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Como (não) escolher um treinador

Crédito imagem: AFP

O espaço gigantesco que o treinador ocupa hoje no contexto do futebol mundial não é por acaso. Em um cenário globalizado, em que a informação e o conhecimento são acessíveis a todos, mais do que a quantidade do que se sabe, vale a sabedoria em escolher os elementos certos que aproximem um grupo da vitória. Além disso, a flexibilidade para se adaptar a diferentes ambientes, dentro de uma inteligência circunstancial, também é uma competência de extremo valor para um técnico ter sucesso.

Por isso, contratar um profissional não pode ser algo aleatório. Com base em ‘achismo’ ou ‘vi e ouvi falar bem’ desse sujeito… aqui, mais do que ideia de jogo, conceitos, modelo, falo de comportamento, perfil emocional e relacional. Quais clubes, sobretudo brasileiros, sabem de fato o ‘pacote’ que estão comprando?

Tomo como exemplo a busca atual do Flamengo para o substituto de Renato Gaúcho. Se justifica racionalmente a busca prioritária por um profissional português? Entendo a passagem brilhante de Jorge Jesus pelo clube e até mesmo a referência de Abel Ferreira no Palmeiras. Porém a capacidade deles em nada tem a ver e vai muito além do fato de serem portugueses. Um mínimo elemento é o idioma. Só! Até porque muita gente no clube carioca não entendia algumas coisas que Jorge Jesus falava…

Português, espanhol, brasileiro….a nacionalidade não pode ser critério para a escolha do líder do processo de um time de futebol. Um treinador vai muito além do passaporte. Repito: o que vai definir o sucesso do trabalho é capacidade relacional, gestão do ambiente, boas relações interpessoais, inteligência emocional, metodologia de treino, ideias adaptáveis e eficazes de jogo e etc. O sucesso é previsível. É construído e arquitetado. Apego emocional e pouco critério sólido não combinam com títulos… tentativa e erro não cabem em um mundo profissional…

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A vitória começa agora, na execução do planejamento

Crédito imagem: Vitor Silva/Botafogo

O mês de dezembro é crucial e determinante para conhecermos os campeões da temporada seguinte. Execução do planejamento – que já deveria ter sido feito anteriormente e agora, de fato, sendo só executado – montagem de elenco, acordos para chegadas e saídas de jogadores, definição de staff, aparelhamento de departamentos, enfim, é neste período sem jogos que as vitórias começam a ser construídas. E se ainda vivemos períodos insanos de trocas constante de treinadores, já dá para ver um entendimento maior dos clubes brasileiros de que competência e inteligência fora de campo aumentam as probabilidades de sucesso dentro de campo.

Listas de dispensas e caminhão de reforços não funcionam! Termos cunhados por dirigentes para mostrar ‘serviço’ a torcida, mas que na prática não aumentam as tais probabilidades de vitória, que já citei. Manutenção de uma base, de uma espinha dorsal, é fundamental. Independentemente de a temporada anterior ter sido boa ou ruim. Isso porque futebol é um jogo coletivo, em que quanto mais conhecimento um jogador tem do seu companheiro mais eles conseguem se entender, se entrosar e criar juntos coisas novas e melhores. 

Não defendo aqui que elencos sejam imutáveis. O que sou contra é a simplória observação de que porque perdeu tudo neste ano deve-se fazer uma ‘limpa’ no elenco e começar do zero para a próxima temporada e, por outro lado, se houve títulos achar que saídas e até mesmo contratações não são necessárias. E não se pode tirar da análise que o mercado brasileiro é exportador. Os melhores jogadores, sobretudo os mais jovens, são cobiçados e observados cada vez mais cedo. Mas até para vender dá para ter o ‘timing’ correto de ter o máximo de desempenho possível sem perder valiosos milhões de euros com uma negociação tardia.

A figura do executivo de futebol mais uma vez é crucial para o sucesso de toda essa engrenagem. Claro que o treinador deve ser ouvido. Entretanto não podemos esquecer que a média de um técnico no Brasil é de dois meses no cargo. Como deixar o treinador liderar a formatação de um elenco se na sequência por algum motivo ele pode ser demitido ou pedir para sair?! O clube é que deve ser o responsável por, por exemplo, ter relatórios físicos e médicos de todo atleta para ter claro se é momento de negociá-lo ou mantê-lo para o próximo ano. É o clube que deve mapear o mercado e buscar reforços que se encaixem financeira e esportivamente no projeto. Ficar refém de treinador, ou até mesmo de empresários, só fragiliza o clube. Terceirizar o planejamento ou simplesmente deixá-lo ao acaso não combina com troféu. 

