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Futebol é festa, alegria e deve ser com bastante respeito

É desagradável observar que cada vez mais tem se advertido as comemorações dos gols, por irreverentes e inofensivas que sejam. Para os olhos de uma maioria. Ao mesmo tempo, o torcedor na arquibancada tem uma atuação cada vez mais limitada, quer seja por questões legais ou por segurança.

Sinal da mudança dos tempos. Sim, muita coisa mudou. Esporte é espetáculo a ser ofertado e consumido. Dentro de uma relação comercial, há inúmeros regulamentos a serem seguidos, legais e de segurança. Ao longo dos anos, o esporte de rendimento – especificamente o futebol – tornou-se muito caro. Paralelamente, as opções de lazer também, e o futebol concorre com elas. Para atrair mais torcedores (cada vez mais tratados como consumidores), os estádios precisam possuir instalações à altura de cativá-los, bem como apresentar um jogo atraente. Para isso, os investimentos em futebolistas, comissões técnicas, categorias de base, recursos humanos, inteligência e centros de treinamento também são muito urgentes. Com base nesta relação e organização, o torcedor não pode ficar em pé (pelo menos o que sugere o regulamento dos estádios), levar faixas e instrumentos musicais (salvo com base em recursos jurídicos), manifestar-se e, em casos extremos, apoiar a sua equipe quando joga como visitante.

Ora, segundo Elias & Dunning (1986), o esporte é um dos poucos lugares em que uma pessoa pode expressar suas emoções sem ser julgado. Há hoje muito mais competitividade e briga muitas vezes sem ética, pelo topo. O “meu” é o melhor, em detrimento – e eliminação – do “seu”, tornou-se discurso. Muito distinto é pensar que a coexistência, a compreensão dos altos e baixos de uma equipe e de um profissional, são saudáveis.

Em 1993 esta comemoração de Viola foi desrespeitosa e rendeu polêmica. Atualmente seria inaceitável e renderia punição. (foto: esportes.R7.com)

 

Paralelamente, a sociedade também mudou. São inúmeros os motivos para esta mudança, mas as décadas de impunidade, corrupção, desgoverno, desrespeito ao próximo e ao serviço público explicam em parte reações exacerbadas e a intolerância. O que antes era brincadeira, tornou-se exagero, capaz de explicar o engessamento do torcedor nas bancadas e as comemorações dos futebolistas. Muitas vezes, o simples fato de o atleta da outra equipe celebrar um gol, dentro dos limites da decência e respeito, é razão suficiente para que muitas pessoas reajam de maneira agressiva: a felicidade do próximo é inaceitável. 

Com tudo isso, é preciso fazer uma reflexão sobre o que se quer como povo e nação e onde se quer chegar. A atuação em coibir as comemorações dos gols e a manifestação da cultura do torcedor é, em boa parte, culpa da própria sociedade. A intolerância e desrespeito tomou proporções tão extremas a ponto de precisarem tomar medidas como estas no futebol, que vão completamente contra o espírito e essência do esporte. Diferente de simplesmente ter-se a consciência de que um dia se perde e no outro se ganha, de que amanhã é outro dia, se aprende com ele e de que a vida segue.

 

Referência:
ELIAS, Nobert e DUNNING, Erich. A Busca da Excitação. Lisboa: Difel, 1986

