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Nem lhes conto! Um sonho terrível tirou-me o sono. Sufocava! Levantei-me e saí à procura de ar puro fora da caverna, era madrugada, o silêncio pesava, nem uma vivalma àquela hora, exceto Aurora, que, à minha direita, fitava o céu, de tal maneira absorta, que sequer me percebeu. A coruja admirava Dalva, a estrela, Vênus para alguns. Aguardei os clarões do sol apagarem o brilho da estrela da manhã, e chamei a atenção de Aurora; toquei-lhe o ombro. Ela, que não dormia, acordou. E disse:
– Pensava no Ronaldo, no que aconteceu naquele jogo do Corinthians com o Palmeiras. Inacreditável! Será o rapaz uma Fênix ressurgida? Três cirurgias depois, fintas, passes, bola na trave, e aquele gol, logo de cabeça, que não é seu forte. Mais parecia um programa do canal Z33, da TV da minha toca, aquele que só mostra o que a gente quer ver. Deu-me a sensação, quando ele pegava na bola, de estar misturando fantasia com realidade. Terá sido apenas um suspiro do Fenômeno, um raro momento em que ele acordou de um sonho? Ou posso continuar sonhando?
E Aurora falava como se olhasse, dentro dela, num écran imaginário, Ronaldo e suas obras, pintadas nas telas verdes do mundo e gravadas para sempre na lembrança das pessoas. Assim é o futebol, dizia ela, arte para muitos, ricos e pobres, milionários e miseráveis; obras efêmeras, performances, pincéis de pernas suadas, bolas, corridas, carrinhos e canelas quebradas, saltos, composições inimagináveis até que surjam. Pelé e Garrincha, Ronaldo e Maradona, Monet, Matisse, Picasso e Gauguin, com a diferença que os da bola todo o povo os entende. Em seguida ela se calou um instante, respirou fundo, e disse:
– Eu gostaria que a gente promovesse uma despedida para o Ronaldo. Que ele se despeça, que nunca mais participe de jogo algum, que só reste a imagem do rei, do artista, a marca do raro jogador que sempre foi.
Interrompi-a:
– Como faríamos isso, Aurora? Ele jamais aceitaria, muito menos o Corinthians ou a Nike.
Não importa – ela disse – com a ajuda de Oto e seus milhares de amigos morcegos, espalharíamos convites pelo país inteiro, anunciando que seria aqui, na entrada da caverna, no momento exato do pôr-do-sol, a cerimônia em que o craque daria seu derradeiro chute na bola. Faríamos como se fosse algo consolidado, irreversível, de forma que não seria possível ao Ronaldo ou a quem quer que fosse recuar.
– Discordo, Aurora, mesmo que conseguíssemos. Ronaldo deveria ter feito isso há quase sete anos, logo após a Copa de 2002. Quem sabe o desastre de 2006 não tivesse acontecido.
– Ainda que tardia, quero vê-lo se despedir dos gramados – insistiu a coruja.
– Você está impressionada, como todo mundo, pelo que aconteceu naquele clássico contra o Palmeiras – eu disse – mas aquilo foi um suspiro, e não mais. De resto, qualquer coisa que ele faça em campo, daqui por diante, por mais normal que seja, será proclamada pelos arautos da bola como façanha heróica… não mais um homem, mas um semi-deus, um titã.
– Sim, eu temo por ele, pelo que venha a acontecer daqui por diante. Não quero vê-lo como a última chama da vela que se extingue, aquela que cresce subitamente antes de se apagar para sempre – gemeu Aurora.
Prossegui com meu arsenal de razões contra os sentimentos da coruja.
– Você sabe como ele se excede; com as mulheres, com os carros, com a festa. Como se nada tivesse valor.
– Sim, Bernardo, Ronaldo é em excesso. Ou você queria que ele se excedesse só no futebol? Há homens e mulheres que são assim, e você os conhece na música, no cinema, no teatro, onde são todos perdoados. O futebol não é feito só de bons moços.
Meus argumentos eram vãos. Enfim, que são as idéias ante as emoções! Esgrimi meus últimos cartuchos. Ronaldo era só um garoto propaganda, um outdoor ambulante, um menino bobo que calçava chuteiras da Nike e que vendia qualquer coisa que mencionasse, porque seu número nove estava nas camisas dos meninos bobos do mundo inteiro, porque seus dentes à mostra ficaram na lembrança das pessoas bobas de todos os povos, e porque seu retrato estava nas paredes dos barracos, das mansões, e dos mosteiros tibetanos.
