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Normas desportivas internacionais

Muito se discute acerca da influência de normas internacionais no Futebol Brasileiro, sobretudo considerando que, por sua natureza, referido esporte possui características peculiares, entre elas, a integração pessoal e a inclusão social dos povos e comunidades internacionais, considerando, ainda, a ausência de barreiras geográficas.

Dessa maneira, para unificar e harmonizar a matéria se faz necessário a internacionalização das normas jurídicas.

O futebol é disputado em diversos países simultaneamente e, por isso, houve a necessidade da criação de entidades globalizadas para gerir a modalidade de forma isonômica, determinando, assim, regras globais uma vez que que a modalidade também é disputada internacionalmente.

Assim, podemos dizer que “a ordem jurídica internacional determina os âmbitos territorial, pessoal e temporal de validade dos nacionais, restringindo o âmbito material de validade das ordens jurídicas nacionais ao submetê-la à regulação de matérias próprias, que de outra maneira seriam arbitrariamente reguladas por cada Estado”.(Hernán J. Ferrari, ordenamento jurídico nacional)

Assim, surge o Direito Desportivo Internacional, ramo do Direito Desportivo que trata dos princípios e das regras que determinarão a legislação aplicável às relações jurídicas desportivas de caráter internacional.

O Doutor Rafael Teixeira Ramos em sua obra “Principiologia do direito desportivo internacional” subdivide em nove princípios com os quais concordamos, quais sejam: Universalidade; Comunhão; Não Discriminação Desportiva; Autonomia Desportiva Internacional; Unidade; Especificidades; Ética Desportiva; Solidariedade e Inafastabilidade da Justiça Desportiva dos Institutos Desportivos Internacionais Privados.

Com a internacionalização do desporto de uma maneira geral, tornou-se necessária a elaboração de regras extracontinentais para que todos os países pudessem competir entre si de igual maneira. Assim em 1894, em Paris (França) foi criado o Comitê Olímpico Internacional (COI), que se trata de uma organização não governamental constituída sobre a forma de associação que é regida pela Carta Olímpica, um conjunto de normas e regras criados para a organização dos Jogos Olímpicos.

Referido Comitê é composto por 115 (cento e quinze) pessoas, reservada algumas vagas para ex-atletas, presidentes de Federações Internacionais, dentre outros. Cada mandato tem uma duração de 08 (oito) anos, podendo ser reeleito ilimitadamente. A Comissão executiva é constituída pelo Presidente, quatro Vice-Presidentes e 10 (dez) membros eleitos, com mandato de 04 (quatro) anos, podendo ser reeleito por mais 02 (duas) vezes, após, torna-se necessário aguardar 02 (dois) anos para uma nova candidatura.

E ainda, assim como o Comitê tratado acima, as Federações internacionais também são associações não governamentais que administram um ou mais esportes no cenário mundial, incluindo o futebol.

As Federações são responsáveis pela criação de regras do jogo, fiscalização de transferência de jogadores, organização de campeonatos profissionais, dentre outras atividades relacionadas as competições e jogos profissionais. Para que uma Federação seja reconhecida junto ao COI, deve se valer dos princípios e conceitos destacados na Carta Olímpica.

As Federações poderão também propor aos comitês novas regras, modalidades, emitir opiniões e pareceres e contribuir com a educação desportiva, e sucessivamente as Federações internacionais (FIFA) criam regras que devem ser aplicadas hierarquicamente seguidas pelas entidades que estão vinculadas à ela no cenário continental (COMMEBOL) ou nacional (CBF).

Para resolução de conflitos, existe o Tribunal do Esporte ou Corte Arbitral do Esporte (TAS e CAS), o qual é um órgão criado pelo Comitê Internacional (COI), com sede em Lausanne na Suíça, tendo outros dois postos permanentes em Sydney na Austrália e outro em Nova Iorque nos Estados Unidade. O tribunal tem por finalidade solucionar questões relacionadas ao esporte podendo ser levado a corte as Federações, clubes e/ou atletas.

O TAS foi criado em 1984 em razão da necessidade de foro para soluções de litígios e conflitos esportivos no cenário mundial de forma isonômica e horizontal.

O tribunal é composto por no mínimo 150 (cento e cinquenta) pessoas, o presidente deverá obrigatoriamente ser o mesmo do Internacioanal Concil of Arbitration for Sport (ICAS), – que foi criado para administrar e financiar o Tribunal – de 37 países diferentes.

Os Tribunais são exigidos principalmente em período olímpico ou de Copa do Mundo, quando o mundo se vira à uma só competição de curto prazo, sendo necessário um eficiente posicionamento.

Dessa maneira, conforme abordado acima, as Federações Internacionais criam normas para regular e reger as modalidades pela sua independência e autonomia das atividades. Esse conjunto de normas deu origem a Lex Sportiva, uma espécie de norma geral de princípios únicos aplicáveis a modalidade. A ideia da criação da Lex Sportiva é formalizar regras comuns globalizando as decisões e as competições por todo o mundo.

