Virou moda chamar técnico de retranqueiro. Fábio Carille teve que ouvir isso dos torcedores do Corinthians na semana passada após perder para o Independiente Del Valle. Quando Mano Menezes foi contratado pelo Palmeiras vários torcedores foram contra porque, segundo eles, seria trocar “seis por meia dúzia”, um “retranqueiro por outro” – a saber, Mano por Felipão.
É claro que torcedor não tem que entender profundamente sobre princípios e sub-princípios operacionais de jogo e nem sobre metodologias avançadas de treinamento, que fazem com que as ideias do treinador sejam assimiladas pelos jogadores e reproduzidas em campo. Mas reduzir todo um trabalho a partir de apenas uma fase do jogo – a defensiva, nesse caso- não me parece muito justo e inteligente.
Para ficarmos nos exemplos de Mano e Carille, ambos já foram campeões. E nenhuma equipe é campeã se não tiver equilíbrio entre defesa, ataque e as fases de transição. Ter um setor da equipe mais predominante que o outro é fruto de várias possibilidades: melhores jogadores nesse setor, maior complementaridade de características entre eles ou até mesmo uma maior habilidade do treinador em trabalhar melhor determinada fase do jogo. Mas não é coerente taxar um técnico de retranqueiro ou até mesmo ‘ofensivo demais’. Ninguém ganha nada se não tiver um time equilibrado.
Mais uma vez, absolvo o torcedor que acha seu técnico ‘defensivo demais’. Entretanto, o jogo de futebol é muito complexo. Existem várias formas de defender, de atacar, de realizar as transições, de armar as equipes para as bolas paradas…qualquer trabalho minimamente bem feito tem seus pontos fortes. E fracos também, claro. Prefiro olhar o todo e não as partes separadas. Ninguém vai ter resultado positivo se for bom só em um momento do jogo. Seja ele ataque ou defesa.
Mês: setembro 2019
Embora não seja muito claro para quem não frequenta, ou mesmo não dá atenção ao processo de treino/jogo, uma das coisas que sempre nos pegam é que as decisões de treinadores e treinadoras, uma vez que dependentes da complexidade do tecido do jogo, não são exatamente relações de causa/consequência, tomadas na certeza de resultados. Na verdade, estão mais próximas das apostas. Com dados, informações, às vezes com extremo rigor… mas são apostas.
Digo isso em razão de algo que me ocorreu na última semana, assistindo a Internazionale v Slavia Praga, pela primeira rodada da UEFA Champions League. Houve uma questão estratégica, bastante clara no primeiro tempo, sobre a qual gostaria de falar um pouco mais. Nela estão bem ilustradas as apostas que de que falei acima, por parte dos dos treinadores.
Vejamos.
***
Sabemos bem que Antonio Conte, atual treinador da Internazionale, é bastante afeito à ideia de três zagueiros de ofício. Aliás, a contratação de Diego Godin nesta última janela, faz da Inter, pelo menos a priori, uma das fortes defesas do continente. Até agora, neste início de temporada, Conte segue fiel à estrutura: contra o Slavia Praga, na última terça-feira, a Inter atacava em uma espécie de 3-1-4-2, sendo Antonio Candreva e Kwadwo Asamoah (os dois alas) os jogadores mais abertos nesta linha de quatro. Lautaro Martinez e Romelu Lukaku fazem a dupla de atacantes.
Mas gostaria que atentássemos a um outro jogador, igualmente importante, que também parece ter preocupado o treinador Jindrich Trpisovsky, do Slavia Praga: Marcelo Brozovic. Desde a última temporada, ainda sob o comando de Luciano Spalletti, Brozovic mantinha níveis muito interessantes como um primeiro volante, que dava um certo ritmo ofensivo à equipe desde a base da jogada, tanto nos ataques mais curtos quanto longos. É de fato um jogador importante do ponto de vista coletivo.
Imagino que a preocupação com Brozovic foi determinante na estratégia adotada pelo Slavia Praga, sobre a qual falo mais abaixo.
O Slavia joga em um 4-3-1-2 (sim, meio-campo em losango), bastante paciente com a bola, embora não exatamente refinado, especialmente no início das construções ofensivas. Apesar de alguns equívocos no início da construção, o Slavia não abria mão de sair jogando por baixo, e não foram poucas as vezes em que levou até aos últimos limites a circulação da posse no primeiro terço do campo, inclusive usando o goleiro como apoio, apesar das diversas tentativas de pressão da Inter.
Mas é na defesa que gostaria de me ater um pouco mais. O Slavia também se defendia em losango e, como os colegas sabem, defender-se em losango tem algumas particularidades, dentre elas a demanda dos dois meias laterais, cujos deslocamentos são fundamentais para reduzir os espaços nos lados do campo (se o losango não flutua, sobra tempo e espaço aos laterais adversários). Só que neste caso, talvez em razão de alguma herança cultural (falamos de uma equipe da República Tcheca, afinal), o Slavia não marcava por zona, mas precisamente por encaixes individuais, por muitas vezes muito mais condicionados pelo adversário do que pelo setor.
