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América e Palmeiras em Londrina: entenda

Conforme amplamente divulgado, o América mandará sua partida contra o Palmeiras na cidade de Londrina/PR e não em seu estádio, o Independência.

A partida teria sido adquirida por um empresário que pagou R$ 700.000,00 para a realização do evento esportivo na cidade paranaense.

Londrina esta há menos de 150 km do estado de São Paulo e possui imensa torcida por clubes paulistas, o que tem gerado certa polêmica. Eis que pode haver desequilíbrio técnico e, Flamengo e Atlético (rival local do América), possuem grande interesse na partida que é chave para a disputa do título.

O Regulamento Geral das Competições da CBF proíbe a inversão do mando de campo, ou seja, a partida não poderia ocorrer em São Paulo, mas permite a transferência de partidas para outros estados desde que o clube mandante obtenha, por escrito, a aprovação e concordância de todos os envolvidos, (federação ao qual está filiado, a federação anfitriã e o clube visitante), cabendo à CBF/Diretoria de Competições o poder de veto, levando em conta os aspectos técnicos e logísticos.

Ou seja, somente a Diretoria Geral das Competições da CBF pode analisar eventual desequilíbrio técnico e, se for o caso, vetar a transferência da partida.

O que, em uma análise preliminar, parece ocorrer no caso concreto uma vez que, conforme já exposto, Londrina está muito próxima do estado de São Paulo e possui, tradicionalmente, muitos torcedores dos grandes clubes paulistas.

Por outro lado, o América Mineiro possui uma das piores médias de público da competição o que reduz, na teoria, o “fator campo” no seu desempenho. Além disso, o valor oferecido pelo empresário é bastante significativo, especialmente, para clubes sem aspirações na competição.

Ressalte-se que o Estatuto do Torcedor não traz qualquer proibição à alteração de data, local ou horários de partidas. O que não pode ser alterado após a divulgação definitiva é o regulamento e não a tabela.

Por fim, é importante que os clubes e a Diretoria de Competições da CBF fiquem atentos, pois tal prática pode se tornar comum e ser amplamente utilizada em favor dos clubes de maior poderio econômico.

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Parecer ou representar é diferente?

Talvez entre as profissões mais intrigantes do mundo, para não dizer a mais “bonita”, o treinador de futebol proporciona (ou pode proporcionar) a felicidade/esperança/acalanto a milhares de pessoas. O que implica ser a mais “trabalhosa” (para alguns), no qual nos obriga a resolver problemas muito complexos e nos faz ser dependentes de variáveis não intervenientes, das quais não temos o menor poder de controle* (Julio Garganta fala muito em Constrangimentos da Tarefa, do Meio e do Ambiente). O treinador precisa enfrentar e resolver problemas dos mais variados, desde gestão de pessoas com suas ambições e expectativas) até a elaboração do treino/exercício que precisa resultar em determinado comportamento que vai (tende) ser determinante para correções (jogo passado) e aprimoramento para o próximo jogo (que pode ser “O” determinante). A profissão, e digo especificamente a de treinador de futebol, demanda mais sofrimento que a própria vida. Um mundo onde há as perguntas mais difíceis a serem feitas, pois (como foi dito em alguma coluna atrás) é um esporte coletivo, há interações coletivas, altamente dependente das condições iniciais, continuamente dependente das ações do adversário e intensamente influenciado por fatores que estão indiretamente ligado ao atleta, treinador e todos que se inserem ao treino e jogo.

*Conseguir manipular, pode ser, mas ter controle não acredito.

Um treinador que não tem fé não é um bom treinador.

Ter convicções técnicas e perceptivas (“feeling”), acreditar em você mesmo, no seu potencial. Concordo plenamente, contudo, não podemos esquecer que são as perguntas que movem o “mundo” (peço desculpa por não saber a fonte ao certo, mas acho que foi alguma propaganda que me ensinou isso). Como quero jogar? Quem devo utilizar? Como gerir a frustração/euforia e a sua relação? Como alcançar determinado comportamento individual/coletivo? Onde quero chegar? Qual estratégia utilizar? Como lidar com a crise? Fazer perguntas não é uma tarefa fácil. Aliás, para ter uma resposta decente, faça uma pergunta decente. É fundamental treinar fazer perguntas, principalmente a si mesmo?

Não podemos achar que a nossa (aqui falo nossa por ambição) profissão de treinador de futebol é fácil. Há alguns que ainda levam esta profissão por um caminho “fácil”,  por decorar um treino, seguir a mesma orientação (de um contexto que já passou), continuar com uma estratégia que deu certo em algum momento (geralmente um passado distante), ter aquela receita, aquela repetição (in)cansavelmente continua do comum, do mesmo! Isto tudo é pouco para esta profissão, não sendo o melhor caminho para ninguém.

Profissão que ainda, infelizmente, no cenário atual, é subestimada e mal interpretada por diversos seguimentos nos “mundos” intra/extra futebol. Esta profissão requer, na minha singela opinião, uma vasta gama de atributos para uma única pessoa. Um líder com qualidades necessárias para liderar, salve a redundância. Ou seja, estar pronto para liderar, saber ouvir, saber trocar ideias, saber ser humilde em não saber todas as respostas, mas querer saber todas respostas. Precisamos mudar radicalmente nossa percepção sobre essa profissão. É o que tento exemplificar neste vídeo que a UEFA fez sobre os treinadores de futebol (infelizmente não achei o link oficial, e por força maior tive que fazer o upload novamente, peço compreensão).