No âmbito interno brasileiro, pertinente esclarecer que a soberania é um dos direitos fundamentais da República Federativa do Brasil, implicando, inclusive, em autonomia legislativa. Todavia, esse conceito vem se flexibilizando em razão da cooperação jurídica internacional, que diz respeito à segurança e estabilidade das relações transnacionais.

Deste modo, a prática desportiva de cada modalidade é regulada por uma norma internacional e regras impostas pelas Federações que consequentemente são aplicadas no Brasil mediando o aceite das entidades nacionais, como por exemplo a Confederação Brasileira de Futebol – CBF.

Portanto, quando se diz de legislação internacional, precisamos compreender em qual o cenário ela se aplicará, bem como, quais os entes fiscalizadores e reguladores e, qual a sua aplicabilidade nos demais países. O Brasil adota a legislação internacional tendo em vista a autonomia da vontade e a Lei Pelé que nos trouxe essa previsão.

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O Santos atual tem uma força que os livros não explicam

Meu interesse em estudar futebol sempre existiu. Mas se acentuou após a derrota catastrófica do Brasil para a Alemanha em 2014. Eu perdi de 7 a 1. Não foi só o time de Felipão. Eu como jornalista também fui derrotado. Ali no Mineirão todos que de um jeito ou de outro estão envolvidos nessa indústria futebolística brasileira tiveram um grande aviso de que o caminho traçado anteriormente deveria ser revisado.

Sei que o futebol é apaixonante por ter o seu caráter aleatório, imprevisível. Todo jogo por ser jogo carrega isso. Entretanto, por inúmeros fatores,só no futebol a ‘zebra’ aparece tantas vezes. Há inúmeros padrões que se repetem e que devem ser estudados, aprendidos e aprimorados, mas há alguns elementos que nem os mais estudiosos conseguem explicar. E isso vale não só para questões de dentro de campo como também para aspectos de gestão, governança e etc.

E o momento do Santos é um desses que a explicação lógica e racional não consegue embasar. O clube passa por uma situação delicada em sua política, com inúmeros problemas financeiros, banido pela FIFA de realizar novas contratações por não ter quitado dívidas recentes e mesmo assim os resultados dentro de campo são muito bons. A visão humana sobre o jogo nunca pode ser desconsiderada. Estamos tratando de seres humanos e cada um responde de uma maneira aos estímulos, sejam eles positivos ou negativos. E outra coisa que extrapola o entendimento técnico é a formação de grupo, nas suas mais poderosas entranhas, que faz também com que o todo seja maior do que a soma das partes. O atual momento do Santos é uma grande lição a todos que acreditam que só o estudo responde a todas as perguntas do jogo. 

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol

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O ataque do River de Marcelo Gallardo – A transição defensiva e uma análise quantitativa

Nas últimas três semanas abordamos as fases de iniciação, criação e finalização das jogadas ofensivas do River Plante de Marcelo Gallado e hoje chegamos ao último texto da série de artigos que destrinchou o ataque millonario. Nas próximas linhas iremos abordar a transição defensiva da equipe argentina e trazer alguns números que vão ajudar a ilustrar suas principais características ofensivas.

A fase de transição defensiva do River é marcada não somente pela pressão pós perda agressiva que dá pouco tempo para o adversário ficar com a bola, mas também pelas interações grupais que permitem criar estruturas de pressão e contenção para recuperar a bola e permitir um novo ataque, chamaremos esse comportamento de atacar marcando. Ponzio, Enzo Pérez e Palacios se destacam bastante nesses momentos pela alta capacidade de pressionar com agressividade, antecipar os passes e recuperar a bola para promover uma nova jogada de ataque.

Pressão pós perda

Imagens: Jonathan Silva/Reprodução

Importante perceber nas três imagens que os jogadores mais próximos do adversário com a bola tem a função de pressionar, enquanto os demais que estão ao redor da jogada buscam eliminar opções de passes interiores.

A participação dos médios nessa fase é muito importante para proteger a região central e intensificar a pressão. Ponzio, Palacios e Enzo Pérez buscam uma posição para realizar coberturas ou dobras de marcação.

Atacar marcando

Nas imagens acima temos um bom exemplo da importância dos médios de Gallardo. O River tem uma tentativa de ataque mas perde a bola na zona de finalização, o adversário é desarmado por Ponzio que consegue recuperar a bola e passar para Mora que finaliza de fora da área.

Imagens: Jonathan Silva/Reprodução

Nesses exemplos temos na figura 42 o momento em que o River Plate já estava sem a bola após realizar um ataque e percebemos como Ponzio e Palacios estão se projetando para conter o ataque adversário pelo centro.

Imagens: Jonathan Silva/Reprodução

Na figura 43, temos mais uma bola recuperada por Ponzio com a ajuda do lateral esquerdo Montiel.

