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Diferencial do futebol brasileiro – a cultura futebolística

Crédito imagem: Lucas Figueiredo/CBF

Na primeira parte deste texto, busquei chamar a atenção para uma etapa da formação esportiva pouco estudada e debatida, os primeiros anos de vida da criança. Esta fase foi colocada como diferencial positivo do futebol brasileiro. Podemos ter outros diferenciais. Até devemos ter outros, alguns positivos, outros negativos. Mas nesta série de textos focaremos sobre este diferencial que a mim parece determinante para que o futebol brasileiro e os seus jogadores e jogadoras sejam ainda bastante respeitados no mundo.

A maioria de nós, profissionais do futebol, atuantes em diferentes setores da sua cadeia produtiva, e quase todos nós brasileiros, desde que nascemos, somos expostos a uma cultura que ama futebol e o incentiva desde então. Muitos de nós recebemos roupas de um clube antes mesmo de começarmos a andar. Nos Estados Unidos, talvez os pais ou familiares deem roupas de franquias de basquete, futebol americano, beisebol ou hóquei. Portanto o futebol não é algo natural, que está no nosso gene, mas sim, algo que é cultural e é nosso enquanto nação. Muito bem, mas por que esse assunto de cultura? O que ela tem a ver com o que queremos saber sobre o diferencial do futebol brasileiro? Tudo!

Os conhecimentos em pedagogia nos fazem observar os seres humanos desde muito cedo. Existe uma corrente teórica sobre a pedagogia, isto é, a teoria que estuda a educação humana, que diz que aprendemos a partir das interações da nossa organização atual, que compreende tudo o que já somos, com o meio em torno de nós, ambos (nossa organização e o meio) extremamente complexos. Portanto, em uma perspectiva da complexidade, a nosso respeito podemos citar a dimensão biológica (genética), nossa dimensão energética, nossa dimensão espiritual e todos os conhecimentos que adquirimos até um determinado momento da aprendizagem. Por outro lado, na perspectiva do ambiente, todos os fatores que compõem um ambiente social, logo, a cultura, o espaço físico, as pessoas inseridas nesse local, e a natureza de forma geral, entre outros. Esta forma de compreender a aprendizagem advém da corrente interacionista.

O parágrafo anterior teve o objetivo de mostrar que a aprendizagem depende da cultura. E a cultura brasileira favorece a aprendizagem do futebol. Mas como essa aprendizagem ocorre?

A forma mais eficaz de as crianças aprenderem, qualquer coisa, inclusive o futebol, é brincando, jogando. A criança, quando possui a liberdade de brincar e ser dona da própria brincadeira, não raro aprende muito. Há algumas décadas era possível ver com abundância as crianças brincando de futebol em ruas, praias, praças, terrenos baldios ou campinhos de várzea. Hoje é muito comum ver as crianças brincando de video game. Em ambos os casos elas aprendem, e aprendem muito bem. Por que será que elas aprendem tão bem quando aprendem brincando? E como é essa brincadeira? Como é o ambiente que envolve essa brincadeira?

A cultura exerce o seu papel desde muito cedo e de diferentes maneiras, inclusive sobre o que as crianças querem brincar espontaneamente. Repare nos milhões de pais e mães que são apaixonados pelo futebol e já fazem os bebês recém-nascidos interagirem com esse esporte, fazendo-os gostar de algum clube de coração, até ver e ouvir jogos na televisão. Conforme crescem, têm a bola em seus diferentes tamanhos e cores como um brinquedo abundante em casa, ou mesmo levando as crianças a estádios e campos de várzea, assistindo jogos, brincando de bola entre família etc.

Quando a criança começa a se socializar fora do ambiente familiar, frequentando a escola e demais ambientes onde há mais crianças como ela, mais uma vez o futebol costuma estar presente e sendo incentivado pela cultura. Em ambientes escolares é comum as crianças brincarem de bola no recreio ou em aulas de educação física. Fora desses ambientes, o futebol tende a ser ainda mais forte, no quintal de casa, entre irmãos, primos, vizinhos. E, também, na rua ou na quadra mais próxima, com os amigos de bairro, onde as brincadeiras espontâneas, aquelas sem grandes influências de adultos nas suas organizações, começam a ficar maiores e mais complexas do ponto de vista do desenvolvimento infantil. E é nesse ponto que devemos parar e analisar o nosso contexto específico, com a devida atenção sobre o que acontece nesse ambiente de brincadeira informal entre as crianças brasileiras, que parece favorecer tanto a aprendizagem do futebol.

Vamos refletir exatamente sobre isso no próximo texto!

Até lá!

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O peso da transmissão ao vivo no esporte

Final da Copa do Mundo de 2022, no Qatar. Brasil x Argentina. Nossos eternos rivais abrem o placar com Lionel Messi logo aos 15 minutos. Apreensão da torcida brasileira diante da TV. Logo em seguida… ploft! O sinal digitaliza e some. Uma pane na central técnica do estádio Lusail interrompe a distribuição da transmissão para o restante do mundo. O jogo não pode parar e a virada verde e amarela é vista ao vivo apenas pelos 80 mil presentes no estádio.

Já pensou o tamanho do estrago?

É claro que isso nunca vai acontecer. Justamente pela importância da transmissão da partida no universo de um evento esportivo, todo tipo de redundância é providenciado para que este cenário seja impossível. Geradores para compensar a queda de energia. Distribuição de sinal por internet, satélites, fibras óticas. Tudo é feito para garantir que o evento seja entregue com segurança a cada canto do planeta.

O chamado “broadcast” é parte fundamental na roda de qualquer evento esportivo

Claro que existe a preocupação com a ponta final, o torcedor. Mas todas estas precauções com a segurança da transmissão estão muito mais relacionadas com os interesses financeiros, com quem sustenta a brincadeira toda. Uma Copa do Mundo só é possível graças ao dinheiro dos patrocinadores. E o que eles pretendem? Que a marca seja vista, atrelada a um acontecimento de prestígio, pelo maior número de pessoas possível.

Em 2018, a final entre França e Croácia, na Rússia, alcançou 1,2 bilhão de espectadores. Praticamente um a cada 6 habitantes do planeta assistiu a pelo menos um minuto da decisão ao vivo. Imagine se a mesma partida fosse assistida apenas pelos 78 mil que estavam dentro do Estádio Luzhniki naquele dia. Deixaria de ser uma Copa do Mundo? Não. Mas certamente traria menos prestígio aos campeões, menor investimento de patrocinadores e, com isso, não poderia ser possível promover tantas ações ao redor do evento.

Resumindo: qualquer evento esportivo, muito além de promover competição e coroar o melhor naquela modalidade, só faz sentido se for visto. Audiência traz repercussão. Repercussão traz prestígio. E audiência, repercussão e prestígio trazem o interesse das empresas em se colocar como parceiras.

E qual a melhor forma de alcançar o maior número de pessoas possível no mundo atual? Um estádio, uma arena, comportam um número limitado de pessoas. Uma transmissão em vídeo (hoje não podemos nos restringir à TV) permite que a ‘arquibancada’ seja muito maior. Se os ingressos se esgotarem, se as pessoas morarem em cidades distantes, em outro estado, ou até mesmo outro país, ainda terão uma alternativa para acompanhar o evento.

A mesma lógica vale para a plataforma de distribuição. Uma partida em canal fechado alcança um número limitado de pessoas, os assinantes. O mesmo evento transmitido em canal aberto permite que muito mais pessoas vejam – o que interessa muito mais a quem organiza.