Um dos encaixes mais visíveis era exatamente sobre Brozovic. Parecia haver uma clara indicação para que o croata sequer recebesse a bola, de modo que a Inter fosse obrigada, caso quisesse construir por baixo (e queria), a recorrer a outros jogadores que não Brozovic. Mas ainda havia outro movimento peculiar: a dupla de atacantes (Olayinka e Masopust) não se posicionava ao centro, fechando as linhas de passe do próprio Brozovic, mas sim abertos, distantes um do outro, provavelmente para encaixarem com dois dos zagueiros da Inter (não se esqueça que se trata de uma linha de três), justamente para condicionar a saída de bola. Mas condicionar para quem?
Ao que tudo indica, o que o treinador Trpisovsky queria era deixar que Stefan de Vrij, zagueiro holandês (que me agrada, aliás) não fosse incomodado na saída de bola. Havia encaixes por todo o campo, absolutamente todos os jogadores de linha da Internazionale tinham um marcador referente – exceto de Vrij. Com isso, a Internazionale acabava se vendo obrigada a construir, tanto quanto possível, exatamente por ele – e neste sentido já poderíamos dizer que houve algum sucesso por parte do treinador. Leio, nas estatísticas oficiais da partida, que de Vrij não apenas foi o maior passador do jogo, com 83 passes (73 completador), como teve o dobro de passes de Brozovic, a que nos referíamos acima. É disso que se trata o princípio estrutural do direcionamento, com o qual os colegas já se depararam, no curso de Tática desta mesma Universidade do Futebol.
Mas se havia encaixes por todo o campo, exceto em um jogador, isto significa que portanto também havia um jogador do Slavia que livre da obrigação dos encaixes, correto? De fato, esse jogador era Tomas Soucek – primeiro volante, na base do losango. Há uma conotação dupla aqui, que gostaria de comentar. Por um lado, a sobra de Soucek está bastante condicionada pela disposição estrutural da Inter (se a Inter jogasse num 4-2-3-1, provavelmente ele faria um encaixe no meia central), cujo sistema deixa supostamente livre aquele espaço interior, seja para um ataque dos meias (especialmente deste ótimo jogador que é Stefano Sensi), seja para um eventual recuo de um dos atacantes. Mas, por outro lado, o fato de ter exatamente este jogador livre dos encaixes tem uma conotação menos reativa. Em primeiro lugar, porque é o capitão da equipe (o que nos leva a crer que tem uma certa liderança e talvez liberá-lo dos encaixes permitisse que ele próprio, com visão privilegiada, coordenasse o que se passava à sua frente) e depois, agora por uma razão mais estratégica, porque o fato da Inter jogar com dois atacantes de área, contra uma equipe que se defende em linha de quatro, exclui a possibilidade de sobra (são 2 v 2), de modo que é compreensível ter ali um jogador que tanto possa criar superioridades caso seja preciso, quanto possa servir para interceptar as conexões em potencial com a dupla de atacantes. Portanto, também não me surpreende que, segundo o Whoscored, Soucek seja o jogador que mais passes interceptou durante o jogo (seis). Era uma aposta, afinal.
***
Como os colegas sabem, este jogo terminou empatado – a Inter salvou-se nos lances finais. Não acho razoável dizer que o jogo foi tão difícil porque o treinador do Slavia tomou as decisões A, B e C – pois, como dissemos, o futebol não se trata de relações de causa/consequência. Fosse eficiente nas situações de bolas paradas e a Inter podia ter saído do primeiro tempo vencendo por dois gols de diferença.
Mas não foi, e as apostas do Slavia Praga tiveram algum sucesso. Com dados, informações, às vezes com extremo rigor.
Mas apostas.
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Atletas e Diplomatas
Dia desses tive uma longa conversa com amigo de infância que trabalha há mais de uma década em uma equipe de futebol profissional da primeira divisão, no exterior. Falávamos sobre cultura de trabalho, princípios, ética, e de estar sempre sob prova: desafios de se estar em outro país e, muitas vezes, ser mais exigido do que um local a fim de provar algo.
Em um ponto da conversa começamos a falar sobre a imagem do brasileiro nos países para onde se parte para trabalhar, quer seja futebolista ou não. A coluna vai se concentrar na primeira ocupação, apenas. Dizer que uma coisa não se relaciona com outra é inocência, mas onde estamos naturalmente significa que somos embaixadores de onde viemos. As impressões deixadas por alguém serão as mesmas que as pessoas terão pelas origens dele, local e ambiente. Estas impressões terão como ponto de partida a conduta, os gestos e a postura diante de inúmeras situações, em relação ou não ao trabalho. Em outras palavras, as impressões virão do exemplo que a pessoa deixará.
Uma vez contratado por uma organização esportiva estrangeira, o profissional tem que ter claro que ele será assalariado para cumprir com as expectativas de quem o contrata, tendo como base a sua missão, a visão e os valores do contratante. O atleta tem que ter isso claro. Infelizmente, muitos não possuem esta clareza por certos motivos, em que esta coluna se atenta a um: a sobrevalorização e a ausência de humildade.