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Os melhores técnicos de 2021 no Brasil

Crédito imagem: Reprodução/Atlético MG

O papel do treinador é cada vez mais determinante para os resultados de jogos e campeonatos. Se antes tínhamos em nossa cultura que o bom técnico era aquele que ‘menos atrapalhava’, ou no máximo aquele que ‘arrumava a defesa e deixava o talento decidir livremente na frente’, hoje eles ganham até um protagonismo exagerado, para o bem e para o mal: se vencem são heróis, mas se perdem são vilões.  

E já que estamos em final de temporada, momento sempre propício para retrospectivas, balanços e avaliações, dedico os próximos parágrafos a reflexões sobre os principais trabalhos de campo no futebol brasileiro em 2021. 

E o ponto de partida para qualquer análise neste sentido é o contexto. Todo clube possui por si só um desempenho histórico médio. Através da junção, tanto das forças como das fraquezas de todos os departamentos há a expectativa de um resultado. Como em um sistema, todas as peças compõem um todo que transcende as partes individuais.

O bom treinador é aquele que consegue elevar esse desempenho histórico. É aquele que mobiliza todas as engrenagens do clube e as potencializa para renderem mais do que costumam render na média. Por isso, meus dois primeiros destaques vão para o argentino Juan Pablo Vojvoda, do Fortaleza, e Fábio Carille, do Santos. Eles não foram campeões, mas seus “troféus”, tiveram graus de dificuldade absurdos!

Se no campeonato brasileiro de 2020, a equipe cearense lutou contra o rebaixamento, neste ano conquistou uma vaga na fase de grupos da Libertadores 2022. É uma gigante mudança de patamar, diante do que o ‘sistema Fortaleza’ tem nas últimas décadas! E paradoxalmente o Santos disputou a final da Libertadores do ano passado, mas as perspectivas financeiras e de montagem de elenco para 2021 eram terríveis. Aqui vale um recorte diferente, do desempenho histórico anual do Peixe, tendo como base o próprio 2021: escapou do rebaixamento no Paulistão na última rodada, eliminação em todas as Copas que disputou e risco real de queda no Brasileirão. Neste cenário, Carille chegou e conseguiu manter o clube na Serie A: um baita feito diante das adversidades, que em vários momentos foram maiores interna do que externamente.

E por fim, destaco Abel Ferreira do Palmeiras e Cuca do Atlético-MG que ficaram com os principais títulos da temporada. Um bicampeonato é sempre complicado, porque além das inerentes questões táticas, é necessário trabalhar o “apetite” dos jogadores, mantê-los com fome para continuarem conquistando. Abel conseguiu isso e faturou a segunda Libertadores. E Cuca soube organizar os talentos e domar os egos de um elenco milionário e um ambiente sedento e ansioso pelo título Brasileiro, que não vinha há cinquenta anos.

Esses quatro profissionais souberam olhar para o ambiente e extrair o máximo dele nas circunstâncias que tinham. Todo clube tem um padrão financeiro, político, administrativo, estrutural, médico, e por aí vai, que naturalmente ocupa determinado espaço no cenário futebolístico que ocupa. Quem eleva o padrão com o que tem nas mãos merece aplausos!

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O Palmeiras de Abel transcende

Crédito imagem: Cesar Greco/Palmeiras

Ganhar consecutivamente não é simples. É para poucos. O chavão que diz: ‘mais difícil do que alcançar o topo é se manter nele’ faz todo sentido. Por isso, os méritos do Palmeiras com esse bi (tri) campeonato da Libertadores devem ser reconhecidos e aplaudidos de pé.  