Ser líder não é para qualquer um. E a própria natureza mostra isso. Ter autoridade sem ser autoritário. Coordenar e gerenciar a personalidade de diversos atletas (somente a mais complexa “máquina”, o ser humano) com o objetivo de levá-los a(s) glória(s). Alimentar o amor e a paixão de milhares de torcedores, conduzi-los ao status de “vencedores”. Aliás, uma relação (treinador x torcida) que é equilibrada em uma linha tênue, facilmente abalada por um mínimo desconforto/ruído. Um treinador precisa ser sincero, principalmente, consigo mesmo! O essencial é visto pelo coração, como disse Saint-Exupéry. E penso que é alguma coisa nesse sentido. Além de toda as áreas técnicas necessárias e inerentes a profissão, o treinador precisa sentir que está sendo verdadeiro consigo mesmo, a fim de poder liderar/convencer os atletas. Penso, que às vezes, somente usando o mais profundo sentimento nas suas ideias e nas tomadas de decisões que verdadeiramente teremos a colaboração de todos os envolvidos. Se torna necessário criar/usar uma causa, para além (muito além) da financeira, um motivo mais emocional, que mexa intensamente com o ego do(s) atleta(s), sempre no intuito do atleta e da equipe oferecer o máximo disponível para alcançar o objetivo.

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Acorda, CBF?

Foi extremamente forte o discurso de Peter Siemsen, presidente do Fluminense, na noite da última quarta-feira (21). O time carioca tinha acabado de perder por 1 a 0 para o Corinthians em Itaquera, e com isso havia sido eliminado da Copa do Brasil. Em vez de falar sobre o jogo ou sobre as consequências da queda no certame nacional, contudo, o mandatário tricolor abordou apenas um aspecto do duelo: a arbitragem. Em determinado ponto do solilóquio, chegou a fazer uma cobrança pública direcionada a dirigentes. “Acorda, CBF”, disse Siemsen em tom provocativo. E se a Confederação Brasileira de Futebol efetivamente acordasse? Será que ele estaria preparado?

Siemsen é, vale dizer, um gestor experiente. Tem nível de conhecimento superior à média dos principais cartolas do futebol brasileiro. E pode até estar certo sobre lances da partida de Itaquera, mas a ideia aqui não é debater o mérito em cada impedimento ou possível infração – programas esportivos já gastam horas suficientes com esse tipo de discussão. O ponto é: a quem serve esse tipo de cobrança inócua? A que se presta essa reclamação rasa, sempre motivada por avaliação pessoal?

A CBF precisa acordar, sim, e não apenas por questões relacionadas ao nível de arbitragem. É uma entidade alicerçada num modelo falido de gestão, com problemas que vão de falta de transparência até a risível situação de Marco Polo del Nero, presidente que não viaja por temer ser preso pelo FBI.

Durante os anos de gestão no Fluminense, o que Siemsen fez para mudar esse diapasão? De que formas atacou o status-quo da CBF e que tipo de articulação tentou fazer para transformar aspectos nevrálgicos da gestão do futebol?

Reclamar como o presidente do Fluminense fez, independentemente do mérito, é totalmente ineficaz. Siemsen jogou para a torcida e tentou desviar o foco após uma eliminação que pode afetar todo o planejamento da equipe para a próxima temporada.

Se estivesse realmente preocupado, o presidente do Fluminense reuniria outras equipes e debateria modelos possíveis para a arbitragem – ou para qualquer outro tema – do futebol brasileiro. Pensaria em soluções coletivas e usaria essa representatividade para emplacar essas ideias na CBF. O modelo de administração da entidade cerceia o poder dos clubes, é verdade, mas o caminho para qualquer implosão dessa estrutura passa por um ambiente mais inclusivo. Enquanto cada um brigar apenas pelo próprio prato de comida e vociferar apenas quando faltar farinha em seu pirão, o todo seguirá padecendo.

É fácil dizer que meu time perdeu por um erro de um árbitro. Difícil é pensar nos motivos para aquele profissional ser suscetível àquela falha. Houve problemas na preparação? Há como minimizar isso? Não falo apenas de tecnologia ou de evoluções necessárias para um mercado de cifras tão vultosas, mas de mudanças na base.

O pior é que Siemsen não é caso isolado. Na próxima rodada da Copa do Brasil haverá outros, e nas partidas seguintes do Campeonato Brasileiro, com o desfecho cada vez mais perto, as platitudes sobre arbitragem também ganharão corpo.

Para o time, é fácil culpar a arbitragem. Para o torcedor, é fácil culpar a arbitragem. Para a mídia, é fácil explorar essa falta de empatia e gastar horas dissecando cada lance em câmera lenta, sem contexto ou frieza na análise. É um ciclo em que todo mundo se beneficia de um inimigo comum e pouco palpável. Falar sobre a “arbitragem” como instituição, sem ter uma proposta ou uma discussão mais densa, é apenas tergiversar.

Como tantos que o antecederam na reclamação, Siemsen queria desabafar, desviar o foco de um resultado negativo ou incutir nos responsáveis pela arbitragem uma pressão para partidas seguintes. Não havia ali qualquer viés positivo ou benéfico para o futebol como um todo.

Do ponto de vista de comunicação, Siemsen pode ter até adotado uma estratégia eficiente. No entanto, é um discurso extremamente pontual e egoísta. Não há desejo de que a CBF acorde em alguém que brada “Acorda, CBF!” instantes depois de uma eliminação e retoma o trabalho normalmente no dia seguinte.

O futebol brasileiro não precisa de gente que peça para a CBF acordar. O futebol brasileiro não precisa de gente que demonstre indignação com arbitragem. O futebol brasileiro precisa de gente que faça algo para mudar isso.