A sobrevalorização extrema reconhece um indivíduo em demasia e acaba por colocá-lo acima da sociedade, como se ela existisse para servi-lo. Esta coluna reconhece isso como sendo ausência de humildade. Humildade para saber do seu papel na sociedade, de reconhecer que em outro país ele estará em outra cultura, outros processos e procedimentos a que tem que se adequar, a fim de que sua aceitação e adaptação sejam mais confortáveis. Humildade em reconhecer que não há quem sabe mais ou quem sabe menos, que não há melhores nem piores, mas que há saberes diferentes e que eles se complementam – como sempre – e que tudo faz parte de um processo de construção e evolução profissional. A noção e aceitação disso resultam em carreiras mais sólidas e duradouras. Exemplos não faltam.
Ao mesmo tempo, os exemplos (bons ou ruins) “espalham” sementes e deixam estas impressões, para o bem ou para o mal. Infelizmente, a sobrevalorização e ausência de humildade tem sido comuns em tempos recentes. Assim sendo, isso conduz à quebra do fator mais importante para as relações humanas: a confiança. Para obter levam-se anos. Para rompê-la, basta um deslize.
Esta coluna quer chegar ao ponto que não basta apenas ser bom naquilo que se é pago para fazer. Conduta, postura, gestos e vocabulário são também forma de linguagem e estabelecem conexões. Carregam exemplos e deixam impressões não apenas sobre a pessoa, mas de onde ela vem e do círculo de pessoas com quem convive. Talvez isso explique o declínio do número de brasileiros protagonistas no futebol mundial.
Assim sendo, antes de tudo é preciso que o atleta, com o reconhecimento público que possui, saiba que o seu papel vai além do campo, afinal estará sob constante vigilância e julgamento. Suas condutas dirão sobre seu caráter, suas origens e círculo de convívio. Se boas, estabelecerão confiança e o legado será positivo. Basta querer com que isto aconteça.
——-
Em tempo mais uma citação que se relaciona com o tema da coluna:
“Poucas pessoas sabem que o atleta tem que ser um diplomata A1,
político e ‘apertador’ de mãos.”
Jack Rowan,
jogador profissional de beisebol no início do século XX, sobre o papel além de atleta.
(Baseball Magazine, Maio/1914)
Me causa calafrio ouvir que determinado jogador vai fazer com que um time ‘mude de patamar’. Quando uma contratação de peso é feita, há uma euforia coletiva pintada sobre o lema ‘agora vai’. Foi assim com Daniel Alves no São Paulo. E de quebra veio o espanhol Juanfran também. ‘Agora não tem como não ir’, pensaram alguns são-paulinos. E eis que o time ‘não está indo’. Não vence há quatro rodadas. Está dez pontos atrás do líder Flamengo. Juanfran foi reserva contra o CSA no Morumbi. Daniel Alves esteve na seleção brasileira e mal treinou com o grupo tricolor. Não há um encaixe entre os bons jogadores do elenco tricolor. As coisas não são tão simples…
Não quero entrar na profunda discussão que temos – ou que não temos, mas deveríamos ter – que o jogo é coletivo e não devemos individualiza-lo, como prega a escola brasileira de futebol. Mas ter bons jogadores não é garantia de nada no futebol. A dobradinha ‘planejamento-execução’ ainda é a ferramenta mais valiosa e que traz mais sucesso.
Por exemplo: quando o São Paulo recontratou Hernanes e Alexandre Pato houve uma análise profunda de como eles conseguiriam contribuir de maneira eficaz com as ideias de jogo? Ops, não havia ideia de jogo quando eles vieram…de janeiro a abril deste ano, o São Paulo teve como treinador André Jardine, Vágner Mancini e Cuca…o mesmo podemos dizer das contratações de Daniel Alves, Juanfran, Tche Tche, Vitor Bueno, Raniel e tantos outros jogadores que vieram com a alegação de uma ‘boa oportunidade de mercado’, mas sem nenhuma base técnico-tática por trás.
Cuca deve sim ser cobrado. Ele também é causa e consequência dessa falta de diretriz do futebol são-paulino, mas poderia apresentar mais consistência de jogo, fortificando as relações entre as peças. É possível argumentar que o departamento médico tricolor esteve cheio até outro dia. Ou que as seleções principal e olímpica desfalcaram o elenco por muitos dias. Porém, enquanto o clube de maneira institucional não definir de verdade o que quer dentro de campo, tendo um conceito, acreditando e trabalhando nele, continuará havendo muita desculpa e pouco resultado.
Me causa calafrio ouvir que determinado jogador vai fazer com que um time ‘mude de patamar’. Quando uma contratação de peso é feita, há uma euforia coletiva pintada sobre o lema ‘agora vai’. Foi assim com Daniel Alves no São Paulo. E de quebra veio o espanhol Juanfran também. ‘Agora não tem como não ir’, pensaram alguns são-paulinos. E eis que o time ‘não está indo’. Não vence há quatro rodadas. Está dez pontos atrás do líder Flamengo. Juanfran foi reserva contra o CSA no Morumbi. Daniel Alves esteve na seleção brasileira e mal treinou com o grupo tricolor. Não há um encaixe entre os bons jogadores do elenco tricolor. As coisas não são tão simples…
Não quero entrar na profunda discussão que temos – ou que não temos, mas deveríamos ter – que o jogo é coletivo e não devemos individualiza-lo, como prega a escola brasileira de futebol. Mas ter bons jogadores não é garantia de nada no futebol. A dobradinha ‘planejamento-execução’ ainda é a ferramenta mais valiosa e que traz mais sucesso.