Cabe aqui o exemplo prático e bastante atual da Liga dos Campeões da Europa, que no próximo triênio volta à TV aberta com o SBT. É claro que a emissora pagou pelos direitos de transmissão, mas a decisão da Uefa passa diretamente pela ambição de voltar à rede pública brasileira depois de 3 anos com transmissões pelo Facebook, que entrou na categoria em uma parceria com a Turner por ser acessível a qualquer espectador sem custo algum, enquanto o conglomerado ficava com a distribuição em televisão por assinatura.


O exemplo do Facebook traz a mais recente e democrática das alternativas para distribuição de sinal, conforme reforçado no meu artigo anterior: a Internet. Hoje é possível transmitir qualquer acontecimento pela rede mundial de computadores com a utilização de apenas um celular: de um casamento a uma partida, como se tornou comum durante a pandemia.

O cenário de isolamento atual, aliás, reforça importância que tem o broadcasting dentro do cenário. O público não pode ir às praças esportivas, as arquibancadas estão vazias, mas a competição acontece da mesma forma porque existem as câmeras de televisão, os sinais por satélite e internet para levarem o produto até o consumidor final. Está resolvida a questão dos portões fechados – e o torcedor “de estádio” também supre um pouco da falta, do não poder estar presente.

O poder de quem alcança mais

Numa disputa para ser visto, é fator primordial a abrangência de quem está transmitindo. 

Da mesma forma que o SBT alcança uma base maior de espectadores que a TV Gazeta, um canal grande no YouTube tem mais visualizações que a minha conta pessoal de Instagram. São cartas muito importantes no jogo da audiência e, por consequência, nas negociações. 

A concorrência pelos direitos vai além de quem paga mais, conta muito quem vai levar o evento para mais pessoas.

Dentro deste contexto, a Globo tem um poder de barganha maior. Estar na maior emissora do país leva qualquer produto a um outro patamar, empresta prestígio. Costumávamos brincar em redações, que se um campeonato de dominó estiver  na Globo, vai dar audiência. Mas existe também a dificuldade de espaço dentro de uma programação bastante rígida e estruturada. O preço de estar na platinada pode ser caro: restrição de horários. A faixa nobre é para poucos.

Quantas vezes não ouvimos reclamações sobre o tal “horário da TV”? Muito tarde para o futebol. Muito cedo para eventos programados para a janela do Esporte Espetacular. A verdade é que a decisão sobre horário cabe ao organizador e o sacrifício muitas vezes vale a pena. Em troca de audiência, prestígio e, por consequência, dinheiro.

Essa flexibilidade é outro fator importante deste jogo. Independente do canal de televisão. Há que se medir uma série de outros fatores. Por exemplo, a concorrência.

Programar qualquer coisa para um domingo, às 16h, horário tradicional do futebol em TV aberta, não é negócio. Para quem adquire direitos de campeonatos internacionais – que, além do fuso, obviamente não consideram o ecossistema brasileiro na definição de tabelas, é um desastre quando um grande clássico europeu acontece na mesma hora do Brasileiro. O potencial de audiência é reduzido em pelo menos 50% (sendo generoso).

Neste caso, não adianta reclamar com La Liga, com a Premier League ou quem seja. Nosso mercado, embora importante, não é prioridade deles. Mas também eles estão muito ligados nessa disputa pelo “ser visto”.

A flexibilidade: estratégias em busca de exposição

O campeonato italiano, de uns anos para cá, passou a ter jogos na hora do almoço (deles, no caso, porque aqui é entre 7 e 8 horas da manhã com o fuso horário). Qual objetivo? Atender ao público asiático, responsável por boa parcela da audiência – e dos negócios, principalmente, de muitos clubes. Nunca é demais lembrar que o Milan, hoje, pertence a investidores chineses.

A questão do fuso horário é determinante ainda para a definição dos horários em Copa do Mundo. A cada quatro anos nos deparamos com a estranheza de jogos em horários bizarros nos países que organizam as competições. A Copa do Brasil teve jogo de 13h a 22h. Tudo para acomodar fusos horários de forma que mais pessoas possam assistir pela televisão – e pouco importa a experiência do jogador ou do torcedor local nestes casos.

Outra estratégia comum de uma Copa do Mundo, que foi muito bem espelhada pela Premier League nesta temporada, é a eliminação da “concorrência interna” por meio da distribuição de horários. Com exceção da última e decisiva rodada da fase de grupos, não existem partidas de Copa do Mundo acontecendo simultaneamente. Além de permitir ao torcedor assistir o máximo de jogos, a ideia é explorar ao máximo o potencial de visualização de cada partida e acumular números.

Citei o exemplo do campeonato inglês, que adotou o mesmo procedimento. Hoje é possível passar o sábado, ou o domingo, assistindo a Premier League por mais de nove horas seguidas (cada dia) e não perder nenhum jogo da competição ao vivo: 8h30, 11h, 14h30, 16h.  E mesmo quando há jogos de outras competições marcados para o final de semana estes horários são respeitados para que não haja sobreposição. 

Trata-se de uma estratégia genial para que nenhum detalhe seja perdido – e os detentores de direitos agradecem o maior número de alternativas para montar a grade de programação. É desesperador quando dois grandes jogos de um mesmo campeonato acontecem no mesmo horário e a televisão tem que fazer uma escolha ou dividir a própria audiência em dois canais (como nos casos de ESPN e Sportv, por exemplo, que possuem canais alternativos para dar vazão).

Boas ideias merecem ser copiadas. Imaginem por aqui. Dois jogos do Brasileirão na noite de sexta-feira, 19h e 21h. Três jogos no sábado: 15h, 17h e 19h. Quatro jogos no domingo: 14h, 16h, 18h, 20h. Um jogo na segunda-feira às 20h. A pluralidade permitiria ainda a negociação dos direitos com diferentes canais de televisão – não fosse o modelo hoje adotado em que os clubes tratam diretamente com as emissoras e corre-se o risco de ter jogos não transmitidos. Mas mesmo no caso de uma só emissora, ter a exclusividade no horário, sem concorrência, também é bom negócio.

Voltando do campo das ideias para a realidade, a NBB adotou um modelo semelhante desde 2018. Jogos praticamente todos os dias, não concorrentes entre si e distribuídos entre várias plataformas. Houve uma temporada que cada canal tinha o seu dia e horário. ESPN na terça, Twitter na quarta, Bandsports na quinta, Fox Sports na sexta, Band no sábado, Facebook na segunda. Atualmente as transmissões se espalham por ESPN, TV Cultura, TV Brasil, DAZN, Facebook e Twitch, além de televisões locais. O conceito é de que o torcedor tem toda opção para ver. Por consequência, novamente, o patrocinador tem mais oportunidades de ser visto.

Formatação e qualidade

E não é apenas na definição de horários de grade e no alcance do espectador que o peso do broadcast é sentido. A transmissão também é responsável pela qualidade do produto final. O show não é só do atleta, mas de quem leva para o público. A imagem do evento esportivo é diretamente influenciada pela forma como ele é apresentado. Da qualidade da imagem e do número de câmeras à capacidade do narrador de gerar envolvimento e engajamento, mas também passando por questões inerentes ao formato de competição.

A mídia tem as ferramentas e o expertise para manter a audiência conectada e este é um interesse também do organizador. Não basta chegar ao telespectador, é preciso que ele se mantenha envolvido. Foi assim que alguns esportes mudaram ao longo do tempo. No vôlei, caiu por terra a lei da vantagem, que tornava os jogos lentos e morosos, para adaptação à televisão.