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Justiça condena Minas Arena, mas quem perde é o torcedor

O Mineirão foi reinaugurado em fevereiro de 2013 com um superclássico entre Atlético e Cruzeiro. Entretanto, a festa foi ofuscada pela desorganização. Faltou água, bares e lanchonetes sem produtos, banheiros inacabados, enfim, os direitos do torcedor/consumidor foram severamente violados.

Desde então centenas de ações movidas por torcedores contra o Minas Arena pleiteando danos morais e materiais tramitam no Judiciário mineiro.

Esta semana mais uma decisão foi exarada. A 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais reformou a decisão de 1ª instância e condenou a Minas Arena a indenizar o torcedor pelos danos morais sofridos no importe de R$ 1.500,00.

Considerando que muitas ações foram julgadas improcedentes, o TJMG agiu acertadamente ao reformar a sentença e condenar a Minas Arena.

Doutro giro, o valor da condenação é totalmente irrisório diante do poder econômico da Minas Arena e do necessário caráter punitivo e pedagógico da condenação.

A reparação decorrente do dano moral deve atender a dois objetivos: um de compensar a ofensa causada, e outra de punir o autor da lesão, desestimulando-o, de modo a não mais praticar ato semelhante e, ainda, servindo de exemplo à sociedade.

Assim, por meio de condenação econômica significativa no valor da reparação do dano moral, busca-se, além de satisfazer o sofrimento do lesado, punir o ofensor com o pagamento de elevada quantia pecuniária, dando à reparação nítido caráter punitivo- pedagógico.

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Nesse sentido já se posicionou o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Raul Araújo Filho em seu artigo “PUNITIVE DAMAGES E SUA APLICABILIDADE NO BRASIL” – Doutrina: edição comemorativa, 25 anos.

“Na aferição do valor da reparação do dano moral, deve, pois, o magistrado, seguindo os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, levar em consideração o bem jurídico lesado e as condições econômico-financeiras do ofensor e do ofendido, sem perder de vista o grau de reprovabilidade da conduta do causador do dano no meio social e a gravidade do ato ilícito”.

O combate a violência nos estádios de futebol começa no respeito aos direitos dos torcedores e, quando a violação de direitos chega ao Poder Judiciário, espera-se uma resposta efetiva.

Qualquer medida pedagógico-policial contra a violência no futebol torna-se sem efetividade se as punições legais não desestimularem o desrespeito aos direitos do torcedor, conforme foi constatado há quase três décadas pelo juiz inglês Taylor, no estudo que ficou mundialmente conhecido como “Relatório Taylor”.

Resolver o problema da violência nos estádios de futebol é um dever de múltiplas personagens e, dentre eles o Judiciário, última fronteira na luta dos cidadãos pelos direitos e uma condenação inferior a dois salários mínimos após 3 anos e meio, em nada desestimula o desrespeito ao torcedor e, por consequência, o combate à violência.

Os torcedores precisam levar suas demandas ao Poder Judiciário e este deve se atentar da relevância social de cada decisão na garantia de direitos e na paz no futebol.

Somente com o exercício reiterado de direitos o torcedor conseguirá reverter o quadro de desrespeito e, demonstrar ao Poder Judiciário, a importância de decisões firmes e com valores econômicos passíveis de punir o autor da lesão, desestimulando-o a praticar atos semelhantes, além de servir de exemplo para toda a sociedade. Caso contrário, mesmo ganhando, o torcedor estará perdendo.

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Executar ou pensar? (um dos "Erros de Descartes"?)

A questão não é quando eles vão parar, mas sim, quem vai para-los.

Futebol é um jogo de cognição e não de execução. Não devemos cair na ilusão do “basta saber fazer” para termos sucesso nos diversos e distintos confrontos que ocorrem durante os 90 minutos. Necessita-se pensar sobre o que estamos fazendo, mesmo quando não há tempo para pensar. E aqui falo de subconsciente! Sim, o treinamento atua no subconsciente. O movimento individual e coletivo foi trabalhado de uma forma tão qualitativa, que ficou naquele lugar da caixa craniana onde fica guardada as memórias de longo prazo.

Neste caso, preciso pedir para que relembremos daquele conhecimento que já vigora no campo da ciência há algum tempo. ⅔ do tempo total de realização do movimento é gasto em tomada de consciência e decisão, e apenas ⅓ é gasto em execução do movimento em si. Se executar representa ⅓ de todo o tempo gasto no jogo, por qual motivo devemos apenas nos preocupar com o executar?

Assim, fica inviável nos preocupar somente em aumentar a velocidade/frequência/plasticidade do gesto, temos que ter uma atenção maior com relação ao “pensar rápido”, ao raciocínio e ao poder de decisão que um atleta pode vir a alcançar, sendo essa característica que diferencia um atleta de alto nível dos demais jogadores de futebol. É necessário captar e selecionar a informação relevante de forma rápida; é preciso conscientizar e decidir rápido para que os mecanismos de tomada de decisão e execução sejam também rápidos, eficazes e eficientes. Claro que de uma forma simplista, ofereço um vídeo para tentar exemplificar o que quero dizer.

 

Não podemos dissociar corpo de mente; os dois interagem unidos e em mesma intensidade com o ambiente. O que foi o “Erro de Descartes” (filósofo francês) no ponto de vista de Antonio Damásio (Neurocientista), que escreveu um livro com este título. Neste livro ele fala da importância das emoções nos processos de memória. Conforme o mesmo, as emoções são conjuntos de reações químicas e neurais, visando sempre a sobrevivência de um organismo. Damásio demonstrou que razão e emoção não “jogam em campos diferentes”, contrariando a perspectiva amplamente difundida de que “decisões sensatas provêm de uma cabeça fria e de que emoções e razão se misturam tanto quanto água e azeite”. Hoje devemos reconhecer que as emoções estão implicadas nas percepções que fazemos do mundo, nas tomadas de decisões, nos raciocínios, na aprendizagem, nos processos de memorização, nas ações, na concentração, etc. E, quanto mais treinamos com “qualidade”, mais percebemos que as emoções são os pilares para um aprendizado concreto e duradouro (subconsciente).

