Categorias
Sem categoria

Dois lados

O acerto entre o meia Rivaldo e o São Paulo pode ser visto sob dois prismas. Um, o do jogador. O outro, o do dirigente. Desde dezembro do ano passado, Rivaldo tem desempenhado a função de presidente e de principal jogador do time do Mogi Mirim, que tem nele seu mais famoso atleta e, hoje, único dono.

O acordo com o São Paulo, da parte do Rivaldo jogador, está corretíssimo. Ele volta a jogar num grande clube brasileiro, completa a passagem pelo “Trio-de-ferro” paulista (já defendeu, nos anos 90, Corinthians e Palmeiras) e vê a perspectiva de encerrar a carreira disputando títulos num time de massa.

Mas o acerto, do ponto de vista do Rivaldo presidente de clube, é catastrófico. Ao abandonar o seu clube em meio à disputa do Campeonato Paulista, o jogador rompe com a confiança de seus jogadores e, também, abre uma séria discussão ética. Afinal, como o próprio jogador disse no seu perfil no Twitter, ele deixa o Mogi Mirim como atleta, mas segue como presidente do clube e, agora, numa parceria com o São Paulo.

O que pode acontecer caso os dois clubes venham se enfrentar numa fase de oitavas-de-final? Como seria o comportamento do jogador Rivaldo contra o clube que ele preside? Como será que foi a rescisão do contrato do jogador Rivaldo do Mogi para defender o São Paulo? Ele tinha contrato com o clube do interior por um ano, assinado em dezembro passado. Houve pagamento de multa para que ele deixasse o clube e defendesse o time da capital? Se isso não aconteceu, o Rivaldo jogador lesou o clube que é presidido por ele mesmo. Ou será que ele não recebia salários pelos dois cargos que acumulava no Mogi Mirim?

Obviamente tudo tem os seus dois lados. Nesse caso de Mogi-Rivaldo-São Paulo, o triângulo amoroso levanta uma série de dúvidas sobre os conflitos éticos que acontecem quando um jogador é também o presidente de um clube. A própria decisão de fechar com o São Paulo envolve os dois lados (o do jogador e o do presidente ao firmar acordo com um clube grande).

Uma pena que o debate da ética no esporte seja tão ínfimo. Porque surgiu uma baita oportunidade para discutirmos até onde vai o limite do correto nesse caso.

Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br  

Categorias
Sem categoria

Mad Men

Não importa o que você é, mas como se vende.

A premiada série americana Mad Men retrata o dia-a-dia de uma grande agência de publicidade de Nova York nos anos 1960.

O nome remete à Madison Avenue, mas também pode ser entendido como a vida louca e cheia de transformações pelas quais passam os protagonistas – Mad Men pode também ser traduzido por “homens loucos”.

Na série, vemos como o pano de fundo social dos Estados Unidos impactava a expansão da atividade publicitária.

Conflitos entre homens e mulheres, preconceitos, vida sexual, tabagismo, hábitos e estilo de vida, surgimento da TV, vida em família, independência das mulheres, que trabalham e usam anticoncepcional, assédio, consumismo.

A própria agência Sterling Cooper, nesse microcosmo, encerra o caldeirão de transformações culturais do país, e como sua atividade impulsionou a venda do “sonho americano”.

O mercado de patrocínios no futebol brasileiro tem crescido em ritmo aceleradíssimo em anos recentes.

Parte disso pode ser creditada à correção de distorções nos valores historicamente pagos aos clubes e às competições, é verdade.

A consultoria Sport+Markt divulgou, neste mês, resultado de pesquisa, que sinaliza que os clubes de futebol do Brasil arrecadam 104,6 milhões de euros por ano com a exposição de marcas apenas no uniforme.

O valor é superado apenas por Inglaterra (128 milhões de euros) e Alemanha (118 milhões de euros).

Um exemplo vívido desta impressionante constatação é o Corinthians, com lucro de 22 milhões de euros por ano, como o quarto maior patrocínio do mundo – atrás de Manchester United, Liverpool e Real Madrid.

Entretanto, podemos crer que alguns indutores deste crescimento podem mascarar uma bolha inflacionária, que não acompanhará o crescimento sustentado do mercado do futebol.

O chamado “efeito Ronaldo” no Corinthians e, agora, o efeito “Ronaldinho Gaúcho”, no Flamengo, não necessariamente evidenciam a convergência de melhores práticas administrativas nos clubes, para criar círculo virtuoso de investimento e qualificação de propriedades comerciais para os patrocinadores.

Ainda mais perigoso é saber que os tomadores de decisão nas empresas patrocinadoras raramente se utilizam de métricas para avaliar o retorno de investimento em mídia esportiva e patrocínio. Soube após conversar com um amigo que atua na maior empresa do ramo no país.

Disse que o seu escritório nunca esteve tão cheio, mas que ainda vê muita insensatez em alguns investimentos em patrocínio.

Nossos Mad Men brasileiros não despacham em escritórios na Madison Avenue.
Resta a segunda interpretação.

Afinal, não importa o que você é, mas como se vende.

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br

Categorias
Sem categoria

Novo Rico

Quando eu era pequeno, tinha um amigo que era meio quebrado. Vida simples e sem maiores luxos. Em determinado momento, o pai ganhou uma bolada. Da noite pro dia, ou do dia pra noite, a vida mudou. Carrão, apartamento novo, restaurantes caros, viagens e afins. Tudo sem lá muita preocupação de esconder. Esbanjamento, leia-se.

Pois bem. Isso tudo é meio estereótipo de novo rico. Gente que está acostumada com pouco, mas que, quando recebe muito, faz questão de mostrar pra todos. Muitas vezes, recebe só um pouco mais do que normalmente recebia, mas gasta muitas vezes a mais do que o valor real do aumento. É uma tentação difícil de resistir. Satisfaz o ego como poucas coisas na vida.

É mais ou menos a essa tentação que alguns clubes do Brasil não estão conseguindo resistir. Clubes do Brasil hoje ganham como nunca ganharam na vida. Considerando a desvalorização das principais moedas frente ao Real, então, nem se fale. O poder econômico do futebol brasileiro no mercado de transferências teve um aumento real significativo no último par de anos.

Apesar de alto, porém, esse aumento nem de perto justifica o custo que os clubes começaram a assumir. O mercado brasileiro nem de longe está maduro o suficiente para justificar as transferências que estão acontecendo. Apesar de tudo, o desenho da indústria do futebol brasileiro não mudou. Ainda somos exportadores de talento, e desenvolvemos nossas atividades em função disso. Não somos importadores. Não temos nem dinheiro e muito menos uma boa razão para alterar esse panorama.

Mas isso não está sendo levado em conta. A hora é de gastar. No momento, o que importa é satisfazer o ego.

Isso tem um preço.
Em poucos anos ele será cobrado.

Meu amigo que o diga.

Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br

Categorias
Sem categoria

Formação profissional

Participei de debates recentes que remeteram à análise e troca de ideias sobre a formação profissional dos gestores esportivos no Brasil. Apesar de algumas análises ainda empíricas e da constatação de haver ainda pouco estímulo ou mesmo diminutas opções para que os interessados se voltem a um estudo mais amplo sobre essa área do conhecimento, vamos tentar colocar algumas palavras e apresentar simplificadamente estudos pertinentes
ao assunto.