Duas horas é uma conta mágica. É o tempo de grade de uma partida de futebol. Eventos mais longos encontram dificuldades para encontrar espaço na grade de programação, como também para segurar a atenção de quem assiste, sobretudo num ecossistema dinâmico como o de hoje com uma gama enorme de conteúdos sendo oferecidos. Vivemos a época do short-content, do vídeo de 15s da rede social. Prender qualquer audiência por mais de duas horas é impensável, salvo casos clássicos baseados na tradição, sobretudo nos esportes americanos, com os jogos intermináveis de beisebol, o futebol americano em pelo menos 3 horas e por aí vai. Mas nestes casos estamos falando de uma cultura diferente e já consolidada.

Até mesmo a Fórmula 1 mudou. O antigo treino classificatório, que tinha emoção apenas nos minutos finais, deu lugar ao formato de eliminatórias curtas de 10 minutos por recomendação da televisão. 

O poder de influência da televisão vai muito além da definição de tempos e formatos. Todo o entorno é importante. O envelopamento de arena, os cerimoniais, o posicionamento de cada elemento na arena, as cores utilizadas. É do interesse de quem transmite que o show esteja o mais plástico possível. Porque não estamos falando apenas de qualidade competitiva. Tem um quê de arte, de show. 

Algo muito bem percebido, por exemplo, pela indústria crescente dos Esports, que a cada semana ganham fatias mais significantes da audiência. Como transformar um jogo eletrônico em um esporte? Por mais que o core de competição esportiva seja o mesmo, muito além da organização de campeonatos profissionais, a resposta passa diretamente pelo tratamento de show, pela transmissão desenhada a partir de padrões que o público se acostumou a ver em TV. Isso empresta grandeza e credibilidade.

Por isso mesmo, os principais esportivos do mundo possuem dentro de sua estrutura empresarial um departamento de broadcast, que antecipa o trabalho das televisões e já entrega pronto o produto final. É assim na Fórmula 1, na Liga dos Campeões, na Copa do Mundo, no UFC, na NFL ou no campeonato mundial de surfe, a WSL. Uma transmissão já pronta para ser levada ao ar. A garantia do controle de qualidade sem depender do serviço de terceiros.

Não se faz esporte sem transmissão

Os organizadores das competições esportivas, maiores ou menores, parecem ter entendido a importância de se estruturar uma distribuição audiovisual, seja para internet ou televisão. Está não apenas na ponte entre o produto e o consumidor, no oferecimento de um serviço, mas na elaboração, na estratégia. 

Quem ganha é o mercado de transmissões esportivas, valorizado, superaquecido e não mais restrito a eventos mainstream.

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Atacar bem: o próximo passo do futebol brasileiro

Crédito imagem – Ricardo Stuckert/CBF

O próximo passo da evolução do jogo no Brasil está ligado a formas mais elaboradas de atacar. Já aprimoramos nossos sistemas defensivos. Até porque, por diversas razões, o futebol é um jogo em que é mais fácil defender do que atacar: o gol é pequeno em comparação ao tamanho do campo, há uma regra diferente para um jogador em específico (o goleiro) evitar os gols, gerenciar apenas o espaço e não o espaço e a bola também torna defender mais simples, além de inúmeros outros fatores. Neste jogo em que a defesa sobressai ao ataque – podemos ter cem ações ofensivas para apenas um, ou às vezes, nenhum gol marcado – é necessário um refinamento muito grande para levar a bola ao alvo adversário. E na medida em que o jogo fica mais veloz e com espaços mais reduzidos se exige ainda mais capacidade individual e coletiva para cumprir a lógica e objetivo do jogo.

Já temos muito bem consolidado nas principais equipes brasileiras conceitos ofensivos como amplitude, profundidade, mobilidade e etc – algo que compõem ideias coletivas da escola portuguesa, embrulhadas no termo modelo de jogo. Porém o que se vê de mais contemporâneo é o jogo voltando a ser estudado e treinado a partir do indivíduo para o coletivo. Um jogador com boa percepção para entender os problemas do jogo e capacidades técnica e cognitiva para resolvê-los ajudará a compor uma equipe melhor. A própria escola espanhola já contextualiza tão bem as vantagens (numéricas, posicionais, qualitativas, dinâmicas e de entrosamento) que o jogo de posição oferece como base, mas que podem ser muito bem utilizadas por qualquer outro jeito de jogar. 

É possível treinar um jogador para tomar melhores decisões. É possível fazer com que ele tenha a percepção das vantagens que o jogo vai oferecendo e qual a melhor maneira de aproveitá-las. Ou até mesmo um aperfeiçoamento do que esse atleta tem de melhor em proveito da equipe –  é vantajoso cruzar muitas bolas na área se o nosso centroavante for o Lewandowski, que cabeceia cada vez com mais qualidade, porém se o nosso ‘9’ for o Gabriel Jesus é melhor um jogo por baixo. 

Enfim, partindo do indivíduo ou do coletivo, o que não cabe mais é um jeito aleatório de atacar. Deixar o talento por si só resolver. Já passamos da época – faz tempo, graças a Deus – de que o bom treinador era aquele que armava a defesa e não ‘atrapalhava’ a criatividade dos homens de ataque.

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Carga de treino e de competição – Um olhar prático para sua aplicação

Crédito imagem – Manchester City

Do ponto de vista físico, o futebol é uma modalidade caracterizada por sua intermitência de esforços e por sua elevada necessidade para que os atletas suportem elevadas intensidades. Somado a isso, podemos adicionar as constrições dos calendários competitivos, dos jogos em sequência e do imenso tempo despendido em viagens especialmente no caso do nosso país que possuí dimensões continentais.

Neste quadro, a manutenção da alta performance dos atletas e dos seus níveis de saúde parece vital para que uma equipe consiga o sucesso competitivo e que tenha disponíveis os seus melhores jogadores no maior tempo da competição. Se na alta performance e no futebol profissional, a gestão do esforço e o controle da carga do treino é fundamental, também na formação ela assume um papel importante sobretudo para construir programas de treinamento de longo prazo.

Com cada vez mais tecnologias disponíveis para o controle do treinamento, é possível selecionarmos uma ampla gama de instrumentos, protocolos e estratégias para administrar as cargas de treino sobre diferentes perspectivas, com implicações positivas na maneira como se pensa e prescreve o treinamento, unindo o conhecimento e informação teórica com a aplicação prática para: reduzir ou atenuar o risco de lesão, reduzir infecções do trato respiratório, administrar o processo de recuperação pós-lesão ou ainda abordagens mais tradicionais como compreender as dinâmicas de treinamento e a relação entre as cargas de competição com as cargas de treinamento.

Duas grandezas que se complementam: A carga interna e externa de treinamento


Dentro da grande área do controle da carga de treino e competição, podemos identificar duas grandezas que se relacionam, completam e são fundamentais para nossa compreensão de dose e efeito da prescrição de treino: a carga interna e a carga externa de treinamento. Se a primeira é aquela que nos dá um parâmetro de como os jogadores realizaram o treinamento ou competiram, a segunda nos dá parâmetros de quantidade de maneira objetiva.

De maneira sucinta e objetiva, podemos definir a carga interna de treinamento como uma resposta fisiológica para uma carga determinada e planejada de treino oferecida ao atleta. Os indicadores da carga interna de treino podem ser considerados como marcadores das respostas psicofisiológicas ao treinamento e competição e são influenciadas e dependentes de alguns fatores como: as características individuais dos atletas, o seu status de treino, o seu status psicológico, sua saúde e estado nutricional, assim como o ambiente e fatores genéticos.