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Neymar não pediu desculpa

Seja pelo alcance, pelo carisma, pelo potencial midiático ou pelo perfil controverso, o fato é que Neymar repercute. Absolutamente tudo que ele faz atinge um número gigantesco de pessoas de perfis totalmente diferentes. A despeito de falar quase exclusivamente apenas com sua bolha, o atacante do Paris Saint-Germain se comunica com um público bem mais amplo e mais diverso. Por isso, não foi nada surpreendente o resultado da campanha publicitária da Gillette que foi veiculada no último domingo (29). No texto, o camisa 10 reconhece o abalo de imagem sofrido com a Copa do Mundo de 2018 – o Brasil foi eliminado pela Bélgica nas quartas de final e viu seu principal jogador virar chacota mundial pelo estilo histriônico e pelo excesso de simulações. Neymar só não pediu desculpa.
O vídeo de 1min30 em que diz coisas como “a real é que eu sofro dentro de campo”, “eu ainda não aprendi a te decepcionar”, “eu ainda não aprendi a me frustrar” e “dentro de mim ainda existe um menino” esbarra em um problema basilar: é impossível estabelecer qualquer tipo de conexão com um material que não é minimamente crível e não conversa sequer com o nicho. E isso acontece apenas por “ser publicidade”, “ler um texto criado por outro” ou “não mostrar a cara em um momento tão relevante”. Foi o segundo pronunciamento de Neymar depois da Copa do Mundo de 2018, e o primeiro aconteceu em um post na rede social Instagram – apenas texto, sem qualquer oportunidade de olho no olho.
Do ponto de vista da Gillette, a estratégia tem muitos acertos. Em primeiro lugar, a marca conseguiu pegar carona no alcance de Neymar e fez sua mensagem viralizar. Segundo o jornal “O Globo”, o atacante cobrou R$ 1 milhão pela campanha, que foi veiculada no intervalo comercial do dominical “Fantástico” (o custo da inserção não está nessa conta). No entanto, o maior ativo que ele ofereceu ao processo foi a distribuição: o material foi divulgado nos canais do próprio jogador e amealhou mais de 1,2 milhão de visualizações nas primeiras 24 horas (com mais reviews negativos do que positivos, é verdade, mas até essa rejeição foi mais direcionada ao atleta do que à marca).
Para Neymar, a comunicação também é uma bola de segurança. O jogador já havia recorrido anteriormente a comerciais para falar sobre suas questões comportamentais. Em 2011, quando ele tinha 19 anos, uma campanha da Nextel o apresentou como um personagem controverso, mas em um processo de evolução pessoal. Aquele contexto era mais favorável ao atacante, diga-se: o material tinha versões similares com outras personalidades, o que personalizava menos a discussão, e ainda se tratava de fato de um garoto. Agora, aos 26 anos e depois de duas Copas no currículo, é bem mais difícil para ele esse apelo à imaturidade como se fosse elemento de empatia e não de crítica.
A campanha também não é novidade do ponto de vista de gestão de imagem de celebridades. Ronaldo, quando teve questões na carreira, também recorreu ao “Fantástico” para dar sua versão. A diferença nada sutil é que o Fenômeno fez seus discursos em entrevistas, ainda que tenha combinado previamente abordagens, roteiros e reações. Não é simplesmente o espaço que determina a autenticidade do material – a publicidade pode passar uma mensagem verdadeira e o jornalismo mal feito pode ser maléfico para a gestão de imagem.
Mas Neymar não é como seus antecessores, que usavam a mídia como intermediário para conversar com o público. O atacante do PSG controla seus próprios canais e seu discurso, o que simboliza uma geração diferente e também ajuda a explicar por que ele tem uma relação bem menos próxima com canais de comunicação. As mensagens partem da bolha e conversam com a bolha, ainda que reverberem no lado externo. E o que mais acontece com esse conteúdo, aliás, é que as críticas mais severas sobre modus operandi partam justamente de quem está fora da redoma.
O que chama atenção no comercial da Gillette é que a mensagem não funciona nem com a bolha. É um conteúdo que não conversa com quem está a milhas dos “tóis” e dos “parças”, mas tampouco funciona para o séquito do atacante. Ainda que a companhia tenha alegado que o material é fruto de pesquisa, o tom é absolutamente errado em qualquer ótica.
Chico Buarque sugeriu certa vez a criação de um ministério do “vai dar m…”. A função da pasta seria basicamente a de apresentar ao presidente da República uma visão mais comedida e discutir possíveis problemas de cada decisão. Se houvesse um consenso para cortar pela metade o salário mínimo, por exemplo, caberia a esse núcleo levantar os argumentos contrários e avisar que “isso vai dar m…”. O jornalista André Barcinski fez sugestão similar há alguns anos, quando disse que quase todos os problemas em redes sociais seriam resolvidos com um botão “tem certeza?” antes da publicação de qualquer conteúdo. É impressionante que ninguém tenha feito esse papel com Neymar.
Dias antes de o comercial ter sido veiculado, a rede social Facebook desmontou um esquema de fake news que envolvia páginas e perfis falsos no Brasil. Desabilitou a rede que até então era supostamente ligada ao MBL (Movimento Brasil Livre), e o grupo, além de ter assumido a autoria do conteúdo, resolveu protestar contra o que classificou como censura. Horas depois disso, a rede “O Boticário” publicou em seus canais uma campanha sobre o Dia dos Pais e foi acusado por internautas de cometer “racismo reverso” por ter retratado uma família em que todos os integrantes eram negros.
O que esses dois casos têm a ver com Neymar? Em ambos, o fato ganhou menos repercussão do que a percepção. Não há nada de novo com as fake news; novidade é você poder se fechar em uma bolha e consumir apenas os temas do seu agrado e as versões com as quais você concorda, independentemente do assunto. A segmentação de canais possibilita que os militantes de esquerda tenham pouco ou nenhum contato com as mensagens da extrema direita, e vice-versa.
Como consequência, as redes sociais intensificaram a produção de conteúdo segmentado. Há uma clareza maior sobre canais, públicos e que tipo de mensagem funciona com cada grupo. É nesse aspecto que a mensagem de Neymar falha tanto: os clichês enfileirados no comercial da Gillette simplesmente não conversam com nenhum grupo. A quem se destina aquela mensagem?
É nítido o trabalho que o estafe de Neymar tem feito depois da Copa para reconstruir a imagem do atacante. Contudo, o que mais chama atenção nesse projeto é a falta de um norte: até aqui, o atacante parece atirar em diferentes direções: alterna estratégias inovadoras com ações ultrapassadas, não constrói conteúdos eficientes com nenhum grupo e não cria uma figura empática independentemente do receptor da mensagem.
A reconstrução de imagem de Neymar pode até funcionar no médio ou no longo prazo. Enquanto ele seguir totalmente despreocupado com seus interlocutores, porém, esse processo vai ser muito mais complicado e tortuoso.