Por isso treino é tudo. Na teoria dos sistemas dinâmicos, entende-se que os comportamentos e as destrezas motoras se adaptam de forma intencional aos constrangimentos impostos pelo envolvimento, durante a realização de uma tarefa. Ou seja, quanto mais a alto rendimento estamos ou pretendemos estar, mais precisamos entender que o treino deve ser considerado o principal meio a se chegar em níveis mais elevados de futebol. Mais precisamos ter um treino de “qualidade”.

Executar é uma parte do processo. Um processo que depende de outras partes. Um processo que pode ser melhorado e aperfeiçoado. Todavia, não basta executar. Aliás, se pensarmos assim, estaremos pensando de uma forma analítica um problema complexo, o que não parece de todo certo. Deixando de pensar o futebol de uma forma sistêmica. E em outros casos, quando optamos a se predispor em seguir (ou entender, ou copiar, etc) determinada “forma de pensar/metodologia”, se contradizer (principalmente na relação palavras x ação) não facilita a um “possível” aprendiz, a aprender com o mentor.

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Cheirinho de fim de ano

No esporte ou na comunicação, o momento importa muito. Nas duas searas, a mesma mensagem pode provocar reações contrárias em um mesmo remetente se for emitida em momentos diferentes. Ainda faltam 12 rodadas inteiras para o término do Campeonato Brasileiro, mas o rendimento esportivo e as estratégias de comunicação adotadas pelas principais equipes da elite nacional são bons exemplos disso.

Com pouco mais de um terço do certame pela frente, o Campeonato Brasileiro de 2016 já começou a separar as equipes de acordo com objetivos. É possível identificar um bloco de postulantes ao topo da tabela, uma faixa intermediária e uma zona dos clubes que tentam evitar o descenso, ainda que os 36 pontos possíveis para qualquer equipe admitam oscilação entre esses pelotões. E a comunicação? Você já notou algum direcionamento de comunicação adequado a essas metas?

O Cruzeiro tem uma das melhores médias de público do Campeonato Brasileiro, por exemplo. A despeito da campanha claudicante, a equipe mineira tem sido auxiliada por um estádio de grandes proporções e por uma torcida presente. O bom número de espectadores persistiu na reta inicial do torneio, quando o time azul teve rendimento ruim, e não despencou nas últimas partidas, período em que rarearam os bons resultados obtidos pós-contratação do técnico Mano Menezes.

No entanto, não existe estratégia de comunicação adequada a esse cenário. O discurso mais lúcido no Cruzeiro parte do próprio Mano Menezes. “O Cruzeiro depende só dele. Não depende de resultado de ninguém. Se fizermos nossa parte, vamos subir na tabela. Vamos ter jogos difíceis, como o de domingo, contra o Flamengo, mas estamos acostumados a isso. Temos de ser cuidadosos e temos de saber nos portar”, disse o treinador depois de um empate por 1 a 1 com o Atlético-MG no último domingo (18).

Mano sempre foi caracterizado por declarações sóbrias e condizentes com a situação dos times que dirigiu. No Cruzeiro, o que chama atenção é que ele seja o único: não há entre jogadores e diretoria uma voz tão clara sobre o que a equipe pode fazer no restante do campeonato e o peso dos resultados recentes – duas derrotas e um empate.

O Corinthians tentou fazer o inverso. Na quinta-feira (15), a diretoria convocou uma entrevista coletiva para dizer que os resultados recentes não abalavam a confiança no trabalho do técnico Cristóvão Borges e que o planejamento vinha sendo feito para o restante do ano e para o início da temporada seguinte. No sábado (17), o time perdeu para o Palmeiras e o treinador caiu.

Esse tipo de sequência de fatos joga contra qualquer processo do clube. Como alguém vai confiar em uma diretoria que muda de ideia em dois dias? Como alguém vai confiar em alguém que carece de convicção em um assunto tão nevrálgico?

É difícil falar em convicção num setor em que as certezas mudam a cada quarta e a cada domingo, mas é exatamente por isso que a comunicação não pode ser contaminada por resultados. É fundamental que os clubes entendam rapidamente o que podem oferecer a seus consumidores e que tracem um plano para dar relevância a isso. Times de menos torcida já entenderam como fazer isso – a Chapecoense, por exemplo, faz um campeonato para seguir na Série A, comunica isso bem e não lida com frustrações se ficar alijada da briga por algo maior.

Passou da hora de os clubes brasileiros começarem a fazer promoções ou ações específicas para a reta final do Campeonato Brasileiro. Passou da hora de o Internacional montar um plano de comunicação para envolver a comunidade colorada na briga contra a queda, por exemplo. O São Paulo poderia fazer o mesmo – como já fez, em temporadas passadas, mas numa fase mais aguda da competição.

Passou da hora de Palmeiras e Flamengo se assumirem como postulantes ao título. De usarem de forma positiva uma das grandes novidades da temporada, que é a história do “cheirinho do hepta”. No esporte brasileiro existe um temor muito grande sobre o uso de material como motivação de rivais. Querer o título ou tentar incutir na cabeça de seu torcedor que isso é viável seria algum tipo de desrespeito a alguém?