Do ponto de vista do planejamento e controle do treino, alguns autores como Impellizzeri recomendam que a carga interna de treino deverá sempre ser a nossa primeira preocupação quando construímos sistemas de controle do treino, uma vez que correspondem a resposta individualizada para uma carga de treino. Um exemplo que podemos utilizar se refere a uma determinada carga de treino planejada de maneira semelhante para o grupo mas com respostas individuais diferentes, influenciadas pelo status competitivo dos atletas e seu grau de treinabilidade.

Dentre os instrumentos mais comumente utilizados para essa grandeza do treino, temos a escala de Percepção Subjetiva de Esforço, que pode ser empregada de diferentes maneiras e nos dá diferentes métricas de importante utilização, como por exemplo: percepção de esforço para determinados exercícios da sessão, percepção de esforço subjetiva da sessão (para quantificar o treino de maneira geral), para além de ratios de carga aguda e crônica dos atletas. Outro instrumento amplamente utilizado é o monitoramento da Frequência Cardíaca através de monitores cardíacos que podem ser mais ou menos avançados, com diferentes níveis de margem de erros na aquisição dos dados e que estão amplamente relacionados a Percepção Subjetiva de esforço.

Para compreendermos as dimensões da carga interna de treino, é preciso que tenhamos também elementos de controle da carga externa de treinamento e competição, que nos dão uma dimensão mais objetiva e fácil para planificar e monitorar o treinamento. Podemos afirmar inclusive que essas medidas são absolutas, uma vez que se relacionam ao trabalho realizado pelo atleta, de maneira independente às suas manifestações internas.

As medidas de controle da carga externa do treinamento se tornaram muito populares e tem ganho muita relevância na discussão científica e na atuação prática sobretudo desde que os dispositivos de Global Positioning System (GPS) foram autorizados para utilização em jogos oficiais. Dentre as muitas variáveis que os dispositivos de GPS nos dão, autores como Buchheit afirmam que podemos categorizá-las em três níveis: Nível 1 – distâncias totais percorridas e distâncias percorridas em diferentes intervalos de velocidade de deslocamento (absolutos ou relativos); Nível 2 – eventos relacionados as mudanças de velocidade (acelerações e desacelerações); Nível 3 – Dados derivados de sensores inerciais e acelerômetros (i. e. Player Load ou Force Load).

As pesquisas e a prática sugerem que as manipulações das condições de treino influem diretamente nessas métricas, algo a se ter em conta quando buscamos construir o processo de treino e oferecer cargas que preparam, recuperam ou mantém a performance dos nossos atletas. Fatores como o tamanho das áreas de jogo nos diferentes exercícios de treino, o número de jogadores, a duração dos estímulos e o status competitivo dos nossos atletas influenciarão exponencialmente a carga externa de treino, com implicações no ganho ou manutenção da performance, alterações a nível da força muscular, capacidade aeróbia e composição corporal.

Integrar e Aplicar

De maneira habitual, para que tenhamos um processo de controle eficaz é preciso que adotemos duas ou mais ferramentas para monitorarmos o treino e a competição, uma que contemple a dimensão da carga interna e outra que contemple a dimensão da carga externa. As utilizações integradas dessas duas ferramentas permitem aos treinadores, preparadores físicos e cientistas do esporte construir uma relação de dose e resposta para sua equipe e para cada um dos atletas.

Há um ditado que diz que só podemos planejar aquilo que controlamos, portanto uma vez que tenhamos claros quais elementos são mais importantes para compreendermos nosso processo de treino e competição, podemos traduzir essa informação de maneira fácil e aplicada, sustentável do ponto de vista prático e que nos permite atender e informar atletas, treinadores e demais membros do staff para uma tomada de decisões mais eficaz sobre métodos e meios de treinamento para a performance e formação.

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O seu time é um clube formador?

Crédito imagem – João Normando/EC São José

A Universidade do Futebol tem por característica estar sempre atualizada quanto aos principais temas que envolvem o futebol. Nos artigos anteriores abordamos conteúdos muito importantes para você leitor que quer entender um pouco mais sobre este universo gigantesco que trás um leque de oportunidades bastante amplo.

Pensando nisso, nesse compromisso de trazer temas relevantes para o debate, vamos abordar neste artigo um tema que está diretamente ligado com o desenvolvimento do futebol brasileiro e que no futuro permitirá a redução da discrepância existente atualmente com o futebol de outros países, em especial o futebol europeu bem como reduzirá a enorme diferença existente entre clubes aqui no Brasil.

Você sabe que a adequada formação do atleta é fundamental para que este atue com excelência no futebol moderno e para que isso ocorra, faz-se necessário que os clubes invistam nas categorias de base melhorando cada vez mais a estrutura oferecida. Isso porque a formação do atleta deverá envolver não apenas sua capacidade desportiva como atleta profissional, mas também sua formação como cidadão e sua inserção na sociedade.

Com a realização dos investimentos nas categorias de base e cumprimento de uma série de obrigações impostas pela Confederação Brasileira de Futebol – CBF, que serão abordadas ao longo deste artigo, o clube poderá receber o certificado de “clube formador”, documento que trará uma série de garantias aos clubes de futebol.

Você já ouviu falar sobre clube formador? Sabe quais são os direitos e deveres dos clubes formadores e as regras de proteção aos clubes? Saberia dizer de que forma o clube deve se preparar para ser considerado um clube formador e como isso pode ser benéfico? Todos estes temas sobre clube formador e muito mais são tratados com maiores detalhes em nosso curso de Direito Desportivo, mas neste artigo trazemos um pouco do que você estudará com a Universidade do Futebol.

Bom, não é novidade que para o atleta se tornar um profissional diferenciado para atuar no futebol moderno é preciso mais que habilidade, é preciso que este esteja amparado por uma equipe multidisciplinar que permitirá que o atleta atue em seu mais alto nível e quanto mais cedo este atleta estiver amparado melhor será seu desenvolvimento e sua formação, por isso a importância dos investimentos nas categorias de base.

Em um breve histórico sobre o tema deste artigo lembramos que desde a extinção do passe dos jogadores de futebol (anterior à Lei Pele – Lei nº 9.615/98), surgiu nos clubes de futebol uma grande preocupação de se protegerem quando são o clube formador de determinado atleta. Pensando nisso, foram criadas diversas formas de Indenizações que visavam proteger os clubes, mas até então sem existir expressamente na legislação a figura do clube formador.

Neste sentido, entre os anos de 1998 e 2011 diversas foram as regras que previam indenizações caso atletas se transferissem para outros clubes bem como as obrigações as quais os clubes deveriam seguir para serem considerados formadores de atleta e os direitos do Clube Formador.

Visando trazer melhorias para o esporte e buscando atender a uma reivindicação dos clubes de futebol brasileiro, em especial os clubes de maior poder financeiro, em 2011 a Lei 12.395 alterou a Lei 9.615/98 mais conhecida como Lei Pelé e foi responsável por especificar alguns pontos como o contrato de formação desportiva e a preferência do clube na assinatura do primeiro contrato profissional desportivo, criando, assim, a figura do “Clube Formador”.

Em seguida, a CBF regulamentou as alterações desta Lei por meio da Resolução da Presidência nº 01/2012 que traz em seu anexo II os procedimentos, critérios e diretrizes para certificação de clube formador e que será abordado mais adiante. No nosso material complementar você pode conferir a íntegra dessa Resolução da CBF.