Vamos começar falando da parte mental, que o técnico Abel Ferreira tanto propaga. É normal o ser humano relaxar após um feito conquistado. Nossa natureza nos leva a uma acomodação depois de um objetivo alcançado. Pegue você, na sua vida pessoal e profissional: não é difícil se colocar em ação posteriormente a uma meta atingida?! Pois bem, atletas profissionais não são diferentes… e quando Abel percebeu que estava difícil recolocar o foco do grupo em conquistar mais, fazer história, ele pediu reforços. Alguns entenderam como choro e desculpa pela oscilação da equipe no começo da temporada… os reforços não vieram e mesmo assim Abel conseguiu colocar todos novamente em alta performance e veio mais uma Libertadores. Incrível!

E temos que voltar nosso olhar também para o Palmeiras como um todo. Um clube que hoje atua com excelência em cada um de seus departamentos. Que trabalha incessantemente para minimizar os riscos e erros naturais e inerentes ao futebol.

Chegar e ganhar tanto nunca é obra do acaso! Ciência do esporte, fisiologia, nutrição, parte médica, análise de desempenho, governança, finanças, enfim, tudo no Palmeiras hoje é feito de forma extremamente profissional. Duas Libertadores, dois Brasileiros, duas Copas do Brasil e um Paulistão em seis anos confirmam isso. Abel com seu inconformismo, sua gana, seus estudos, sua comunicação pautada na Programação Neurolinguística, era a cereja que faltava nesse bolo. Um clube forte vai produzir bons resultados independentemente do treinador. Mas esse mesmo clube com um técnico acima dos demais terá resultados jamais alcançados.

Esse é o Palmeiras de Abel 2021. Transcendendo tudo o que já foi feito na gloriosa história alviverde.

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Vou falar de arbitragem. Mas só hoje…

Crédito imagem: Washington Alves/Cruzeiro

Evito falar de arbitragem. Em minhas tribunas, prefiro campo e bola. É isso que decide campeonatos. Os árbitros podem até interferir em um jogo ou outro – normal, porque são seres humanos e estão passíveis de equívocos. Porém no médio prazo, em um torneio, principalmente de pontos corridos, ganha sempre quem mereceu. Quem foi melhor.

Ao passo que me incomoda técnicos e dirigentes que culpam quem apita por tudo de ruim que lhes acontece, não gosto de usar este nobre espaço para falar disso. Só abro esta exceção por conta dos últimos acontecimentos. Não posso me calar ao ver quem comanda (!) trocar pessoas, mas manter esse modelo amador falido e a falta de união dos clubes diante de tudo isso.

Como pode o árbitro não ser profissional?! Em uma indústria que movimenta milhões, até bilhões de reais, quem apita é amador. Não é possível mesmo pagar um salário mensal e oferecer toda a preparação necessária para quem vai definir a justiça no placar?! E me refiro aqui aos árbitros de campo e também a quem opera o VAR. Por melhor que seja a tecnologia ela ainda é manuseada por seres humanos. 

Quando não está apitando, esse indivíduo não tinha que estar em um outro emprego, que ele é obrigado a ter para poder entrar no quadro de árbitros. Ele deveria estar fazendo a preparação física específica para os movimentos necessários no campo de jogo, tendo uma preparação psicológica voltada para a pressão que é encontrada dentro das quatro linhas, assistindo aulas, reforços e palestras sobre recomendações e interpretações das regras, enfim, se o jogador atua no domingo e faz toda a preparação nos dias seguintes, porque o árbitro tem que ser amador e realizar outra atividade laboral?!

E chego aqui em outro ponto crucial que faz com que tudo isso vá se perpetuando por décadas a fio: a falta de união dos clubes. O individualismo e o egoísmo que vemos são absurdos! Se há um erro contra mim, grito, esperneio e faço uma pressão. Se sou “favorecido” me calo cinicamente. Não há a menor intenção de discutir o todo, o sistema. E sim pressionar para a próxima partida…

Não sei a quem interessa uma arbitragem não profissional…aos clubes é que não… mas eles estão muito ocupados, fazendo força nos bastidores tentando evitar, por exemplo, que um árbitro que seja de um estado que tenha algum clube brigando pelo mesmo objetivo, não apite seus jogos… triste futebol brasileiro…

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Entendendo o jogo de hoje

Crédito imagem: A2M/CBF

A evolução do futebol nos obriga a também sermos melhores em vários pontos: entendimento, comunicação, análise etc. Se o jogo já não é mais o mesmo de vinte, trinta anos atrás, obrigatoriamente temos que compreender o que de fato acontece nas quatro linhas contemporâneas, sob pena de vermos o fenômeno atual com um óculos míope de um passado que só existe em nossas memórias afetivas.  