Passou da hora de times como o Corinthians admitirem que a prioridade é pagar contas e que o planejamento não é para o curto prazo. As ações de algumas diretorias dizem isso, mas falta um discurso alinhado a isso.

Por ser muito competitivo ou por ter um excesso de times considerados grandes, o futebol brasileiro tem enorme receio de lidar com diferença de patamar. É como se os 20 times da Série A fossem obrigados a entrar no campeonato pensando em título, ainda que exista uma diferença enorme de investimento, estrutura e qualidade entre eles.

Comunicação que não tem respaldo nas ações é inócua. Ações que não têm respaldo de comunicação não repercutem do jeito certo. Enquanto o futebol brasileiro não entender que é necessário envolver a comunicação no processo de gestão, vamos seguir disputando campeonatos de milagres ou frustrações.

Não é preciso muito para mudar isso. Os clubes só não podem esperar os três ou quatro últimos jogos para entender a mensagem que precisam passar a seus torcedores.

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Superando momentos de crise no futebol

Observamos muitos clubes de futebol enfrentando problemas e crises ao longo de uma temporada no Brasil. São inúmeras competições, muitas vezes simultâneas e um vai e vem de atletas e treinadores dentro dos clubes. Com esse cenário, como seria possível superar momentos de maus resultados em campo, crises eminentes e demissões de cargos técnicos?

Sabemos que o futebol está cada dia mais complexo, com todo o tratamento que o esporte recebe nos dias de hoje como negócio. Se por um lado buscamos profissionalizar o futebol, com planejamentos mais realistas e fundamentados, com desenvolvimento de talentos desde a base e variadas estratégias de marketing, ao mesmo tempo, precisamos considerar a variação de resultados como algo eventualmente natural para um esporte coletivo de alto desempenho. Porém, esta variabilidade de rendimento, por envolver uma carga emocional muito grande devido ao envolvimento dos fãs, ou torcedores, traz uma latente necessidade por resultados de curto prazo.

E como equacionar essa equação?

Infelizmente não existem fórmulas mágicas, mas sim estratégias e planos de ação que ao serem colocados em execução, podem sim trazer resultados melhores em médio prazo.

Quanto a gestão do negócio, cabe retornar ao planejamento estratégico da temporada, rever as metas e replanejar o que for necessário para ter uma adequada compreensão do estado atual do resultado do futebol e com isso alinhar adequadamente as expectativas de todos os envolvidos. Eventualmente, caberão novas ações a serem implementadas para que se possa ainda manter a direção definida em planejamento, porém, caso as ações não sejam uma alavanca real para os resultados, pode haver a necessidade de ajuste de rumo.

Em relação as lideranças, tema complexo, cabe uma adequada capacidade de inteligência emocional para lidar com os momentos de maus resultados. Isso pode contribuir para a manutenção da própria confiança e a dos demais, que são impactadas positivamente quando existe a crença real sobre o caminho que se está seguindo.

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Em relação aos atletas de futebol, cabe sim a adequada maturidade para o enfrentamento da realidade na qual o time se encontra. Uma vez que o atleta compreende que a situação real é difícil e complicada, este começa a perceber que na verdade cada situação de problema, nada mais é, do que uma oportunidade de superação e aprendizado. Dificuldades todos passam, atletas ou não, quando o atleta lembra que para chegar até aquele momento já passou por vários desafios na vida e que todos eles foram superados, ele tende a perceber a situação como mais um desafio a ser vencido em sua carreira.

Na minha opinião, apesar do torcedor ou fã ser o grande responsável pela paixão que o futebol representa, em momentos de crise ele também tem um papel de direta influência no resgate do time. Pois, quando se une aos dirigentes, aos atletas e membros da comissão técnica, isso demonstra que existe uma confiança entre todos os seres humanos envolvidos no futebol.

Aí sim, caro leitor, teremos a chance mais realista e sustentável de ver novas histórias de superação e extinção de crises existentes, pois o tripé planejamento, execução e pessoas começa a funcionar com excelência.

E ainda, o final de qualquer ciclo de crise no futebol ainda tem mais uma valiosa questão a ser registrada para minimizar o impacto de outros momentos de dificuldade: o aprendizado vivido na prática e as lições aprendidas como histórico para novas temporadas.

Até a próxima.

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Manipulando as regras do jogo

“Jogo é treino e treino é jogo”!

Esta frase nunca foi tão real como nos dias de hoje no futebol brasileiro. Cada vez mais, os profissionais das comissões técnicas, têm aderido em seus treinamentos o incremento de jogos com regras adaptadas. A utilização desta ferramenta pelos profissionais, até certo tempo atrás causava estranheza (e até preconceito), em atletas, dirigentes, mídia, torcedores e, por vezes, entre os próprios membros das comissões, por gerar dúvidas quanto a sua eficácia em condicionar os jogadores. Porém, com cada vez mais pesquisas e estudos a respeito, mais um paradigma vem sendo quebrado e os jogos com regras adaptadas estão se popularizando e ganhando cada vez mais espaço nas periodizações das equipes, seja nas categorias de base ou equipes profissionais.

Das várias vantagens de se utilizar jogos com regras adaptadas para o treinamento, destaco aqui a possibilidade de gerar a imprevisibilidade, tão marcante no futebol, e assim respeitar um dos grandes e principais princípios do treinamento, a especificidade. Os treinos, sob o viés do jogo, podem ser extremamente próximos da realidade que os atletas encontrarão em uma partida, sendo o futebol tão imprevisível, é necessário que os atletas estejam preparados para isso. Logo não haverá nada mais específico na preparação de uma equipe, para as situações imprevisíveis de um jogo, do que a utilização do próprio jogo como ferramenta de treino.