Mas o que é um clube formador? Em síntese, CLUBE FORMADOR é “aquela agremiação que oferece a um atleta em idade de formação (até 21 anos) toda a infraestrutura para desenvolvimento esportivo e social (como cidadão). (ROSIGNOLI; RODRIGUES, Manual de Direito Desportivo, 2017, p. 80), ou seja, é o clube que preenche os requisitos previstos no art. 29, §2º da Lei Pelé de forma a comprovar que tem condições de oferecer ao atleta uma formação completa, garantindo tratamento médico/psicológico, moradia, alimentação, educação, dentre outros.

Ressaltamos que apenas atendendo aos requisitos (seja obrigações trazidas pela legislação, seja cumprindo as resoluções administrativas da CBF) os clubes recebem o chamado Certificado de Clube Formador (CCF) que nada mais é do que um documento emitido pela CBF e a partir daí passam a contar com uma proteção normativa que irá garantir que o investimento feito nas categorias de base tenha o retorno financeiro esperado no futuro.

Posto isso, para ser caracterizado como clube formador, conforme previsto no § 3º do art. 29 da Lei nº 9.615/98 (Lei Pelé), caberá à entidade nacional de administração do desporto (no caso a CBF), certificar como entidade de prática desportiva formadora aquela que comprovadamente preencha os requisitos estabelecidos na lei, de modo a fazer jus aos direitos assegurados na legislação, ou seja, sem o Certificado de Clube Formador (CCF) emitido pela CBF, a entidade não poderá ser considerada um Clube formador de modo que se verá impedida de assinar o Contrato de formação desportiva com o atleta e com isso não poderá assinar o primeiro contrato especial de trabalho desportivo.

Ainda, de acordo com a Resolução da Presidência nº 01/2012 (CBF), o clube interessado deverá providenciar “pedido formal de verificação das condições para a obtenção de certificação como clube formador”, que nada mais é do que a confirmação de que o clube atende aos requisitos e, nos termos do Decreto nº 7.984/2013, caso sejam atendidos os requisitos, o clube não poderá ter negado seu pedido de certificação de entidade de prática desportiva formadora, assim como do registro do contrato de formação desportiva.

Neste sentido, a CBF determinou que a emissão do Certificado de Clube Formador – CCF poderá ser de duas categorias, sendo:

  • Categoria “A” – para os clubes que preencherem requisitos comprovadamente acima das exigências mínimas, concedido com validade de dois (2) anos;
  • Categoria “B” – para os clubes que preencherem os requisitos mínimos, concedidos com validade de um (1) ano.

Cumprindo os requisitos essenciais para serem considerados formadores de atletas os clubes receberão o certificado que garantirá segurança jurídica por meio de Direitos conferidos a estes clubes como o direito de assinar o primeiro contrato de trabalho desportivo de no máximo 05 anos com o atleta a partir de 16 (dezesseis) anos, o direito de preferência para a primeira renovação do contrato e à indenização pela Formação do atleta.

Para finalizar, apresentamos a seguir a lista de clubes formadores atualizada pela CBF em abril de 2021. Perceba que clubes grandes no cenário nacional não são considerados formadores, destaque para clubes da série A que estão ausentes na lista: Atlético Goianiense (GO), Corinthians (SP), Cuiabá (MT) e Sport (PE) e o Athletico (PR) que saiu da lista da CBF neste ano e perdeu o certificado de clube formador pela primeira vez desde 2012, quando a entidade começou a definir critérios. Veja abaixo se o seu time do coração é um clube formador.

Clubes formadores no Brasil em 2021

Associação Esportiva Dinamo Esporte Clube (MG); Associação Chapecoense de Futebol (SC); América Futebol Clube (MG); Botafogo de Futebol e Regatas (RJ); Ceará Sporting Club (CE); Clube Atlético Mineiro (MG); Clube de Regatas do Flamengo (RJ); Coritiba Foot-ball Club (PR); Criciúma Esporte Clube (SC); Desportivo Brasil Participações Ltda (SP); Esporte Clube Bahia (BA); Esporte Clube Juventude (RS); Figueirense Futebol Clube Ltda (SC); Fortaleza Esporte Clube (CE); Fluminense Football Club (RJ); Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense (RS); Gremio Novorizontino (SP) Guarani Futebol Clube (SP); Goiás Esporte Clube (GO); Ituano Futebol Clube (SP); Sport Club Internacional (RS) Sociedade Esportiva Palmeiras (SP); Avaí Futebol Clube (SC); Guarani de Palhoça Futebol Ltda (SC); Retrô Futebol Clube Brasil (PE); Red Bull Bragantino (SP); Santos Futebol Clube (SP); São Paulo Futebol Clube (SP).

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Diferencial do Futebol Brasileiro – um olhar sobre a iniciação no futebol

Crédito imagem – Lucas Figueiredo/CBF

Se ainda há, no futebol brasileiro, algum diferencial destacadamente positivo em comparação a outras nações, ele se situa na faixa etária entre o nascimento e os 10 a 12 anos de idade para os meninos e, um pouco mais, talvez entre 12 e 15 anos, para as meninas. Ao longo desta série de textos argumentaremos a respeito disso. Neste primeiro, porém, daremos alguns passos atrás para fazer uma análise do nosso futebol, que nos ajudará a construir esses argumentos.

Por muitos anos o futebol brasileiro dominou o cenário futebolístico mundial. Especialmente entre as décadas de 1950 e 1970, a hegemonia foi total. De 6 Copas do Mundo possíveis, o Brasil chegou à final em quatro, conquistando 3 delas. Um domínio técnico avassalador. Em outro período também nos destacamos em termos de resultados. Entre 1994 e 2002, o Brasil participou das três finais, vencendo duas. No entanto, nos últimos quatro ciclos mundiais estivemos mais distantes do topo da modalidade. Será que aquele foi o último período de glórias canarinhas? Esperamos que não. Mas é importante que façamos uma reflexão crítica e constante sobre todo o processo do futebol brasileiro, que vai muito além do desempenho das nossas seleções nacionais, masculinas, femininas e de base, embora elas deem alguns indicativos. É possível que consigamos nos próximos anos seleções fortes que cheguem às finais e conquistem títulos importantes. Mas como profissionais do futebol, queremos mais. Precisamos de muito mais do que isso.

Escrevo este texto como uma provocação para pensarmos no processo como um todo do futebol brasileiro – e, por que não, talvez, do esporte brasileiro? – como uma autoanálise nacional, que exige uma volta em nossa linha do tempo para buscarmos compreender de onde vieram os nossos sucessos e de onde vieram as nossas mazelas e traumas.

Minha intenção aqui é chamar a atenção para um período muitas vezes esquecido, pouco pensado e debatido no futebol brasileiro, que é a iniciação esportiva. O começo da vida esportiva das crianças, que, dentre elas, surgirão craques do atletismo, skate, surf, voleibol, natação, basquetebol e, em especial, do futebol. Meninos e meninas com talento extraordinário que brilha os olhos de quem é apaixonado pelo jogo mais popular do país. Ao percorrer as diversas regiões e cidades brasileiras encontramos inúmeros exemplos dessas crianças atualmente, como ocorreu, também, na história do Século XX, provavelmente, em ainda maiores proporções que nos dias de hoje.