– Vamos perguntar ao Oto – sugeri, confiando que meu amigo morcego poderia ficar ao meu lado – quem sabe ele, que não é corintiano, muito menos palmeirense, possa nos ajudar.
Não foi preciso. O morcego ouvia atentamente nossa conversa, pendurado de cabeça para baixo no teto da entrada da caverna. Assim que Aurora se aproximou, ele fugiu alvoroçado. Alcancei-o pouco depois, mas já encontrei a confusão formada. Arnaldo, o bagre cego, vestia uma camisa amarela número nove e cabriolava nas águas do poço. Uma multidão de morceguinhos, liderados por Oto, meu morcego confidente, e traidor, de cabeça para baixo gritava em uníssono: Ronaldo, Ronaldo… Voltei à companhia de Aurora.
– Vamos fazer a despedida – falei.
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Geração perdida
Adriano decidiu parar. Numa atitude inusitada, talvez uma das mais corajosas já vistas nos últimos tempos, o craque da Internazionale e da seleção brasileira afirmou que “vai dar um tempo” na carreira como jogador de futebol, apesar de ter só 27 anos de idade.
Como pode um cara jovem, com alguns milhões na conta bancária, atleta com grande sucesso profissional, mais de uma vez artilheiro do Campeonato Italiano, campeão de Copas Américas e das Confederações pela seleção brasileira, dizer que quer “dar um tempo”?
“Num dia eu era apenas um garoto da Vila Cruzeiro, aí virei o Adriano e depois o Imperador. Tudo isso foi demais para mim”.
Essa foi uma das frases para explicar o inexplicável. Mas que deixa claro, nas entrelinhas, o quanto é difícil uma pessoa estar preparada para ser um jogador de futebol de sucesso.
Adriano não resistiu ao baque e teve a coragem de tornar público esse sentimento.
Massacre da mídia, assédio de boas e más pessoas, estresse para manter o alto rendimento dentro de campo. Tudo isso ajuda para um jogador “pirar” quando começa a se tornar famoso. Para piorar, faltou a Adriano o que falta à maioria das pessoas, ainda mais quando pensamos em jogador de futebol vindo de uma realidade de muita pobreza: amparo familiar.
A falta de estrutura familiar é um problema cada vez maior no mundo todo. Aquela família bem constituída, com força para superar grandes traumas, é rara de se encontrar. É um problema social, fruto de uma pretensa “evolução” do relacionamento humano, em que a individualidade se transforma muitas vezes em sinônimo de dificuldade de se viver como casal, com filhos, etc.
Adriano sofreu pela falta de um amparo familiar nesse vertiginoso crescimento de sua carreira.
Num dia garoto da favela que sonhava em jogar pelo Flamengo. No outro, após poucos meses no Rubro Negro, o Imperador da Itália, com toda a mídia em cima, os dólares no bolso e os 20 e poucos anos para curtir tudo isso.
E o futebol?
A cada gol, mais farra.
E a evolução da carreira?
A cada farra, menos gols.
E por aí Adriano foi deixando de lado os gols para se envolver nas polêmicas. Tornou-se alvo fácil dos fãs e da mídia. Descuidou-se, deixou-se fotografar em festas, caiu no arrependimento, voltou ao Brasil, jogou no São Paulo e já voltou para a Itália. Onde a rotina de farra voltou a tirar o foco do grande atleta que um dia tinha sido.
Adriano não teve, em nenhum momento de sua meteórica ascensão, um psicólogo a tiracolo, que observasse o seu comportamento e suas reações a tantas mudanças. Não é “tratamento”, muito menos “doença”. É simplesmente amparo para uma das mais desgastantes profissões que existem, que é a do atleta profissional, ainda mais do futebol.
Adriano está se tornando o ícone de uma geração perdida. Que pode ainda envolver Robinho e Ronaldinho, outros craques da bola nos pés, mas que pelo visto estão perdendo o controle do que mais sabiam fazer por conta da mudança brusca que é a vida da pessoa a partir do sucesso de mídia e de público.
Que o ato de Adriano encoraje o futebol a entender a importância da psicologia no seu dia-a-dia. E que tente dar à mídia mais cérebro para compreender o seu papel na formação e, cada vez mais, na destruição de ídolos.
Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br
Com 22 jogadores em um campo e medidas que em média representam aproximadamente 7000 m2 de terreno de jogo, a estruturação inteligente do espaço para criar condições favoráveis durante uma partida e futebol é necessidade básica para bom desenvolvimento de uma equipe.
Diversos estudiosos e treinadores de futebol apontam caminhos, no que diz respeito a ocupação do espaço, para que ela (a ocupação) ocorra de forma satisfatória. Muitos deles comungam idéias que se completam, mas evidenciam também uma emergente confusão em estabelecer critérios para determinação do que efetivamente apontam como conceitos.
Isso quer dizer que algumas das idéias e critérios utilizados na intenção de promover ocupações de espaço mais inteligentes por jogadores e equipes, se confundem em nortear por vezes regras de ação e por vezes organização de estruturas no espaço.
A todo o tempo durante jogos de futebol jogadores e equipes necessitam tomar decisões. Como ele (o futebol) é um jogo de estratégias simultâneas, é preciso que cada um de seus dos jogadores possam ser orientados a todo instante por uma mesma leitura coletiva de jogo.
No que diz respeito a ocupação dos espaços é necessário que existam referências que possam ser identificadas pelos jogadores e que norteiem suas ações (ao mesmo tempo e o tempo todo). Essas referências devem se complementar, ser subordinadas a lógica do jogo e subordinar as estratégias de treinadores e equipes.
Nessa perspectiva, algumas referências podem ser apontadas como princípios estruturais de ataque, princípios estruturais de defesa, princípios estruturais de transição ofensiva e princípios estruturais de transição defensiva.
Cada um desses princípios estruturais serve como orientação para a ocupação do jogo em seus quatro grandes momentos (que são indissociáveis, e aparecem separados aqui apenas por questões didáticas).
Os princípios estruturais de ataque são aqueles que norteiam a equipe na estruturação da ocupação do espaço no campo de jogo quando ela ataca. Eles independem da plataforma tática utilizada pela equipe no jogo para existir, mas interagem diretamente com ela.
Eles são:
1) amplitude, ou abertura;
2) penetração;
3) profundidade;
4) mobilidade;
5) apoio;
6) ultrapassagem
7) compactação ofensiva
E se os princípios estruturais de ataque são aqueles que norteiam a equipe na estruturação da ocupação do espaço de jogo quando ela ataca, os princípios estruturais de defesa se referem àqueles que a norteiam estruturalmente quando ela defende.
Os princípios estruturais de defesa são:
1) retardamento, desaceleração ou temporização;
2) cobertura;
3)
4) basculação ou flutuação;
5) recuperação;
6) compactação;
7) bloco;
8) direcionamento.
Os princípios estruturais de transição se referem àqueles que norteiam estruturalmente a equipe quando ela transiciona da fase de ataque para a fase de defesa, ou da fase de defesa para a fase de ataque.
Quando se refere a transição defesa-ataque, diz-se princípios estruturais de transição ofensiva. Quando se refere a transição ataque-defesa, diz-se princípios estruturais de transição defensiva.
Assim como os princípios estruturais de ataque e os de defesa, os princípios estruturais de transição se relacionam e interagem com as plataformas táticas das equipes, mas independem quais sejam elas, para existir.
Os princípios estruturais de transição ofensiva são:
1) densidade ofensiva, ou de ataque;
2) balanço ofensivo, ou de ataque;
3) proporção ou equilíbrio vertical de ataque.
Os princípios estruturais de transição defensiva são:
1) densidade defensiva, ou de defesa;
2) balanço defensivo, ou de defesa;
3) proporção ou equilíbrio vertical de defesa.
É possível encontrar nomes diferentes para cada um desses princípios e até mesmo sub-divisões dos mesmos, de acordo com fontes bibliográficas distintas.
O importante, independente de nomes (ou desse ou aquele conceito), é que treinadores, jogadores e equipes tenham efetivamente referências norteadoras da ocupação do espaço e que elas se complementem e possam propiciar um jogo mais consistente, inteligente, enfim, mais elaborado.
Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br
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C-40, por favor
O conflito apenas evidencia o funcionamento do macro-sistema administrativo do futebol brasileiro. Ao contrário dos mercados mais desenvolvidos e regulamentados, aqui ninguém manda mais do que a federação.
Isso não é algo necessariamente ruim, mas fica claro que os clubes, de um modo geral, tem pouco poder de barganha frente à confederação e, consequentemente, às federações.