Primeiro, cabe destacar sucintamente dois estudos que podem servir como fundamento para as argumentações futuras: (1) o de MARONI, MENDES e BASTOS (2010) revela o perfil dos gestores de equipes da Superliga Masculina e Feminina de Voleibol da Temporada 2007-08 e retrata um quadro que aponta para 43,5% possuírem alguma especialização, 13,1% não possui formação superior e os demais terem alguma graduação, predominantemente na área de educação física e administração – ressaltando ainda que o fato do gestor ser ou não ex-jogador da modalidade não seria relevante para ocupação do cargo, além de apontar para a faixa etária entre 30 e 59 anos como a preponderante entre os investigados; (2) o de AZEVÊDO e SPESSOTO (2010) retratam uma comparação sobre o perfil dos dirigentes de clubes do futebol do Distrito Federal entre os anos de 2003 e 2007, com um quadro bem distinto daquele encontrado no voleibol.

Neste caso, a divisão fica entre o ensino médio e o ensino superior, de forma relativamente estável, com alguns dirigentes sem ter o ensino fundamental complementado (chegando a 20% em determinados períodos observados pelos autores). A idade acaba ficando em uma média semelhante àquela encontrada no estudo de MARONI, MENDES e BASTOS (2010).

Realizei também, paralelamente a minha dissertação de mestrado sobre responsabilidade social, uma pesquisa sobre o perfil do gestor das categorias de base de 13 dos principais clubes de futebol de sul e sudeste do Brasil para eventual futura publicação.

Nunca a fiz, por não ter considerado relevante estatisticamente os números levantados. Apenas a título de curiosidade, os exponho para apontar que 37% afirmou ter “Ensino Médio Completo”; 25% afirmou ter “Superior Completo” (dentre elas, “Administração de Empresas” e “Educação Física”) e 38% afirmou ter “Pós-Graduação” (“Doutorando em Desporto Jovem”; “Mestrado em Educação” e “Educação em Psicologia da Motricidade Humana”).

Cabe ressaltar que a investigação foi feita no ano de 2008 e percebe-se aí a clara preocupação dos gestores do setor de formação de atletas em acumularem uma formação mais técnica-científica relacionada ao desenvolvimento de jovens em detrimento do conhecimento mais específico sobre gestão.

Segundo, que é abordado por Lamartine Pereira da Costa em algumas de suas exposições orais, da enorme quantidade de cursos de graduação em Educação Física no Brasil, se comparado a países como EUA e China, e a inexistência de graduações em gestão do esporte em terras tupiniquins, havendo uma desproporcionalidade em termos de mercado em face daquilo que é oferecido no meio acadêmico.

A consequência disso é que os cursos de especialização em gestão do esporte e áreas afins, que estão crescendo em ritmo exponencial, não supre a deficiência anterior, uma vez que as especializações foram feitas para se aprofundar em algum tema previamente conhecido e não para obter conhecidos a partir do zero. Essa disparidade acaba por ser um dos gargalos de desenvolvimento da gestão do esporte no Brasil.

O fato é que não há ainda uma política nacional para a formação de gestores esportivos, nem por parte do meio acadêmico e tampouco por parte das instituições de esporte. Apenas ações isoladas, que atendam demandas específicas e pontuais de mercado em determinados casos. O resultado disso? A diminuta evolução das empresas e entidades do esporte se comparadas com as do ambiente corporativo em termos de inovação e aplicação de novas tecnologias de gerenciamento.

Para interagir com o autor: geraldo@universidadedofutebol.com.br

Categorias
Sem categoria

As federações e o gerenciamento de estatística

Olá amigos,

No texto de hoje me arrisco num questionamento sobre o uso de estatísticas no futebol, mais especificamente sobre o papel das federações no gerenciamento desse tipo de informação. E quando falo arrisco. É para justificar qualquer deslize ou esquecimento de alguma ideia que não se encaixe nessas críticas.

A disponibilização de informações das ocorrências de um jogo é praxe no meio esportivo como um todo. Quantos chutes um futebolista deu a gol, quantas tentativas de arremessos o basqueteiro efetuou, quantas recepções com sucesso o libero do voleibol faz por jogo ou ainda quantos backhands vencedores foram realizados por um tenista.

Trago para o debate três focos para o uso dessas informações por parte de uma federação.

1.São as informações que cativam os torcedores mais fanáticos, ajudando a criar uma forma de interatividade com esse público diferenciado.

2.São informações que registram o histórico da competição. É uma central de inteligência para pesquisa, memória, registro. Fonte oficial de informação.

3.São informações que podem ser úteis na tomada de decisão, seja no jogo ou na temporada. Pode ser oferecida aos seus clubes (que deveriam ser os grandes beneficiados pelos lucros de uma entidade “sem fins lucrativos” que é uma federação)

Superficialmente, indico esses itens. Com certeza cada um é tema para ser discutido e ampliado com profundidade.

Para ajudar no debate aponto o resultado de uma pesquisa que fiz pessoalmente, a título de curiosidade, sobre Federações que fornecem informações estatísticas. Seguem alguns links para quem quiser conhecer.

 

                  

Liga de Basquete do EUA

       http://www.nba.com/games/20110117/PHXNYK/gameinfo.html

               

 

Liga Nacional de Basquete

 

http://www.liganacionaldebasquete.com.br/lnb/interna.php?s=estats&p=601&tr=3http://173.236.34.187/lnb/jogo/nbb3/index.php?id=604#id=604

 



              

 

Federação Internacional de Basquete

        http://www.fibaamericas.com/fnabox.asp?g=A&n=1&r=7976

 

                  

Superliga de Volei

      http://www.cbv.com.br/cbv2008/superliga/estatisticas/p5Ta.pdf

               

 

Federação Internacional de Volei

   http://www.fivb.org/EN/Volleyball/Competitions/WorldChampionships/   

2010/Men/BestPlayers.asp?Tourn=MWCH2010&Skill=SCO

 

               

União das Federações Europeias de Futebol

            http://pt.uefa.com/uefachampionsleague/statistics/index.html

                 

 

Federação Internacional de Futebol

http://www.fifa.com/worldcup/archive/southafrica2010/statistics/index.html

 

Poderíamos acrescentar handebol, rúgbi, tênis, uma vasta gama de federações que se preocupam em gerenciar.

E aqui faço o questionamento. As ligas e federações que compõem o quadro acima, não são ligas amadoras nem tampouco federações com pouco significado. Mas o que eles viram que as fazem gerir as próprias estatísticas que as federações brasileiras de futebol não vêem?

Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br

Categorias
Sem categoria

História em jogo – Liga dos Campeões – Final 1961 – Benfica 3 x 2 Barcelona

Você já viu na série “História em Jogo” as cinco conquistas do Real Madrid, de 1956 a 1960.

Agora, veja o Benfica vencer o Barcelona na primeira grande surpresa da história do torneio. Não que o time português não fosse ótimo – era. Mas a equipe blaugrana tinha um ataque poderoso – que mandou quatro bolas nas traves encarnadas e quadradas.

Dizem, até, que esse festival de bolas reboteadas sem entrar na meta levou a Fifa a adotar, nos anos seguintes, as traves cilíndricas de hoje.

Conheça mais uma grande final da Liga dos Campeões.

E, nesta coluna, em breve, veja quase todas elas, comentadas lance a lance.

Saiba agora como foi a derrota mais doída da história do Barcelona.

Não apenas pela partida em si. Também pelo fato de, mesmo tendo eliminado o Real Madrid nas quartas, não conseguiu o título que o rivsal merengue conquistara por cinco vezes seguida até ser eliminado pelo Barça.

Título que o clube culé só conheceria em 1992.