Seria um erro científico apontar que essas crianças nasceram com o dom de jogar futebol. Seria, inclusive, um erro estratégico pensar assim. Pois, caso assim fosse, não teríamos o controle de potencializar ou atrapalhar esse processo. Apenas esperaríamos o talento aparecer para inseri-lo em nossas equipes. Talvez, essa estratégia tenha funcionado por muitos anos. No entanto, o mundo está globalizado e os conhecimentos sobre a formação de jogadores inteligentes para o jogo, atleticamente bem preparados e equipes competitivas está cada vez mais difundido. Por isso devemos refinar essa estratégia para acompanharmos essas evoluções, sem deixar de reforçar os nossos diferenciais positivos históricos, que nos trouxeram até o patamar a que chegamos em alguns períodos, para que o futebol brasileiro continue nos encantando e nos dando alegrias. Além disso, devemos enxergar o esporte, e o futebol brasileiro, em especial, como uma potente estratégia de educação das crianças, visando um melhor desenvolvimento humano e social de que o Brasil tanto carece.

Mas como podemos fazer tudo isso? Por que comecei o texto dizendo que nosso diferencial reside entre os 0 e 10 a 12 anos para os meninos e entre os 0 e 12 a 15 anos para as meninas? O que acontece nesse período de vida dessas crianças e adolescentes para que eles possam aparecer em escolas de futebol e clubes como talentos?

As respostas dessas perguntas estão relacionadas à forma como, historicamente, aprendemos a jogar futebol. Vale a pena fazermos essa autoanálise coletiva, para o bem do nosso esporte e, sobretudo, para o bem das crianças e jovens que se inserem nele!

No próximo texto continuaremos essa reflexão!

Até lá!

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As finanças do futebol brasileiro chegaram no limite

A última sexta-feira, 30 de abril, foi o prazo final dos clubes para a divulgação de seus resultados financeiros do ano de 2020. Em ano de pandemia, seria natural que a situação fosse ruim para praticamente todas as instituições. Com a tendência confirmada, é possível dizer que as dívidas atingiram números inéditos. A partir disso, esse texto tenta responder duas questões: Será que chegamos ao limite no valor das dívidas? Quais as consequências disso para o futebol brasileiro, dentro e fora de campo?

“Atlético-MG divulga dívida de R$ 1,2 bi e prevê redução drástica em 5 anos”. “Dívida do Corinthians cresce e chega perto de R$ 1 bilhão; veja raio-x das finanças”. “Fluminense reduz prejuízo em 2020, mas dívida vai a R$ 768 milhões”. “Inter fecha 2020 com déficit próximo a R$ 90 milhões e tem pior resultado na história”.

A partir das manchetes acima, podemos falar sem medo de errar: chegamos ao limite. Muito se fala no impacto da pandemia nas contas do último ano, porém terminar o ano com resultados negativos e dívidas crescentes é um comportamento que estamos vendo há um certo tempo por aqui. As gestões mudam, novos presidentes chegam prometendo uma gestão mais profissional, mas na prática o que vinha acontecendo eram administrações não compatíveis com o nível que o futebol atingiu como indústria. Para os dirigentes, não havia problema, já que o modelo associativo livra estes de qualquer punição.

Como em outras áreas, a pandemia veio apenas para reforçar uma transformação que já estava acontecendo, ou ao menos deveria estar. Não será mais possível manter esta forma de gerir os clubes, e alguns já se deram conta. Estas instituições conseguiram inclusive ter um 2020 menos turbulento. Grêmio e Athletico Paranaense foram dois exemplos disso, sendo os únicos grandes clubes a apresentarem superávit de R$ 38 milhões e R$ 134 milhões, respectivamente.

Outros clubes atingiram uma situação tão crítica que provavelmente levarão anos para retomar a condição de protagonistas do futebol brasileiro. É o caso de Botafogo, Cruzeiro e Vasco, que terão um 2021 ainda mais complicado disputando a série B. Essa mudança na ordem de grandeza dos clubes no cenário nacional é, provavelmente a grande consequência destes anos de má administração. Nesta década que se inicia, clubes como Ceará e Fortaleza, com gestões mais responsáveis e utilizando diversas práticas inovadoras, parecem melhores escolhas para os atletas do que os clubes citados anteriormente, onde não há garantia inclusive de receber o salário em dia.

Pensando no futuro, por onde uma instituição deve começar para sair do caminho das dívidas?

O primeiro passo é assumir a dívida e comunicar isso para todos os interessados: aos credores, com um planejamento de como o montante será pago. Apresentando um planejamento, é possível inclusive negociar algum desconto na dívida, ou estender para um prazo maior e aliviar o fluxo de caixa do clube. Tão importante quanto, é preciso comunicar a imprensa e a torcida. As cobranças por resultados e contratações atrapalham demais e colaboraram para que a situação chegasse até o limite que estamos debatendo neste texto.

Segundo passo é pôr em prática as mudanças no modelo de gestão. É preciso que dirigentes políticos e profissionais tenham mais responsabilidade com as finanças dos clubes, montando elencos de acordo com as possibilidades. Além disso, utilizar as categorias de base não apenas em situações de emergência, mas como parte da estratégia de longo prazo dos clubes. Por fim, realizar investimentos em estrutura, como centro de treinamentos para as próprias categorias de base.

A crise financeira do futebol brasileiro chegou ao seu limite. Daqui para frente, os clubes que não modificarem sua gestão devem sofrer cada vez mais, perdendo inclusive sua competitividade dentro de campo. Quem insistir em se endividar terá que sofrer as consequências.

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O Palmeiras tem todos os motivos para não jogar bem

Crédito imagem – Palmeiras/site oficial

O ano futebolístico está atípico. Como nossa vida também está. Ou você tem feito nos últimos treze, quatorze meses, o que fazia antes da pandemia?! 

Trazendo para o futebol brasileiro o mais afetado é o Palmeiras. Observe que usei a palavra “afetado”. Sem juízo de valor. Pelo simples fato de que o time de Abel Ferreira foi o mais vencedor da última temporada. Jogou mais – em quantidade e em muitos momentos em qualidade – do que todos os outros. Isso é excelente sob o ponto de vista das conquistas. Chegar até a final da Copa do Brasil e ser campeão trouxe a disputa da Supercopa. Ganhar a Libertadores levou a equipe ao Mundial de Clubes e a Recopa. Excelente. Mas e o desgaste que tudo isso trouxe? A excessiva carga de jogos? A conta está chegando agora…

Discutir o calendário do futebol brasileiro é uma questão ‘pra ontem’. Passou da hora. Há anos estamos enxugando gelo. Nos moldes atuais não está bom pra ninguém: o clube grande joga muito e o pequeno joga pouco. E a situação atual do Palmeiras chega a ser surreal. 

Não consigo cobrar ideias de jogo muito elaboradas de Abel Ferreira pelo simples fato de ele não ter sessões mínimas de treino. Logo ele que vem da escola portuguesa que valoriza tanto o treinamento… e mesmo assim o Palmeiras ainda é capaz de aplicar uma sonora goleada em cima do Del Valle pela Libertadores…

Entendo o lado passional do torcedor e a vitória de ontem não significa muita coisa hoje, mas será perfeitamente normal e aceitável se o Palmeiras for eliminado na primeira fase do Paulistão. Pode-se ponderar sobre várias coisas: que o grupo do Verdão é muito complicado no estadual, que alguns jogadores que tiveram oportunidades não foram tão bem e etc. Entretanto, quero trazer uma visão mais macro das coisas. O descanso físico e mental é fundamental para todo atleta performar bem. Isso porque a fadiga não vem só do corpo e sim também da cognição. Volto na questão do treino de qualidade para um jogo de qualidade. Mas quando esse Palmeiras treina?! Sem pormenorizar se o uso que se faz hoje da palavra intensidade é o correto ou não, mas como ter um jogo intenso com tantas partidas em sequência?! E o risco de lesão que isso gera?