Imagens: Jonathan Silva/Reprodução

As imagens acima reforçam como o atacar marcando organizado do River sobreviveu ao tempo, dessa vez quem tem o papel de garantir a contenção do adversário e recuperação da bola é Enzo Perez. Na figura 41 ele está protegendo a região central após uma tentativa de ataque, na figura 42 o médio já está em controle da bola e atacando o espaço vazio em condução, na figura 43 o médio tem algumas opções de conexão, escolhe Nacho Fernandez que vai ao fundo e passa para trás para Borré fazer o gol. Enzo Pérez acompanha de perto a bela conclusão da jogada iniciada por ele.

Análise quantitativa

Cruzamentos

Vimos anteriormente nas fases de disposição posicional e finalização que um dos espaços que o River busca alcançar para terminar suas jogadas de ataque são as zonas de linha de fundo pelos corredores laterais, são espaços que possuem uma boa localização para cruzamentos com passes no alto ou rasteiro, característicos da equipe argentina.

Na Sulamericana de 2015, o River foi a 3ª equipe que mais realizou cruzamentos para área, ficando atrás somente do campeão Santa Fé em porcentagem de acertos nessas ações.

Nas Libertadores de 2018 e 2019 a equipe foi a que mais cruzou bolas para área, tendo menos acertos apenas em 2019. Esses dados comprovam que os millos possuem mecanismos ofensivos que permitem chegar em zonas que favorecem as características dos seus laterais que sempre foram muito bons nos duelos defensivos, mas também nos apoios a ações ofensivas em último terço, como vimos anteriormente.

Fonte: WyScout

Passes para o terço final

Na Sul-americana de 2015 apesar de ser a 3ª equipe que mais realizou passes para o terço final, nesse quesito o River teve uma porcentagem de acerto maior que o campeão Santa Fé.

Nas Libertadores de 2018 e 2019 os Milos lideraram o ranking, tendo uma porcentagem de acerto menor que seu maior rival Boca Juniors em 2018 e do campeão Flamengo em 2019.

Esses dados mostram primeiramente a verticalidade do River e justificam as ações dos centrais e laterais que realizam muitos passes longos na fase de iniciação. Esses passes também são frequentes quando a equipe argentina está em disposição posicional e os atacantes de Gallardo realizando constantes movimentos de ruptura nas costas dos adversários.

Fonte: WyScout

Remates ao gol

Na Libertadores de 2018, o River ficou atrás somente do Grêmio, equipe eliminada pelos comandados de Gallardo na semifinal.

Em de 2019 tiveram maior número de chutes a gol do torneio, porém com pouca porcentagem de acerto ao alvo em relação ao rival Boca Juniors que foi mais eficiente.

Assim, esses números confirmam a importante propensão do 3º comportamento tático da fase de finalização – finalização de média distância – apresentado na semana passada.

Fonte: WyScout

Sabemos que El Muñeco Gallardo não abre mão da competitividade e da mentalidade vencedora independente das circunstâncias, sendo melhor ou pior em determinados aspectos, tendo os melhores jogadores ou não. O River demonstra em campo que sempre é possível estar próximo da vitória quando se tem uma mentalidade forte e vencedora. O treinador que chegou a 3 finais de libertadores nos últimos 5 anos confirma isso na declaração que se segue.

“Se você está mentalmente forte, é muito difícil que alguém te supere” – Marcelo Gallardo

Assim finalizamos essa análise apresentando um pouco da grandeza dessa equipe que vem sendo protagonista nos últimos anos em competições nacionais e internacionais e que conta com a ajuda de um treinador que consegue colocar sua marca autoral na obra que compõe com seus jogadores. Não é por acaso que Marcelo Gallardo se tornou o treinador mais vitorioso da história do River Plate, somando 10 títulos em 13 finais nos últimos 6 anos.

Gallardo demonstra ter a principal característica dos grandes treinadores do futebol. Não treina sua equipe para vencer, mas sim, para ser invencível!

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Política Antidoping – Repercussões no Futebol

A precoce morte de Diego Maradona, um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos, chocou o mundo. O jogador argentino faleceu na última quarta-feira, 25/11/2020, de parada cardiorrespiratória.

A morte do jogador nos faz refletir sobre a sua vida pregressa e seu problema com substâncias entorpecentes. Não é segredo para ninguém que durante a maior parte de sua vida, Maradona enfrentou a dependência química e seus reflexos, o que influenciou e prejudicou diretamente na sua carreira como jogador de futebol, inobstante o seu talento nato.

Em 1991, Maradona foi o centro de um dos maiores escândalos da história do esporte. Em uma partida do Napoli, o jogador testou positivo para cocaína, sendo inclusive condenado a prisão.

No entanto, Maradona pagou somente uma multa e retornou para a Argentina, onde foi detido. Após 15 meses de suspensão, o jogador voltou aos campos para temporada 1992/1993, oportunidade em que marcou 08 gols em 29 jogos.

Na Copa do Mundo de 94, Maradona participou de 02 partidas, sendo que na última, foi escalado para o exame antidoping, no qual testou positivo para efedrina. Diante do resultado do exame, Maradona foi suspenso por mais 15 meses, tendo encerrado sua carreira 03 anos depois, envolto em mais uma polêmica envolvendo o exame antidoping.