Cartaz oficial da final da Liga dos Campeões de 1961

 

LOCAL – Wankdorf Stadium, Berna, Suíça. 31 de maio de 1961. 19 horas.

O mesmo palco da final da Copa-54, perdida pela Hungria de Kocsis e Czibor, atacantes do Barcelona. Não por acaso, a direção do clube português fez questão de ficar na mesma concentração (Spiez) onde ficou a Alemanha, antes da final daquele Mundial. Inclusive pagando por quartos já ocupados, onde os hóspedes foram regiamente desalojados só para manter a escrita.

O JOGO – O Barcelona chegava como favorito à decisão, na Suíça. Em 1960, campeão espanhol apenas pelo maior número de gols marcados contra um Real Madrid que viria a ser penta europeu (eliminando o próprio Barça na competição europeia de 1960), o Barça mantinha em maio de 1961 o ataque poderoso, e uma defesa discutível (o que também o levara a perder o título espanhol daquele 1961). Tão forte seguia o time blaugrana que eliminou o Real Madrid, nas quartas-de-final de 1961, pela primeira vez da história madridista numa Liga. Barça que só perdeu um jogo naquela semifinal, contra o Hamburgo. Até perder a decisão polêmica para um cirúrgico Benfica (pentacampeão português, de 1960 a 1965), num dos maiores massacres já vistos por uma das equipes mais azaradas (até então) da história da Liga. Em condições normais, o Barça teria goleado o quadro português. Acabou perdendo. Como diria o húngaro Czibor ao deixar mais uma vez o gramado do Wankdorf derrotado (e de novo por 3 x 2, como na final de 1954): “Nunca mais ponho os pés neste estádio maldito”.

Quase que algo similar aconteceu com o presidente benfiquista, Maurício Vieira de Brito. No auge da pressão espanhola na segunda etapa, chegou a passar mal e desmaiar de emoção. Mas, como o time encarnado, sobreviveu bravamente. Teria apenas recobrado os sentidos no vestiário, acordado pelos atletas em festa. A eles teria dito que não teria sido ruim morrer naquele dia, por aquele motivo. “Agora, depois de ver tudo que conquistamos, até não seria tão ruim morrer”.

Veja a campanha das equipes na Liga dos Campeões Europeia de 1906-61

Veja os gols da final de 1961, em Berna

 

Duas equipes postadas no WM. com intensa movimentação da turma de frente, especialmente a linha brilhante ofensiva do Barça

COMEÇOU – Barcelona ataca à esquerda, com seu tradicional uniforme azul e grená; Benfica ataca à direita das imagens da TV, com sua não menos belíssima camisola encarnada.

2min – O centroavante brasileiro Evaristo só não abre o placar em belo voleio porque o lateral-direito português Mário João salva sobre a linha fatal portuguesa, depois de lance pela esquerda do ponta-esquerda húngaro Czibor, remanscente da Seleção de Ouro da Hungria da metade inicial dos anos 50. PLACAR VIRTUAL – 1 X 0 BARCELONA

5min – Barça atua, como o Benfica, num WM. Mas o time espanhol, dirigido pelo espanhol Enrique Oraizola, varia quase para um 4-2-4, com o recuo do médio-direito Vergés. O meia-direita húngaro Kocsis era quase um centroavante, mais ou menos como brilhara na Hungria da primeira metade dos anos 50. Evaristo saía da área como o falso centroavante Hidkeguti daquele time espetacular. Mas tinha maior presença de área e faro de gol o brasileiro. Czibor cortava bem pela meia esquerda, como atuara em parte da Copa-54 pela Seleção de Ouro húngara. Kubala, a partir da ponta direita, também se mexia por todo o ataque, deixando o espaço para a entrada em diagonal de Luis Suárez, talvez o maior jogador espanhol de todos os tempos. O camisa 10 catalão organizava a marcação, criava o jogo, e ainda adorava cair pela direita. Todo o ataque se mexia. E muito bem.

10min – O imenso armador português nascido em Moçambique cai machuado. Coluna é retirado nos ombros pelo centroavante Águas. Não havia maca no estádio. Publicidade estática era pouca. Mas sempre com cartazes e placas do chocolate Toblerone.

11min – Bons goleiros, mas com péssima reposição Costa Pereira e o eterno Ramallets, remanescente espanhol da Copa-50, então com 37 anos. O espanhol não usava luvas.

12min – Sensacional lance de Evaristo pela meia esquerda, que o médio-direito Neto não consegue conter. Os meias Santana (pela direita) e Coluna (pela esquerda) poderiam ajudar um pouco na contenção daquele aluvião catalão. Além da qualidade técnica, espantava a velocidade da equipe da Espanha. 2 x 0 em chances para o Barça.

13min – Depois de três minutos fora, retorna Coluna, ainda a meio-pau.

14min – 3 x 0 – O médio-esquerdo Garay chuta de longe e perde boa chance, em falha do bom goleiro Costa Pereira, de grandes defesas e enormes falhas. Esta, ele quase deixou passar por baixo do corpo. Ninguém marca no meio-campo português.

17min – 4 x 0 em chances para o Barcelona. O incansável Kubala passou por três como quis, e tocou de canhota às costas do lateral-esquerdo Ângelo para Kocsis bater para boa defesa de Costa Pereira. Um massacre culé até agora.

20min – GOL. 1 X 0 BARCELONA. KOCSIS. CABEÇA. DENTRO DA ÁREA. Na quinta chance catalã, o gol merecido. Kubala derivou da ponta para a meia direita e, na jogada manjada e difícil de ser marcada, tocou para Suárez penetrar pela ponta direita. O camisa 10 cruzou no segundo pau para o impressionante Kocsis fazer o de sempre. Talvez o maior cabeceador da história do futebol nundial. Não apenas pela técnica e posicionamento. Também pela impulsão impressionante. Evaristo passou pela bola, mas o húngaro conferiu e abriu o placar. Belo e merecido gol.

22min – Benfica enfim joga. Coluna, recuperado da lesão, aparece para brilhar em Berna. Que jogador. Que categoria. Articulando a partir da esquerda, conta com a mobilidade, técnica e eficiência do ponta-direita José Augusto. Um que já saía da ponta para, como Kubala, armar por dentro, e pensar o jogo encarnado. Havia sido escolha pessoal do treinador Béla Guttman.

25min – Barça passa a apenas especular no contragolpe de eno
rme velocidade e categoria. Talvez fosse melhor insistir à frente, porque o sistema defensivo catalão não era grande coisa. Ainda pior que o do grande Real Madrid pentacampeão europeu sem precisar de uma grande defesa.

27min – O excelente zagueiro-central português Germano salvou o que seria o segundo gol de Kocsis, na sexta chance do Barça. Uma jogada belíssima desde o meio-campo blaugrana. Não parecia haver dúvida de qual time seria o vencedor na Suíça, apesar dos esforços do impressionante central Germano.

28min – Czibor só não ampliou porque Germano salvou outra. O ponta húngaro ganhou fácil de Mário João, depois de lindo e inteligente e solidário passe de Evaristo, que abriu jogo na direita para Kubala cruzar e o lateral português Mário João falhar. Quem batia os escanteios pela esquerda era o destro Kubala.