Por exemplo: quando o São Paulo recontratou Hernanes e Alexandre Pato houve uma análise profunda de como eles conseguiriam contribuir de maneira eficaz com as ideias de jogo? Ops, não havia ideia de jogo quando eles vieram…de janeiro a abril deste ano, o São Paulo teve como treinador André Jardine, Vágner Mancini e Cuca…o mesmo podemos dizer das contratações de Daniel Alves, Juanfran, Tche Tche, Vitor Bueno, Raniel e tantos outros jogadores que vieram com a alegação de uma ‘boa oportunidade de mercado’, mas sem nenhuma base técnico-tática por trás.
Cuca deve sim ser cobrado. Ele também é causa e consequência dessa falta de diretriz do futebol são-paulino, mas poderia apresentar mais consistência de jogo, fortificando as relações entre as peças. É possível argumentar que o departamento médico tricolor esteve cheio até outro dia. Ou que as seleções principal e olímpica desfalcaram o elenco por muitos dias. Porém, enquanto o clube de maneira institucional não definir de verdade o que quer dentro de campo, tendo um conceito, acreditando e trabalhando nele, continuará havendo muita desculpa e pouco resultado.
Todos nós estamos acostumados, em algum nível, a ouvir que nosso trabalho no futebol não deve apenas formar atletas, mas deve também formar pessoas. Se vocês me dão o privilégio da leitura regular, sabem que normalmente escrevo diversas coisas neste sentido, particularmente aqui e nesta outra coluna. Ao mesmo tempo, preciso dizer que esses discursos soam muito bonitos, às vezes são fáceis de se verbalizar, mas podem mais ficar na esfera do politicamente correto do que na esfera das condutas práticas.
Por isso, hoje gostaria de falar um pouco sobre a importância do modelo de jogo neste processo de ‘formação do caráter’ (admita todos os sinônimos aqui). Como de costume, escrevo algumas inquietações, que deixo vocês trabalharem como quiserem.
***
Ainda que possa soar repetitivo, acho importante começarmos pelo seguinte: quando falamos de modelo de jogo, estamos falando de tática, mas não necessariamente estamos falando de estratégia. Por quê? Porque, em linhas gerais, o modelo de jogo ocupa um lugar entre a tática e a estratégia. Está abaixo da tática desde que entendamos tática como ‘(…) a gestão (posicionamento e deslocamento/movimentação) do espaço de jogo pelos jogadores e equipes’ (p.26), como conceituaram os professores Israel Teoldo, José Guilherme e Júlio Garganta, no livro ‘Para um Futebol Jogado com Ideias’. Ou seja, qualquer manifestação individual, grupal ou coletiva será tática – ainda que não apenas tática. Por outro lado, o modelo está acima da estratégia uma vez que tem um caráter transversal, atravessa o processo, direciona qual será o caminho de uma dada forma de jogar, enquanto a estratégia tem um caráter mais pontual, específico, de curto prazo, situacional. Ou seja, um modelo de manutenção da posse e progressão ao alvo via superioridades no setor da bola no corredor central pode acontecer num 4-3-3, num 3-4-3 ou num 1-8-1. A estratégia é posterior ao modelo.
Talvez eu não tenha sido explícito, mas aqui já temos um primeiro ponto importante. Se o modelo está acima da estratégia e se queremos discutir o papel do modelo de jogo na formação do caráter, temos então que nos desvencilhar de alguns mantras limitantes. Por exemplo, houve uma época em que se dizia coisas do tipo ‘jogar com três zagueiros na base’ seria um crime, porque times com três zagueiros seriam mais defensivos (sic), porque se perderia a figura do camisa dez (sic) e vários outros porquês. Mas se o que é definitivo no jeito de jogar de uma equipe é o modelo, podemos portanto jogar com dezoito ‘zagueiros’ e mesmo assim sermos ofensivos. O que quero dizer é que, independentemente dos mantras, creio que o processo de especialização deva ser realmente marcado exatamente por um período de experimentação, de encontro, de desencontro, mas especialmente por um período de descoberta, porque essa descoberta é descoberta do jogo, mas especialmente é descoberta de si. O atleta se descobre, como pessoa, dentro do jogo. Fazendo uma, duas, três, várias funções diferentes, ocupando posições diferentes, podendo tomar decisões diferentes dos outros (especialmente nos modelos que permitam alguma liberdade posicional), enfim… experimentando tantas possibilidades quanto for possível, exatamente para enriquecimento do próprio acervo.
Talvez aqui cheguemos a um primeiro denominador comum, se pensarmos na formação do caráter: é recomendável que os modelos de jogo dentro do processo formativo (ou o modelo de uma única temporada) deem aos atletas a chance de experimentar possibilidades, de inventar novas soluções, de se provar na adversidade e se afirmar no conforto. Na essência, que os modelos deem aos atletas a chance de se descobrir.