Estamos falando de competição. De esportistas profissionais. Que tem a busca pela vitória no DNA. Ninguém do Palmeiras entra para jogar mal e perder. Todavia precisamos de elementos básicos para cobrar um nível de jogo satisfatório. Eu que sou tão crítico com a qualidade do que é apresentada por aqui e cobro tanto o conhecimento e a ciência para a evolução nos detalhes que fazem a diferença para um jogar mais refinado, tenho que admitir: o Palmeiras tem todos os motivos plausíveis e justos para não jogar bem.

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O que podemos aprender com a NFL e o draft?

Crédito imagem – Tony Dejak/ AP Photo

Termina hoje, sábado dia 1º de maio, o chamado Draft 2021 da National Football League (NFL). Para os que ainda não sabem ao certo o que isto significa, o Draft é um evento que dura três dias e ocorre anualmente, servindo ao único propósito de recrutamento de jogadores universitários elegíveis para ingressarem, profissionalmente, na renomada NFL, uma liga esportiva composta por 32 times e que se divide em duas conferências: a National Football Conference (NFC) e a American Football Conference (AFC).

Não é novidade que a NFL vem ganhando cada vez mais fãs no Brasil. No entanto, pouco se comenta sobre o Draft. Acompanhada por milhares de espectadores ao redor do mundo, o evento é o principal modo de recrutamento dos talentos vindos das universidades, momento em que são selecionados por volta de 200 novos jogadores que mais se destacaram no futebol americano universitário.

Os direitos de transmissão do Draft são negociados, e a crescente popularidade do evento movimenta interesses decorrentes dos inúmeros patrocínios e comerciais transmitidos durante os intervalos, pois as marcas dos mais variados produtos e serviços pagam valores substanciosos para terem alguns segundos de visibilidade.

O Draft ocorre desde 1936, mas nos últimos anos cativou, de maneira surpreendente, a atenção do público em geral, uma vez que NFL soube explorar o seu potencial.

Com torcedores extremamente apaixonados pelos seus times, o evento possibilita a todos assistirem, em primeira mão, se os seus respectivos times conseguirão draftar – o que significa o ato de contratação dos jogadores durante o Draft – algum novo fenômeno ou o jogador que os demais times almejavam.

Até mesmo a ordem da escolha dos jogadores torna a dinâmica interessante: são sete rodadas (rounds) e a primeira delas determina a sequência das demais. Além disso, a ordem é baseada no desempenho dos times na última temporada, iniciando-se pelos times que tiveram o pior desempenho e seguindo para os que mais se destacaram.

Desta forma, busca-se criar mais chances para que os times que não se saíram tão bem na temporada consigam se reerguer com a ajuda dos novos talentos. Nessa lógica, os dois times que participaram do Super Bowl (que é a final disputada entre os times vencedores de cada conferência) são colocados no final da fila para a escolha.

Em teoria, essa dinâmica estimula a competência no esporte, uma vez que possibilita o equilíbrio técnico entre as equipes. Para ilustrar, no Draft de 2021 o primeiro time a escolher foi o Jacksonville Jaguars, e os últimos, o Kansas City Chiefs e o Tampa Bay Buccaneers, atuais campeões.

Assim, o Draft ganhou importância para o desenvolvimento dos times e para o teor comercial ao longo dos anos – quanto mais competitivo for o esporte, maior será o público –, além de constituir uma importante parte da cultura desportiva dos EUA. Consequentemente, o evento reflete, a seu modo, uma representação do “sonho americano”, pois possibilita que jovens atletas emerjam do anonimato – e muitas vezes da pobreza – para se tornarem referência de toda uma geração e serem coroados em rede nacional, garantindo-lhes contratos milionários.

Essa expectativa acaba que se desdobra em incentivos às categorias de base do futebol norte-americano. A título de exemplo, a própria NCAA Football – o principal campeonato nacional de futebol universitário nos Estados Unidos – faturou US$ 913 milhões no ano de 2013. Por sua vez, a CBF faturou R$ 436 milhões no mesmo, o que é, comparativamente, muito inferior.

Não bastasse isto, os 123 times que participam da NCAA reportaram uma receita combinada de US$ 3,2 bilhões (na época, isso equivalia a 7 bilhões de reais) em 2013 ao Departamento de Educação dos EUA, enquanto no Brasil a elite do futebol arrecadou menos da metade (R$ 3,1 bilhões).

Em termos de público, o futebol americano da NCAA também impressiona, levando, em média, 50 milhões de torcedores aos estádios. A conferência Sudeste, a mais forte dos EUA, tem em média de 70 mil por partida, e a Universidade de Michigan movimenta 100 mil torcedores em média durante a temporada, lembrando que isso não é a NFL (a liga profissional), mas apenas o futebol americano entre universidades.

Até hoje, esses números não param de aumentar. Quem estuda em uma universidade cria vínculos e constrói sua identidade, pois enxerga no esporte um caminho para visita-la, reviver bons tempos e torcer pelos times da casa. Trata-se de um vínculo diferente em relação ao torcedor de um time de futebol brasileiro, e muitos ainda não perceberam o seu potencial, inclusive financeiro.

Com tudo isto em mente, propomos uma reflexão: o que podemos aprender com a NFL e o Draft? Ora, a popularidade do futebol norte-americano, a publicidade envolvida e os números movimentados apenas reforçam a necessidade de criação de incentivos concretos e relevantes em nossas categorias de base, pois há, aqui, um imenso potencial ainda não explorado.

Isto é surpreendente quando se leva em consideração que o Brasil é conhecido por ser “o país do futebol”, e a causa disto certamente não é falta de público, pois se fosse realizada uma comparação com os torcedores norte-americanos no quesito amor ao esporte, a paixão dos torcedores brasileiros não deixaria nada a desejar.

E mais: como poderíamos nos inspirar em uma nação que transformou um esporte em um espetáculo e em matéria-prima para um negócio multibilionário? Poderíamos aplicar um conceito similar em nossas peneiras? Afinal, as peneiras nada mais são do que uma seleção que os clubes fazem para descobrir novos talentos que ainda não começaram a carreira profissional.

Sabemos que a realidade no Brasil é complexa: o governo não subsidia de maneira adequada a prática dos esportes, e os investimentos vindos da iniciativa privada ocorrem a passos lentos. No entanto, o potencial de desenvolvimento esportivo e econômico existe, e podemos começar aos poucos, com maiores incentivos, construção do sentido de unidade e lealdade ao clube e valorização da jornada de cada jogador até a ascensão às categorias profissionais.

Sem dúvidas, trata-se de um árduo trabalho a ser desenvolvido no decorrer de anos. Afinal, a própria NFL demorou anos para transformar o Draft e suas “categorias de base” no que são hoje. Mas é inegável o sucesso de seu empreendimento, que deve servir de inspiração para outros esportes, atletas e torcedores.

No caso do futebol brasileiro, cuja modalidade tem alcance mundial e muita força na América Latina e na Europa, o seu potencial é significativo e merece ser explorado mediante investimentos adequados, estratégias de marketing certeiras e comprometimento perene por parte dos gestores. Quem sabe daqui alguns anos também tenhamos um evento no estilo Draft, à brasileira, similar ao da NFL – e até uma palavra própria, que seja nossa, para nos referirmos a ele?