Como se sabe, Maradona não foi o primeiro e nem será o último jogador a ter problemas com drogas. Ressalta-se que há inúmeros relatos de jogadores que foram/são viciados em substâncias entorpecentes, tendo alguns superado a doença e outros não.

Considerando que muitos jogadores consomem substâncias entorpecentes, seja por problemas pessoais ou pela própria pressão de querer ser o melhor em sua profissão, é de suma importância o programa antidoping criado pela FIFA e CBF.

A FIFA introduziu controles regulares de doping em 1970 para assegurar que os resultados dos jogos nas competições fossem o reflexo justo e exclusivo da força dos atletas.

Em 2009, a FIFA aceitou o Código Mundial Antidoping, implementando algumas disposições que eram aplicáveis no regulamento antidoping.

O conceito de doping, conforme definição da Conferência Internacional de Lauzane seria, “Uso de um método ou meio (substância química ou artifício) que possa ser potencialmente prejudicial à saúde dos atletas, capaz de incrementar seu desempenho, e que resulta na presença de substância listada e proibida pelos órgãos organizadores da competição ou na evidência do uso de um método proibido no corpo do atleta”.

Também é considerado doping o uso de métodos ilícitos de atitudes ou comportamentos de atletas, técnicos, médicos, dirigentes e/ou equipes participantes da competição.

A fim de obstar o uso ilícito de drogas, a CBF introduziu o Controle de Doping nos Campeonatos de Futebol, tendo como objetivo precípuo promover condições de igualdade para as equipes e atletas participantes, da mesma forma assegurar a proteção da integridade física e psicoemocional dos atletas e respeito à ética desportiva.

Além dos mecanismos criados pela CBF, é imprescindível que o próprio atleta tenha a responsabilidade de não ingerir nenhuma substância ilícita, sob pena das sanções administrativas e contratuais, bem como de prejudicar a sua saúde e reputação.

Hoje, no Brasil, caso seja constatado o uso de alguma substância ilícita no exame de doping, o jogador será julgado pela Justiça Desportiva Antidopagem, composta por um Tribunal e uma Procuradoria, podendo sofrer penalidades.

A Agência Mundial Antidoping alterou recentemente seu Código Disciplinar. A partir de 2021, não punirá mais atletas por uso de drogas sociais, como maconha e cocaína. No entanto, será necessária a comprovação pelo jogador que a utilização de tais substâncias não teve como finalidade obter alta performance.

Segundo a Agência Mundial, o intuito da alteração foi a preocupação com a saúde do atleta, sendo certo que a mera sanção esportiva, como por exemplo, a suspensão, não resolveria o seu problema com o vício e o afastaria dos campos e quadras.

Tem-se que a nova regra possui uma visão mais ampla acerca do consumo de drogas pelos jogadores, passando a dar mais atenção à sua saúde e o enfrentamento ao vício, em detrimento das severas penalidades, as quais somente dificultavam o retorno dos atletas às suas atividades. 

O consumo de drogas vai além de uma mera punição, devendo ser tratado como um assunto de saúde pública. De certo, criando políticas para o combate e prevenção ao consumo de substância entorpecentes, haveria o tratamento do problema como um todo e desde a sua origem. 

A verdade é que se um jogador tem problemas com dependência química e passa por severas punições, como as que o Maradona sofreu, este pode se entregar de vez ao vício, se afastando do esporte e de qualquer chance de melhora.

Talvez, caso houvesse tais regras na época do craque Maradona, este poderia ter vencido o seu vício e nos agraciado com o seu futebol arte e não encerrado sua carreira de forma tão polêmica e precoce.

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Maradona, um homem imperfeito

Ensinaram-me quando menino: “Homem não chora”. Eu teria que aprender a não chorar, para ser homem. Hoje chorei, chorei por Maradona. Por Maradona deixei de ser homem. Em compensação, com Maradona aprendi a ser outro tipo de homem: o homem que ri e que chora, o homem que tem inveja e que tem modéstia, o homem que é grande e que é pequeno, o homem que tem medo e que tem coragem, o homem que é político e que é solitário. Tudo isso Maradona me ensinou? Não, tudo isso ele encarnou, entre muitas outras coisas. Não tentou ser Deus, e foi, não tentou ser herói, e foi, não tentou ser bondoso, e foi, não tentou ser genial, e foi. Fez parte daquele grupo de pessoas que nos ensinam a viver, mesmo não tendo a menor intenção de fazer isso. Aquele homem que me ensinaram a ser, que não podia chorar, me fazia infeliz. O homem imperfeito, que só os como Maradona ensinam a ser, me faz feliz.

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Queremos futuros Maradonas?

Maradona foi, entre uma imensidão de coisas que define um ser humano e jamais será possível esgotá-lo em um pequeno texto, uma figura que incomodou, contestou e que não se permitiu controlar.

Passagens como as eternizadas nos versos de Eduardo Galeano em uma de suas obras primas Futebol ao sol e à sombra, nos ajudam a ter uma noção do tamanho da dor de cabeça que o argentino foi para muitos poderosos, dentro e fora do futebol.