***
Durante o processo formativo, especialmente nos primeiros anos da especialização, tenho alguma convicção que a escolha do modelo de jogo pelo treinador é fundamental na formação do caráter do atleta. Por quê? Porque ainda que não nos esteja claro, qualquer modelo de jogo carrega uma série de valores, de crenças e de conhecimentos que sustentam o nosso pensamento e a nossa prática. Inclusive, este é um exercício que podemos fazer agora: quais você acha serem os valores que estão por trás do modelo de jogo da sua equipe?
Pensei muito nisso outro dia, quando assisti a um jogo de um grande clube brasileiro, na fase de especialização, em que absolutamente todas as jogadas ofensivas começavam em um lançamento do goleiro para o centroavante. Não era circunstancial, era a regra: em todos os momentos, pontapés do goleiro ao ataque. Os zagueiros não precisavam se preocupar com nenhum conceito ofensivo, e o esforço dos meio-campistas, na maioria das vezes, residia apenas na extensão da musculatura do pescoço, para observar a bola que passava acima e adiante. Veja bem, é claro que respeitamos a escolha dos profissionais, mas quais valores estão por trás de um jogo tão pobre? Que tipo de jogador formamos num modelo desses? Será que formamos jogadores mais inteligentes, mais criativos, corajosos, versáteis, arrojados, persistentes, subversivos, inconformados? Qual é a cicatriz que este jeito de jogar deixa nos meninos num período tão importante da sua formação?
Por outro lado, será que os modelos que desejam marcações mais altas não exigem dos nossos jogadores algum desprendimento, alguma subversão (no sentido de defender-se para frente, não para trás), uma grande solidariedade na ocupação de espaços? Será que os modelos que constroem por baixo desde o goleiro não exigem dos nossos jogadores alguma coragem (às vezes muita), alguma insubordinação para talvez driblar em zonas próximas do próprio gol, alguma atenção para encontrar o momento certo do passe que vai rasgar as linhas adversárias? Ou mesmo os modelos mais defensivos (para não falarmos só de ataque), que baixam o bloco e querem as transições, será que não ensinam alguma resiliência, alguma paciência, alguma capacidade de saber sofrer e de suportar o jogo, como às vezes nos é pedido suportar honradamente o peso da vida, nas suas surpresas e na sua crueza? Será mesmo que nada disso deve ser considerado? Creio que sim – e muito.
***
Daí que as potencialidades do modelo não se resumem à especialização. Elas são flagrantes no rendimento. Mas, para pensar nisso, acho que devemos dar um passo atrás.
Como conversamos outras vezes, existe uma noção (geralmente implícita), de que o atleta de rendimento já está ‘formado’, já está ‘pronto’, é um ‘produto acabado’ e a função do treinador, portanto, seria apenas adequar-se ao que o atleta é, ainda que muito do que atribuímos aos nossos atletas esteja mais próximo dos estereótipos do que das evidências. De fato, o atleta que chega ao profissional acumula milhares de horas de prática, tem rápidas respostas para problemas elaborados e, se quisermos um termo do treinamento, tem uma treinabilidade menor, ao menos quando comparados com sujeitos comuns.
Ao mesmo tempo, este atleta ainda está em formação – do ponto de vista esportivo e do ponto de vista humano. Se você preferir, está em formação exatamente porque é humano. E essa incompletude que nos faz humanos permite que um treinador, a quem compete educar pelo jogo, seja capaz de caminhar por lugares inexplorados com qualquer atleta, e o caminho que sugiro para isso é exatamente o modelo. Ou você não acredita que um determinado atleta, que sempre fora taxado de inábil na construção ofensiva, talvez apenas não tenha recebido os melhores estímulos na formação? Ou então um outro atleta, que confiava demais no próprio talento, finalmente está maduro a ponto de trabalhar e dedicar-se como nunca? Ou ainda um outro atleta, que sempre se identificou como meia, agora percebe (pelo modelo) quem tem todas as condições para jogar como um lateral? Se acreditarmos que os atletas (e as pessoas) não mudam, então não precisamos de pedagogia, não precisamos de educação – e portanto não precisamos de treinamento. Por outro lado, se acreditamos na vida, nas potências da vida, então acreditamos nos movimentos da vida e, portanto, acreditamos nos movimentos da formação e nos movimentos da trans-formação.
Que são possíveis pelo modelo e através do modelo.
É muito comum observarmos as discussões sobre o futuro do futebol, sobre os caminhos que a modalidade mais popular deste país trilha, não apenas por aqui mas também no mundo todo. Sobre as diferenças entre como o jogo é disputado na Europa e como é por estas bandas. Por lá – referência na indústria deste esporte – o caminho tem sido através do futebol total, a formação multidisciplinar e a maximização do espetáculo. O profissionalismo, o estabelecimento de metas e cumprimento de resultados dentro e fora de campo. Em outras palavras, especialistas nomeiam este fenômeno como sendo o “futebol moderno”.
Por outro lado, lembra-se (este colunista, inclusive) do jogo como era antigamente: do amor à camisa, do campo com lama, das quedas de energia, da torcida em pé sob sol e sob chuva. Dos dirigentes que não “largavam o osso” e todos os fatores que constituem outro fenômeno cujos mesmos especialistas batizam-no de: “futebol raiz”.