Quando isso acontece, as políticas traçadas para o desenvolvimento do mercado interno ficam fundamentadas em variáveis menos racionais, o que pode ser significativamente prejudicial em termos financeiros.
É fato que, no Brasil, as ligas não cumprem com o seu potencial. Também pudera. A Liga Brasileira deve ser uma das poucas no mundo que possui membros fixos dentro de um sistema aberto (com troca de clubes entre divisões). Normalmente, uma liga fica responsável por uma ou duas divisões, e os membros são aqueles clubes que fazem parte desse campeonato. Quando um clube muda para uma divisão fora da abrangência da liga, esse clube é automaticamente substituído pelo clube que vier a fazer parte do campeonato.
No Brasil, não. Tanto a FBA quanto o C13 possuem membros fixos, independente do campeonato que ele esteja disputando. Isso manifesta uma ação baseada em critérios não racionais e dificulta o cumprimento de outras atribuições da liga, como a criação e supervisão de premissas comerciais e procedimentos administrativos.
A idéia da criação de um C-40, como foi publicamente cogitado, parece bastante interessante. Naturalmente, o ideal é que os clubes presentes nessa entidade possuam o mesmo grau de importância em termos políticos e comerciais.
A tendência é que isso não aconteça.
E que ninguém dê muita bola para isso.
Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br
O futebol será o catalisador de uma belíssima iniciativa visando a inclusão de pessoas que passaram parte de suas vidas à margem da sociedade.
É o que promete o acordo firmado entre Fifa, CBF e Conselho Nacional de Justiça, no último dia 3 de abril.
Basicamente, ex-presidiários se juntarão ao contingente de trabalhadores envolvidos na execução de obras públicas referentes à realização da Copa do Mundo em 2014 no Brasil.
Gilmar Mendes, que preside o CNJ e também o Supremo Tribunal Federal, destacou esta importante medida de ressocialização de pessoas que já cumpriram com suas obrigações perante o Judiciário em todo o país.
O Ministro-Presidente também fez questão de mencionar o exemplo dado pela casa que comanda, na qual cerca de 50 ex-apenados fazem parte do seu rol de funcionários, sendo dois deles em seu gabinete. Fruto de um programa lançado em 2008, o “Começar de Novo”.
Já se tinha conhecimento de iniciativas de envolvimento de detentos nos presídios brasileiros na confecção de bolas de futebol, especialmente voltada para projetos sociais esportivos. No Paquistão, maior produtor mundial de bolas oficiais de futebol, os apenados formam a maioria do quadro de pessoas envolvidas na produção deste artigo esportivo, sendo até mesmo exportados para o mundo desenvolvido.
A idéia é extremamente bem-vinda num país como o Brasil, carente de projetos de inclusão social, não só de ex-presidiários, como também portadores de necessidades especiais e idosos. Ainda mais porque ultrapassa os muros dos cárceres abarrotados de pessoas que vivem em condições desumanas.
Além disso, a iniciativa privada torce o nariz para ex-detentos. Questão realmente delicada de se contornar no mercado de trabalho competitivo.
Se bem conduzido o projeto pelo poder público brasileiro, CBF e Fifa, inclusive no período pós-Copa 2014, envolvendo a gestão do legado esportivo para o país, teremos um grande avanço social, com o futebol como alavanca desta verdadeira ação afirmativa de igualdade de oportunidade para todos.
Seguramente, o número de pessoas beneficiadas no país é significativo – e isso representa, infelizmente, o grande universo da população egressa dos presídios e penitenciárias.
Méritos para o governo brasileiro se conseguir canalizar parte das verbas do PAC destinada às obras de infra-estrutura e melhoria das sedes da Copa de 2014 para consolidar esta idéia e, porque não, esperar que seja encampada pelo Ministério do Esporte na construção, reforma e manutenção de praças esportivas espalhadas pelo país.
Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br
Na tentativa de abordar o tema ‘Teoria da Tecnologia Esportiva’, alguns olhares já foram estabelecidos e discutidos nesta coluna e também por outros autores. Portanto, o objetivo nessa seqüência é organizar e agrupar algumas ideias de forma sistemática para que possam contribuir com aqueles que pretendem fazer do domínio da tecnologia um diferencial de atuação e intervenção, compreendendo que não basta saber usar um aparelho, é preciso saber como, onde e quando.