No Mundial de 86, Valdano, Maradona e outros jogadores protestaram porque as principais partidas eram disputadas ao meio-dia, debaixo de um sol que fritava tudo que tocava. O meio-dia do México, anoitecer da Europa, era o horário que convinha à televisão europeia”

Maradona disse coisas que mexeram em casa de marimbondos. Ele não foi o único jogador desobediente, mas foi sua voz que deu ressonância universal às perguntas mais insuportáveis: Por que o futebol não é regido pelas leis universais do trabalho? Se é normal que qualquer artista conheça os lucros do show que oferece, por que os jogadores não podem conhecer as contas secretas da opulenta multinacional do futebol?

Outro momento que ilustra essa, para alguns, assustadora imprevisibilidade do argentino é do início de sua carreira. Diego recusou uma proposta milionária, com o perdão do trocadilho, do River, e buscou ativamente um acerto com o, na época, enfraquecido Boca. Escolheu com o coração, e não com a fria lógica da maior e melhor oferta, o River naquela altura além de melhor estruturado financeiramente, era uma equipe muito mais forte.

Maradona fora do controle, indomável, imprevisível, sempre foi um risco para quem tem tudo sob seu domínio, um risco que essas pessoas não estão nem um pouco dispostas a correr. Talvez por isso os seus erros tenham tido sempre uma repercussão de proporções estratosféricas e o trabalho para ridicularizá-lo tenha sido tão incessante, é interessante para quem foi contestado por ele vê-lo caído.

Um Maradona entre os principais nomes do esporte hoje, como outros e outras que ensaiam surgir na nova cena do esporte mundial, com a repercussão que sua figura teria em um mundo hiperconectado, seria ainda mais ameaçador, e aí não fica difícil de entender que, para essas pessoas que temem as mudanças, quanto menos “Maradonas” melhor. Aqui já falamos do processo de formação de jogadores e jogadoras autônomas, independentes, ou se preferir, livres.

É desse ponto de partida, da personalidade incontrolável de Diego e o que ela representa é que seguimos para pensar sobre o futuro. O primeiro dos questionamentos que fica para quem ama e trabalha com o futebol e se queremos ou não novos “Maradonas”, como sugere o título. Queremos futuros jogadores e jogadoras obedientes ou questionadores? Queremos mudar ou manter as coisas como estão? Tendo clareza do que se quer, fica mais fácil organizar ações que fazem sentido para que se atinja esse objetivo.

O que podemos fazer no dia a dia, ao ensinar o futebol, para ajudar desenvolver as características que identificamos como essenciais? No caso de Maradona, o que o incentivou questionar as injustiças que ele via a sua volta? Alguém o ensinou? Ou será que ao menos alguém permitiu que esse espírito se desenvolvesse? Será que esse espírito questionador tem relação com o seu desempenho dentro de campo? É possível dissociar o Maradona jogador de tudo o que o tornava humano?

Do dia 25 de novembro de 2020 em diante vamos seguir construindo nosso mundo, com mais ou menos Maradonas, tudo depende de nossas escolhas e ações.

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Sobre as relações humanas como técnicas de vida

Não faz muito tempo, pouco antes do jogo entre Red Bull Leipzig x Atletico de Madrid, pelas quartas-de-final da UEFA Champions League, em que Julian Nagelsmann deu mais uma ótima entrevista, dessas que viralizam facilmente, na qual falou um bocado sobre o jeito de jogar da sua equipe e algumas ideias particulares sobre liderança. Me chamou a atenção um trecho, em particular, que transcrevo livremente abaixo:

Você não pode ir para o campo e ganhar o jogo sozinho. Precisa dos seus jogadores e de ter os soft skills, os social skills, que são os mais importantes quando você é o treinador e tem 26 ou 27 jogadores. Acho que uma mistura entre habilidades táticas e sociais fazem de você um dos melhores treinadores na Europa, ou do mundo. Se for um cérebro tático, mas as suas capacidades sociais forem baixas e não muito bem desenvolvidas, não terá sucesso. Se você não conseguir reconhecer detalhes táticos, então é importante que crie um bom staff técnico, que te ajude e complemente, mas, se as tuas aptidões sociais forem muito elevadas, pode ter muito sucesso. Mas, se só tiver a tática, é muito complicado.

Bom, há pelo menos duas questões importantes aqui. A primeira tem a ver com o início da resposta, quando Nagelsmann se refere ao que ele chama de soft skills. Não é a primeira vez que o vejo falando disso – eu mesmo já escrevi um outro texto comentando uma entrevista de teor semelhante. Basicamente, quando ele fala dessas soft skills, fala de algo como habilidades sociais que, segundo ele próprio, são 70% do sucesso de um treinador.

O número em si não me interessa tanto, mas a primazia das relações, sim. Sendo um jogo praticado por humanos, é claro que o futebol será tanto mais fértil quanto mais estiver atravessado por essa grande dimensão de humanidade, pela capacidade cada vez mais rara de tratar gente como gente, nas coerências e nas contradições do outro – e não apenas gente como coisa. Ao mesmo tempo, ainda mora na fala do próprio Nagelsmann uma referência ao que ele entende por habilidades que, a meu ver, merece alguma atenção.