Um ponto interessante para refletirmos é a posição e função de cada jogador em campo. Como uma visão simplista do papel individual nos leva a leituras coletivas distantes da realidade: temos como um padrão cultural no mundo todo a necessidade de definir esquemas nas escalações; as próprias transmissões televisivas precisam de um desenho inicial para melhor apresentar os onze titulares. Me refiro aqui ao 4-4-2, 4-3-3, 3-5-2 etc. Porém são raras as equipes que mantém uma ocupação rígida do espaço durante os noventa minutos. Com a bola há uma formação, se a posse está com o adversário há outra, sem falar das transições que também pedem desenhos táticos específicos. Soma-se a isso a necessidade de se rotular cada jogador por características ‘universais’: volante marcador, lateral ofensivo, meia de chegada, centroavante matador e por aí vai… o problema de tudo isso? Acreditar que um time pode estar defensivo demais por ter ou três zagueiros ou dois volantes. Ou o oposto: achar que ao escalar vários atacantes um time estará sendo ofensivo e agressivo…

Ao invés de olharmos plataformas de jogo (os 4-4-2 e adjacentes), vamos observar comportamentos e ideias, ou seja, quais os padrões da equipe para atacar e defender – e isso vai muito além da simples ocupação do terreno de jogo. Ou quem sabe ainda sairmos do clichê de que zagueiro tem que ‘zagueirar’ e atacante não pode ajudar na marcação porque assim não terá fôlego (?) para chegar na frente. Todo jogador pode ter um perfil com e sem a bola. No momento ofensivo todos atacam, incluindo o goleiro, e no defensivo todos defendem, inclusive o centroavante. Um viés mais sistêmico e completo é o que pede o jogo atual de alto nível.

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Como a subjetividade do futebol nos apaixona

Crédito imagem: Felipe Oliveira/EC Bahia

Há vários argumentos, teorias e explicações sobre o porque de o futebol ser o esporte mais apaixonante, assistido e comentado do mundo. Todas as teses são válidas e corretas. Sabe por que? Por ser imprevisível, não há certo ou errado no futebol. Até o bonito e o feio são particulares, próprios de cada um. E é aí que está a graça do negócio! 

Com um terreno de jogo de grandes dimensões, o alvo (os gols) pequeno, vinte e dois jogadores manipulando a bola com os pés – mais difícil por essa ser a parte do corpo mais distante do cérebro (tente escovar os dentes com os pés para comprovar a dificuldade!) – enfim, esses são alguns poucos, mas há vários outros elementos básicos do futebol que o tornam uma verdadeira caixinha de surpresas.

O jogo tem evoluído absurdamente nos últimos trinta anos. A tecnologia está tornando tudo mais veloz e dinâmico não só dentro, mas também fora das quatro linhas. As informações são globais, gerando um intercâmbio mundial de ideias que também contribui para o aumento da qualidade.

Apesar de tudo isso, tenho certeza que se esse texto fosse escrito daqui cem anos, mesmo com a tecnologia chegando a patamares inimagináveis para a nossa geração, eu continuaria afirmando que o futebol é algo imprevisível e aleatório.

Estudamos ao máximo todas as vertentes do jogo e mesmo assim há variáveis eternamente incontroláveis. Existem inúmeras formas de se aumentar as probabilidades de sucesso. Mas nenhuma certeza. Técnicos, analistas e os próprios jogadores podem se preparar da melhor maneira possível que mesmo assim a vitória não é certa. Há quem garanta, inclusive, que em um jogo de futebol há mais possibilidades de acontecimentos do que há átomos no universo!