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Jogar bem

“Como a equipe irá jogar?”
As possibilidades são muitas e esta é uma questão fundamental, que cabe (salvo algumas exceções[1]) ao treinador definir, ainda que em termos gerais, no menor tempo possível.
Quais serão os padrões (em termos coletivos, num nível macro) que a equipe deverá apresentar quando estiver atacando, defendendo e realizando as transições?
Ser mais defensivo ou ofensivo (enquanto padrão)?
Controlar a bola ou o espaço (enquanto padrão)?
Marcar em bloco alto, médio ou baixo (enquanto padrão)?
Marcação zona, mista ou individual (enquanto padrão)?
Atacar ou Contra-Atacar (enquanto padrão)?
Ataques rápidos ou ataques continuados (enquanto padrão)?
Particularmente, penso não existir certo ou errado e sim opções e escolhas, que devem ser coerentes e ajustadas às características do contexto e fundamentalmente dos jogadores, com o que um conjunto de indivíduos pode realmente produzir.
Assim, em minha opinião, o “jogar bem” está intimamente relacionado à equipe conseguir colocar em prática uma ideia de jogo que seja capaz de potencializar e expressar o talento e as qualidades dos jogadores, ao mesmo tempo que esconda suas debilidades e fragilidades, fazendo a equipe ser forte e competitiva.

À esquerda o Leicester City de Claudio Ranieri, campeão da temporada 2015/2016 jogando um futebol direto, com bolas longas, mais defensivo e de ataques rápidos/contra-ataque, e à direita o Manchester City de Guardiola, campeão da temporada 2017/2018 do mesmo campeonato inglês, com o famoso estilo de jogo de Pep Guardiola. “Futebóis” diferentes no estilo e na estética, mas ambos de qualidade. Foto: Reprodução Web.

 

Portanto, o treinador deve conhecer de futebol e suas diferentes e variadas possibilidades, para depois, de um enquadramento/”diagnóstico” inicial, tomar partido pela ideia que mais se ajusta às necessidades e possibilidades da sua equipe.

Isso, se pretender a obtenção de resultados, é claro.

[1]Em alguns clubes, em função da sua história e cultura, o estilo de jogo (em níveis gerais) não se altera.

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Entre o registro e o jogo

Bom dia, e bem-vindos ao nosso Entre o Direito e o Esporte”! Hoje vamos fechar o mês de julho. Essa semana nós vamos conversar sobre o “recomeço” que é chegar em um novo time. Nessa coluna a gente vai ver o que fica “entre o registro e o jogo” nesse “passo-a-passo” das transferências no futebol profissional brasileiro.
E, para deixar tudo mais tranquilo, esse é o mapa de hoje: vamos começar dando uma olhada nas regras para o registro do atleta profissional; depois vamos ver alguns desafios na hora desse registro; e, depois, fechamos com… aquele tal do BID!
Bora lá?
A gente já viu que depois da negociação, tudo que vai para o papel tem que ser registrado. E por que isso? Fácil! Se não registrar o jogador, ele não pode jogar. Só que, como tudo no direito desportivo, aqui também tem umas regrinhas que é bom a gente saber – são as regras de registro.
É tipo quando a gente quer abrir uma conta no banco, sabe? Pode ter o dinheiro na mão e o que for… nada vale se não tiver um papel assinado que foi registrado lá no sistema que vai te gerar um número, te gerar uma conta, e te gerar um cartão. E tudo isso segue um “rito”, um “procedimento”… um caminho escrito por alguém em algum lugar em alguma hora.
E, no nosso caso, o caminho é o seguinte: aquele jogador que vai para o seu clube tem que ser registrado na Federação local (que faz parte da CBF, como aqui em São Paulo é o caso da Federação Paulista de Futebol) da qual o seu clube é filiado (tipo o Santos Futebol Clube aqui). Esse jogador tem que ser registrado para poder jogar qualquer partida oficial!
Simples assim? Quase lá! Pega o caso do Santos, imagina que o clube vai registrar um jogador brasileiro transferido de outro clube brasileiro. O “time da baixada” vai solicitar o registro do atleta na FPF. Essa solicitação tem que ter um monte de documentos. Documentos que vão desde o contrato de trabalho (CEDT) até a carteira de trabalho (CTPS). Isso sem contar todas as taxas (sim, trazer um jogador é caro) da Confederação Brasileira de Futebol, da Federação Paulista de Futebol (nesse caso) e da FAAP (Federação das Associações de Atletas Profissionais).
Esse registro é “efetivado” (começa) com a inclusão do contrato de trabalho no Sistema de Registro da CBF. E lá tudo isso vai ser analisado, e a Diretoria de Registro e Transferência pode pedir a complementação da documentação (“ops, faltou o exame médico”) e/ou a retificação de informações (“é Barracco com dois ‘c’”). E, acredite, isso acontece!
Agora, beleza, fez o registro e parou aí… né? Então é fácil, mesmo! Calma lá, como a gente sabe, tem sempre um desafio aqui e ali no caminho. Um dos documentos importantes é o tal do “passaporte desportivo” (PD) do atleta – lá que tem tudo, inclusive onde e por quanto tempo aquele atleta jogou. Esse PD tem que ser atualizado pelo clube novo… e, ah, aí tem chão!
Imagina que o jogador já tinha sido registrado por 3 clubes na mesma temporada, pode? Não e aí “dá ruim”. Imagina que o jogador já participou de competições nacionais por 2 outros clubes, pode? Não e aí dá ruim. Imagina que ninguém percebeu isso e “sem querer” o jogador foi inscrito e jogou uma partida pelo seu clube, pode? Não e aí dá ruim – e nesse caso muito ruim.
Respira, respira… nada disso aconteceu e está tudo certo, calma! Deu tudo certo, o pedido foi encaminhado, e não teve nenhuma surpresa… até que o seu rival disse que fechou com o mesmo jogador e “subiu” o contrato dele no sistema antes! É… deu chapéu e o que vale é o pedido que foi recebido em primeiro lugar (desde que esteja tudo em ordem).
Beleza, isso também não aconteceu. Só que o jogador (brasileiro) vinha de fora (Portugal?). É… então, precisa de mais um documento! O Certificado Internacional de Transferência ou CIT. Esse documento tem que ser recebido pela CBF para que o registro do jogador esteja em ordem – e isso pode demorar… bastante.
Mas… tranquilo! Veio o CTI e está tudo certo. Só que o jogador não é brasileiro no fim das contas! E aí, é só mandar os documentos de sempre e tudo certo? Pois é, não. Aí entra a “história do visto de trabalho” (é… precisa de uma “permissão” do nosso Governo) e de alguns outros documentos (como o RNE – o Registro Nacional de Estrangeiros, que é o R.G. dos “gringos brasileiros”). Se tiver tudo isso em ordem, está tudo certo!
Tudo certo? Quer dizer que, finalmente, aquele jogador vai poder estrear pelo meu time?! Quase! Ainda falta um último detalhe… aquele tal do BID!
O Boletim Informativo Diário da Confederação Brasileira de Futebol é como se fosse um “jornal de classificados”. Sabe? Lá a gente vê todas as transferências (na verdade, registros) de todos os clubes brasileiros. E só quando a carinha daquele jogador aparece lá é que ele pode jogar pelo seu time!