Nessa vertigem pela aquisição de habilidades, percebo que alguns colegas fazem apostas realmente altas nisso que podemos chamar de conhecimentos, via tentativas mais ou menos sistematizadas de consumo de informações não apenas futebol, como sobre a vida. Afinal, não faltam páginas nas redes sociais, assim como não faltam textos e livros e cursos de gente supostamente ensinando conhecimentos e habilidades para liderança, habilidades para empatia, habilidades para respeito (geralmente mais para ser respeitado pelos outros do que para respeitar), ou mesmo habilidades de comunicação – talvez as mais famosas na ordem do dia. Existe uma ansiedade bastante razoável pela ideia de consumir e adquirir ‘conhecimentos’ – ainda que isso nos leve a consumir mais do que somos capazes de processar – e neste momento histórico, esse tipo de busca está bastante atrelada à chancela de supostos experts, que vendem técnicas e mais técnicas que supostamente formariam outros experts. E uma das consequências práticas disso é as habilidades sociais, que num passado não muito recente nos eram ensinadas pela vida que se vivia, estão se tornando de fato cada vez mais técnicas, são reflexo de esforços técnicos, de modo que o respeito, a empatia, a comunicação e a própria liderança viram apenas a reprodução pasteurizada de uma ou várias técnicas – e não qualidades humanas propriamente ditas.

Não por acaso, não surpreende a quantidade realmente impressionante de líderes cada vez mais técnicos, retratos de técnicas e mais técnicas que, em cada gesto que fazem e em cada passo que dão, estão cada vez mais nos dizendo que são produto de um conjunto de técnicas, máquinas de si mesmos, que às vezes formam uma mistura tão mirabolante, que o resultado acaba sendo um certo tipo de teatro, sujeitos tão dominados pelas técnicas que eles próprios julgavam dominar, que agora tornam-se apenas atores ou atrizes de si mesmos, donos de papeis cuja aparência nem sempre condiz com a realidade. E todos vocês, que conhecem bem um vestiário, sabem que no vestiário as máscaras caem muito rápido. A mentira de fato tem pernas curtas.

Daqui vem outra coisa que me chama a atenção no discurso do Nagelsmann, essa mais sutil: o fato de defender as habilidades sociais e o fato de haver tanta gente querendo adquirir habilidades sociais da mesma forma como se adquire um produto qualquer no supermercado não significa que ele próprio tenha se formado assim. Quando olho para um sujeito como ele, que parece fluente na habilidade de lidar com pessoas, penso que parte muito significativa dessa personalidade não vem de processos formais de aprendizagem, mas sim de uma articulação das próprias experiências de vida – e da intuição. Quando tecnificamos excessivamente os processos de aprendizagem, geralmente deixamos em segundo plano as nossas próprias experiências, os acontecimentos que preenchem a nossa vida, e ignorando as experiências, também ignoramos a capacidade de dar sentido às coisas que nos acontecem. Existem outras formas de aprender, outras formas de posicionar-se no mundo, que estão para além das formalidades ou dos conhecimentos dos experts, que por vezes residem na capacidade de experienciar e/ou de intuir. Embora as técnicas sejam um apoio importante, relacionar-se com os outros não é algo que se aprende pelos livros, mas depende de um outro tipo de saber, depende de um saber da vida, depende de olhar para dentro, depende de uma forma muito particular de estar no mundo – e, portanto, depende da tentativa incansável de tornar-se quem se é.

E aqui chegamos numa característica final, que gostaria de comentar com vocês, que está justamente na capacidade cada vez mais rara de ser quem se é. O sujeito recheado de técnicas pode sentir-se preenchido, mas também pode ficar tão entupido, tão constipado, de um modo que não sabe mais esvaziar-se e relaxar para ser apenas quem é, sem muitas performances, sem as maquiagens da vida social. Por outro lado, o sujeito que se sente bem sendo quem é, com o que há de bom e de ruim nisso, provavelmente terá ainda mais recursos para mediar as relações humanas de que falamos aqui. E portanto, talvez as habilidades sociais não sejam exatamente um conjunto de técnicas ou procedimentos que nós usamos para estar no mundo, mas muito mais um conforto, um aceite, e em grande medida uma busca de nós mesmos, das experiências e mesmo das contradições que nos fazem humanos.

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A cultura engole a estratégia

Os jogadores serão sempre os atores principais nesse espetáculo chamado futebol. Eles tomam decisões em micro segundos. Eles abrem mão de prazeres momentâneos em nome de uma forma física cada vez mais exigente e necessária para a alta performance. Eles, profissionais e assalariados, comemoram quando marcam um gol – você abraça seus colegas de empresa quando faz algo bem feito? Pois é…

Porém, cada vez mais esses atletas são dependentes de outras pessoas. O sucesso de uma equipe dentro de campo é fruto, é produto, de tudo o que acontece em seu entorno. Massagistas, roupeiros, nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas, enfim, cada célula do clube tem sua parcela de responsabilidade no resultado final. E diante disso será cada vez mais raro um clube “bagunçado” conquistar troféus.