Encerro, com base em tudo isso, trazendo exemplos práticos que estão acontecendo neste final de 2021 no futebol brasileiro: 

  • mesmo o Flamengo sendo o mais rico ele não vai ganhar tudo.
  • o time flamenguista de Jorge Jesus nunca mais vai existir, mesmo se estiverem reunidos todos aqueles jogadores e o próprio Jesus. Porque não foram só as pessoas que fizeram aquele futebol arte. Foram as pessoas e suas circunstâncias. O que é bem diferente…
  • a Chapecoense, mesmo virtualmente rebaixada, pode tirar pontos de quem está em cima da tabela.
  • o Grêmio pode ser rebaixado, mesmo com um time repleto de craques.
  • Marinho jamais voltará a ser no Santos e em clube algum o craque que foi em 2020.
  • Benitez, meia do São Paulo, é craque, mas não consegue jogar. Não compensa tê-lo no elenco, mesmo sendo craque, repito.
  • o Corinthians mesmo com quatro excelentes reforços vai oscilar. Lembra que estamos falando de algo coletivo e subjetivo?! E o técnico Sylvinho tem culpa quase nula nessa natural oscilação…

Enfim, o futebol é um eterno comparativo entre a ilusão da expectativa e a gestão da realidade… o torcedor continuará sofrendo esperando certezas em algo total e prazerosamente imprevisível!

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Quando aspectos psicológicos determinam o favoritismo

Crédito imagem: Gilvan de Souza/Flamengo

Há poucas semanas atrás, duas das três principais equipes do futebol brasileiro de 2021, Flamengo e Palmeiras, apresentavam desempenhos e ambiente de trabalho que colocavam o Flamengo como forte favorito ao título da Copa Libertadores. Por um lado, o Palmeiras oscilava e perdia pontos para equipes tradicionalmente menos expressivas e que possuem investimentos muito menores. Nos quatro primeiros jogos disputados neste mês de outubro, somou somente 2 pontos, dentre 12 possíveis. Por sua vez, o Flamengo vinha sendo arrasador e atropelava seus adversários com seguidas goleadas. No mesmo intervalo, foram 10 pontos conquistados, dentre 12 possíveis, e 10 gols marcados.   

Enquanto estes resultados colocavam o Palmeiras em crise, já que passou a sofrer com fortes críticas da mídia esportiva e pressão da torcida com manifestações de insatisfação – por exemplo, a pichação do muro do clube com ataques à diretoria, jogadores e treinador – do lado do Flamengo eram só elogios à equipe do treinador recém-contratado, Renato Gaúcho.

Neste momento, qual era a equipe favorita ao título da Copa Libertadores numa eventual final: Palmeiras ou Flamengo? Indiscutivelmente, o Flamengo.

Bem… passemos a abordar, então, a influência dos aspectos psicológicos neste favoritismo. À época das semanas de jogos exemplificados nas linhas acima, era a equipe flamenguista que aparentava melhores condições psicológicas. A palavra “aparentava” deve ser ressaltada, pois, na psicologia, sobretudo no âmbito dos processos de grupo, há conteúdos explícitos e implícitos, que operam tanto no nível consciente, quanto inconsciente. 

Infelizmente, no futebol (mas também em outras modalidades esportivas), costuma-se lembrar da psicologia do esporte somente para apagar incêndios, em situações adversas e de derrotas. Mas a equipe do Flamengo, mesmo sem a presença de um(a) psicólogo(a) esportivo(a) em sua comissão técnica, mostrava-se (aparentemente) autoconfiante, auto eficaz, concentrada, com níveis de ansiedade e motivação equilibrados e com bom funcionamento grupal. Por sua vez, o Palmeiras mostrava sinais de ansiedade elevada, tensão, nervosismo e, sobretudo, baixa autoconfiança. O treinador Palmeirense, em entrevista, disse que a equipe sofria com questões de ordem mental e confiança para o jogo. Vale destacar que se tratam somente de suposições. E suposições levantadas com base na observação dos atletas e comissão técnica nos jogos e entrevistas na mídia televisiva. Ou seja, desconheço a rotina de treinos e vestiário de ambas equipes. Tampouco tenho dados de análises e testes psicológicos desenvolvidos em ambas equipes, algo fundamental no trabalho da psicologia esportiva.    

Cabe, nesse momento, fazermos a seguinte indagação: as condições psicológicas determinaram o desempenho de ambas equipes ou o desempenho determinou as condições psicológicas? Ou seja, foram as vitórias que fizeram do Flamengo, semanas atrás, uma equipe mais concentrada, confiante e equilibrada emocionalmente, por exemplo, ou tais condições psíquicas que fizeram da equipe flamenguista vencedora?   

