É desagradável observar que cada vez mais tem se advertido as comemorações dos gols, por irreverentes e inofensivas que sejam. Para os olhos de uma maioria. Ao mesmo tempo, o torcedor na arquibancada tem uma atuação cada vez mais limitada, quer seja por questões legais ou por segurança.
Sinal da mudança dos tempos. Sim, muita coisa mudou. Esporte é espetáculo a ser ofertado e consumido. Dentro de uma relação comercial, há inúmeros regulamentos a serem seguidos, legais e de segurança. Ao longo dos anos, o esporte de rendimento – especificamente o futebol – tornou-se muito caro. Paralelamente, as opções de lazer também, e o futebol concorre com elas. Para atrair mais torcedores (cada vez mais tratados como consumidores), os estádios precisam possuir instalações à altura de cativá-los, bem como apresentar um jogo atraente. Para isso, os investimentos em futebolistas, comissões técnicas, categorias de base, recursos humanos, inteligência e centros de treinamento também são muito urgentes. Com base nesta relação e organização, o torcedor não pode ficar em pé (pelo menos o que sugere o regulamento dos estádios), levar faixas e instrumentos musicais (salvo com base em recursos jurídicos), manifestar-se e, em casos extremos, apoiar a sua equipe quando joga como visitante.
Ora, segundo Elias & Dunning (1986), o esporte é um dos poucos lugares em que uma pessoa pode expressar suas emoções sem ser julgado. Há hoje muito mais competitividade e briga muitas vezes sem ética, pelo topo. O “meu” é o melhor, em detrimento – e eliminação – do “seu”, tornou-se discurso. Muito distinto é pensar que a coexistência, a compreensão dos altos e baixos de uma equipe e de um profissional, são saudáveis.
Paralelamente, a sociedade também mudou. São inúmeros os motivos para esta mudança, mas as décadas de impunidade, corrupção, desgoverno, desrespeito ao próximo e ao serviço público explicam em parte reações exacerbadas e a intolerância. O que antes era brincadeira, tornou-se exagero, capaz de explicar o engessamento do torcedor nas bancadas e as comemorações dos futebolistas. Muitas vezes, o simples fato de o atleta da outra equipe celebrar um gol, dentro dos limites da decência e respeito, é razão suficiente para que muitas pessoas reajam de maneira agressiva: a felicidade do próximo é inaceitável.
Com tudo isso, é preciso fazer uma reflexão sobre o que se quer como povo e nação e onde se quer chegar. A atuação em coibir as comemorações dos gols e a manifestação da cultura do torcedor é, em boa parte, culpa da própria sociedade. A intolerância e desrespeito tomou proporções tão extremas a ponto de precisarem tomar medidas como estas no futebol, que vão completamente contra o espírito e essência do esporte. Diferente de simplesmente ter-se a consciência de que um dia se perde e no outro se ganha, de que amanhã é outro dia, se aprende com ele e de que a vida segue.
Referência:
ELIAS, Nobert e DUNNING, Erich. A Busca da Excitação. Lisboa: Difel, 1986