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Ciências dos dados, conhecimento e o futuro do futebol

“Sabedoria não é ter opinião certa, é mantê-la aberta.
 Para isso servem os dados e as informações:
 para que o conhecimento seja sempre revisto.”

(Daniel Piza, jornalista e escritor brasileiro, 1970-2011).

Crédito imagem: Walmir Cirne/AGIF/CBG

Há quem afirme que estamos vivendo na “Era do Conhecimento”. Mas talvez seja melhor falarmos em “Era dos Dados” ou “Era da Informação”. Com a rápida evolução da tecnologia e das redes digitais e sociais, particularmente a partir da década de 1990, o mundo tem ficado progressivamente mais interconectado, tornando o acesso aos dados e às informações mais barato e, consequentemente, em princípio, disponível a todos.

Porém, é prudente não nos apressarmos em concluir que essa tendência já está devidamente consolidada e se constituindo em uma verdadeira conquista dentro de um movimento de democratização universal do acesso aos dados, informações e conhecimentos. Para contrapor a esta ideia, basta lembrarmos que algumas pesquisas mais críticas nos sinalizam que – sem contar a população que não tem qualquer acesso à Internet (cerca de 25% dos brasileiros, por exemplo) – há ainda diferenças gritantes na qualidade deste benefício, disponível supostamente a todos, incluindo as camadas mais carentes da sociedade. Sem muitos recursos e uma adequada formação educacional, por exemplo, o próprio acesso aos dados e às informações dá-se de forma precária, insuficiente, e, desta forma, contribui muito pouco no sentido de promover o conhecimento ou um verdadeiro desenvolvimento humano e social mais ampliado.  

Além de tudo, temos que reconhecer que o simples acesso aos dados e às informações não significa, necessariamente, acesso ao conhecimento propriamente dito. E para reforçar este exercício intelectual, vamos inicialmente destacar as diferenças entre “dados”, “informações” e “conhecimentos”.

Dados são elementos quantitativos ou qualitativos dos fatos e que, em si, não significam muita coisa. São apenas e tão somente dados extraídos dos fatos. Para deixar mais claro, e tomando o futebol como exemplo, podemos afirmar que um dado quantitativo seria constatar que determinado jogador percorreu 7,5 quilômetros em uma partida de 90 minutos. Já um dado qualitativo seria constatar que o jogador X se lesionou gravemente no último jogo de sua equipe.

Por sua vez, as informações são os elementos quantitativos do fato, contextualizados aos elementos qualitativos. A informação ocorre quando, diante de determinadas circunstâncias e contexto, conseguimos dar algum significado aos dados. Seguindo o exemplo anterior, podemos afirmar que uma informação surge quando juntamos alguns dados, tais como os já citados, e verificamos que determinado jogador percorreu 7,5 quilômetros durante 90 minutos (dado quantitativo), enquanto outros jogadores na mesma posição e modelo de jogo semelhante correm, em média, 9 a 10 quilômetros (outro dado quantitativo). A estes dados, juntamos mais o dado qualitativo de que o jogador, após uma inatividade por lesão, se afastou dos jogos por um longo período. Temos aqui um conjunto de dados que nos fornece uma informação, uma vez que demos algum contexto aos dados.

Dentro desta lógica, os conhecimentos seriam o resultado qualitativo das conexões entre as diversas informações. Ou seja, o conhecimento ocorre quando conseguimos dar sentido ao conjunto de informações obtidas. E voltemos ao exemplo: a partir de diversas informações obtidas, podemos concluir que o percurso de 7,5 quilômetros, abaixo da média de outros jogadores da mesma posição e jogando em modelos de jogo semelhantes, se deveu a uma opção do treinador que, pela qualidade técnica do jogador em questão, preferiu escalá-lo mesmo considerando suas limitações físico-fisiológicas para poder cumprir integralmente as suas funções neste jogo de retorno após uma lesão.

Além do conhecimento no sentido aqui adotado, podemos também incluir um outro tipo de conhecimento – poderíamos dizer, mais avançado – que chamaríamos de “sabedoria”. A sabedoria ocorre quando entendemos a complexidade das relações envolvidas nos fatos analisados e sabemos relacionar inteligentemente todos os conhecimentos disponíveis, sempre dinâmicos e em movimento, a ponto de sermos capazes de tomar decisões acertadas, conforme determinado objetivo.

Nesta perspectiva, a partir de uma compreensão ampla e sistêmica, que inclui o propósito (profissional e de vida) do jogador, podemos ministrar treinamentos específicos e gerais e orientar o atleta através de procedimentos que o auxilie a superar as dificuldades na fase pela qual passa (boa ou má). Enfim, podemos tomar as melhores decisões a partir dos dados, informações e conhecimentos adquiridos, melhorando a capacidade do jogador individualmente e do seu desempenho junto à equipe, devidamente alinhado às metas individuais e coletivas traçadas.  

Portanto, a ideia central desta proposta conceitual é que os dados devem gerar informações, que por sua vez geram conhecimentos, e que, finalmente, esses conhecimentos possibilitem melhorar a nossa capacidade para tomar boas decisões, ou seja, decidir com alguma sabedoria.

Porém, ao lidar com essas tomadas de decisão não podemos ser ingênuos, concluindo que elas dependem única e exclusivamente de nossa vontade individual. É preciso que tenhamos o claro entendimento de que a produção do conhecimento, seja no futebol ou em qualquer outra área da atividade humana, não é algo que surge apenas a partir de decisões pessoais. Significa, na verdade, o resultado de uma construção histórica, desenvolvida a partir de determinados contextos econômicos, culturais, políticos e sociais em que vivemos. Entender isso é fundamental para que possamos também entender aquilo que chamamos de conhecimento e como ele é produzido e aplicado.   

Outro aspecto igualmente fundamental sobre este fenômeno – e que não pode ser desprezado na análise crítica sobre o papel do conhecimento no desenvolvimento humano e social – relaciona-se à tendência de que os dados e informações, armazenados, organizados e processados exponencialmente pela Inteligência Artificial, através de algoritmos criados pelos cientistas de dados, começa a colocar novos desafios para a humanidade e, em nosso caso, ao futebol.

Qualquer pessoa que acompanha atentamente esta tendência é capaz de imaginar que, em breve, será perfeitamente possível que, em competições de alto rendimento, cada jogador entre em campo, por exemplo, com pontos eletrônicos em seus ouvidos e possa acompanhar uma voz de comando (que pode ser de um treinador ou de uma máquina), que indique ou defina qual será a melhor jogada a ser executada nas circunstâncias que o atleta se encontra em cada instante do jogo. Mesmo que tentativas como essas já tenham sido reprovadas no passado, a tendência permanece e, mais cedo ou mais tarde, voltam para ser implementadas em novas circunstâncias. Aconteceu com a regra do impedimento, com o número de substituições, com a implantação do V.A.R., entre tantas outras mudanças.

Mas o mais impactante de tudo isso talvez seja imaginar que pouco importa se gostemos ou não dessas inovações, uma vez que muitas delas, dentro do modelo de sociedade que vivemos, são definidas muito mais pelo mercado de consumo do que pelos nossos desejos individuais.

Portanto, pensar sistêmica e criticamente, buscando identificar os limites de interferência das ciências dos dados e da informação no futebol – e em nossa vida em sociedade, de forma geral – é algo que merece, e muito, a nossa atenção. Pensemos nisso!