28min – GOL. 1 X 1 BENFICA. JOSÉ ÁGUAS. PÉ DIREITO. DENTRO DA ÁREA. Depois de 7 chances do Barça, um gol do Benfica. José Augusto veio da direita para o meio, mais uma vez sem grande marcação do lateral-esquerdo Grácia ou do médio-esquerdo Garay, e tocou para Coluna. O genial armador do Benfica descobriu de canhota o polivalente ponta-esquerda Cavém, que ganhou fácil do fraco lateral-direito espanhol Foncho. Ele foi ao fundo e, na saída precipitada e afobada do experiente Ramallets, tocou para dentro da área. Águas chegou antes do central Gensana e fez o gol que pareceu em posição legal.

32min – GOL. 2 X 1 BENFICA. GOL CONTRA – OFICIAL – DE RAMALLETS. Segunda chance portuguesa, segundo gol. Este, muito discutível. O médio-direito Neto joga no melê, o médio-direito Verges se atrapalha todo, sozinho, e cabeceia pata trás. A bola sobe muito, encobre Ramallets, e bate na trave esquerda do goleiro espanhol, que foi mole para o lance. Muito bem colocado, o árbitro suíço Gottfried Dienst (o mesmo que errou junto com o bandeirinha soviético ao confirmar o gol cuja bola não entrou, na final da Copa-66) se atrapalhou tanto quanto a zaga espanhola. Na hora ele deu o gol. Nem precisou errar com o bandeirinha. Depois de bater na quadrada trave esquerda, a bola passou por sobre a linha de meta, e até cal levantou. O atacante Águas preferiu celebrar o gol mais do que tentar colocar a bola de fato para a rede, quando ela passou à frente da meta. Como era praxe por aqueles anos, pouco se reclamou. O meia português Santana ainda correu atrás da bola para tentar conferir o lance, mas parou quando viu o árbitro confirmando um gol que pareceu não ter acontecido. Apesar da pouca reclamação espanhola – o que também era saudável costume, então.

41min – Sensacional arrancada de Coluna até receber falta feia do médio-direito Verges. Lance para cartão amarelo (se ele já existisse). Depois do segundo gol, o Benfica equilibrou a partida.

42min – Kocsis cabeceia, Mário João salva pela segunda vez sobre a linha. Primeiro lance de perigo do Barça depois da bolha de gols portuguesa.

Segundo milagre do lateral-direiro Mário João, salvando o peixinho que parecia fatal de Kocsis

42min – José Augusto passou por três e bateu para bela defesa de Ramallets. Melhora o Benfica, à medida em que o meia-direita Santana cresce no jogo. Vagamente lembra o grande armador rubro-negro Adílio, dos anos 80.

INTERVALO – Grandes 20 minutos do Barça, Benfica achou dois gols em 4 minutos (um mais que discutível), e jogo terminou equilibrado. Placar injusto pela bola e pela ação da arbitragem.

 

PLACAR VIRTUAL 1O. TEMPO – BARCELONA 8 X 3 BENFICA

SEGUNDO TEMPO

2min – Santana pega mal de canhota e joga fora. Benfica volta melhor e equilibra a partida.

5min – Grande lance de Kubala, como se fosse meia-esquerda. Toca para Evaristo, que limpa três e abre para Luisito Suárez pela ponta direita. Lindo de ver o jogo do Barça. Pela técnica, velocidade e movimentação.

7min – Czibor tabela com Evaristo, recebe livre, mas isola de canhota. Barça volta ao ritmo natural. 9 x 4 em chances para o time espanhol

8min – José Augusto supera Grácia mas pega mal.

9min – GOL. 3 X 1 BENFICA. COLUNA. PÉ DIREITO. FORA DA ÁREA. Golaço do imenso Coluna. Com Eusébio, Figo e Cristiano Ronaldo, a quadra dos craques históricos portugueses. Cavém cruzou da esquerda, a zaga espanhola rechaçou, José Augusto preparou para Coluna acertar belo sem pulo de fora da área, no canto direito de Ramallets. Como era costume, os repórteres invadiram o gramado para registrar o autor da façanha. Sexta chance do Benfica, terceiro gol português.

10min – Kubala só não diminuiu na sequência por conta de grande defesa de Costa Pereira.

10min – Kocsis quase faz de cabeça, mas a bola vai para fora. Impressionante a impulsão do húngaro.

12min – Santana domina de fora da área e a bola raspa o travessão. Jogaço aberto como o placar em Berna.

20min – Kocsis dá um belo voleio e manda por cima. Recuo excessivo do Benfica, com os pontas José Augusto e Cavém muito atrás. O centroavante Águas, que gosta de sair da área, também está distante da área, pressionado pelo crescimento (quase desespero) do Barça.

21min – Kocsis sobe e quase cabeceia o satélie soviético Sputnik. Na sobra, Evaristo rola para Czibor perder outra chance dentro da área. Sem substituição, parece que o Benfica definha fisicamente.

23min – Neto entra feio num rival e o estádio inteiro vaia. Árbitro suíço deixa o jogo seguir.

23min – Czibor cruza, Germano cabeceia para trás em sua primeira falha, atrapalha-se com Costa Pereira, e a bola sobra limpa para Evaristo cabecear na trave esquerda, e não pegar o rebote, mesmo na pequena área. Dos mais perdidos gols da história!

25min – Kubaa matou no peito pela meia direita e bateu de canhota, naquela floresta de pernas encarnadas. Houve um desvio que levou a bola até a trave direita, dela para a trava esquerda, e o rebote nas mãos do goleiro português. Em três minutos, três bolas na trave do Benfica!

26min – Resposta do Benfica. José Augusto entrou livre mas bateu por cima.

26min – Coluna veio desde o meio-campo e só não fez um golaço porque Gensana prensou na hora certa.

30min – GOL. 2 X 3 BARCELONA. CZIBOR. PÉ ESQUERDO. FORA DA ÁREA. Enfim o segundo gol blaugrana. Golaço do ponta húngaro, num belo sem pulo. No abafa, o lateral Foncho tocou para Czibor acertar um voleio no ângulo direito de Costa Pereira. Quase o goleiro catou, e quase Mário João salvou pela terceira vez sobre a linha. Tudo ainda indefinido.

36min – Excesso de preciosismo impediu empate de Czibor. Na marca penal, de canhota, ele chutou pela quarta vez na trave. A terceira na trave esquerda do gol maldito para os húngaros; a meta onde, em em 1954, Rahn fez o gol da virada alemã. Lindo lance de Kocsis, feia saída de Costa Pereira, que largava demais a meta portuguesa. 17 x 9 em chances para o time espanhol.

42min – Cansados, os barcelonistas não conseguem mais chegar perto da barricada bem armada pelo bravo time do Benfica.

FIM DE JOGO – Mesmo pressionando, embora sem o mesmo ritmo, não deu para o Barcelona. Preciso, o Benfica ganhou o primeiro título europeu para o futebol português. O segundo viria logo depois, sem deixar dúvidas, contra o poderoso Real Madrid, em 1962.

PLACAR VIRTUAL 2O. TEMPO – BARCELONA 9 X 7 BENFICA

PLACAR VIRTUAL FINAL – BARCELONA 17 X 9 BENFICA

O Benfica campeão da Europa pela primeira vez


ATUAÇÕES

BENFICA – Mesmo pressionado quase todo o jogo pelo rival, soube explorar o contragolpe, e se defender com a sorte de levar quatro bolas na trave, e ganhar um gol da arbitragem. NOTA 7

COSTA PEREIRA – Alto para a época (1m88), experiente aos 30 anos, alternava grande defesas com enormes falhas. Saía bem do gol. Mas exagerava e, por vezes, atrapalhava os companheiros pela falta de concentração. Nascido em Moçambique, foi o grande goleiro português. Sete vezes campeão nacional, não disputou a Copa-66, quando Portugal foi terceiro colocado. Estava em má forma. Decisivo no segundo rempo em Berna. NOTA 8

MÁRIO JOÃO – O lateral-direito salvou dois gols sobre a linha. Mesmo levando um baile de Czibor, foi essencial nesses lances. Jogou na seleção nacional. Esteve 5 anos no Benfica. Era semiprofissional. NOTA 7.