Num primeiro momento, considero crucial discutir o que é ciência e tecnologia. Tornar evidente, ou ainda, o mais explicito possível os conceitos e possibilidades para que o profissional que deseja compreender e, o mais importante, transferir essas idéias para a sua atividade prática, possa identificar os limites, definir suas expectativas e fazer uso tanto da ciência como da tecnologia de forma consciente, coerente e objetiva.
No esporte em geral, e mais evidentemente no futebol, há uma tendência em se justificar algumas coisas pelo inexplicável ou sobrenatural, às vezes acentuada pela paixão ou pelo significado que a modalidade adquiriu no Brasil, afinal, para nós, o futebol é um patrimônio cultural. Talvez por isso, crônicas apaixonadas como as de Nelson Rodrigues tenham se tornado uma representação da verdade, como o popular ‘Sobrenatural de Almeida’, na qual é invocado o místico que circunda e muitas vezes ‘explica’ o futebol, e acaba constituindo a verdade de muitos dos profissionais da bola.
Como justificar a ciência a serviço do futebol se aqueles que o fazem, seja no âmbito da prática, seja no âmbito do espetáculo, acreditam mais no tal do Almeida do que nos fatos. A tão invocada imprevisibilidade do futebol é tida como uma deusa e coloca o futebol acima de qualquer estudo e, para tanto, afasta com todas as forças a ciência.
Ora, assim é possível compreender a resistência histórica do futebol em relação a ciência. Muitos apontam a religião como grande rival da ciência. Ciência essa que tenta provar ou negar coisas que a religião perpetua e explica. Mas, com certeza, ambas estão muito próximas, tanto que para muitos, o desejo de provar ou negar a existência de Deus é o que os motiva por anos e décadas de estudos.
Voltando ao esporte… Se o futebol é classificado as vezes como religião e tem a ‘deusa imprevisibilidade’ como grande marca, como querer que a ciência, ‘rival’ da religião (lembro que não é esta a opinião do autor em relação ao distanciamento religião/ciência) possa ganhar espaço?
É imprescindível compreender o que é ciência para superar esses preconceitos, mas o amigo leitor pode ficar tranqüilo que não pretendo cansá-lo por demais com isso.
O conhecimento científico não é estático. Está em movimento e suas verdades prevalecem até serem falseadas. Mas o que isso significa?
Ser falseada é ser colocada à prova. Quando chega a uma definição ou verdade, a ciência o faz com base em procedimentos rigorosos e que aprofundam o conhecimento pré-existente sobre os fatos. E, até que novos estudos tragam novas constatações, as verdades prevalecem. E nisso não há demérito nenhum, tampouco espaço para melindres e vaidades, afinal, é um processo natural de evolução dos processos. Cientistas estão acostumados (ou deveriam) a isso, trabalham para comprovar ou negar hipóteses ou verdades existentes.
A ciência busca explicações e os significados dessas explicações. Essa busca permite compreender melhor os fatos e assim interpretar de forma mais incisiva, adequando os usos e aplicações conforme as necessidades de quem está imerso no futebol.
A ciência pode e deve fazer parte do futebol, aliás, ela já faz em muitos segmentos, em alguns, no entanto, prevalecem rusgas e verdades que, com o passar do tempo e dos fatos, serão superados.
A tecnologia casa perfeitamente com os preceitos da ciência e o profissional deve compreender que nada disso é teoria. Como fazer isso? Compreendendo a ‘Teoria da Tecnologia Esportiva’ para tornar sua prática, fruto de conhecimento e experiência.
Continua…
Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br
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O universitário José Mourinho
No dia 23 de março de 2009, na clara luminosidade do meio da manhã, dirigi-me à Faculdade de Motricidade Humana (Lisboa, Portugal), para assistir à cerimonia de atribuição do grau de Doutor “honoris causa” ao Dr. José Mourinho, meu aluno, há 28 anos, no primeiro ano da Universidade.
Já dentro das instalações da Faculdade, perguntei onde poderia encontrá-lo. Apontaram-me o lugar certo, mas acrescentaram que se encontrava incomunicável. Mesmo assim, caminhei vagarosamente, na companhia do Mestre Luís Lourenço (amigo, quase irmão do “the special one“)e perguntei se estava, naquela sala, o José Mourinho. Um rapagão de cabelo loiro confirmou a presença, num convicto aceno de cabeça. Parecia um segurança e a sua imperturbabilidade era um modelo de controle profissional das emoções. Mas desembaraçou-me de hesitações e questionou-me: “E qual o seu nome?”. Não perdi tempo e respondi, imediatamente: o Dr. José Mourinho conhece-me por Manuel Sérgio. Mal ouviu o meu nome, exclamou: “Professor Manuel Sérgio? O mister fala-nos tanto de si! É evidente que pode entrar! Mas antes deixe-me abraçá-lo! O mister nutre por si grande admiração”.