Lamento dizer, o “futebol raiz” no universo da indústria do esporte de rendimento ficará na lembrança. No máximo pontualmente haverá alguma coisa em um clube ou outro. Nos últimos anos a indústria das telecomunicações e do entretenimento cresceram muito, assim como o mercado publicitário. Foi processo natural que o esporte e especificamente o futebol (de competição) -, manancial de ídolos e referências que estabelecem conexão afetiva com o ser humano -, fosse envolvido por esta indústria. Ora, o que querem entretenimento e publicidade? Justamente esta conexão afetiva.
Esta transformação tem sido a tônica e tudo tem se caminhado para isso. É processo natural, consequência de uma série de fatores que envolvem a nossa sociedade, práticas do mercado e políticas de Estado. Noutros tempos, por exemplo há algumas décadas, especialistas da bola explicavam e discutiam sobre as causas e consequências de futebolistas estarem sendo pagos para jogar. Naquele mesmo tempo, torcedores mais saudosistas diziam que o futebol do passado era o “de verdade”, ou seja, enquanto era amador. Era o “futebol raiz” contra o “futebol moderno” daqueles tempos. Assim era.
Qual então, portanto, será a discussão análoga ao moderno versus raiz, no futebol, daqui a 30 ou 35 anos?
Diante disso, é difícil haver meio termo entre o passado e o presente. No entanto, é preciso respeitar os dois principais elementos do esporte: o atleta e o torcedor. Ademais, há uma cultura apaixonada que deve ser preservada e respeitada construída através da identidade, conexão afetiva que o esporte consegue estabelecer de maneira única. É seguir em frente, sem perder a ternura.
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Em tempo mais uma citação que se relaciona com o tema da coluna:
“A única constante da vida é a mudança.”
ditado popular
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O "futebol moderno” e o “futebol raiz"
É muito comum observarmos as discussões sobre o futuro do futebol, sobre os caminhos que a modalidade mais popular deste país trilha, não apenas por aqui mas também no mundo todo. Sobre as diferenças entre como o jogo é disputado na Europa e como é por estas bandas. Por lá – referência na indústria deste esporte – o caminho tem sido através do futebol total, a formação multidisciplinar e a maximização do espetáculo. O profissionalismo, o estabelecimento de metas e cumprimento de resultados dentro e fora de campo. Em outras palavras, especialistas nomeiam este fenômeno como sendo o “futebol moderno”.
Por outro lado, lembra-se (este colunista, inclusive) do jogo como era antigamente: do amor à camisa, do campo com lama, das quedas de energia, da torcida em pé sob sol e sob chuva. Dos dirigentes que não “largavam o osso” e todos os fatores que constituem outro fenômeno cujos mesmos especialistas batizam-no de: “futebol raiz”.
Lamento dizer, o “futebol raiz” no universo da indústria do esporte de rendimento ficará na lembrança. No máximo pontualmente haverá alguma coisa em um clube ou outro. Nos últimos anos a indústria das telecomunicações e do entretenimento cresceram muito, assim como o mercado publicitário. Foi processo natural que o esporte e especificamente o futebol (de competição) -, manancial de ídolos e referências que estabelecem conexão afetiva com o ser humano -, fosse envolvido por esta indústria. Ora, o que querem entretenimento e publicidade? Justamente esta conexão afetiva.
Esta transformação tem sido a tônica e tudo tem se caminhado para isso. É processo natural, consequência de uma série de fatores que envolvem a nossa sociedade, práticas do mercado e políticas de Estado. Noutros tempos, por exemplo há algumas décadas, especialistas da bola explicavam e discutiam sobre as causas e consequências de futebolistas estarem sendo pagos para jogar. Naquele mesmo tempo, torcedores mais saudosistas diziam que o futebol do passado era o “de verdade”, ou seja, enquanto era amador. Era o “futebol raiz” contra o “futebol moderno” daqueles tempos. Assim era.
Qual então, portanto, será a discussão análoga ao moderno versus raiz, no futebol, daqui a 30 ou 35 anos?
Diante disso, é difícil haver meio termo entre o passado e o presente. No entanto, é preciso respeitar os dois principais elementos do esporte: o atleta e o torcedor. Ademais, há uma cultura apaixonada que deve ser preservada e respeitada construída através da identidade, conexão afetiva que o esporte consegue estabelecer de maneira única. É seguir em frente, sem perder a ternura.
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Em tempo mais uma citação que se relaciona com o tema da coluna:
“A única constante da vida é a mudança.”
ditado popular
O Flamengo é hoje inegavelmente quem joga o melhor futebol no Brasil. Isso não quer dizer que vá erguer algum troféu no final do ano. Até porque dentro desse mesmo Brasileirão, por exemplo, já tivemos o Santos de Jorge Sampaoli apresentando o jogo mais vistoso e até o Palmeiras de Luiz Felipe Scolari se destacando naquela série imbatível no começo da competição. Nenhum deles, porém, conseguiu manter o alto nível – tanto que o Verdão até já trocou de treinador. Pontuo isso para já de cara colocar tranquilidade e calma no empolgado flamenguista.