As duas questões levantadas podem estar corretas. Ou seja, ao mesmo tempo que uma equipe melhor preparada emocionalmente terá melhores condições de vencer as partidas, ao vencê-las, ela tenderá a manifestar melhores condições psíquicas. A vitória, o gol, assistências, boas defesas, trazem, ainda que momentaneamente, maior confiança, equilíbrio emocional e melhor ambiente de trabalho aos jogadores e comissão técnica da mesma forma que a confiança, por exemplo, possui relação direta com a performance do jogador. Sim… qualquer um(a) que tenha jogado futebol pode confirmar esta afirmação, mas vale ressaltar que as pesquisas produzidas no campo da psicologia esportiva confirmam cientificamente essa relação.  

Confirmada então esta relação, voltemos à questão do favoritismo. Se no início de outubro o Flamengo era amplamente favorito ao título da Libertadores numa eventual final com o Palmeiras, será que hoje ainda pode-se dizer o mesmo? Jogadores profissionais de futebol não desaprendem a jogar num espaço de tempo tão curto, não é? Por sua vez, bastam poucas derrotas para elevar o tom das críticas e aumentar significativamente o nível da pressão que atletas e treinadores recebem e, consequentemente, todas as condições psicológicas que antes eram favoráveis, se tornam adversas. Quero dizer, com isso, que ao mesmo tempo que uma derrota num clássico e uma eliminação nas semifinais da Copa do Brasil são capazes de desiquilibrar emocionalmente uma equipe, três vitórias consecutivas são capazes de fazer uma equipe retomar sua confiança e performar em suas melhores condições técnicas, táticas e físicas.

Semanas atrás, o Palmeiras sofria com as críticas e grande pressão da mídia e de torcedores. Hoje, é o Flamengo que vivencia tais condições. Entretanto, há duas diferenças que influenciam, no meu entendimento, o favoritismo para o lado palmeirense: 1) O treinador Palmeirense, mesmo no momento adverso, e com afirmações que tenham explicitado certas fragilidades, jamais demonstrou falta de confiança no seu trabalho e no grupo de atletas. O treinador flamenguista, por sua vez, ao entregar o cargo à diretoria, explicita não confiar que é capaz de levar sua equipe ao título da Libertadores, questionando a competência de ambos, dele e dos jogadores; 2) Estar bem preparado psicologicamente não significa que as derrotas não acontecerão, mas sim que elas não serão capazes de desarticular e estereotipar o grupo frente à sua tarefa. O Palmeiras, que conta com uma profissional da psicologia do esporte na comissão técnica, demonstrou estar preparado para lidar com as adversidades e retomou o equilíbrio e as vitórias. Entretanto, tenho dúvidas se o Flamengo e seu treinador, sempre adversos à presença deste profissional no clube e reticentes quanto à importância da psicologia esportiva no futebol, estão também preparados para superar o momento delicado que estão passando.

Ainda assim, se faz necessário também mencionar o fato de que as equipes não costumam ser bem preparadas para lidar com o favoritismo. Afinal, se por um lado o favoritismo pode fazer dos atletas mais auto eficazes e autoconfiantes, por outro, ele eleva a já exacerbada pressão pela vitória.  Para finalizar, vou direto ao ponto. Tecnicamente, acho a equipe do Flamengo superior. Psicologicamente, o Palmeiras me parece melhor preparado. Como os aspectos psicológicos podem determinar o desempenho (técnico, tático e físico) de uma equipe, arrisco dizer que o favoritismo mudou de lado e coloco, neste momento, o Palmeiras como provável campeão da Copa Libertadores. Entretanto, tenho clareza dos riscos de tal palpite, afinal, a psicologia não se trata de uma ciência exata e o jogo possui, dentre outras virtudes que o tornam fascinante, a imprevisibilidade.

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Jogar futebol e brincar no espaço da rua: experiências de vida e aprendizagem para além da prática

Crédito imagem: Marinho Ramos/Semcom

O encontro de duas ou mais crianças no espaço da rua configura um rico cenário de aprendizagens motoras, afetivas, intelectuais, sensoriais, morais e sociais que nem sempre são percebidas num primeiro momento, mas são experiências que devem ser observadas no processo de desenvolvimento humano. Então, podemos dizer que a partir da experiência vivida nas situações das brincadeiras da rua, as crianças constroem conhecimentos cognitivos e relacionais que ao longo do seu desenvolvimento ampliam sua confiança e participação nas atividades individuais e coletivas, que acontece a partir da curiosidade própria da experimentação, da criatividade, da interação e da própria prática da brincadeira.