Fonte: BID/CBF

Como a gente viu todo esse mês, tem um monte de coisa entre a primeira notícia na internet de que o seu clube quer trazer aquele jogador do outro time e a estreia daquele jogador pelo seu time. E esse “monte de coisa” está “Entre o Direito e o Esporte”.
Por hoje é isso, pessoal! Deixo um bom final de semana para todos e convido vocês a continuar aqui comigo na semana que vem quando vamos começar um novo mês. Um novo mês em que vamos conversar sobre a Justiça Desportiva. Até sexta-feira! Enquanto isso, é  só falar comigo por aqui, pelo meu LinkedIn ou pelo meu Twitter. Abraço e fui!

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Tempo de trabalho e organização ofensiva

O futebol brasileiro retornou após a pausa da Copa do Mundo e não consegui ver muita coisa diferente do que vinha acontecendo antes. É claro que eu não esperava ver, por exemplo, um jogo de posição executado brilhantemente como o do Barcelona de Guardiola. Até porque ideias complexas levam anos para serem bem entendidas e bem executadas. Porém, no fundo eu tinha uma esperança de ver algo mais elaborado, principalmente em termos de organização ofensiva que é hoje o maior desafio dos técnicos brasileiros. Até aqui me decepcionei.
Tenho em mente que pela lógica básica do jogo de futebol é muito mais fácil defender do que atacar. Para simplificar, uma equipe pode ter quase cem ações ofensivas e terminar o jogo sem marcar nenhum gol, ou no máximo marcar dois, três gols. Ou seja, a defesa se sobressai quase sempre em mais de noventa por cento das oportunidades. Por essa evidente dificuldade, os conceitos ofensivos devem ser muito bem trabalhados. Mas aqui no Brasil ainda vemos muitos treinadores usarem o fraco e simples expediente de ‘deixar o talento decidir’.
Com mais de um mês sem jogos oficiais, com os jogadores mentalmente frescos, era a oportunidade ideal dos treinadores buscarem evoluir no jogo com a posse de bola. Reconheço que melhoramos aqui no cenário nacional em conceitos defensivos. Hoje no Brasil as equipes marcam de maneira muito mais compacta, organizada e conceitual. Mas precisamos evoluir no que mais importa, que é no momento que nosso time tem a posse de bola.
O coletivo deve potencializar o indivíduo. Para atacar bem é necessário ter boas ideias. Há diferentes formas de atacar no futebol: ataque direto, ataque posicional, contra-ataque…em todos eles há conceitos por trás: ultrapassagem, profundidade, amplitude, apoio, etc. Passou da hora de os nossos profissionais mostrarem mais resultados ofensivos. Capacidade e conhecimento metodológico eles têm. O próximo passo é a operacionalização. O pretexto de que não houve tempo de trabalho não cola dessa vez.
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O futebol entre o saber, o não-saber e o saber que não se sabe

Fonte: Iniesta Surrounded

 