No mundo corporativo usa-se muito o termo  ‘cultura organizacional’. Com tristeza, constato que não dá pra importar em cem por cento essa ideia para o futebol. Isso porque, principalmente aqui no Brasil, os clubes são estritamente políticos. Entretanto, quando há uma cultura, embalada por uma mentalidade, focada em vitória, em sucesso e em soluções, o trabalho dos jogadores dentro das quatro linhas fica facilitado.

E estou citando muito os atletas, mas tudo isso vale também para os treinadores. No caótico futebol brasileiro, o técnico de sucesso muitas vezes não é o que tem mais conhecimentos táticos e metodológicos. E sim aquele que entende mais rapidamente essa ‘cultura’ e sabe tirar o melhor da estrutura já existente. Um entendimento global do contexto e a habilidade em fazer todos caminharem para o mesmo lado pode dar um resultado mais rápido e eficaz do que grandes mudanças táticas.

O torcedor sempre tem seu olhar voltado para as quatro linhas, e é inegável que o mais apaixonante é o que acontece no campo. Mas para cobrar resultados vale uma visão mais global e sistêmica. Insisto que o jogador é a peça mais importante. Mas ele está inserido em uma engrenagem maior. Tem muita gente trabalhando para que um chute seja convertido em gol. Então, quando a bola entra o mérito não é só daquele protagonista. Para o inverso, quando a bola sai, o demérito também não de apemas uma pessoa. Por uma visão mais coletiva…podem jogar só onze. Mas tem muita gente envolvida nesse esporte tão incrível… 

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol

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O ataque do River de Marcelo Gallardo – a finalização

No terceiro texto da série de artigos sobre o ataque do River Plate de Marcelo Gallardo vamos explorar a fase de finalização das jogadas da equipe, que tem se mantido nos últimos anos como uma das melhores do continente.

Nessa fase a equipe argentina possui comportamentos coletivos que ficaram enraizados de 2014 a 2019, ao longo do texto vamos explorar três desses comportamentos

O ataque pelo centro sempre com 2 opções de apoio de progressão e ruptura ao 1º homem

O ataque pelos lados com variação de qual jogador realiza ruptura para cruzar – atacantes ou laterais

A finalização de média distância quando o 1º homem se identifica como homem livre para chutar

Comecemos pelo primeiro comportamento tático presente nas imagens abaixo.

Nas figuras 26 e 27, Pity Martinez é o 1º homem aquele que tem a opção de conectar com Borré que tem a função de apoio de progressão e também atrai a atenção de um dos centrais rivais e Pratto que está como apoio de ruptura se projeta para o espaço nas costas da linha defensiva do Boca e faz um dos gol que fortaleceu o River no primeiro jogo da final da Libertadores 2018.

Imagens: Reprodução/Jonathan Silva

Nas figuras 28 e 29, Nacho Fernandez está como 1º homem da jogada e tem duas boas opções de profundidade, Borré que está como apoio de progressão em vantagem posicional sobre Rodrigo Caio e também Suarez como apoio de ruptura e em vantagem cinética sobre Pablo Marí. Na sequência da jogada o atacante está localizado mais próximo da linha de fundo e busca um passe pra trás para conectar com os companheiros que invadem a área.

Imagens: Reprodução/Jonathan Silva

Já nas duas imagens abaixo (30 e 31) podemos ver como o médio Pisculichi possui opções de conexão com apoios de progressão e também de ruptura, mas percebe que tem tempo e espaço para finalizar.

Imagens: Reprodução/Jonathan Silva

Já nas imagens seguintes (32 e 33), Juan Quintero é quem se aproveita do posicionamento mais avançado dos atacantes que estão como apoio de progressão e fixação, permitindo que o talentoso médio colombiano tenha tempo e espaço para finalizar e fazer um dos gols mais importantes na conquista da Libertadores da América de 2018.

Imagens: Reprodução/Jonathan Silva

Na semana que vem vamos para a última parte de nossa série na qual será discutido o momento de transição e o conceito do “atacar marcando”, executado pelo River nos últimos anos, além de uma análise quantitativa do ataque da equipe millonaria.

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O descumprimento das regras desportivas em tempos de pandemia

Em tempos de pandemia, as lives e encontros virtuais tornaram-se cada vez mais comuns. O intuito é facilitar a aproximação das pessoas, em virtude do necessário isolamento social vivido durante a COVID-19, e a tecnologia tornou-se uma grande aliada para diminuir o impacto neste período.

Lado outro, o futebol, esporte mais popular do mundo, vem com um certo atraso em relação aos demais esportes, apesar de fazer uso há algum tempo da tecnologia para melhorar a performance de seus atletas. Cito como exemplo a efetivação do setor de análise de desempenho; o uso de GPS pelos atletas durante os treinamentos e jogos; bem como a otimização do departamento de fisiologia dos clubes, para que possam extrair o melhor de cada atleta.

