Formado nas categorias de base do Palmeiras, Elias era atacante e teve carreira errática nos primeiros anos como profissional. Virou meia, mas só conseguiu verdadeiro destaque como volante. Fernandinho era armador no PSTC, e foi nessa posição, ainda como armador, que ele chamou atenção do Atlético-PR. Teve destaque no Mundial sub-20 de 2003 e anotou o gol que deu o título à seleção brasileira. Os dois volantes de Dunga na Copa América de 2015 têm em comum o passado como homens de definição e o presente como símbolos de uma equipe nacional que não deu certo.
O fracasso que Elias e Fernandinho não tem a ver apenas com questões individuais – os dois somaram apenas três finalizações em toda a primeira fase da Copa América e estiveram longe de decidir qualquer partida. Ambos foram escolhidos por características que apresentavam desde quando ainda não eram volantes (velocidade e jogo vertical, principalmente), mas foram as matrizes de problemas graves da seleção de 2015 (falta de controle de jogo, dificuldades na transição entre meio-campo e ataque e verticalização dos laterais, por exemplo).
A ideia aqui não é crucificá-los ou atribuir a qualquer jogador o fracasso de um time. Os erros da seleção não são individuais, mas de proposta. Por isso, mais uma vez, é fundamental que a análise seja alinhada às carências da equipe. Tudo é questão de contexto.
Ora, perdemos um tempão discutindo quais são os brasileiros protagonistas em grandes times do futebol mundial ou quais são os craques que vestem a camisa verde e amarela e têm capacidade para decidir um jogo. Será que essas são realmente as perguntas?
Nunca houve um projeto para o futebol brasileiro, e isso é indiscutível. Em meio a essa carência de ideias e de programas que pensem além do curto prazo, a seleção local sempre foi carregada por individualidades. Nós nos acostumamos a usar exemplos de 1962 e 1994 para exaltar jogadores como Garrincha e Romário, mas nos esquecemos de pensar no quanto o talento deles escondeu problemas de preparação, formação e condução nos grupos em que ambos estavam incluídos.
Talvez fosse o caso de perguntar por que o Brasil não tem um armador entre os principais times do mundo. Ou por que os jogadores brasileiros que atuam no setor ofensivo são vistos como opções de velocidade pura, algo que combina pouco com a proposta de muitas potências.
O futebol mundial mudou. Posições e funções foram alteradas, e nós demoramos para entender esse processo. Nós ainda somos o país em que jogadores carregam a bola da defesa até a intermediária ofensiva, e aí a velocidade de atletas que eram agudos – Elias e Fernandinho, por exemplo – pode ser um diferencial.
Tente olhar para qualquer outra seleção. Independentemente do nível e da qualidade, não há times no mundo que façam a transição entre defesa e ataque com a bola dominada. Há troca de passes, e um dos motivos para isso é o perfil dos atletas: menos velocidade, repertório mais pobre em termos de habilidade e fundamentos mais lapidados em aspectos como passe e coordenação de movimentos, por exemplo.
Mas nós seguimos discutindo, como fazemos a cada fracasso da seleção, o nível individual de cada atleta. Seguimos pensando em motivos para não termos mais Neymares ou mais protagonistas, mas esquecemos de pensar no contexto.
O fracasso da seleção brasileira em 2015 é também um fracasso da crítica. Já passou da hora de entendermos que não precisamos apenas cobrar jogadores melhores: precisamos cobrar uma nova leitura e uma nova compreensão das necessidades do futebol.
Para isso, porém, é preciso que também transformemos nosso olhar sobre o jogo. Precisamos deixar de ser analistas de resultados, e não apenas os resultados de partidas. Muitas vezes buscamos a conclusão de um lance sem tentar entender o que levou as ações até esse ponto.
O futebol brasileiro já teve outras crises técnicas, mas não é apenas técnica que falta à seleção comandada por Dunga; falta contexto.
A seleção do despreparo
A despeito da discussão sobre a questão técnica ser premente, nenhum problema da seleção brasileira na Copa América de 2015 foi maior do que a comunicação (num sentido amplo, e não apenas como relação entre a equipe e a imprensa). Se ainda cabe debate sobre o nível da equipe de Dunga, não existe dúvida sobre o altíssimo nível de despreparo do grupo (incluindo o comandante).
Entre os atletas, o maior exemplo foi dado por Neymar. O capitão e principal jogador comportou-se como iniciante na derrota para a Colômbia. Xingou, reclamou, cavou uma expulsão, tentou agredir um adversário e ainda foi reclamar com o árbitro. Criou o cenário para uma punição que o tirou da Copa América.
Depois, Neymar falou com o grupo e se desligou da seleção. Enquanto os jogadores seguiam no Chile, o atacante curtia festas no Brasil. Agora pense na estrutura de um ambiente corporativo: que tipo de exemplo esse comportamento de um líder transmite? O que ele comunicou ao grupo ao agir assim?
As entrevistas pós-jogo foram igualmente assustadoras. Daniel Alves sugeriu, depois da derrota para a Colômbia, que existe um complô na América do Sul contra o Brasil. Vários atletas elogiaram o desempenho da seleção minutos após a eliminação para o Paraguai (empate por 1 a 1 no tempo normal e derrota por 4 a 3 nos pênaltis).
Dunga fez ainda pior. Numa tentativa de ser irônico, o técnico disse que “gosta de apanhar” e que “deve ser um afrodescendente” para justificar a relação com as críticas. Ao fazer isso, julgou uma dor que não tem capacidade para entender e brincou com um dos aspectos mais tristes da existência humana.
Em toda a Copa América, não houve uma entrevista sequer que tenha sido bem colocada e que tenha ajudado a aproximar a seleção do povo brasileiro. Ao contrário: platitudes, falta de envolvimento e uma série de escorregões.
O processo de evolução que o futebol brasileiro necessita passa obrigatoriamente por um entendimento maior sobre a relação que a equipe nacional precisa ter com a mídia e o papel que esse aspecto tem para fomentar o orgulho do povo.