GERMANO – O melhor zagueiro português de todos os tempos. Possivelmente, à época, o melhor central europeu. Rápido, técnico, inteligente, forte. Bom por cima e por baixo, tinha recuperação impressionante. Compensava a marcação frágil de sua equipe (e daqueles tempos) com irrepreensível posicionamento na área. Um monstro em Berna. Jogou de 1960 a 1966 no Benfica. Na Copa da Inglaterra, era o capitão até se machucar contra a Bulgária. Faria muita falta à excelente seleção da Pantera Negra Eusébio. Em Berna, a pedidos dos companheiros, não se barbeou para a final. NOTA 8.

ÂNGELO – O lateral-esquerdo português sofreu com Kubala e com Luisito Suárez caindo às costas dele. Pela intensidade e qualidade do rival, até que conseguiu se virar. Jogou 14 anos pelo clube do coração, que o impediu de, no começo da carreira, atuar pelo Porto. Ele só queria vestir a camisola do Benfica, onde também jogou como meia-esquerda. Atuou pela seleção portuguesa por 9 anos. NOTA 6.

NETO – O médio-direito e zagueiro português tinha apenas 20 anos na decisão. E a missão de tentar parar o cerebral Luisito Suárez. Pela raça e aplicação, conseguiu se superar. Participou do lance do gol concedido a Ramallets (?!) e correu demais o jogo todo. NOTA 7.

CRUZ – O médio-esquerdo deveria acompanhar mais Kocsis ns incursões na área encarnada. Poderia dar um pé maior na marcação no meio-campo. Mas pouco foi visto, atrás, no meio, e mesmo mais à frente. Foram 11 anos pelo clube, mais 7 pela seleção dos Tugas – incluindo a Copa-66. Oito títulos nacionais. Atuava também como zagueiro-esquerdo. NOTA 5

SANTANA – O meia-direita nascido em Angola começou devagar, como todo time benfiquista. Talvez honrando o apelido de “Molengão da Catumbela” dado pela torcida encarnada. Foram 14 anos de Benfica, e algumas poucas partidas pela seleção nacional. No segundo tempo, foi determinante pelo ritmo que deu, e pela ajuda na contenção. Ótima segunda etapa – NOTA 8.

COLUNA – Um monstro. Pesado. Forte. Porém técnico, muito técnico. Chegou a atuar de centroavante, no início da carreira. Inteligente, raçudo, o autêntico armador de antigamente, área a área. Sem a bola, um volante; com a bola, um raríssimo e finíssimo meia, com resistência física excepcional. Sabia pensar o jogo, organizar o time, desarrumar o rival. Conhecido como o Monstro Sagrado, ele nasceu em Moçambique, na cidade de Inhaca (isso mesmo). Mas, com ele, não tinha tiriça, nem inhaca. Jogava demais. O tempo todo. Foi Benfica de 1954 a 1970. Ganhou 10 títulos nacionais, além dos dois europeus pelo Benfica. Foram 8 gols em 57 jogos por Portugal, em 13 anos servindo os tugas. Foi presidente da Federação Moçambicana de Futebol e Ministro dos Esportes do país, de 1994 a 1999. Atuou ainda dois anos no Lyon. E poucos, na história, foram tão bons e eficientes quanto ele. NOTA 9.

JOSÉ AUGUSTO – Foram 10 anos de Benfica, mais 10 de Portugal. Bom trabalho como treinador, depois (foi vice-campeão da Minicopa-72, disputada no Brasil, pela seleção portuguesa). Virou um bom treinador também pela capacidade tática, técnica e física demonstrada no gramado, como um ponta-direita moderno, que sabia driblar, cruzar e finalizar, e ainda rodar o meio-campo. Na final de Berna, mesmo quando o Benfica não esteve bem, sempre manteve o ótimo nível, além de ajudar na contenção ao ataque espanhol. NOTA 8

ÁGUAS – O centroavante e capitão benfiquista marcou o primeiro gol, e ajudou bastante no trabalho sem bola. Foram 13 anos de clube, e mais 10 de seleção. Não era muito veloz e técnico, mas funcionava ali dentro. Marcou 11 gols em 9 jogos da Liga. Pai de Rui Águas, bom atacante do Benfica e do Porto, nos anos 80 e 90, e da cantora pop Lena D’Água, de relativo sucesso nos anos 80. NOTA 6

A festa do capitão erguendo o primeiro troféu europeu para um clube português, a primeira Liga sem ser do Real Madrid

CAVÉM – O ponta-esquerda atuava no meio-campo e até na lateral. Foram 15 anos de clube, e três de seleção. Nesse período, só não atuou de goleiro. Muito rápido, longe de ser um craque, era útil taticamente pela versatilidade. Disse que entrava sem fazer a barba em campo quando um personagem de seus sonhos, meio careca e bidogudo, pedia a ele que não se barbeasse. O sonho “deu cerrto” na conquista do bi europeu. NOTA 7.

BÉLA GUTTMAN – O treinador húngaro é um dos personagens mais importantes da história do futebol mundial. Trabalhou no Milan, São Paulo, Porto, Benfica e Peñarol. É um dos mentores da transformação do WM para o 4-2-4, que nasceu na Hungria e virou febre mundial a partir do Brasil campeão mundial em 1958, dirigido por Vicente Feola, assistente de Guttman no São Paulo campeão paulista de 1957. Mas, mesmo assim, preferiu optar naquele temporada de 1960-61 pelo retorno do WM na equipe encarnada. Polêmico, personalista, um José Mourinho da época, teria dito aos atletas, na véspera da final, que, para vencer o ótimo Barcelona, “bastava que eles ouvissem e fizessem em campo tudo que ele havia pedido”. Guttman gostava de ficar no máximo dois anos num clube (“o terceiro é sempre fatal”). Tanto que deixou o clube português em 1962, depois de conquistar o bi europeu. Dizem que pediu mais dinheiro aos cartolas do Benfica. Ao não receber, teria imprecado contra a associação, dizendo que “não voltaria a ser campeão europeia nos próximos 100 anos”. Desde 1963, mesmo chegando mais três vezes às finais da Liga, a “maldição prossegue”. NOTA 8.

Costa Pereira, Coluna, Neto, Germano, José Augusto, Angelo, Mário João, Santana, Cruz, Cavém e José Águas

BARCELONA – Uma das melhores vice-campeãs da história da Liga. Mandou em quase toda a partida, mas perdeu para um time de ótima qualidade (tanto que o Benfica seria bicampeão em 1962, e vice, em 1963). O que sobrou de qualidade à frente, faltou em defesa, sorte e uma arbitragem melhor. NOTA 7

RAMALLETS – Onze anos de Espanha (e três também pela seleção da Catalunha), titular da seleção finalista da Copa-50 (quando estreou na meta espanhola durante o Mundial). Foram 15 de Barcelona. E ótimas atuações. Mas não fez uma boa partida em Berna. Se a bola não entrou naquele segundo gol português, que também não foi “contra”, Ramallets também foi mal no lance. Ele tinha 37 anos. E esperava terminar melhor a carreira. “Depois daquele gol estranho, nunca mais fui o mesmo. O Sol realmente me atrapalhou naquele lance”. NOTA 6.