“Só sei que nada sei”
Sócrates

 
Muito se falou, durante o último mês, sobre a importância da assim chamada dimensão mental para futebolistas em geral, especialmente no alto rendimento. Por algum motivo (talvez pela persuasiva aparência do chamado moderno), parece haver aqui uma leve camada de ineditismo, como se a relevância do treinamento da mente fosse uma descoberta recente (o que soa assustador, aliás). Da mesma forma, percebo um viés razoavelmente reducionista neste discurso. Por isso, proponho aqui um outro debate, mais humanizado. Vejamos.
Por uma série de razões (alguma delas pretendo tratar em breve), temos uma tendência a organizar nosso conhecimento por áreas, dividi-las em caixas muito bem delimitadas. No futebol, parece razoável afirmar que, em linhas gerais, nos acostumamos a quatro grandes caixas: tática, técnica, física e mental (incluo aqui os respectivos sinônimos). Os leitores e leitoras concordarão comigo que avançamos consideravelmente no entendimento das três primeiras caixas, mas talvez não exatamente na última. Duas breves justificativas seriam: I) o rendimento é utilitário, de modo que um determinado saber será valorizado na mesma medida da sua ‘utilidade’, pensando no resultado; e II) o futebol ainda convive com os resquícios da ruptura mente/corpo que, neste caso, enfatiza o segundo em detrimento do primeiro.
Aqui, temos um problema: ainda que esgotemos as possibilidades epistemológicas de cada uma das áreas, poucos serão os progressos se elas não dialogarem entre si. Quando se fala que é preciso trabalhar apenas a dimensão mental, interpreto que é preciso trabalhar em uma das caixas, a parte que falta. Mas talvez o ponto não esteja ali, pois para além de cada parte, estão as relações entre elas. É bem verdade que essas relações, possivelmente, escapem ao conhecimento humano (uma vez que a racionalidade é limitada). Mas, ao mesmo tempo,, enfatizar uma das áreas de um ser, pouco acrescenta à sua percepção, porque ele só existe integrado, uno.
É por isso que defendo, ao invés de somente uma preparação mental, mergulharmos em uma preparação humana. Em um futuro próximo, imagino clubes e federações investindo fortemente na contratação de mais e mais psicólogos. Veja bem, é evidente que psicólogos devem ser parte essencial do corpo técnico de qualquer clube que trabalhe com formação/rendimento, e quaisquer atletas, desde a mais tenra idade, em muito se beneficiariam de um bom acompanhamento psicoterápico (ainda que muitos o recusem, baseados em uma virilidade questionável). Mas nosso problema não se resolve somente contratando profissionais da área. Há mais trabalho a ser feito.
Este trabalho está personificado em Sócrates, que promoveu uma verdadeira revolução moral em Atenas quando instituiu o seu método de investigação da realidade. Em um período dominado pelos sofistas – os artistas da retórica, que julgavam ser possível ensinar o que não se sabe -, o método socrático não parte da retórica, mas da dialética, do diálogo. Ao invés de responder, Sócrates pergunta. Assim como Fenarete, mãe do filósofo, fora uma parteira de corpos, Sócrates desejava ser um parteiro de almas. Através das perguntas certas, com um método rigoroso (exortação, indagação, ironia, maiêutica) ele permite ao interlocutor descobrir a verdade por si próprio, a partir da contemplação interior. Assim como quem dá à luz é a parturiente (e não o obstetra), quem gera a verdade é o próprio sujeito, mais ninguém.
O grande ponto, leitores e leitoras, é aqui temos uma subversão absoluta do locus da verdade. A partir daqui, a verdade não mais estará no objeto, mas sim no próprio sujeito, razão pela qual todas as tentativas de imposição de um dado conhecimento são vistas não apenas como inverídicas (pois o sábio é aquele que sabe que não sabe), como também violentas, pois castram, em absoluto, a autonomia do sujeito. A função do educador (leia-se, do treinador) seria outra: seria induzir o educando (atleta) a descobrir as próprias soluções, seja através do diálogo, seja através de cada uma das sessões de treino, por exemplo. Enquanto o atleta não for convidado à visitação de si, dentro e fora do jogo, ele ainda será vítima das próprias amarras e será, no jogo, apenas uma ou mais partes de si mesmo, não será inteiro. Várias caixas preenchidas não formam um ser integrado.
Isso significa que talvez seja urgente repensar o lugar da pergunta no processo de treino e de jogo, ao longo do tempo. Processos que se alimentam das perguntas (ao invés de respostas pasteurizadas) podem ser o combustível que falta para que o atleta, na sua inteireza, investigue as soluções por si mesmo, seja um exímio resolvedor de problemas, através das suas próprias ferramentas (que são únicas e complementares às de jogadores e treinadores). Talvez este processo nos permita avançar em uma das nossas grandes platitudes: formar indivíduos, ao invés de meros atletas. Nós, treinadores, devemos ser artistas dos problemas. Os jogadores são os artistas das resoluções.
Assim, caminhamos para uma formação muito mais humanizada, que dá ao humano o que lhe pertence, e que lhe permita ser mais do que é. Atletas não são, atletas estão: mudam ao longo do tempo, assim como todos nós e as próprias coisas. Cabe a nós decidirmos se seremos espectadores passivos da mudança, meros sofistas da bola, ou se seremos parteiros, que dão aos atletas, ao invés de meras instruções, o direito de gerarem a vida e o jogo por si próprios, o que não apenas não invalida, como potencializa os resultados em campo.
Me parece um caminho irresistível.

 

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Brasileirão com tudo! Teve Copa?

O futebol nacional da Série A voltou das “férias” e mexeu com os corações dos brasileiros no meio e no final da semana passada. Paixão, intrigas, xingamentos, dissimulações, tragédias, surpresas e glórias. Novela mexicana? Não! Teve inclusive a Copa do Brasil com o inusitado fato da invasão de campo de uma ratazana no gramado de São Januário. É o futebol do Brasil em graça e essência.

