciplinar. Essas diferenças, em alguns casos, são tênues ou sutis. A interação e cooperação entre duas ou mais disciplinas dependem fundamentalmente de atitudes subjetivas dos próprios atores que participam do processo de construção do conhecimento, em que os espaços de conhecimentos comuns e específicos são abertos e todos podem opinar e influenciar, sem muitas restrições ou melindres. Segundo Guy Berger, “essas diferenças podem variar desde a simples comunicação das ideias até a integração mútua dos conceitos diretores da epistemologia, da terminologia, da metodologia, dos procedimentos, dos dados e da organização de um conjunto de conhecimentos, da investigação ou do ensino correspondente”.

Ainda no terreno prático, o que se observa é que, muitas vezes, um grupo interdisciplinar é composto por pessoas que receberam sua formação em diferentes domínios do conhecimento (disciplinas) com seus métodos, conceitos, dados e termos próprios, e portanto exige-se um esforço de todos para que possam exercer uma autêntica interdisciplinaridade.

Conforme nos ensina Georges Gusdorf, “os especialistas das diversas disciplinas devem estar animados de uma vontade comum e de uma boa vontade. Cada qual deve aceitar esforçar-se fora do seu domínio próprio e da sua própria linguagem técnica especialista para aventurar-se num domínio de que não é proprietário exclusivo”. A interdisciplinaridade pressupõe abertura de pensamento, curiosidade que se busca além de si mesmo.

No futebol só recentemente começamos a pensar mais amplamente em ações que assumam esta característica interdisciplinar. Embora o termo seja cada vez mais frequente na fala dos agentes que produzem conhecimento no futebol, representados por diferentes profissionais especialistas, ainda é raro observar-se, na prática, a adoção desta abordagem de forma mais consciente e coletiva.

TRANSDISCIPLINARIDADE

Representa, segundo Edgar Morin, um dos principais estudiosos deste tema, o estágio mais avançado entre os modos de produção do conhecimento. De forma semelhante à interdisciplinaridade, busca compreender o conhecimento como algo além do que é produzido pelas disciplinas, estas que, como sabemos, têm seus objetos, características, linguagens e métodos próprios. Mas ultrapassa o conceito de interdisciplinaridade na medida em que, além de exigir uma postura e uma atitude de total abertura e respeito à diversidade e a complexidade de todos os fenômenos, reconhece que não há referenciais – culturais, étnicos, científicos, religiosos – privilegiados para julgar como mais corretos ou verdadeiros determinado conjunto de conhecimentos, crenças ou valores.

Também diferentemente da interdisciplinaridade, que procura integrar as distintas linguagens características de cada área do saber, a transdisciplinaridade busca a construção de um único domínio linguístico, capaz de refletir a multidimensionalidade da realidade. Igualmente ao modo de produção do conhecimento interdisciplinar, a transdisciplinaridade exige a cooperação, a coordenação e a sinergia entre as disciplinas, mas fundamentalmente com a intenção ou objetivo de transcendê-las.

É por isso que dizemos que a transdisciplinaridade aponta para um conhecimento que está ao mesmo tempo entre, através e, sobretudo, além de todas as disciplinas. Ela significa o reconhecimento da interdependência de todos os aspectos da realidade, buscando a unidade do conhecimento. Seu objetivo é a tentativa de compreensão da realidade como um todo e não de fragmentos dela, como se propõe cada disciplina ou área do conhecimento. Questiona, inclusive, a supremacia absoluta do conhecimento científico, quando adota pressupostos imutáveis de objetividade, previsibilidade e certezas.

A transdisciplinaridade é considerada, por alguns estudiosos, como um movimento de reintegração da ciência, da arte e das tradições espirituais em busca de uma compreensão mais ampla da realidade ou do mundo em que vivemos. Para isso, é preciso levar em conta todos os aspectos que envolvem a nossa existência, dentro de toda a sua complexidade. Não é possível entendê-la considerando somente os aspectos estritamente objetivos da realidade, uma vez que dela fazem parte também muitos aspectos subjetivos e intersubjetivos, permeados por nossa cultura que, por sua vez, é carregada de crenças, costumes, tradições, valores, sentimentos, emoções, intuições etc.

Esta abordagem transdisciplinar muda radicalmente a tradicional postura científica que não admite subjetividades em seu espectro de análise da realidade. É, portanto, uma maneira de encararmos o mundo, a vida e mesmo as nossas profissões, dentro de um novo modelo paradigmático. É, por conseguinte, uma proposta que, no nosso modo de ver, pode contribuir para mudanças radicais na forma pela qual o futebol é visto, gestado, concebido, administrado e praticado.