Entretanto, ao mesmo tempo que os jogos com regras adaptadas têm grande poder em preparar os atletas, se não bem planejados, tem o mesmo poder em gerar um efeito negativo na equipe. Vejamos o exemplo destes dois jogos abaixo:

jogo1-jogo2

Regras:

 – Jogo 1: A equipe só poderá finalizar ao gol após trocar no mínimo 7 passes sem que perca a posse da bola ou ela saia para fora do campo, caso aconteçam essas situações, a contagem dos passes deve ser zerada.

– Jogo 2: A cada 7 passes que a equipe trocar será acrescido 1 ponto a mais ao valor do gol quando este for marcado. As duas equipes iniciam o jogo com seus gols valendo 1 ponto.

Os dois jogos possuem os mesmos objetivos, são iguais em dimensão do campo e quantidade de atletas, havendo diferenças “somente” em suas regras específicas. São duas atividades que já utilizei com as equipes que trabalhei.

Dado estes cenários, vejamos a tabela abaixo que mostra os principais comportamentos que estes jogos irão induzir nos jogadores:

Jogo 1 Jogo 2
Ofensiva A tendência é de que haja um alto número de tentativas de trocas de passes, sem que estes necessariamente busquem progressão ao gol adversário, e de baixo número de finalizações. A tendência é de que haja um equilíbrio maior entre o número de passes e de finalizações, e que os passes busquem mais a progressão ao gol adversário.
Defensiva Os jogadores tendem a exercer uma marcação mais branda, pois têm a vantagem de o adversário não poder atacar seu gol a qualquer momento. Os jogadores tendem a exercer uma marcação mais intensa, visto que o adversário pode atacar seu gol a qualquer momento.
Transições Serão mais lentas. Não há a necessidade de progredir ou impedir progressão imediata do adversário. Serão mais rápidas. É vantajoso progredir ou impedir a progressão imediata do adversário.
Bolas Paradas Basicamente serão cobradas de forma curta e não necessariamente buscando progressão ao gol adversário. Poderão ser cobradas direta ao gol ou buscando colocar a bola em uma situação de risco ao adversário.

Ainda que sejam duas atividades com os mesmos objetivos e estruturas, a diferença de regra entre elas, as tornam muito diferentes em termos de resultados da dinâmica do jogo. Como podemos ver na tabela, fica claro que o jogo 2 conseguirá contemplar os dois objetivos primários de forma mais satisfatória e, principalmente, este respeita muito mais o princípio da especificidade, ele é muito mais imprevisível que o jogo 1. Além disso, a quantidade de repetições de ambos os fundamentos (passe e finalização) no jogo 2 será mais satisfatória, haverá mais finalizações e passes objetivos. As diferenças de comportamento que cada jogo irá induzir nos atletas também são marcantes, enquanto o jogo 2 estimula os jogadores a serem mais rápidos no processo tomada de decisão+ação, o jogo 1 causa o efeito contrário, os deixando mais lentos neste processo.

Claro que somente o jogo pelo jogo não será suficiente para se alcançar objetivo nenhum, a frase do Prof. Dr. Alcides Scaglia “A didática transcende o método” sempre ecoa em minha mente a cada nova sessão de treino, a didática de quem aplica o treino é extremamente importante para que este seja efetivo, aliado ao conhecimento e domínio do método que se pretende aplicar. Caberá ao treinador realizar as abordagens adequadas às situações que ocorrem no treino, afim de que este faça sentido para os atletas, que sejam tangíveis e contextualizadas as ações do treino para o jogo.

Aqueles que optam pela utilização dos jogos com regras adaptadas devem ter bem claro quais são os objetivos com estes jogos, que comportamentos estas regras irão induzir em seus jogadores, se a dinâmica deste jogo irá contemplar os princípios de especificidade e imprevisibilidade, além de garantir um elevado índice de repetições dos objetivos desejados. Esta tarefa não é simples e exigirá o consumo de certo tempo de planejamento refletindo sobre os jogos, porém, quando a comissão encontra as características adequadas dos jogos para a equipe e as ideias de futebol que possuem, as chances de se obter bons resultados aumentam consideravelmente.

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Clássicos e divisão da torcida: de novo

Sempre que se aproxima um clássico de ampla rivalidade, inicia-se o debate sobre a divisão dos ingressos.

A grande justificativa para a torcida única ou a divisão não equânime entre as torcidas é a questão da violência.

É imprescindível uma análise mais profunda nos contextos históricos, políticos e sociais para que se identifique as reais causas da violência.

Entretanto, não se pode, contudo, afastar que as causas da violência provem da própria sociedade.

“as causas da violência no esporte devem ser buscadas na sociedade. E aqui não há como escapar ou negar que a exclusão social é um fator preponderante dentre as múltiplas causas da violência. A pobreza, as péssimas condições de vida, o desemprego, a falta de escola, de moradia, de cultura, de lazer, etc”¹.

A violência relacionada ao esporte deve ser compreendida em um sistema de metabolismo social contemporâneo.

Os episódios de violência veiculados pela mídia, na maioria das vezes, envolvem confrontos diretos entre torcedores rivais, o que acaba por gerar perplexidade e disseminar a sensação de insegurança entre a população e os pacatos frequentadores de jogos em estádios de futebol.

Na tentativa de minorar o lastimável quadro de violência em jogos de futebol, o Poder Público passou a sugerir a realização de jogos com torcida única como forma preventiva diante dos latentes riscos de segurança e ordem pública.

A medida, entretanto, divide opiniões²:

Uma das vozes mais atuantes neste sentido é a do Promotor do Ministério Público de SP, Dr. Paulo Castilho. Para ele trata-se de “uma medida transitória e emergencial para conter esta onda de violência, até conseguirmos estabilizar a situação”.