O retorno foi bastante intenso, recheado de clássicos entre clubes de dois grandes centros do Brasil: Rio de Janeiro e São Paulo, mais o Ba-Vi. Isso dentro de uma semana que começou com muita reclamação da torcida, inquieta e irritada com a volta do antijogo característico daqui (simulações, brigas, provocações), algo que o torcedor brasileiro havia esquecido após acompanhar a Copa do Mundo.

Entretanto não teria sido esse retorno, recheado de clássicos, proposital? Um calendário pós-Copa do Mundo, com interessantes confrontos, justamente para que o público retome rapidamente a empolgação com a Série A do Campeonato Brasileiro? Pode não ter sido de propósito, mas que foi uma feliz coincidência, foi. Nada melhor para uma retomada do que se ter grandes clássicos, com tradição e imprevisibilidade dos resultados. Leva público aos estádios e gera audiência no rádio e na TV. Condição perfeita para que o torcedor volte a “viver” o futebol do Brasil na primeira divisão. A repercussão foi tanta que a impressão que se tem é que a Copa do Mundo aconteceu há muito tempo.

Bahia x Vitória, o “Ba-Vi”, um dos clássicos no retorno do Brasileirão pós-intervalo de Copa do Mundo. (Foto: UOL Esporte)

 

Com tudo isso, é vantagem competitiva do Campeonato Brasileiro ter vários clássicos. Se de fato esta foi uma estratégia para reconquistar o interesse do torcedor pelo Brasileirão, ela foi muito bem sucedida. Critica-se muito o antijogo característico do futebol do Brasil e que, a prazo, desvaloriza o espetáculo e é capaz de afastar o torcedor. No entanto, passada uma semana, parece até que nos “reacostumamos” com o que está nivelado por baixo. Só que isso não pode parar por aqui. É preciso trabalhar incessantemente para que este tipo de conduta seja erradicada, pelo bom serviço do esporte no Brasil.

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Entre o acordo e o registro

Bem-vindos ao nosso Entre o Direito e o Esporte”! Nessa terceira semana de julho vamos continuar a nossa conversa sobre aquele tema que a gente vê toda hora no jornal nessa época do ano, aquele assunto que a gente passa o dia fofocando, aquele tal de mercado de transferência do nosso futebol.
Hoje a gente vai continuar o caminho da nossa história da semana passada. Hoje a gente vai sair da negociação para dar os próximos passos nesse mito que é a transferência de um jogador. Hoje a gente vai dar uma olhada no que acontece “entre o acordo e o registro”. E o caminho da nossa história passa por esses passos nessa semana: I.) o acordo e o que vem com esse acordo depois da negociação da transferência de um atleta profissional de futebol; II.) o que é a tal da janela de “transferência” (janela de registro, por favor); e III.) esse tal de sistema de registro.
Bora lá?
A negociação deu certo. Deu tão certo que virou um acordo. E esse acordo… esse acordo é o que no fim do dia? Fácil, esse acordo é nada mais do que um “pedaço de papel”. Só que um pedaço de papel com muito valor! É tipo um cheque, é uma folha com um monte de coisa escrita que significa mais um monte de outra coisa e que não tem a menor importância se, no fim do dia, quem assinou não podia assinar ou não tinha o tal do dinheiro lá.
Esse acordo acontece quando o seu clube acerta o valor da transferência daquele jogador com o outro clube, e depois que o seu clube chegou em um salário com aquele jogador (e também em como pagar a comissão de quem mais estivesse envolvido nessa transferência – como um intermediário). Aí todo esse acerto vira uma folha de papel onde vai ter um monte de coisa escrita: quem são os clubes, os intermediários, o jogador; o valor, como vai ser pago, e quando isso vai acontecer; o tipo de transferência, quando ela passa a valer, e o que acontece se “der ruim” – entre outros detalhes extras dependendo do caso.
É um pedaço de papel. Só que é um pedaço de papel bem importante! E um pedaço de papel bem importante que vem junto com um monte de outros papéis (vários documentos e várias siglas que vão desde os documentos pessoais do jogador até as “garantias bancárias” – tipo o tal do “fiador” quando a gente aluga um apartamento, sabe?). E tudo isso sem contar o exame médico e a assinatura de todo esse calhamaço!
Só que mais importante que tudo isso… é que é um papel importante e sem nenhum valor se ele não for registrado. Beleza, agora “tá tudo certo” e o amigo vem para o seu clube! Né? “Bão”, quase lá! Como eu falei, tudo precisa ser registrado… só que para ser registrado a janela precisa estar aberta (não, não a da sala – aliás, fecha que tá frio!).
De novo, pensa no tal do cheque… aliás, pensa no seu cartão de débito – já que quase ninguém mais usa cheque, né? Você foi no mercado comprar um pão. No mercado você foi pagar esse pão. Esse pão custava uns reais que você não tinha na carteira, mas… tudo bem – você ia pagar no cartão mesmo! O cartão mesmo não tem nenhum valor. Isso até você enfiar na maquininha, colocar uns números mágicos e a aparecer o tal do “transação autorizada”. Certo?
Esse tempo entre digitar a senha e “autorizar a transação” se dá em uma “janela” (uns segundos). Essa janela registra a transferência de um valor para a conta do mercado pela venda feito em troca do seu dinheiro no seu banco usado para a sua compra. No outro mercado, o de transferência do futebol, acontece quase que a mesma coisa!
Essa é a tal da “janela de transferência” (por favor, daqui para frente sempre janela de registro. Promete?). Essa janela é quando a ida de um jogador de outro time para o seu é registrada– ou seja, a transferência pode ser programada para acontecer em qualquer momento (débito programado?) só que ela vai ser registrada em um período específico – e é aí que ela vai passar a valer.
Esse registro, aqui no Brasil, se dá na Federação local que o seu clube é filiado (como aqui na Federação Paulista de Futebol). Esse registro é o passo necessário para que aquele jogador possa estar em campo na partida do final de semana pelo seu time. E esse registro é feito em um (ou dois) sistema (sistemas?) específico (cadê o “s” nesse teclado?).
Pronto, acordo feito e janela aberta! Agora sim, é a época certa e o seu clube pode registrar aquele jogador – finalmente vai jogar! Só que… o que raios é esse tal de sistema de registro?
Cara, esquece isso de cheque e cartão agora. Pensa mais simples! Imagina que a gente voltou no tempo umas semanas e tem o tal do “bolão da Copa” (#quemnunca). Cada aposta sua era feita em um “sistema” – folha de papel, aplicativo no celular, computador. E esse sistema tinha suas regras próprias (até 48h antes da partida, só o vencedor, número de gols…). No nosso futebol é a mesma coisa!
O registro é feito em um sistema de registro eletrônico da Confederação Brasileira de Futebol (ou da FIFA). Esse registro são dois (só para complicar). Um registro que serve para jogadores vindos de fora (ou indo) e outro para jogadores vindos de um clube brasileiro para outro (ou). Aquele lá é o sistema “FIFA TMS” (transfer matching system), enquanto esse é o “CBF PTA” (pedido de transferência de atleta).
Esses sistemas de registro são o ponto de virada da transferência daquele atleta para o seu time. E é ali que a negociação que virou acordo é registrada na “janela de registro”! (ahá!) Só que, como sempre, nem tudo são flores… e aí temos algumas regras! Regras que vamos dar uma olhada na semana que vem quando formos ver como a negociação que virou acordo se transforma em… uma linda borboleta?