Passei eu a inquiridor: E quem é você? E ele ainda surpreso pela minha inopinada presença: “Chamo-me Luigi Crippa. Sou o press office do Internazionale de Milão“. Afinal, não era segurança, mas um jornalista ao serviço do Inter. E, abrindo a porta, anunciou: “Mister, o professor Manuel Sérgio!“. E o José Mourinho, com uma amabilidade que nunca abriu fissuras de azedume e desconfiança, em relação ao seu velho professor, saudou-me de braços abertos: “Professor, venha daí um abraço“. A seu lado, de olhos fixos no Luís Lourenço e em mim, o empresário Jorge Mendes, o pai e o sogro de José Mourinho…
Poderá perguntar-se (e alguns já o têm feito) por que me distingue ele, de entre todos os seus professores – a mim que nada sei de treino desportivo e nunca fui treinador de futebol? Demais, no que ao futebol diz respeito, sou eu o discípulo e ele o Mestre! A resposta só pode ser esta: foi de mim que ele escutou, pela vez primeira, que o esporte não era uma atividade física, mas uma atividade humana; que a metodologia a empregar no esporte (e portanto no futebol) era a específica das ciências humanas; que o treino deveria ser simultaneamente físico-técnico-táctico-psicológico; que, para saber de futebol, era preciso saber mais do que futebol, ou seja, que só, com verdadeira cultura desportiva, o futebol se compreende; que é preciso ter em conta a pluralidade dos modos de conhecimento, procurando encontrar o porquê das vitórias de alguns treinadores, sem grandes habilitações acadêmicas.
Está aqui o segredo de José Mourinho: ele sabe que é especialista numa nova ciência humana e leva até o fim esta sua convicção. A esmagadora maioria dos treinadores não o sabe. E daí a diferença entre eles e o Doutor José Mourinho! Depois, é um homem de coragem e perspicácia invulgares, o que completa admiravelmente o estudo e a reflexão. O doutoramento “honoris causa“, outorgado pela Universidade Técnica de Lisboa, diz-nos que, desta forma: o José Mourinho é um verdadeiro homem de ciência e um universitário exemplar.
*Antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.
Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.
Esse texto foi mantido em seu formato original, escrito na língua portuguesa, de Portugal
Para interagir com o autor: manuelsergio@universidadedofutebol.com.br
Clique aqui para ler outras colunas de Manuel Sérgio.
Leia mais:
Quem é José Mourinho
A ‘descoberta guiada’ de José Mourinho
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Os festejos de uma nova era
O Internacional completou, no último sábado, 100 anos de fundação. E, pela primeira vez no país, um clube de futebol mostrou que é possível ser feliz e criar muito barulho no ano em que se comemora o seu centenário. Porque, no sábado, o Colorado promoveu a maior celebração “marqueteira” já registrada no futebol nacional, com direito a passeata na avenida em frente ao estádio do Beira-Rio, lançamento de diversos produtos, desfile de moda, etc.
Não há nada de errado em fazer marketing sobre uma data comemorativa. Pelo contrário, é apenas mais um motivo para vender mais, que o digam os dias das Mães, dos Pais, das Crianças, dos Namorados… E foi exatamente isso que o Inter fez. Usou o centenário como motivo para arrecadar mais dinheiro.
Campeão da América e do Mundo em 2006, da Sul-Americana em 2008, o Internacional recebe cerca de cinco vezes menos do seu patrocinador em relação a Palmeiras, e seis vezes menos que São Paulo e Corinthians, para ficar apenas nos times de São Paulo (não por acaso os que mais recebem grana dos seus patrocinadores de camisa).
Do Banrisul, marca estampada em sua camisa há quase dez anos, o Colorado ganha R$ 3 milhões ao ano. Mas como pode o time atual ter craques como Nilmar e D’Alessandro? É nessa hora que a festa do centenário se justifica.
O Inter campeão em 2006 marcou uma quebra de paradigma na relação clube-torcedor. Amparado em seus sócios, o Colorado encheu o Beira-Rio e começou um plano para ter cada vez mais torcedores dispostos a contribuir mensalmente com o clube tendo em troca algumas regalias na compra de ingressos para os jogos.