FONCHO – O lateral-direito, como quase todos à época, não apoiava. Era um zagueiro-lateral-direito. Mas, no caso, nem isso conseguiu fazer. E nem era Cavém um todo-poderoso ponta-esquerda. Ao menos era uma pessoa
l leal. Jamais foi expulso na carreira. NOTA 5

GENSANA – O zagueiro central atuou por 10 anos no clube, mais 5 na seleção. Muito forte, só deixou o Barça por uma lesão no menisco. Não era muito técnico e nem muito veloz. NOTA 5

GRÁCIA – O lateral-esquerdo sofreu demais com José Augusto. Não o acompanhava nas incursões pelo meio, e nem conseguia marcá-lo pela lateral. Foram 14 de Barça, 3 de Fúria (esteve na Copa-62), mais 9 de seleção catalã. Não era técnico, mas foi muito regular. NOTA 5

VERGÉS – Dez anos de Barça, 5 de Seleção, 4 de Catalunha. Médio direito eficiente. Mas mal conseguiu achar o excepcional Coluna em campo, ainda que tenha recuado por vezes para ajudar mais atrás. Infeliz no lance do segundo gol do Benfica. NOTA 5.

GARAY – O médio-esquerdo saía mais para o jogo pela esqueda, até para ocupar o espaço que o imenso Luisito deixava para rodar o campo. Foram 5 anos de Barça, 9 de seleção. Na marcação, sofreu demais com Santana, no segundo tempo. NOTA 6.

KOCSIS – Possivelmente o maior cabeceador de todos os tempos, o ponta-de-lança (meia-direita) Sandor Kocsis era torcedor fanático do Ferencvaros húngaro. Mas fez a carreia pelo país no Honved, o time montado pelo governo para ser base da maravilhosa Seleção de Ouro da Hungria, campeão olímpica em 1952, e vice mundial em 1954. Com o Levante húngaro de 1956, Kocsis e Czibor ficaram na Espanha. E muito bem. Foi Barça de 1958 a 1965. Pela Hungria, em 68 jogos marcou fabulosos 75 gols. É a melhor média de gols da história do futebol de atletas de seleção que atuaram mais de 40 vezes por um país. Só na Copa-54, em 5 jogos, marcou 11 gols. Antes de atuar na Espanha, ele e Czibor atuaram na Suíça, quando foram convencidos pelo compatriota Kubala a se mudar para a Espanha. Na final de 1961, fez gol, dividiu bolas, trocou de função com Evaristo, mais ou menos como fazia com Hidekguti, na Hungria. Difícil defini-lo. Não era centroavante mas chegava e fazia gols como tal. Também não era apenas meia-atacante. Foi um monstro. NOTA 8.

LUISITO SUÁREZ – O meia-esquerda do Barça foi o maior jogador espanhol que vi atuar (ao menos até o final das carreiras de Xavi, Fábregas e Iniesta, e respeitando demais Raúl Madrid). Cerebral, técnico, inventivo, tático, dinâmico, era o autêntico camisa 10 daqueles anos. Ajudava atrás, organizava o meio, e ainda atacava. A passagem da esquerda para a direita era mortal como seus tiros fortes e toques e lançamentos. “El Arquitecto” tinha uma planilha na cabeça. Foi craque europeu em 1960. Nove grandes anos de Barça, outros 9 grandes anos vitoriosos de Internazionale (comprado em 1961, logo depois da final de Berna, por 142 mil libras britânicas – recorde mundial, então, e que ajudou a pagar as dívidas pela construção do Camp Nou; o acerto foi fechado no hotel do Barça pelo presidente Angelo Moratti, da Inter, e pelo treinador Helenio Herrera); pela Espanha, Suárez atuou de 1959 a 1972, comandando a seleção campeã europeia, em 1964. Jogou as Copas de 1962 e 1966. Trabalhou como treinador por 20 anos, até 1995. Em campo, na decisão, foi notável, sobretudo na primeira parte. Pareceu cansar no fim. NOTA 8.

KUBALA – O ponta-direita e atacante húngaro de origem eslovaca jogou pelas seleções da Tchecoslováquia (1 ano), Hungria (1 ano), Espanha (8 anos) e até da Catalunha (9 anos). E sempre muito bem, com técnica refinada, inteligência tática, e grande disposição física. Corria muito, driblava muito, chutava muito, suava muito. Batia faltas como poucos à época, na Europa. Em 1999, no centenário do Barcelona, foi eleito o maior craque da história do clube. Filho de pais eslovacos, nasceu em Budapest. De lá saiu para jogar e casar na Tchecoslováquia (também para driblar o serviço militar). Fato que o teria levado a voltar a Hungria, para fazer o mesmo com o exército húngaro. Cigano da bola, só não morreu na tragédia de Superga, acidente aéreo que acabou com o espetacular time do Torino, em 1949, porque não se juntou aos atletas italianos para um amistoso contra o Benfica. Em 1950, acabou saindo de vez da Hungria e foi morar e jogar na Espanha, sendo usado como propaganda política do regime do generalíssimo Franco. No Barcelona atuou por 10 anos, até 1961. Quando pendurou as chuteiras por um certo período depois da derrota em Berna, até voltar a campo e atuar por outros clubes até parar de vez, em 1967. Foi um ótimo treinador, também. Em campo, em Berna, mais uma vez fez de tudo. Armava, driblava, finalizava, abria espaços, e também marcava, já com 33 anos. NOTA 8.

EVARISTO DE MACEDO – O centroavante brasileiro poderia ter sido campeão mundial pelo Brasil em 1958 e 1962 se ainda estivesse atuando no país. Bola ele tinha para ser titular. Além do faro de gol, tecnicamente era excelente. Inteligente taticamente (como comprovou na carreira de treinador, que chegou à seleção brasileira em 1985, e ao título nacional pelo Bahia, em 1988), também fisicamente não parava. Revelado pelo Madureira, foi tri do Rio pelo Flamengo, de 1953 a 1955. Jogou de 1957 a 1962 no Barça, e de 1962 a 1965 no Real Madrid, antes de retornar ao Flamengo. Ganhou 5 títulos nacionais na Espanha. Em Berna, saía da área para tabelar com Kocsis, caía à direita, driblava à esquerda, fazia de tudo. E muito bem. NOTA 8.

CZIBOR – O ponta-esquerda húngaro sabia atuar na outra ponta. Na Copa-54, até meia-esquerda foi, na ausência de Puskás. Sabia muito. Driblador, veloz, técnico, também taticamente recuava e sabia cercar os rivais. Chutava e cruzava muito bem. No Barça, atuou de 1958 a 1961. Na seleção húngara, de 1949 a 1956 (VEJA MAIS DELE, DE KOCSIS E DA MARAVILHOSA HUNGRIA NO MEU LIVRO “AS MELHORES SELEÇÕES ESTRANGEIRAS DE TODOS OS TEMPOS”, PELA EDITORA CONTEXTO). Além de atuar muito bem, fez um golaço, de fora da área. NOTA 8.