O técnico Jorge Jesus tem conseguido extrair o que cada jogador do elenco rubro-negro tem de melhor. Situação bem diferente da vivida pelo seu antecessor, Abel Braga. E não vale aqui falar que o treinador português tem um elenco milionário nas mãos e conseguir bons resultados não passa de uma obrigação (Abel tinha praticamente o mesmo plantel). O conceito de time é muito complexo. O todo é maior que a soma das partes. Se não houver um bom trabalho por trás, ter “apenas” bons jogadores não basta. E aqui vai o elogio ao treinador flamenguista: há muita ideia e conceito no time dele.
O Flamengo hoje é um time que ataca de maneira muito vertical. Com o conceito de ataque rápido muito bem entendido por todos os jogadores. O objetivo é chegar com poucos passes ao gol adversário. Trocas de posição no setor ofensivo, assim como sempre ter muitos jogadores a frente da linha da bola, fazem parte desse conceito. Na defesa, a agressividade nas ações sem a bola chama a atenção na equipe carioca. Independentemente de sustentar mais as linhas ou buscar algo mais individual, a marcação flamenguista se caracteriza por sempre colocar pressão no adversário.
Todos esses conceitos são frutos do trabalho do treinador. Não adianta falar para os jogadores realizarem determinada ação em campo. É preciso treinar, adaptar, aprimorar e, mais do que isso, vender as ideias aos atletas. E esse trabalho de convencimento também é mérito de Jorge Jesus. Mais do que nunca, as competências interpessoais e de comunicação e liderança são exigidas e devem ser reconhecidas quando aparecem.
É bobagem querer dizer que esse time do Flamengo jogaria as principais ligas do mundo em condições de ser campeão. Nem levo em consideração declarações assim (dadas pelo próprio Jesus) porque com contextos diferentes não dá para fazer nenhum tipo de comparação. Hoje, no momento que escrevo esse texto, o Flamengo joga o melhor futebol em território brasileiro. Na semana que vem, no mês que vem, ou como diriam os antigos, “no balanço das horas”, tudo pode mudar. O bom time de hoje não é necessariamente o campeão de amanhã.
Outro dia, na disciplina Metodologia de Treinamento em Esportes Coletivos I, ministrada pelo professor Alcides Scaglia na FCA Unicamp, surgiu uma dúvida interessante, levantada por um dos alunos: como saber qual é o melhor momento para pausar um jogo, durante o treino, e dar instruções aos atletas?
Bem, gostaria de trazer essa discussão aqui por dois motivos. Primeiro, porque é uma discussão importante em todas as categorias – desde a iniciação esportiva até o alto rendimento. Depois, porque é uma discussão geralmente encarada pelo olhar da fisiologia do exercício, a partir das relações esforço/pausa. Mas não é disso que gostaria de tratar aqui. Na verdade, o que quero discutir são as possibilidades pedagógicas das pausas nos treinamentos.
Vejamos.
***
Em primeiro lugar, vamos estabelecer um ponto de partida. Nosso ponto de partida será o jogo. O que isso significa? Significa que falarei a partir de um lugar muito específico, que é o das metodologias de treinamento que se baseiam nos jogos. Não falarei, pelo menos não especificamente, da função pedagógica das pausas em exercícios analíticos – porque é um ponto de partida bem diferente. Falarei da função pedagógica das pausas em pequenos jogos, em grandes jogos, em jogos de manutenção da posse, de progressão ao alvo, jogos de finalização, em jogos mais complexos, em jogos menos complexos, em jogos. Neste sentido, indico esta outra coluna, na qual falei um pouco mais sobre do que falamos quando falamos de jogo.
Quando falarmos das pausas dentro de um jogo, temos uma primeira questão importante. Vamos chamá-la, como já está colocado, de estado de jogo. O ato de jogar nos absorve de tal modo que nos colocamos em uma situação de breve suspensão da realidade – que, ao mesmo tempo, traz elementos do real. Este estado de absorção, de colocar-se num outro tempo/espaço, que é o que sentimos quando jogamos algo, é o que podemos chamar de estado de jogo. E aqui temos um primeiro elemento importante nas pausas: fazer uma pausa significa tirar quem joga do estado de jogo. Sempre que nós, treinadores e treinadoras, pausamos o jogo, nós estamos automaticamente tirando nossos atletas do estado de jogo e fazendo com que eles voltem bruscamente à realidade.
Daí que algo a se considerar ao fazer uma pausa seja exatamente o estado de jogo. Se eu faço um jogo qualquer e coloco pausas a cada minuto e meio para corrigir alguma coisa ou dar instruções quaisquer, eu não estou deixando meus atletas entrarem em estado de jogo. Quando eles vão entrar, eu os tiro. Por isso só, as pausas já seriam muito importantes, porque elas exigem de treinadores e treinadoras um enorme grau de precisão e sensibilidade, para que os jogadores estejam suficientemente absorvidos pelo estado de jogo e possam criar novos saberes.
Portanto, em primeiro lugar, vamos estabelecer que não apenas é preciso um tempo mínimo para estabelecer uma pausa, como não é saudável pausar o jogo a todo instante. Não nos esqueçamos que este tempo não é cronológico, é tempo do jogo. Exige sensibilidade.