Também favorável à medida, o ex-ministro do Esporte, Orlando Silva, menciona que “não faz sentido futebol sem público, mas é hora da torcida única como medida emergencial nas decisões”.

Segundo Irinaldo Pacheco, o Nadinho – diretor-geral da Fanáutico, principal torcida do Náutico. “A única torcida visitante que vai ao estádio é a organizada, e sempre tem confusão. Por isso, sou a favor da torcida única”.

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Na esteira dos contrários a torcida única, pondera o Cel. Marcos Marinho, ex-comandante da PM de SP que “a sensação de segurança fica maior, e os riscos menores, mas acho que ainda não é o momento”.

Para o diretor da Mancha Alviverde, Rafael Scarlatti, torcida única seria “uma vitória da violência, já que as torcidas terão de pagar por uma ineficiência do Estado”. “Quem quer brigar vai para a ‘pista’ de todo jeito. A violência em Pernambuco é fora dos estádios, e isso só vai fazer com que as brigas mudem de local. O que é preciso fazer é interditar as vias de acesso aos estádios, em dia de clássicos, e dividi-las entre as torcidas dos dois times”, avalia o Vice-presidente da Torcida Jovem do Sport, Marcelo Domingues.

O Deputado paulista Federal Silvio Torres afirma que “iremos escamotear o problema, deixar de nos atentar para as causas envolvidas e confessar a impotência das autoridades”.

Na opinião do saudoso jurista desportivo, Marcilio Krieger, a medida “é uma forma de segregação que a constituição não permite, além de ser uma declaração da falência do estado para manter a tranquilidade social. Essa é uma briga de gato e rato, mas não será com torcida única que a violência será coibida. Isso tira o direito de um inocente assistir a um jogo, embora ele não tenha agido de forma contrária à lei”.

Vale ressaltar que o fenômeno da violência envolvendo futebol não ocorre apenas no Brasil, mas em vários países, especialmente da América Latina, como é o caso da Argentina, que instituíram jogos com torcida única como medida preventiva a segurança contra as temidas barra bravas.

A medida adotada pela Argentina, assim como no Brasil, também é bastante debatida.

Em matéria datada de 28/08/2013, sobre torcida única, o jornal LANACION em sua coluna “canchallena”, destacou o posicionamento do presidente da AFA – Associação do Futebol Argentino, em que mencionou terem sido decisões pouco inteligentes.³

No Brasil, do ponto de vista jurídico, a adoção de torcida única encontra um de seus fundamentos, o disposto no art. 17 da Lei nº 10.671/2003 conhecida como Estatuto do Torcedor, que prevê dentre outras ações, medidas preventivas de segurança em partidas com excepcional expectativa de público.

Art. 17. É direito do torcedor a implementação de planos de ação referentes à segurança, transporte e contingências que possam ocorrer durante a realização de eventos esportivos. § 2o Planos de ação especiais poderão ser apresentados em relação a eventos esportivos com excepcional expectativa de público.

Mas afinal, considerando que o futebol é um patrimônio cultural brasileiro reconhecido mundialmente, a adoção de torcida única estaria ligada ao despreparo ou incompetência pública?

Em um primeiro momento, poderia se arguir se o artigo citado não fere diretamente disposições constitucionais, pois conforme já se verificou neste estudo, o dever de segurança pública, tanto no âmbito preventivo quanto repressivo, é de competência da  administração pública, ou seja, do Estado.

A grande questão que se coloca é qual o limite da responsabilidade dos atores elencados no referido artigo para que de fato se produzam os efeitos preventivos desejados. A questão é muito discutida tanto pela jurisprudência quanto pela doutrina especializada.

Deve-se atuar de forma repressiva, punitiva e, ainda, preventiva.  Documentos do Conselho da Europa concluíram que a deterioração das instalações dos estádios pode vir a ser um fator gerador de violência envolvendo espectadores de futebol dentro dos estádios, assim como a má organização do futebol e de seu espetáculo.

Tal como ocorreu na proibição do consumo de bebidas alcoólicas,  na ânsia de dar uma reposta à sociedade e apontar soluções para a crescente violência nos estádios de futebol, escolheu-se a rivalidade como vilã.

Assim, deve haver um conjunto coordenado de ações entre entidades privadas e o Poder Público para atacar a violência no futebol, especialmente com a maior qualidade dos produtos de entretenimento esportivo”.

Diante de todo exposto conclui-se que resta evidente a urgente necessidade de se encontrar caminhos alternativos que garantam o pleno exercício de direitos fundamentais constante na Carta Magna que se encontra em rota de colisão. Ou seja, é preciso garantir o direito às liberdades individuais e coletivas alinhadas à segurança e ordem pública.

Urge destacar que mediante o quadro de violência que tomou conta do futebol, o Estado, clubes e federações têm se mostrado despreparado e por vezes incompetentes, o que acaba por legitimar, dado os anseios da sociedade, a adoção da medida de torcida única. O que nos dizeres Marcos Lopes, da Tribuna do Norte, “é o atestado de falência da segurança pública de um estado, é o atestado da perda de espaço dos bons, a vitória dos maus, a consolidação da violência e – insisto – a prova definitiva da incompetência do estado em garantir a segurança do bom torcedor”.