ENRIQUE ORIZAOLA – Era assistente de Ljubisa Brocic até a demissão do treinador iugoslavo, por conta dos maus resultados no campeonato espanhol, em janeiro de 1961. Ficou menos de um ano como treinador, carreira que encerraria em 1982. Manteve o Barça no usual WM, mas sem conseguir das consistência defensiva à equipe e, dizem, sem grande comando de vestiário. NOTA 7

GOTTFRIED DIENST – SUÍÇA – O árbitro, ainda que bem colocado, deu um gol para lá de duvidoso a favor do Benfica. Nas poucas vezes em que foi obrigado a repreender por conduta violenta, quase nada fez – como muitos árbitros antes da instituição dos cartões, em 1970. NOTA 4

Foram quatro dias de festa depois do título encarnado

A ideia desta série é de André Rocha e de Gustavo Roman, que providenciaram ideias, informações, análises e imagens.

Quer ver o jogo na íntegra?

Procure gugaroman@hotmail.com

Para interagir com o autor: maurobeting@universidadedofutebol.com.br

 

Categorias
Sem categoria

Cidade x cidade

Nos últimos anos, vimos a mudança de sede de alguns clubes de futebol, de uma cidade a outra. Grêmio Barueri se transforma em Grêmio Prudente. Iraty (PR) vira Londrina. Guaratinguetá vai a Americana.

A principal alegação ouvida é sempre a falta de apoio das prefeituras locais, que não se prestariam a providenciar infraestrutura de futebol, logística de transportes e apoio aos dias de jogos e, em alguns casos, investimento em dinheiro para bancar os custos da equipe.

De outra parte, os mandatários dos clubes de futebol alegam que prestam relevante serviço social ao manter suas equipes nestas cidades, incluindo-se a existência de categorias de base, que tiram jovens dos perigos das ruas e lhes dão bem-estar e ocupação sadia.

Há uma zona cinzenta muito perigosa neste cenário – misturar a res publica com interesses privados, sem a devida fiscalização.

Até que ponto, de fato, tais projetos servem à comunidade local, numa relação de partidas e contrapartidas com as prefeituras?

E o dia-a-dia desta atividade goza de acompanhamento pedagógico, de assistência social, de fiscalização do Ministério Público, da Câmara Municipal, das respectivas secretarias de Esporte e Lazer?

Se assim não for, temos uma situação absolutamente desequilibrada, pois, ao menos no Paraná, o Ministério Publico do Trabalho fiscaliza, sistematicamente, as atividades dos grandes clubes (Atlético, Coritiba e Paraná Clube), exigindo-lhes absoluta conformidade com o Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como a Lei Pelé nesta matéria.

A própria comunidade local se sente desvinculada de uma instituição que chega, com a vontade de, alguns anos depois, debandar para outra direção, uma vez que suas pré-condições empresariais não foram atendidas.

Nesse sentido, os próprios clubes tradicionais poderiam preencher este espaço no mercado, com planejamento regionalizado de implantação de escolas ou academias de futebol, cujos benefícios seriam sentidos em mais receita direta, ampliação da base de consumo de produtos e serviços, revelação de atletas e representações oficiais do clube (consulados).

O futebol ainda não favorece a criação de torcidas-empresa, para apoiar a proliferação de clubes-empresa.

Mas existe muita gente no interior do Brasil que se sente desamparada junto aos grandes clubes, que não gostaria de trocar a relação com marcas de 100 anos por uma de 3, 4 ou 10 anos.

Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br

Categorias
Sem categoria

Descanso

Caro leitor,


Excepcionalmente nesta semana não teremos a coluna de Erich Beting. O colunista estará em recesso até o dia 24 de janeiro, quando volta com seus textos semanais!

Um grande abraço,

Equipe Universidade do Futebol

Leia mais:
Veja as últimas colunas do Erich na Universidade do Futebol

Categorias
Sem categoria

A história tática do dia que enfrentei o FC Barcelona

Faz algumas semanas, escrevi um texto sobre com vencer a equipe do FC Barcelona.

Alguns dias depois tive oportunidade de ficar sete dias em contato com a comissão técnica da equipe sub-17 catalã. Muitas informações importantes foram colhidas e trocadas.

O mais interessante, no entanto, veio ao final desses sete dias (em um sábado). Em decorrência do chaveamento do torneio que participava com minha equipe juvenil, enfrentaria justamente o FC Barcelona.

No dia anterior ao jogo recebi alguns e-mails lembrando-me do texto que havia publicado sobre como vencer o time espanhol – e que não poderia haver outro resultado (para manutenção da minha credibilidade) que não fosse minha vitória.

Obviamente que quando escrevi o texto, me referia ao primeiro time do FC Barcelona.

Porém, em função do processo de formação de atletas e equipes da “máquina” catalã (muito bem estruturado, vale salientar), desde cedo, o Modelo de Jogo dos profissionais é trabalhado e desenvolvido nas categorias de base, buscando constantemente ajustes que levem o processo para a excelência.

Então, não haveria desculpas plausíveis. Era a vitória ou “nada”.

Pois bem, jogamos e minha equipe venceu por 4 a 0 (e ainda teve o quinto gol anulado no final do jogo). Isso faz quase um mês, e desde então venho recebendo mensagens de leitores pedindo para contar a “história tática” do jogo. Como ela é muito longa, resolvi, contar um pequeno pedaço (pedaço fractal) dela.

Vou falar um pouco de algumas pequenas questões referentes a estruturação do espaço de jogo. Como já mencionei outrora, o FC Barcelona tem algumas características muito presentes em sua identidade.

Em primeiro lugar, ocupam o espaço horizontal do campo com muita amplitude, tanto na linha de defesa, quanto na linha do ataque (e pelo número de jogadores que tem na linha do meio-campo – três – também neste setor).

A grande amplitude, com uma geometria de 1-4-3-3 bem definida, cria para a equipe espanhola um bom número de apoios e gera uma dificuldade muito grande para o adversário pressionar a bola.

Em segundo lugar, com princípios operacionais bem estabelecidos para atacar, defender e fazer as transições, retomar a bola com rapidez e chegar rapidamente ao gol catalão deveria ser uma obrigação de sobrevivência por parte da minha equipe.

Seria um 1-4-3-3 contra um 1-4-4-2 (com losango no meio-campo).


 

A equipe do FC Barcelona, conhecida pelo jogo apoiado de passes rápidos e curtos raramente dá chutões. Isso acontece, em grande parte pelos motivos que já mencionei, somados ao fato de que o seu jogo se desenvolve especialmente a partir de seu volante (que participa da primeira fase da armação das jogadas) e dos seus laterais (que assumem o papel de armação quando o setor do seu volante está congestionado) – todos com grande qualidade para passar a bola em progressão.

Jogando em um 1-4-4-2 com um losango bem desenhado no meio-campo, problemas poderiam surgir, pois com a amplitude do FC Barcelona, poderia ser difícil pressionar os laterais e o volante ao mesmo tempo, e assim recuperar a posse da bola e impedir a progressão do jogo do time espanhol.

Então, um pequeno ajuste estrutural precisou ser feito no meio-campo da minha equipe para garantir melhor ocupação horizontal (equilíbrio) quando estávamos sem a bola, e pudesse, sem alterações significativas, permitir pressionar os laterais.


 

Os laterais do FC Barcelona apesar do bom domínio de bola, boa movimentação e bom passe, no “1 contra 1” ofensivo apresentavam certa dificuldade (não era habitual que eles tentassem o drible). Então, para a pressão nestes jogadores não era necessário mais do que um jogador da minha equipe.

Já para pressionar o volante (que além de bom armador, apresentava bom controle de bola e bom drible), era necessário que a pressão acontecesse com um número maior de jogadores.