Fonte: fStop

 
Não! Como tudo isso vira uma transferência de verdade! Valeu?
Deixo um bom final de semana para todos! E convido vocês a continuar no “Entre o Direito e o Esporte” nesse nosso especial sobre o mercado de transferência dos atletas profissionais de futebol por aqui! Nos vemos semana que vem, feito? Enquanto isso, só falar comigo por aqui, pelo meu LinkedIn ou pelo meu Twitter. Até dia 27 de julho para o nosso fechamento do mês!

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Formação de times campeões

O sucesso no futebol pode ser conquistado e explicado de várias formas. Uma delas é a continuidade. Continuidade e sequência de ideias, conceitos e jogadores costuma funcionar bem – evidentemente, desde que haja qualidade no que é feito, já que sequência de más ideias e jogadores ruins não levará ninguém a conquistas.
O jogo de futebol é complexo, caótico e sistêmico. Algumas variáveis que interferem no resultado são muito subjetivas. Quando popularmente falamos que uma equipe ‘deu liga’, está ‘azeitada’ e ‘encaixou’, normalmente estamos nos referindo a complementaridade de qualidades dos membros do time. Um completa o outro, potencializando o que há de melhor e minimizando os elos fracos.
Me refiro aqui a relação ‘eu-companheiro’. Para contextualizar, em qualquer jogo coletivo existe as relações: ‘eu-bola’, ‘eu-companheiro’, ‘eu-bola-alvo’ dentre outras. A interação ‘eu-companheiro’, só chegará a excelência com tempo. Jogadores se comunicam de maneira não verbal o tempo todo. Como o companheiro gosta de receber um passe, no pé ou no espaço? Em uma jogada sem a bola, quem dá o bote e quem faz a cobertura, tudo isso no timing preciso? Isso só se faz em alta performance com treino e mais treino e com jogo e mais jogo.
Por isso, quando vejo o Corinthians perder dois de quatro jogadores da linha defensiva me preocupo. Ou quando o São Paulo no começo do ano vendeu uma baciada e contratou outra baciada de atletas também não prevejo troféus. Ou até o Santos que trocou todo o seu ataque com relação ao ano passado também fatalmente terá dificuldade.
Formar um elenco requer inteligência, conhecimento e tato. Entendo a necessidade dos clubes brasileiros venderem jogadores. Mas até essas vendas podem ser feitas com critério pensando no sucesso do time. Vender um jogador e contratar outro melhor tecnicamente não é garantia de sucesso.
 