A Inglaterra, por exemplo, após a morte de 96 torcedores em Hillsborough, realizou profundo estudo conhecido como “Report Taylor” que apontou as causas da tragédia e, sugeriu uma série de medidas a serem adotadas, como as destacadas por Luiz César Cunha Lima:

Revisão da capacidade de público de todos os estádios; instalação de assentos numerados em todos os setores dos estádios; novas provisões a respeito de primeiros socorros e serviços de emergência em todos os campos de futebol; estabelecimento de grupos locais encarregados de fornecer conselhos sobre a segurança nos estádios; retirada dos alambrados e monitoramento do público na arena desportiva. (LIMA, 2008). ⁴

Por fim, importante destacar a atuação do Poder Público espanhol, no qual as medidas de segurança adotadas pela Comissão Nacional contra a Violência nos Espetáculos Esportivos fizeram com que o corpo de segurança do Estado tivesse plena fiscalização e controle dos espectadores dentro dos estádios e em suas imediações, por meio de câmeras de vídeo e um trabalho sincronizado entre os diferentes corpos de segurança que trabalham durante um evento futebolístico.

 
 
[1] CHINAGLIA, A. “A violência nos estádios de futebol: sua origem prevenção e repressão”. In: SÃO PAULO (Estado). A violência no esporte. Secretaria de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania, São Paulo.

[2] UOL ESPORTE. Disponível em http://esporte.uol.com.br/futebol/violencia-no-futebol/contra.jhtm#. Acesso em 26 de dezembro de 2014.

[3] LANACION. Disponível em: <http://canchallena.lanacion.com.ar/1614659-vuelven-los-visitantes-al-futbol-pero-solo-plateistas>. Acesso em 26 de dezembro de 2014.

[4] – LIMA, Luiz César Cunha. O relatório Taylor. Brasília-DF: Clubjus, 10 nov. 2007. Disponível em: <http://www.clubjus.com.br/?artigos&ver=2.11535>. Acesso em: 27 set. 2008.

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O jogo que pretendemos, é construído

Sabemos que há a necessidade de reconhecer que não tem só uma forma de jogar futebol, mas sim diversas. Independentemente disso, por várias vezes, não temos a noção precisa da complexidade desse jogo. Claro que esta característica advém da forma como lidamos com esse “fenômeno”. Podendo ser mais complexo ou menos complexo, conforme for a qualidade das ideias que temos sobre o jogo. E aqui falo do fato do jogo de futebol ser construído a partir de ideias.

Enquanto isso não estiver na consciência de todos aqueles que envolvem o futebol, dificilmente conseguiremos sair do lugar onde estamos e, finalmente, subir a um nível maior de competitividade. Ou seja, se não evoluirmos neste pensamento ainda o nosso futebol estará atrelado unicamente ao fundamental do jogo (confrontos individuais).

Resultantes da forma como vemos o futebol, as convicções de ensino, de treino, de jogo e os conhecimentos, só têm sentido quando a interação (entre eles) for o “norte” dessas concepções e seus conhecimentos resultantes. Assim, para analisar e criar o jogo, este deve ser entendido dentro de uma perspectiva sistêmica (falei sobre isso em alguma coluna atrás). Um sistema complexo “é um sistema que consiste num grande número de variáveis que interagem entre si de várias formas”. Um sistema é adaptativo (organização flexível/complexa) se essas variáveis modificarem as suas ações como resultado dos confrontos no processo de interação e, apresentar características de auto-organização se as diferentes variáveis desse sistema interagirem espontaneamente entre si e cooperarem com objetivos e comportamentos comuns, coordenados, criando uma ordem a partir da aparente desordem (falamos sobre isso na coluna sobre Organização).

Quando se pretende reduzir essa complexidade, as interações desvirtuam-se e desaparecem, frequentemente, os conceitos que dão sentido ao jogo, voltando a ser mais retrô/simples. Acabando por virar um jogo mais individual e caótico (uma sequência insana de confrontos individuais e de uma bola “saltitante”). Assim, para entender este tipo de sistema e conseguir intervir para orientar e evoluir, é necessário compreendê-los na sua complexidade e com as interações que os caracterizam. Contudo, o ser humano exibe padrões de comportamento, o que não é diferente no futebol. Padrões estes que devemos identificar ao longo do jogo, a fim de caracterizar individualmente e coletivamente a equipe. Mandelbrot, cientista matemático, fala em fractal (uma parte invariante ou regular de um sistema caótico que pela sua estrutura e funcionalidade consegue representar o todo, independentemente da escala aonde possa ser encontrado).

Trago como exemplo um momento do primeiro Man.United x Man.City da temporada. Um fragmento do jogo que por sua estrutura e funcionalidade pode perfeitamente representar o jogo por inteiro.

O jogo de futebol é definitivamente um desses fenômenos caóticos com organização fractal. Dentro da aleatoriedade que pode existir durante um jogo, o treinador e a equipe, através de processos de treino-ensino e planificação previamente executados, pretendem criar previsibilidades que sejam identificáveis, que consigam interagir com as aleatoriedades e que tenham a capacidade de se relacionarem com os constantes estados de equilíbrio e de desequilíbrio ou longe-do-equilíbrio característicos destes sistemas.

“O que faz o jogo é a transformação da casualidade em causalidade, ou seja, aproveitar o momento; e quem ensina a aproveitar o momento são a estratégia e a táctica”, Garganta. Tática, neste sentido, é algo sobre os domínios dos princípios, das ideias de jogo. Domínio das referências que levam o comportamento coletivo e sua frequência ao longo do jogo e dos jogos. E isso, se adquiri com o tempo. O jogo que pretendemos é construído a partir das nossas ideias e de como entendemos os problemas que enfrentamos no treino e no jogo. Quanto mais “qualidade” tiverem as ideias mais “qualidade” terá o jogo. Quanto mais “qualidade” tiver o princípio mais “qualidade” terá a criatividade da equipe e de cada atleta (ou jogador).