Os atacantes do time espanhol que jogavam pelas “pontas” eram muito velozes e bons dribladores – de maneira que não poderiam receber a bola de frente para a meta defensiva da minha equipe a partir da “linha 4” (da minha defesa).

Os zagueiros do FC Barcelona, não habituados aos chutões, não recebiam pressão espacial ou temporal, já que o comportamento recorrente de cada um deles era o de buscar o passe ao volante ou aos laterais. Então, quando estavam com a bola, direcionávamos o passe para os laterais, para então tentar recuperá-la.

O que minha equipe buscava, então, na verdade, era uma rápida recuperação relativa da posse da bola. Isso significa que no ataque a bola era veloz e “voraz”, mas a partir de um gatilho específico, previamente combinado.

Em outras palavras, a pressão sobre a bola não ocorria em qualquer região do campo e sobre qualquer jogador. A pressão sobre a bola era meticulosamente planejada, para que o ataque a ela, quando do seu início, fosse muito veloz e eficaz.

Após a recuperação da posse da bola, a ocupação rápida de regiões específicas do campo de ataque permitia situações de igualdade e vantagem numérica que propiciavam, para meus jogadores, diversas e perigosas chegadas ao gol.

Claro, muitas coisas que envolveram os princípios operacionais e as regras de ação do jogo também tiveram peso fractal muito importante para o bom desempenho da equipe.

Como disse anteriormente, resolvi, neste texto, dar uma pequena detalhada em apenas uma das questões que envolveram a estruturação do espaço no campo de jogo. No final das contas, se minha equipe tivesse perdido o jogo, talvez, eu, tivesse perdido também um bom número de leitores.

Mas aqui é bom que se diga, que se a derrota tivesse vindo, não deveria desvalorizar os apontamentos que fiz quando escrevi o texto sobre como vencer o FC Barcelona.

No entanto, já que o futebol é assim, e aí está um pouco da sua magia, vale resgatar uma frase que gosto muito: “bem feito, é melhor do que bem explicado”.

Um “viva” aos meus jogadores.

É isso.

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br  



 

Categorias
Colunas

José Mourinho: um treinador pós-moderno

Quero timbrar em respeitar a verdade e assim começo por reafirmar que nunca ensinei futebol ao José Mourinho e, mesmo que o pretendesse, não o saberia fazer. Demais, sou em crer que o grande mestre de futebol, que ele conheceu, foi precisamente o seu pai, excelente jogador e treinador. Enfim, o incomparável treinador, que o José Mourinho é, nada me deve, designadamente no que ao futebol diz respeito…

Venho, quer por escrito, quer oralmente, exprimindo as minhas opiniões sob a personalidade e a obra de José Mourinho, com quem já aprendi mais do que a pouca filosofia que lhe ensinei. E julgo que (passe a imodéstia) com foros de seriedade e solidez. É evidente que, no trabalho do actual treinador do Real Madrid, há uma nítida aliança entre ciência e cultura, há inovação e competitividade, há busca incessante da excelência e do mérito. E tudo isto num clima de solidariedade, onde os próprios jogadores se sentem sujeitos e não objectos. Como o refere Ruben de Freitas Cabral, é específico da era pós-moderna, que vivemos, que as pessoas se saibam (e se sintam) sujeitos, “funcionando em rede ou em teia”, onde a ordem não é a da máquina, mas da “coerência dos grandes consensos nascidos de princípios partilhados” (in Brotéria, Abril de 2002, p. 335).

Por outro lado, a racionalidade científico-técnica predominou durante a modernidade, desde o século XVI até à primeira metade do século XX. Era o paradigma das ciências da natureza que, com exclusividade, então se teorizava e praticava. O próprio ser humano se estudava, num estilo maçudo de sebenta, como se os números pudessem retratar fielmente o humano. A “teoria e metodologia do treino”, enquanto disciplina curricular, era positivista, biologista, mecanicista (não é positivista, biologista, mecanicista o treino liderado por alguns treinadores?).

No atinente à “teoria e metodologia do treino”, não escondo que o Dr. David Monge da Silva deu a esta disciplina, durante a sua docência no ISEF de Lisboa, corriam os últimos anos da década de 1970, as características típicas do paradigma pós-moderno e, por isso superando (sem deixar de respeitar) o que Galileu e Descartes ensinavam. “Para estes eruditos, o único conhecimento que valia a pena prosseguir era aquele que podia ser expresso por regras precisas e eternas, independentes do contexto” (Keith Devlin, Adeus a Descartes, Publicações Europa-América, p.317). António Damásio escreve em O Sentimento de Si, no início do capítulo onze: “Talvez a ideia mais surpreendente deste livro seja que, afinal, a consciência começa por ser um sentimento, um tipo especial de sentimento, bem entendido, mas, mesmo assim, um sentimento”. David Monge da Silva já conhecia, naqueles anos, o conceito hegelo-marxista de totalidade e abandonava, de vez, o treino analítico, em favor de um treino que visava, em todos os momentos, a complexidade humana.

O futebol que José Mourinho aprendeu, no ISEF de Lisboa, fundamentava-se numa visão sistémica do treino e da competição. Principiava então a grande revolução que o futebol português atravessaria, com o ingresso dos treinadores, licenciados em Desporto. Tenho a certeza de que, se fosse vivo, José Maria Pedroto se sentiria feliz – ele que, um dia, ao telefone, em conversa comigo, reconhecia: “De facto, falta ciência ao futebol português”. Quero, a propósito, aqui realçar que pude conviver com Mário Wilson, Fernando Vaz, Manuel Oliveira, Francisco Andrade, Carlos Silva, Artur Jorge, Manuel Cajuda, Toni, Jorge Jesus (e outros poderia nomear) e considero que todos eles estão entre os pioneiros de um futebol pós-moderno ou até da Sociedade do Conhecimento…

José Mourinho (hoje, o Doutor José Mourinho, pela UTL) beneficiou de uma licenciatura (a licenciatura em desporto) que, nas décadas de 70 e 80, entrou, em pleno, na universidade, que ele frequentou. Mas a sua pós-modernidade revela-se, sobre o mais, numa episteme (ou cultura) que ele próprio criou e que aprofunda aquilo que lhe ensinaram acerca do futebol. E assim construiu um património prático-teórico inestimável, de real eficácia na sua liderança – um património que o torna inimitável, porque José Mourinho não é o que sabe, mas o que é. Demais, os seus ininterruptos êxitos revelam que o seu saber não é um estado, mas um processo.

O melhor treinador de futebol do mundo paira acima das escolas, não podendo medir-se pela craveira dos outros. Quando os seus métodos se estudarem, um dia, como vem fazendo Luís Lourenço, considerá-lo-ão, inevitavelmente, um agitador e renovador de ideias, talvez a mais poderosa e original mentalidade que o futebol produziu. Está a nascer a Sociedade do Conhecimento da Idade da Informação? Com nervo e argúcia, José Mourinho há muito vive nela e há muito a desejou!

E termino felicitando o Real Madrid que, com José Mourinho, indiscutivelmente o melhor treinador do mundo, como a Fifa o proclamou, em Zurique, no passado dia 11 de Janeiro, vai voltar a um novo ciclo de vitórias, à imagem dos êxitos inolvidáveis da equipa de Di Stéfano, Puskas e Gento. É arriscado o que venho de escrever? Com José Mourinho, o pior de todos os riscos é não arriscar!

*Antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.

Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.

Esse texto foi mantido em seu formato original, escrito na língua portuguesa, de Portugal.