O espaço da rua é entendido aqui como aquele ambiente no qual as crianças podem brincar, sem a interferência dos olhares dirigidos do adulto, ou seja, qualquer espaço que possibilite a oportunidade das crianças participarem de atividades motoras como: correr, pular, dançar ou de se divertir com a prática social que domina o imaginário de grande parte das crianças brasileiras: o futebol.

A experiência da criança em brincar de futebol com outras crianças no espaço da rua não se limita às aprendizagens dos conteúdos formais, mas se dirige à formação da criança inteira, preparando-a para atuar num mundo baseado em conhecimentos formais, relacionais e sociais. Isso porque, no momento do jogo, ocorrem vários tipos de aprendizagens simultaneamente. Ao mesmo tempo em que aprendem a jogar, logo, a terem controle sobre seus movimentos, a fim de alcançarem um determinado objetivo, também aprendem a se relacionarem com o grupo com as seguintes qualidades: respeito, sinceridade, solidariedade, autocontrole, autoconfiança, espírito de grupo, companheirismo, união, participação, responsabilidade, humildade e valorização do outro, elaboração de regras etc.

Dessa forma, o jogo de futebol ou qualquer outra brincadeira com outras crianças no espaço da rua, torna-se relevante durante a sua infância quando sabemos que o desenvolvimento humano não é um processo natural e sim produto de processos sociais mediados pela cultura, construídos na interação.

Então, a oportunidade de vivenciar experiências recreativas na rua se dá na relação entre o conhecimento cognitivo e as relações humanas, e neste caso, a presença do outro se torna fundamental.  O outro pode ser outra criança, o ambiente da rua, o outro que transforma na interação que constitui aprendizado em constante movimento que na maioria das vezes comporta mudanças, dificuldades, inovações e adequações, sem um saber previsto, ao contrário, com possibilidade de experimentar, criar, discutir, elaborar entre o grupo de crianças.

Essa interação no espaço da rua é um ambiente propício para aprendizagens, afinal, o saber da experiência não é o saber do objetivo previsto, ao contrário, é o desconhecido, é a possibilidade, é o experimentar. E isso, as crianças sabem fazer muito bem quando brincam, jogam e elaboram regras.

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Neymar, não ligue tanto pra internet…

Crédito imagem: AFP

Neymar ama jogar futebol. Isso é nítido. Toda vez que ele está em campo fica escancarado o seu amor por correr, driblar, chutar e etc. Porém, quando Neymar vem a público e diz que não sabe se terá “cabeça” para o futebol após a Copa do Mundo do ano que vem, também fica claro o quanto as críticas e as cobranças o abalam. Mas será que Neymar tem a exata noção do todo ou ele pega apenas o pequeno recorte das redes sociais para se sentir desta maneira?!

Tenho certeza que Neymar seria muito mais feliz e até produziria mais se ele não tivesse acesso à internet. Por maior que seja o impacto do mundo virtual (não nego e jamais negarei isso) ele não representa a globalidade de nenhum universo. A prova disso foi o carinho não só que Neymar recebeu, mas também Tite, Gabigol e toda a seleção brasileira, no jogo contra o Uruguai, na semana passada em Manaus. 

Neymar é um ídolo brasileiro. Um ídolo mundial. Se ele passear livremente por qualquer rua de São Paulo, de Paris e de Barcelona será ovacionado pela esmagadora maioria. Alguns pouquíssimos irão torcer o nariz e ficar de lado. Talvez justamente esses que pegam o celular e xingam pelas redes sociais.  Entretanto coberta pelo falso anonimato virtual essa pessoa é brava apenas digitando. Pessoalmente, mesmo que tivesse oportunidade, duvido que falaria ‘na cara’ o que escreve.

Neymar é disparado o melhor jogador do Brasil. Entendo que desde muito novo ele tem grandes responsabilidades. O dinheiro, talvez, já nem está mais entre as três, quatro, cinco principais prioridades. Que ele sinta o quão é querido. De verdade. Nas ruas. Nas estádios. Com ‘pessoas físicas’. Para que as poucas ‘pessoas virtuais’ não ganhem essa partida.