Regalias porque o plano teve de ser revisado depois que não havia mais espaço no Beira-Rio para garantir a entrada de novos sócios, que então passaram a ter apenas facilidades para a aquisição de bilhetes, quando antes havia a certeza de que o ingresso estaria lá.
Hoje, por mês, os mais de 80 mil associados do Inter contribuem com cerca de R$ 2,5 milhões aos cofres do clube. Ou seja, o torcedor paga, por mês, quase o mesmo que o patrocinador por ano.
Por necessidade, o Inter foi buscar em seu torcedor a principal fonte de receita para o clube. Para convencer esse torcedor a consumir, precisou fazer uso do marketing. E é por isso que vimos, na última semana, o Colorado anunciar desde relógio até coleção de camisas em celebração ao seu centenário. Com tanta novidade, sem dúvida aumentará o desejo de consumo do torcedor. E o consumo irá diretamente para o caixa do Inter.
Só que a festa só foi completa mesmo porque, no domingo, ainda na ressaca das comemorações, o Colorado ganhou do Grêmio pelo Gauchão. Agora, se tivesse perdido…
Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br
Algumas vezes já mencionei aqui questões que emergem das novas tendências na preparação do futebolista. Fiz apontamentos sobre os modelos tradicionais de treino desportivo (subordinados a uma preparação física), levantei algumas discussões e problemas sobre uma “periodização tática” (onde a construção do treino está subordinada a “tática”) e uma ou duas vezes mencionei a periodização de jogo (construção do treinamento subordinada ao jogo).
A construção de treinos a partir de uma ou de outra tendência ou modelo de treinamento será sempre regida por parâmetros orientadores que os caracterize efetivamente (o modelo, ou a tendência).
Em modelos tradicionais, a fragmentação do jogo em suas partes acaba indiretamente por tornar o controle de variáveis da carga de treinamento simples e facilitado. Como os óculos nesses modelos enxergam o correr, o saltar ou o mudar de direção em pedaços, e não o jogar como um todo, torna-se menos “conflituoso” estabelecer níveis de exigência para essas ações do que para a complexidade do jogar.
Obviamente, porém, que esses tipos de modelo acabam por se distanciar demais das reais exigências do jogo.
Subordinar a preparação ao jogo não é mais fácil; pelo contrário. Isso porque não se trata de desprezar os conhecimentos construídos ao longo de muitos anos nas diversas áreas que compõem as Ciências do Desporto; trata-se, sim, de conhecê-los melhor, integrá-los e avançar com eles a uma nova dimensão da preparação desportiva.
Assim como nos modelos tradicionais, na perspectiva da preparação subordinada ao jogo (que a partir desse momento chamarei de maneira abreviada de “PSJ”) dentre as variáveis mais “famosas” da magnitude da carga estão a “intensidade da carga”, o “volume da carga” e a “densidade da carga”.
Porém, na PSJ seus significados estão mais intimamente atrelados a complexidade inerente ao jogo de futebol. Enquanto que em modelos tradicionais, por exemplo, ser mais intenso significa correr mais rápido, saltar mais alto ou levantar mais peso, na PSJ ser mais intenso significa resolver melhor e mais rapidamente as situações-problema do jogo.
Nessa perspectiva inovadora, construir atividades de treino passa a ser a materialização de uma obra de arte, onde apenas e tão somente o conhecimento integral e integrado dos conteúdos que envolvem e dão significado às ações do jogo pode levar à sua correta elaboração.
O jogo de futebol possui dinâmicas bem particulares em que a todo tempo é necessário que cada jogador de cada equipe tome decisões simultâneas (muitas vezes sob a pressão do tempo e do espaço).
Tomar decisões erradas representa não resolver situações-problema do jogo. Uma preparação adequada para o “jogar” futebol deve levar isso em conta, de maneira que gere no treino um sem número de situações-problema (direcionadas aos objetivos do treino, é claro!) que aumente não só o leque de possibilidades de resposta, mas também as chances de se ter a melhor para cada circunstância.
E como o jogo de futebol, por ser jogo, é imprevisível, não há melhor maneira de preparar o atleta para a imprevisibilidade do jogo do que submetê-lo de maneira guiada a ela.
A densidade da carga tem se tornado um dos principais elementos norteadores e de controle para a construção do treino na PSJ (especialmente por estar atrelada ao número de situações-problema associadas ao objetivo da atividade, que são geradas durante seu desenrolar).