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Depois, vamos pensar em outra questão central: o que falamos nessas pausas?
Claro que não darei instruções, não sou capaz de ensinar nada para ninguém. Mas podemos levar a conversa para outro caminho: como dizer o que deve ser dito? Veja bem, essa é uma questão necessária. Creio que você e eu podemos admitir que nossa formação como atletas e/ou treinadores nos ensinou, de alguma forma, que devemos aproveitar as pausas para somente dar instruções aos nossos atletas, para instruí-los sobre o que é certo fazer, para dizer o que deve ser feito, às vezes para narrar como o atleta deve fazer determinada ação, ou determinada jogada, ou como deve comportar-se em uma situação de jogo.
Mas nós também podemos estar acostumados ao contrário, a pensar que instruir sobre o que deve ser feito em um jogo de enorme complexidade, como é o futebol, é um contrassenso – porque não existe resposta no singular. Devemos considerar uma alternativa, e gostaria de me atentar a ela. Nós podemos, ao invés de dar respostas, fazer perguntas. Bom, isso não é nenhuma novidade, mas talvez seja uma novidade dizer que, a meu ver, fazer perguntas (fazer as perguntas certas) é uma arte muito mais difícil do que a de dar respostas. Especialmente por um motivo: quando fazemos perguntas aos atletas, fazemos já esperando um certo caminho, uma certa resposta. O que significa que perguntas equivocadas podem perfeitamente nos fazer perder tempo, energia e, ao longo do tempo, pode nos fazer perder a confiança dos atletas.
Se levarmos em conta que nossas pausas nem sempre serão muito longas (por motivos pedagógicos e fisiológicos), é preciso que haja enorme precisão nas nossas perguntas. Por exemplo, se fizermos um jogo de manutenção da posse, de 5v5 + coringa, e na pausa perguntarmos aos nossos atletas ‘o que estamos fazendo de errado?’, talvez não tenhamos aqui uma pergunta muito precisa (porque ela pode ter respostas infinitas). Por outro lado, se neste jogo houver um problema específico de mau uso do coringa, nós podemos pensar em alguma coisa do tipo ‘vem cá, vocês acham que nós estamos usando bem o coringa?’ [a pergunta já presume que não] ‘Ótimo, por quê?’ E talvez a conversa caminhe para onde queremos. Veja bem, é apenas um exemplo, não há receitas. O importante é que as perguntas devem dar uma dose de precisão suficiente para não serem nem pequenas demais, nem grandes demais.
Ou seja, em segundo lugar, vejo que as pausas serão preferencialmente mais bem aproveitadas se fizermos perguntas, que nos permitam construir saberes ao lado dos atletas, especialmente quando as perguntas são precisas e têm alguma direção.
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Por fim, gostaria de falar sobre o planejamento dessas perguntas. Se partirmos daquela premissa do jogo, de que falamos lá no começo, devemos considerar que cada jogo que é único e que cada jogo é imprevisível. Por outro lado, se lançamos mão de um determinado jogo, sabemos que alguns comportamentos irão aparecer mais do que outros. Se faço um jogo de finalização, espera-se que haja muitas finalizações. Se não houver, talvez algo esteja errado no meu jogo.
Muito bem, sabendo que não sabemos quando nem como algo irá ocorrer, mas que este algo provavelmente ocorrerá, acho importante que treinadores e treinadoras tenham em mente, com antecedência, que tipo de coisas diremos nessas pausas. Veja bem, não se trata de construir um roteiro fechado e apenas repeti-lo no instante, mas sim de preparar-se para o que provavelmente surgirá naquele jogo. Se algo muito diferente e muito imprevisto/muito importante acontecer, ótimo! – nós sabemos improvisar. Mas se o jogo for condizente conosco, provavelmente algo do que planejamos irá nos acontecer – e aí seremos certeiros.
Entendo que fazer as observações apenas de improviso seja uma estratégia válida (que eu mesmo já utilizei bastante), mas sinto que existem possibilidades pedagógicas ainda maiores quando nos preparamos para esses detalhes. Em última análise, a própria quantidade de pausas (especialmente na iniciação, em que a relação esforço/pausa tem uma conotação diferente da especialização/rendimento) é algo que também pode ser planejada com antecedência, de acordo com o jogo e os conteúdos a serem trabalhados.
Portanto, nosso terceiro ponto nos diz que planejar os conteúdos a serem abordados nas pausas pode ser bastante valioso, dadas as probabilidades de um determinado princípio (manutenção, progressão, finalização) se manifestar no jogo, o pouco tempo cronológico que geralmente temos disponível nestes instantes e, por isso, a necessidade de aproveitar bem o tempo que nos resta.
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De alguma forma, a pausa é um momento crucial, porque é quando a atenção realmente se volta para nós, treinadores e treinadoras. Ali, somos avaliados nos nossos modos de falar, na nossa postura, nas nossas ideias, somos avaliados por inteiro. Por isso, aliás, sinto que a pausa deve causar um certo tremor, um certo receio em qualquer treinador, assim como causa uma certa expectativa nos atletas.
Por hoje, apresento apenas alguns caminhos. Caminhamos por outros lugares em breve.