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No futebol, o moderno é atemporal

Reprodução: Youtube

 
Períodos como este, em que nos deleitamos com o mais alto nível do futebol mundial, costumam também ser períodos das mais diversas teorias, algumas delas elogiáveis, outras nem tanto.
Neste segundo caso, me chama a atenção um discurso bastante evidente, muito repetido nas últimas semanas, embora não exatamente detalhado, que diz que somos testemunhas do nascimento de algo novo no futebol contemporâneo, uma nova ordemum novo jeito de se jogar e, consequentemente, de um futuro próspero e irrefreável, que deveria ser seguido à risca por nós, profissionais do futebol brasileiro, sob risco de vivermos atrasados.
Da minha parte, admito que tenho enorme cuidado com tudo aquilo que se apresenta como novo. Os leitores e leitoras haverão de concordar que uma das premissas do novo é associar-se, ainda que implicitamente, à ideia de progresso: o novo sempre surge como uma ruptura do velho, mas não é uma ruptura qualquer. É uma ruptura marcante, decisiva, uma negação do passado travestida de passaporte para o futuro, que deve ser comprado rapidamente, ainda que o itinerário não seja exatamente claro para os compradores e, inclusive, para os próprios vendedores. Como bem sabemos, uma das nossas atribuições, em favor da melhora do futebol (e da sociedade), é olhar para além das aparências, olhar em busca da essência, da natureza de um determinado objeto. Há várias formas de se fazer isso. Mas todas elas demandam tempo.
Nessas horas, me lembro imediatamente de dois autores. O primeiro é Heráclito, que advogava em favor da percepção do ser como devir, como movimento, ou seja: as coisas não são estáticas, perenes, elas estão em mudança constante. É por isso que um homem nunca se banha duas vezes no mesmo rio: porque o homem é diferente e porque o rio é diferente. Sendo mudança constante, perceba que as coisas não podem ser novas por muito tempo. Elas só podem ser novas por um instante, mas logo depois dele, o novos e dissolve.
Ao mesmo tempo, me lembro de Jean-Jacques Rousseau, que no auge do Iluminismo, na flagrante influência das luzes sobre o pensamento ocidental (tendo na razão, diga-se, uma grande aposta para a felicidade humana – o que não parece ter se confirmado), questionou se o progresso das ciências e das artes seria sinônimo de progresso moral. A resposta? Não
Neste sentido, mantendo aqui nossa estreita relação com o futebol, me parece absolutamente importante que sejamos cautelosos nas nossas incursões relativas ao novo. Veja bem, existe alguém mais moderno do que Óscar Tabárez? As rugas sob a pele e a moléstia que agora lhe acompanha representam um passado a ser negado ou uma rara sabedoria conferida pelo tempo? Tabárez e o Uruguai não se apoiaram em um modelo de jogo inédito, não parecem vítimas de dispositivos tecnológicos mirabolantes, não estão, em absoluto, interessados em prescindir de um certo tipo de ideal uruguaio descrito em quatro linhas. O Uruguai, neste sentido, é uma espécie de contracultura do futebol contemporâneo: um treinador em nada jovem, mas absolutamente respeitado, uma estrutura tática rara de ser vista (que outra equipe de alto nível joga, em uma base regular, com um losango no meio-campo?), dois atacantes consagrados ao lado meias ainda muito jovens, mas absolutamente confiáveis, um zagueiro gigante que chora, mesmo antes do apito final, pelo jogo e pelo seu povo. A contracultura pode ser absolutamente competitiva. E não há nada mais moderno do que a competitividade. O espírito é atemporal, os valores também.
Me parece necessário questionar seriamente o que significa dizer que o futebol brasileiro (e o Brasil, como um todo) estaria atrasado com relação ao que se pratica em outros lugares. Este pode ser um exemplo de um discurso que soa moderno, mas que, na essência, talvez não seja. Dizer que uma determinada manifestação cultural estaria atrasada em relação a outra significaria dizer (e me lembro aqui de Carlos Walter Porto-Gonçalves), que é como se houvesse um relógio universal, que determina a correta passagem do tempo para todos os povos, e que as culturas que não acompanham este relógio são simplesmente defasadas, retardatárias, atrasadas. Mas o tempo não é absoluto, o tempo passa de maneiras diferentes para povos, culturas e pessoas diferentes. Aliás, poucas coisas serão mais modernas do que a arte de trabalhar com a duração do tempo alheio.
Voltando ao exemplo anterior, se existe um relógio universal, quem dita o seu ritmo? Para descobrir a resposta, basta olharmos para o grande relógio futebolístico mundial. O tempo deste relógio é o tempo do capital. Time is money– ainda que, no futebol, essa afirmação seja feita em vários outros idiomas. A narrativa que guia o futebol contemporâneo é eurocêntrica, e talvez aqui esteja uma das razões que nos fazem crer que há uma nova ordem no futebol mundial. Talvez não seja, em absoluto, porque eles são melhores do que nós. Mas sim porque é lá que se escreve o enredo do futebol contemporâneo (especialmente a partir da imposição econômica) e, mais do que isso, porque talvez nós aceitemos, com alguma passividade, um discurso inclusive violento, que parece emular, no futebol, um sentimento colonialista razoavelmente familiar. Nós somos atrasados ou somos diferentes?
Assim, convido a todas e a todos os treinadores, treinadores assistentes, preparadores físicos, analistas de desempenho, gestores e afins a pensarmos com absoluto cuidado sobre o novo. Nós seremos meros importadores de ideais alheios, adequados para aqueles povos, naqueles contextos, ou nós seremos observadores mais tenazes da realidade, que reconhecem a evolução alheia e as nossas lacunas, e que lutam por um futebol maior e melhor, mas sem prescindir, em hipótese alguma, do nosso povo e do nosso tempo?
Pois nosso sangue é brasileiro e o nosso futebol também precisa sê-lo.
Diferente, sem deixar de ser moderno.