Atividades com alta densidade propiciarão uma exposição maior do jogador a determinado tipo de situação-problema; atividades com baixa densidade propiciarão uma exposição menor. Em linhas gerais, tem-se como verdadeiro que, dentre outras coisas, um bom treino deve estar associado a uma densidade maior, porque proporcionará aos jogadores uma gama maior de estímulos que os prepararão para os problemas do jogo formal (a competição propriamente dita).
Devemos destacar, porém, que hierarquicamente talvez mais importante que a preocupação com a alta densidade deveria ser a preocupação com a “intensidade da qualidade” (ou a “qualidade da intensidade”) do estímulo.
Isso quer dizer, em outras palavras, que além de se construir treinos com uma variedade de circunstâncias orientadas por situações-problema específicas, é necessário, e também muitas vezes mais importante, construir treinos que propiciem uma “qualidade de intensidade” que transcenda a busca pela eficiência e passe a ter como norte a busca pela eficácia.
Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br
Caros amigos da Universidade do Futebol,
A Fifa e a Uefa declararam, recentemente, estarem contra as cláusulas referentes ao chamado “whereabouts”, contidas no novo Códido Anti-Doping, elaborado pela Wada (World Anti-Doping Agency), em vigor desde janeiro deste ano.
Antes de entrar no âmago da questão, é necessário esclarecer do que se tratam tais cláusulas.
A Wada é uma organização internacional independente criada em 1999 e que combate a prática do doping no esporte mundial. Foi a Wada que desenvolveu o código anti-dopagem, que é avalizado e implementado por diversas federações internacionais e organizações olímpicas, em diversos países.
A Wada acaba de lançar, neste ano, uma versão atualizada do código, em que o maior e mais novo objetivo é harmonizar as regras para o controle do anti-doping em todas as partes do mundo. Apesar das diversas realidades nos diversos países, e também nos diversos esportes, parece ser essa uma postura, digamos, justa para punir de forma equalitária todos os atletas participantes de determinadas competições.
Uma dessas disposições a serem harmonizadas são as informações “whereabouts”. Todos os atletas são obrigados a se submeterem (conforme o caso) a exames anti-doping durante as competições. Para além desses exames, outros esporádicos são feitos ao longo do ano (de surpresa) em alguns atletas (de elite), a fim de inibir que substâncias/métodos não permitidas(os) sejam consumidas/realizados em períodos em que o atleta não participa de competições.
Para tanto, esses determinados atletas são obrigados a informar à federação ou ao comitê olímpico onde estarão em um período de uma hora em todos os dias de sua vida, enquanto forem atletas. Isso permite que os responsáveis pelo tal exame esporádico possam encontrar o atleta selecionado. Essa informação feita pelos atletas chama-se “whereabouts information”.
A grande polêmica gerada é que a Fifa (apoiada pela Uefa) entende que esportes de equipe, em que os atletas são obrigados a treinar em locais determinados pelos seus clubes (e.g., estádios e centros de treinamentos), poderiam ter a obrigação de prestar essa informação de forma mais flexível, considerando que estes atletas são mais fáceis de serem localizados do que atletas que competem em modalidades individuais.
A Fifa é contra, por exemplo, que seus atletas sejam incomodados em suas férias para os tais exames de surpresa.
Aparentemente, a Wada não está disposta a abrir a exceção para esportes de equipe.
Esse é um assunto de fato delicado. A Fifa não quer estar associada a qualquer prática ilegal com relação ao futebol. E esse posicionamento contra a Wada pode dar o que falar com relação às reais intenções da principal entidade do futebol mundial. A imprensa pode eventualmente se perguntar se a Fifa quer mesmo apenas evitar constrangimentos desnecessários a seus atletas ou, no fundo, quer ser a organização a toma as decisões sobre anti-doping no futebol?
Em outras palavras, precisamos ouvir maiores explicações e fundamentações por parte da Fifa para melhor entender o seu posicionamento.
Pessoalmente, não vejo diferenciação entre esportes individuais e coletivos para essa questão. Acho que todos deveriam se submeter a exames, de acordo com o que for decidido dentro da estrutura interna de suas organizações desportivas.
Talvez, neste caso, podemos dizer que quem está na chuva é mesmo para se molhar. Se é atleta de elite, e for escolhido entre aqueles a apresentar os “whereabouts informations” pela Federação Internacional, então que cumpra com a regra como os demais atletas.
São os ônus da posição (privilegiada) que ocupa.
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