Porém, o tema ora abordado, e que está dando o que falar nas últimas semanas, é que a tecnologia, que vem inclusive para ajudar a melhorar o desempenho dos atletas, pode estar sendo usada para infringir regras e descumprir os regulamentos, podendo, inclusive, virar caso a ser analisado nos tribunais desportivos.

Casos recentes demonstram que técnicos de futebol suspensos em razão de medidas disciplinares supostamente trocam mensagens e ligações com membros da comissão técnica que ficam no banco de reservas gerindo a atuação dos atletas em campo.

O assunto que dominou o noticiário na última semana foi a presença do treinador do Atlético Mineiro, Jorge Sampaoli, nas tribunas do Estádio Mineirão, durante duelo contra o Flamengo pela 20ª rodada do Campeonato Brasileiro.

A Procuradoria do Superior Tribunal de Justiça (STJD), após analisar as imagens do jogo, pode oferecer denúncia contra o treinador argentino pela presença deste no estádio do Mineirão. O mesmo não poderia estar presente em virtude de estar suspenso por receber, pela segunda vez no Campeonato Brasileiro, seu terceiro cartão amarelo.

Outro fato relevante que instigou a procuradoria são as inúmeras imagens da transmissão de TV que mostram, tanto o treinador, quanto outro membro da comissão técnica no banco de reservas, utilizando seus respectivos smartphones durante toda a partida.

O procurador-geral do STJD, Ronaldo Botelho Piacente, em entrevista ao Jornal Super FC[1] de Belo Horizonte, afirmou que o Tribunal poderia solicitar a quebra do sigilo telefônico de Sampaoli, para tentar descobrir se os diversos telefonemas que o Treinador Atleticano deu foram no intuito de instruir o time, mesmo estando suspenso, o que configuraria ato ilícito, passível de punição pelo descumprimento da suspensão imposta.

Antes da esfera esportiva do assunto, cumpre informar que a Constituição Federal, afirma categoricamente e de forma expressa em seu artigo 5º, que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Dessa forma, seguindo o que está exposto no caput do Artigo 5º da Constituição, o mesmo artigo traz em seu inciso X, “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Assim, fazendo um breve paralelo da constituição com o exemplo do técnico argentino, podemos afirmar que a suposta quebra de sigilo telefônico do treinador violaria a intimidade, além de confrontar o inciso X do Art. 5º da Constituição Federal. Isto não poderá ocorrer, pois em nosso ordenamento jurídico a quebra de sigilo telefônico apenas ocorrerá para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, por decisão judicial, nas hipóteses e na forma em que a lei estabelecer.

Portanto, resta totalmente descabida e sem amparo jurídico, no entender deste colunista, eventual quebra do sigilo telefônico do técnico Jorge Sampaoli. Ademais, caso o treinador estivesse de fato utilizando-se do seu aparelho telefônico para interferir no jogo e enviar instruções ao seus comandados, o tribunal desportivo possui alternativas para cumprir de forma efetiva a punição imposta ao treinador.

E ainda, em razão da Pandemia, cada delegação pode ter apenas 42 pessoas por jogo, contando dirigentes, atletas, staff, dentre outros.

Complementando, a diretriz técnica elaborada pela CBF[1], demonstra categoricamente em seu Capítulo 4 – PRÉ JOGO[2], que o credenciamento das equipes deverá ser solicitado em até três dias úteis, vejamos:


Desta forma, retomando o caso do técnico Jorge Sampaoli, resta evidente a falha no controle de acesso da CBF, bem como no cumprimento da punição ao treinador do clube mineiro. Se há necessidade de credenciamento prévio, a CBF, no momento de habilitação da delegação atleticana, deveria ter analisado a condição do treinador mineiro, e se sua entrada no estádio era permitida como membro da delegação.

Portanto, o presente artigo possui o objetivo de trazer as seguintes reflexões: o STJD não detém competência para requerer a quebra do sigilo telefônico em exemplos como os citados acima, em razão da inviolabilidade da intimidade do treinador, pois, em nosso ordenamento jurídico, a quebra de sigilo telefônico apenas ocorrerá para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, por decisão judicial, nas hipóteses e na forma em que a lei [1]estabelecer.

Resta cristalino, ainda, que o futebol vem buscando a utilização da tecnologia para o desenvolvimento do esporte, e que a sua utilização de forma correta trará inúmeros benefícios aos atletas; ao público, que verá um futebol de melhor qualidade.

Por fim, a Confederação Brasileira de Futebol, em que pese ter realizado regulamentação para o retorno das competições sob sua responsabilidade, ainda falha no controle de entrada de acesso dos membros que não poderão estar no estádio, seja pela punição imposta, seja por superar o número de 42 pessoas por delegação dos clubes.

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol


[1] https://www.otempo.com.br/superfc/atletico/galo-x-flamengo-stjd-pode-pedir-quebra-de-sigilo-telefonico-de-sampaoli-1.2411360

[1] https://conteudo.cbf.com.br/cdn/202007/20200724204440_467.pdf

[1] LEI Nº 9.296, DE 24 DE JULHO DE 1996.

[2] Capítulo 4, Pg.23, alínea “d”